quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A cura está no doente, diz médico

Não é habitual ouvir um médico respeitável, de uma instituição de saúde modelar, falar sobre o papel da energia do corpo humano e da religião no caminho para a cura. É justamente o caso do cirurgião Paulo de Tarso Lima, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. A medicina integrativa é uma prática em ascensão. Surgida nos Estados Unidos na década de 1970, une a medicina tradicional oriental, com sua abordagem holísitica, e a ocidental, apoiada na produção científica e na tecnologia. A reunião tem revolucionado a busca pela cura de doenças como o câncer. “A ideia não é excluir nada, mas juntar tudo e mostrar que a pessoa é detentora da capacidade de cura da própria doença”, afirma Lima, que estudou a medicina interativa na Universidade do Arizona (EUA) e cursa o primeiro ano da Barbara Brenner School of Healing, na Flórida, onde a cura é perseguida a partir do estudo da energia humana. O médico é também autor do livro Medicina Integrativa – A Cura pelo Equilíbrio (MG Editores, 139 págs., 32,20 reais). Na entrevista a seguir, ele explica os fundamentos da medicina integrativa e aposta que a prática vai se espraiar por aqui por razões econômicas – por ora, apenas alguns hospitais e somente cinco universidades brasileiros se dedicam ao assunto.
Afinal, o que é medicina integrativa?
É um movimento que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970 e que começou a ser organizado com mais rigor na década de 1980, quando entrou para as faculdades de medicina. Hoje, existem 44 universidades americanas ligadas à pratica, que traz uma visão mais holística da pessoa no seu todo: corpo, mente e espírito. O que buscamos é oferecer uma assistência com informação e terapias que vão além da medicina convencional para ajudá-la a se conectar com a promoção de saúde. Eu não tenho a menor dúvida de que a medicina convencional é extremamente efetiva em se tratando de doença, mas saúde não é apenas ausência de doença.
Que terapias são essas?
Sistemas tradicionais como a medicina chinesa e indiana nos oferecem uma gama de alternativas, como acupuntura, reiki, yoga, entre outras, que trabalham a energia do nosso corpo, estimulando uma reação aos sintomas das doenças. A ideia desse movimento não é excluir nada, mas juntar tudo e mostrar que a pessoa é detentora da capacidade de cura da própria doença. Isso é uma mudança de paradigma, porque a possibilidade de voltar ao estado saudável não é algo dado à pessoa, mas é algo inato a ela.
Qual a explicação para só agora a medicina integrativa despertar interesse de médicos convencionais?
Há duas razões: a demanda dos pacientes e a produção acadêmica, que cresce a uma velocidade muito alta. Se entendemos como as coisas funcionam, sabemos que é seguro.
Qual a situação da prática no Brasil?
Estamos em uma situação de dualidade. Os alinhados à prática muitas vezes não usam a medicina convencional de maneira integrada, e os convencionais não usam a medicina integrativa. Temos no Brasil um movimento diferente dos Estados Unidos, menos acadêmico, mas que vem crescendo graças a uma portaria de 2006 que autorizou procedimentos de acupuntura, homeopatia, uso de plantas medicinais e fitoterapias no Sistema Único de Saúde (SUS).
E por que a resistência dos médicos convencionais?
Eu não entendo. Estamos falando de energia e não precisamos ir muito longe para provar que energia corporal existe. A partir do momento que temos uma mitocôndria que produz energia dentro de cada célula, e isso é ensinado no primeiro ano de medicina, não há o que discutir. Temos energia no corpo, e pronto. O curioso é que muitos exames hospitalares rotineiros são baseados em mensuração do campo energético do corpo, como a ressonância magnética, o eletroencefalograma e outros mais sofisticados. Mas se você falar para um neurologista sobre a manipulação da energia do corpo, ele pira.
Por quê?
Porque entramos em um outro ponto da discussão sobre a energia humana, que é a interface com a religião. Estamos vivendo em uma nova fronteira em que se tenta entender essa energia, como ela é produzida, como pode ser manipulada e conduzida. E isso tem um impacto importante na questão da espiritualidade. Por isso, se algum paciente meu acha conforto na religião, se ele se sente bem assim, eu o estimulo a praticá-la.
E como se medem os resultados da medicina integrativa?
Começamos a medir os resultados pelas questões econômicas. A Prefeitura de Campinas, em São Paulo, registrou uma redução substancial de uso de analgésico dentro do SUS ao oferecer terapias ligadas à medicina chinesa focadas na questão ósseo-muscular. Além disso, tem uma série de trabalhos acadêmicos ligados à genética provando que a qualidade de vida produz efeitos na expressão genética da doença. E uma nova fase de trabalho investiga se uma gestante, cujo feto apresenta uma expressão genética de determinada doença, pode ajudar seu bebê se tiver uma gestação muito cuidadosa.
Como isso seria possível?
O homem carrega no seu código genético informações de doenças que podem ser a causa de sua morte. Isso já é provado. Só que você pode ter a característica genética da doença e não desenvolvê-la, ou tê-la precocemente. Isso vai depender da qualidade da sua vida. Comer bem, respirar melhor, praticar atividades físicas, lúdicas e contemplativas são fatores muito importantes ligados à qualidade de vida e que vão provocar um impacto no nosso bem-estar e, consequentemente, na resposta do corpo às doenças já estabelecidas e àquelas que estão programadas para acontecer. O Prêmio Nobel do ano passado de Medicina (dividido entre os pesquisadores Elizabeth H. Blackburn, Carol W. Greider e Jack W. Szostak) mostra que, se há uma importante mudança nutricional e de práticas contemplativas, há uma diminuição da expressão de câncer de próstata em determinados grupos de homens.
As pessoas, em geral, estão mais abertas para as práticas alternativas?
No Brasil, entre 45% e 80% dos pacientes diagnosticadas com câncer utilizam algum tipo terapia “alternativa” em conjunto com o tratamento. Nos Estados Unidos, 13% das crianças e 55% dos adultos saudáveis utilizam tais práticas.
O senhor acredita que essa corrente ganhará espaço no futuro?
Acredito. Não por razões humanitárias, mas por uma questão econômica. Afinal, a forma como a medicina é praticada atualmente implica altos custos. Não posso prever, porém, quanto tempo isso vai demorar, porque o convencimento dos profissionais a respeito do assunto exigirá um longo trabalho.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Que é o filosofar?

Que é o filosofar?


Estamos diante de uma questão muito relevante para quem está dando os seus primeiros passos nos estudos filosóficos. Para a atividade filosófica, saber no que se constitui especificamente o filosofar é tão importante quanto conhecer este ou aquele conceito filosófico. Sendo assim, consideremos então o que seja o ato de filosofar. Neste propósito, a fim de exercitarmos o raciocínio, respondemos esta questão primeiro por via negativa e doravante por via afirmativa:
a) O ato de filosofar não é uma atividade isolada da vida de estudos filosóficos, nem ainda, descolada de nossa crua realidade diária;
b) Filosofar não é um devaneio, isto é, um momento fantasioso em que empregamos nossa imaginação com o fim de se abstrair da realidade que nos cerca;
c) Filosofar não é, também,  “viajar na maionese”, ou seja, não é um delírio no qual o indivíduo (como se tivesse usado drogas ilícitas) tem experiências em outra dimensão, fora do contexto da realidade cotidiana.
Professor, se o ato de filosofar não está separado de nossa realidade diária, se ele não é um momento fantasioso (devaneio) e nem muito menos uma “viagem na maionese”, que vem a ser então o filosofar? É possível apresentar uma resposta a esta questão com três afirmações:
a) Comecemos pelo básico: ‘filosofar’ do ponto de vista da língua portuguesa é um verbo intransitivo. Sabemos que todo verbo implica uma ação ( também: um estado, ou fenômeno natural).  Se todo verbo implica uma ação, que tipo de ação está implícita ao ato de filosofar? Nada mais nada menos que a atividade do pensar, do refletir; entretanto, não é o mero pensar. Não é um pensar fundado no mero achismo, isto é, num simples “eu acho que é isto ou aquilo”. É, sobretudo, pensar de modo crítico, livre e independente, apoiando-se nos princípios lógico-filosóficos registrados na estrutura do pensamento humano, nos textos de filosofia, ou ainda na realidade que nos cerca, pois é dela que também se origina as questões filosóficas;
b) O ato de filosofar caracteriza-se como um pensar por si mesmo, por conta própria, mas só  conseguimos isso apoiando-se na reflexão de outros, isto é, na reflexão dos filósofos e pensadores que escreveram, ou escrevem sobre a filosofia;
c) Filosofar é ainda pensar, refletir e criticar os próprios pensamentos, as próprias ideias preconcebidas acerca de algo ou alguém. Diga-se de passagem: filosofar é colocar nossos preconceitos sob a luz reveladora da crítica. E mais: filosofar é refletir, a partir dos princípios lógicos oferecidos pela filosofia. É pensar sobre nós mesmos, sobre o mundo, sobre as coisas, sobre o outro, etc.. Estar diariamente se pensando, se questionando e pensando acerca da realidade, é estar filosofando.
De certa maneira, o filosofar também nasce da “admiração do mundo”, diria Aristóteles (filósofo grego). Melhor, o ato de filosofar origina-se do admirar/contemplar (refletir) o mundo, as coisas, o outro e a si próprio diariamente. A gênese/origem do filosofar, pensa Aristóteles, opera-se na admiração diária que os filósofos antigos tiveram sobre a realidade. Filosofar é, portanto, a experiência de um pensar constante e diário, uma reflexão que começa com uma admiração ingênua do mundo e se transforma em exercício crítico e rigoroso do pensamento.
Diga-se ainda, é correntemente sabido que somos seres dotados de corpo e pensamento (ou, se assim quiser: corpo e alma), logo não há como não pensarmos: carregamos a inclinação do pensar em nós.
Em outros termos, podemos perceber que enquanto estivermos vivos ainda que queiramos, não podemos deixar de pensar, pois o mero esforço pra parar de pensar já é um leve sinal do pensamento em nós. Pensar é o nosso destino!
“Comum a todos é o pensar”, já dizia Heráclito de Éfeso (filósofo grego). Todavia, sabemos que nem todos pensam legitimamente, do ponto de vista filosófico. Se nem todos pensam legitimamente, ou corretamente, fica claro que se faz necessário o aprender  a pensar. Se precisamos aprender a pensar é porque não nascemos sábios. É para nos ensinar a pensar, legítima  e racionalmente, que existe a filosofia.
Afinal, o pensamento, quando bem exercitado,  é o elemento que nos faz ser mais que meros animais, lançados a mercê dos mistérios da natureza. O pensamento bem exercitado e bem aplicado nos faz ser humanos, nos faz ser gente!
REFERÊNCIAS:
ARISTÓTELES. “Metafísica”. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002.
COMTE-SPONVILLE, André. “Apresentação da filosofia”. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 165 p.
HERÁCLITO. “Sobre a Natureza”. Trad. José Cavalcante. In. ‘Os pre-socráticos’ (Col. Os pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1973.
“MiniAurélio Século XXI Escolar”. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

Sereno...

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ladrão do erário deve perder seus bens

Ladrão do erário deve perder seus bens



(diz Min. Barroso)







Luiz Flávio Gomes, Professor de Direito do Ensino Superior
Publicado por Luiz Flávio Gomes
ano passado
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Quais penas e/ou medidas são mais adequadas contra os larápios que praticam a pilhagem do patrimônio público (ou contra quem é acusado de fazê-lo)? O tema é muito polêmico. Se deixado por conta do clamor popular, da paixão e do prazer da vingança, que é uma festa (Nietzsche), seria a prisão ou a pena de morte. Esta última é proibida pela Constituição brasileira, salvo em caso de guerra externa. Num país subdesenvolvido como o Brasil, com recursos públicos escassos para suas tarefas antimiséria, o ressarcimento dos danos combinado com o máximo empobrecimento (dentro dos limites legais) dos ladrões do erário público se mostra mais adequado. Isso foi dito, em outras palavras, pelo Min. Barroso, ao negar a progressão de regime a réu do mensalão do PT que não quis pagar o valor da multa a que fora condenado (Agravo Regimental na EP 12).
Nosso atraso cultural, no entanto (e disso constitui exemplo o ver a terra como um “vale de lágrimas”, porque desde o pecado original nascemos apenas para a dor e o sofrimento), tem nos conduzido a usar a prisão como panaceia para nossos males, deixando a riqueza do larápio intacta (ou só parcimoniosamente afetada). O ladrão vai para a cadeia (quando vai), mas continua rico. O crime compensaria (eis a triste mensagem). Todavia, especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública – como também nos crimes de colarinho branco em geral –, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária (disse o ministro). Esta, sim, “tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos”.
É preciso sinalizar “para todo o país acerca da severidade [econômica, não necessariamente prisional] com que devem ser tratados os crimes contra o erário”. Em matéria de criminalidade econômica, “a pena de multa há de desempenhar papel proeminente. Mais até do que a pena de prisão – que, nas condições atuais, é relativamente breve e não é capaz de promover a ressocialização –, cabe à multa o papel retributivo e preventivo geral da pena, desestimulando, no próprio infrator ou em infratores potenciais, a conduta estigmatizada pela legislação penal” (Barroso). Para isso, no entanto, é preciso labutar pela certeza do castigo, porque é dela que se pode esperar a prevenção da criminalidade (particularmente do colarinho branco, que se converte em criminalidade cleptocrata quando praticada pelos donos do poder).
Todos os países que conseguiram êxito no controle da corrupção combinaram três coisas: (1) educação da besta humana pouco domesticada (Nietzsche), sobretudo no campo ético, (2) medidas preventivas (rigoroso controle das funções e dos funcionários públicos mais transparência absoluta dos seus atos e contratos) e (3) certeza do castigo (impérioinfalível da lei). Não basta e muitas vezes é até mesmo desnecessário aprovar novas leis penais mais duras; é preciso fazer do “império da lei” uma realidade (o mais possível infalível). O humano sempre julgou necessário “criar uma memória, uma recordação, do que foi feito de errado” (Nietzsche).
No caso dos criminosos do colarinho branco essa memória tem que passar pelo desempossamento sobejante dos bens acumulados ilicitamente (gananciosamente). Seu empobrecimento no grau máximo proporcional possível (conforme o Estado de Direito) é que constitui o seu suplício, o martírio ou mesmo o sacrifício cruento, que cumpre o papel que nos povos mais subdesenvolvidos desempenhavam os “mais espantosos holocaustos e os compromissos mais horríveis (como o sacrifício do primogênito), as mutilações mais repugnantes (como a castração), os rituais mais cruéis de todos os cultos religiosos (porque todas as religiões foram em última análise sistemas de crueldade) (Nietzsche). O empobrecimento do larápio do dinheiro público pode atender aquele instinto que descobriu na dor o auxílio mais poderoso da mnemotécnica. Mas somente o castigo efetivamente cumprido e adequado pode cumprir esse papel preventivo. Não é a intensidade da lei, sim, a certeza do castigo que pode gerar prevenção.

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Luiz Flávio Gomes, Professor de Direito do Ensino Superior
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ] Site: