segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Justiça que prende, Justiça que solta


ontem
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Justia que prende Justia que solta
Após meses de intenso trabalho investigativo, a polícia consegue desvendar as atividades criminosas de uma perigosa quadrilha e identifica os seus membros. O juiz decreta a prisão preventiva de todos eles. Pouco tempo depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concede habeas corpus para que sejam postos em liberdade. A sociedade protesta.
Há algo errado nesse filme já visto tantas vezes, e o erro, muito frequentemente, não vai estar nas pontas: nem na polícia (embora isso às vezes ocorra), nem muito menos no lado da sociedade – cansada, com justa razão, de conviver com a violência e a impunidade.
É no Judiciário, portanto, que o problema acontece. A velha ideia popular de que “a polícia prende, a Justiça solta” bem poderia ser substituída por uma outra questão: “Por que a Justiça prende e a Justiça solta?” A resposta tem a ver com uma exigência da Constituição Federal, estabelecida no artigo 5º, LXI, e com o controle da legalidade das decisões judiciais pelos tribunais.

Última medida

Num país onde vigora a presunção de inocência, a prisão antes do julgamento é possível, mas excepcional. No caso da prisão preventiva, cabe ao juiz que a decreta indicar os motivos específicos pelos quais aquela pessoa, ao contrário dos outros réus, não pode continuar em liberdade enquanto responde ao processo.
Conforme destaca o ministro Rogerio Schietti Cruz (leia a entrevista), “é preciso dizer mais que o óbvio”, pois a prisão cautelar “é a última medida”, à qual só se deve recorrer quando todas as outras se mostram insuficientes.
Se não há indicação dos motivos, ou se eles não são válidos, a prisão é ilegal. Em tais casos, a responsabilidade pela soltura de um preso eventualmente perigoso não pode ser atribuída a quem, cumprindo o comando constitucional, apenas reconhece essa situação.

Motivação específica

Quando a pessoa comete um crime grave, nem sempre haverá razão para ser presa antes de julgada, ainda que possa receber pena longa, se ao final do processo for condenada. A prisão cautelar não é a regra, mas exceção, e tem requisitos específicos que precisam ser demonstrados para que a supressão provisória da liberdade não se torne automática, arbitrária e ilegal. Por exemplo, a ordem de prisão precisa mostrar que o réu está destruindo provas ou coagindo testemunhas, que fugiu ou que sua liberdade representa um risco de prática de novos crimes.
Em respeito ao princípio da excepcionalidade da cautela extrema, decisões que suprimem a liberdade humana não podem ignorar as particularidades do caso concreto, “sob pena de engendrar a decretação automática de prisão preventiva contra todos os autores de crimes graves, independentemente da singular apreciação de cada um deles”, afirmou o ministro Schietti ao julgar o HC 299.666.
Isso porque, segundo ele, para justificar a prisão preventiva, não basta invocar a gravidade abstrata do delito nem recorrer a afirmações “vagas e descontextualizadas” de que a medida é necessária para garantir a ordem pública ou econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.
Com base no mesmo entendimento, em setembro deste ano, a Sexta Turma do STJ concedeu habeas corpus a sete pessoas presas em São Paulo sob acusação de associação para o narcotráfico, garantindo-lhes o direito de responder ao processo em liberdade (HC 363.540).

Argumento genérico

Ao analisar o pedido de um dos acusados naquele caso, os ministros revogaram a decisão que decretou a prisão, já que deixou de indicar motivos suficientes, relacionados à situação específica, que justificassem a real necessidade de colocar o réu cautelarmente privado de sua liberdade.
Em seu despacho, o juiz afirmou que havia indícios suficientes da existência do crime de tráfico, mas, ao fundamentar a prisão, disse apenas que ela era necessária “para assegurar a aplicação da lei penal, bem como para garantir a ordem pública, dada a repulsa e os danos sociais causados pelas drogas, notadamente pela facilidade de aliciamento de adolescentes e crianças à referida prática delituosa, seduzidas, muitas vezes, pelo rápido e vultoso retorno financeiro”.
Nenhuma palavra sobre a situação particular dos investigados, sobre o que fizeram concretamente, nem sobre os fatos específicos apurados no inquérito. Os argumentos apresentados na decisão judicial, de acordo com o ministro Schietti, poderiam servir para fundamentar a prisão de qualquer outra pessoa acusada de associação para o tráfico, em qualquer outro processo, o que evidencia o caráter vago e genérico do decreto de prisão.

População prisional

A despeito do controle do Judiciário sobre suas próprias decisões, os presídios estão abarrotados de presos sem julgamento.
No primeiro semestre de 2014, o número de presos no Brasil ultrapassava a marca dos 600 mil – número consideravelmente superior às 376.669 vagas do sistema penitenciário, como aponta o último levantamentofeito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Com a quarta maior população prisional e a quinta maior taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais (161%) do mundo, o Brasil ainda enfrenta uma agravante: 41% dos presos esperam julgamento, ou seja, estão em prisão temporária ou preventiva. Isso representa, conforme o novo relatório de informações penitenciárias (Infopen), a quarta maior população de presos sem condenação.
E essa tendência de crescimento do número de presos que esperam julgamento é mundial. Segundo relatório do Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS), de 2014, cerca de 3 milhões de pessoas no mundo estão presas provisoriamente.

Medidas alternativas

Quando não estão presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, e sempre que ela não se mostre indispensável, o juiz deve se valer de medidas alternativas para preservar o processo e a sociedade. Em outubro deste ano, a Sexta Turma determinou a soltura de uma mulher acusada de entrar com droga em presídio e aplicou medidas cautelares diversas da prisão (RHC 75.589).
Segundo o relator do caso, ministro Nefi Cordeiro, o juiz apontou que a indiciada, em depoimento à polícia, reconheceu ter tentado entrar com droga no presídio. De acordo com o ministro, o juiz não mencionou nada acerca da existência de eventual histórico delitivo, ou mesmo de outras circunstâncias gravosas que pudessem justificar a segregação – o que, em seu entendimento, é suficiente para a adoção de medidas cautelares diversas da prisão.

Abandono de veículo

Em julgamento semelhante, de agosto passado, a Quinta Turma revogou o decreto prisional de um homem acusado de roubo e substituiu a segregação pelas medidas cautelares previstas no artigo 319, incisos I e IV, do Código de Processo Penal – com a ressalva de que nova prisão poderia ser decretada, desde que concretamente fundamentada (RHC 67.478).
Para o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a mera alegação de abandono do veículo, após sua utilização em velocidade alta, não é suficiente, por si só, para justificar a prisão cautelar, “em especial porque tal menção consta somente da decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva”.
Ele observou que as instâncias ordinárias fizeram apenas menção aos termos da lei processual e uma análise teórica, com termos genéricos e suposições acerca da necessidade da prisão preventiva, sem apontar dados objetivos da suposta conduta delitiva.
“Em suma, os fundamentos lançados pelas instâncias ordinárias não são idôneos para a manutenção da prisão preventiva decretada”, afirmou.

Desemprego

A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que toda prisão imposta ou mantida antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, ou seja, em elementos vinculados à realidade e não em suposições ou conjecturas.
Em junho deste ano, a Sexta Turma revogou decisão que justificou a prisão preventiva como necessária à garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. Constava na decisão do juiz que, ficando solto, o réu, “desempregado, poderá voltar a valer-se da prática de atos delituosos, já que não tem meios lícitos para se manter, ou evadir-se do distrito da culpa” (HC 355.470).
Para o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, a prisão foi mantida em segundo grau com base nas circunstâncias do crime e em juízos de probabilidade acerca da periculosidade do agente. “Fez-se simples referência à gravidade genérica do delito de roubo e, em razão de o paciente estar desempregado, ao provável estímulo à reiteração criminosa, fundamentos que se mostram insuficientes”, ressaltou.
Em decisão unânime, a turma concedeu o habeas corpus para assegurar ao acusado o direito de aguardar o julgamento em liberdade.

Tema frequente

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas concluída em 2014, sob coordenação do professor Thiago Bottino, revelou que a prisão cautelar era o tema predominante nos pedidos de habeas corpus originados em quatro dos cinco Tribunais de Justiça com maior volume de ações dessa natureza no STJ. No caso do TJ paulista, campeão absoluto do ranking, a prisão cautelar aparecia como o segundo tema mais frequente.
Em grande parte das impetrações, a alegação da defesa é a falta de motivação válida, o que o tribunal é forçado a reconhecer sempre que não encontra na ordem de prisão a necessária referência a fatos concretos e específicos que justifiquem a medida extrema.
Afinal, como resumiu com especial clareza o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence: “A melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial – que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso concreto e singular – é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum” (HC 78.013).

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Epitáfio Titãs (Compositor: Sérgio Britto) - Um plágio sem vergonnha!



Devia ter amado mais

Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração



O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...



Devia ter complicado menos, trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier



O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...



Devia ter complicado menos, trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr

O POEMA “INSTANTES” NÃO É DE BORGES

Há muitos anos vem sendo reproduzido o poema “Instantes” como do poeta argentino Jorge Luis Borges. Basta olhar alguma antologia do escritor para comprovar que esse poema não existe entre seus escritos. O poema “rola” pela Internet e até em universidades com a autoria errada. Os versos são da americana Nadine Stair. A viúva de Borges, María Kodama, desmentiu a autoria do marido em relação ao poema há anos. Vamos desfazer de uma vez por todas esse equívoco? Possivelmente, o erro originou- se por causa da escritora Elena Poniatowska (francesa com nacionalidade mexicana) que atribuiu a autoria do poema a Borges num livro de sua autoria publicado em 1990. O livro foi retirado com o devido pedido de desculpas:
descarga
Elena Poniatowska, a “culpada”
 Abaixo o polêmico poema com a sua autora correspondente:


Instantes (Nadine Stair)


“Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.

Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvetes e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e profundamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.
Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente
de ter bons momentos.

Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;
não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia
a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e,
se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo”



sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O valor jurídico do afeto: Filiação socioafetiva x monetarização das relações de afeto

Família

O valor jurídico do afeto: Filiação socioafetiva x monetarização das relações de afeto

Michele Amaral Dill, Thanabi Bellenzier Calderan
Resumo: No presente artigo, analisa-se a importância do reconhecimento do valor jurídico do afeto, podendo ser reconhecida à filiação socioafetiva, através do instituto “posse de estado de filho”, bem como a possibilidade de indenização por abandono afetivo. Busca-se, ainda, investigar a possibilidade dos filhos afetivos em investigar a filiação biológica e quais os efeitos de tal reconhecimento.
Palavras chave: Filiação, afeto, dignidade humana, família, abandono
Sumário: Introdução. 1 Verdade Biológica E Afetiva 1.1 A Busca Da Verdade Biológica 1.2 O Valor Jurídico Do Afeto 2 Filiação Socioafetiva Na Reprodução Humana Natural 3. Conflitos Entre As Filiações 3.1 Direito Dos Filhos Afetivos De Investigar Sua Origem Genética 3.2 Abandono Afetivo. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Entre a evolução dos diversos ramos do direito, não resta dúvida de que o direito de família se destacou pela constante evolução social, colocando em dúvida antigos conceitos como: família e filiação. A família atual é produto da sociedade, que em seus primórdios visava somente manter sua linhagem genética, sendo que na contemporaneidade, ela se funde pelo afeto, e não mais no intuito, procriativo.
Diante da instabilidade social, o legislador tem o compromisso de fazer com que o direito acompanhe a dinâmica social, no entanto sabemos que o processo legislativo é lento e muito trabalhoso, dificultando a manutenção das leis em acordo com os anseios sociais, permitindo que o ordenamento jurídico apresente lacunas, cabendo aos juristas orientar a melhor solução para cada caso através da doutrina e da jurisprudência, no entanto assuntos como filiação socioafetiva, ainda não estão totalmente consolidadas pela jurisprudência, gerando divergência entre os operadores do direito.
A partir da descoberta do exame de DNA, seu resultado vem sendo usado como critério absoluto para a determinação da filiação, elevando os laços de sangue a critério preponderante para a determinação das relações familiares. Se a Constituição reconheceu duas espécies de filiação e impões a igualdade entre ambas, não pode o julgador nos casos de conflito, determinar a supremacia do vínculo genético, pois, obter a certeza da origem genética não é suficiente para determinar a filiação, uma vez que inúmeros valores passaram a interferir no campo das relações humanas.
Na atualidade apesar de todos os avanços sociais e da ciência, há muita divergência de entendimento acerca da oposição da biologia versus afeto. Frente a tal realidade torna-se imprescindível o uso de novos referenciais na identificação dos vínculos de filiação, como o reconhecimento da filiação socioafetiva, através do instituto “posse de estado de filho”.
Por essas razões, busca-se pesquisar a filiação sociafetiva e seus efeitos quanto ao reconhecimento, pois elevar o afeto a valor jurídico foi uma conquista muito grande do Direito de Família, pois a partir disso, o conceito de filiação foi ao encontro da paternidade responsável e não mais da paternidade meramente biológica, forçada onde se impõe através do exame de DNA. Outrossim, agora já se fala em monetarização do afeto, em virtude do abandono afetivo, isso prova maior preocupação com o afeto nas relações de direito de família.
1 VERDADE BIOLÓGICA E AFETIVO
1.1 A busca da verdade biológica
A Constituição Federal de 1988 assegurou a todos o direito de ter reconhecido o seu estado de filiação. Esse direito foi consagrado, também, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que normatiza a garantia de todos os filhos a ter sua filiação biológica reconhecida, conforme antes mencionado, sendo este um direito pessoalíssimo, indisponível e imprescritível.
Assim, segundo o modelo regulado pelo nosso ordenamento jurídico, tem-se que, via de regra, pai é aquele que mantém um vínculo consangüíneo e registrário. Principalmente o registrário, levando em conta que se, eventualmente, não coincidir com o biológico, faz-se necessário o manejo de uma ação judicial para o fim de ser extinto o vínculo e para que seja reconhecido o novo.
A investigação de paternidade surge como meio de instituir os laços de filiação. Pelo sistema biológico filho é aquele que detém os genes do pai, uma vez reconhecido à identidade biológica entre pai e filho, surgem os novos direitos, como a possibilidade de passar a usar o nome do pai e demais direitos de cunho social como o direito a alimentos e a herança.
Antes do advento do exame de DNA não tinha como garantir se um indivíduo era ou não filho de alguém. “Agora é possível não só excluir os indivíduos falsamente acusados, mas também obter probabilidade de inclusão próxima de 100%. Ou seja, é possível através do DNA afirmar com certeza o progenitor de determinada pessoa, inclusive naqueles casos em que membros da família já faleceram”. [1]
Ainda que se concedam facilidades no reconhecimento dos laços de filiação ou meios avançados, como o exame de DNA ressalta-se que a simples identificação biológica não estabelece os laços de filiação esperados. Concedem-se sim direitos, mas não afeto essencial para o desenvolvimento de qualquer ser humano.
O uso do exame de DNA em caráter determinante para o reconhecimento de filiação peca no sentido de tornar a filiação simples laço biológico desprovido de emoções e sensações. Podemos citar como exemplo, um doador de esperma que voluntariamente doa esperma a um banco de sêmen de modo a fertilizar vinte mulheres. Nesse caso se tiver a sua identidade revelada teríamos vinte ações de investigação de paternidade as quais face ao exame genético de DNA todas seriam procedentes e teriam seu pai biológico reconhecido. Nasce para as partes o direito de assistência, direito ao nome, direito a herança de tal modo que teremos um pai com vinte filhos e sem ter tido relações com suas mães e sem qualquer vínculo afetivo. Diante desses fatos, começaram a emergir questionamentos, conforme colocação de FURTADO e SOUZA:
“Começaram a surgir vozes questionando o fato de se acatar única e exclusiva o resultado do exame de DNA como prova de paternidade, ao argumento de que não se pode considerar uma única prova como prova cabal dissociada de todo um conjunto probatório, até por que a ciência também pode errar. Para além disso, os doutrinadores mais modernos começaram a tratar da verdadeira questão que envolve a ação de investigação de paternidade, qual seja. O que é ser pai”. [2]
O surgimento do exame de DNA modificou o significado de filiação, sendo que passou a ser sinônimo de vínculo de sangue, e não de uma relação com base no amor e afeto entre os pais e seus filhos. Sabe-se que infelizmente em muitos casos pais genéticos, prefeririam que seu filho não tivesse sido gerado, passando a negar a existência do filho, ao completo desprezo, isso se torna mais evidente principalmente nos casos em que o vínculo de filiação foi estabelecido de forma forçada, através de uma ação de investigação de paternidade, por intermédio do pedido de exame de DNA.
Exige-se assim, uma postura mais humana por parte dos juristas, passando a decidir com base em um contexto probatório e não apenas em um exame. “Assim quando postas à apreciação do judiciário, questão tão delicada, se faz necessário que o direito se valha de um intercambio interdisciplinar com outros ramos da ciência, a fim de tentar, para além de solucionar a lide, estabelecer a verdade do que é a relação paterno-filial”. [3]
Claro está que para a Biologia, pai sempre foi unicamente quem, por meio de uma relação sexual, fecunda uma mulher que, levando a gestação a termo, dá à luz um filho.[4] As pais são muito mais importante como função do que, como meramente genitores.
1.2. O valor jurídico do afeto
Já não se têm dúvidas de que é o amor que une as pessoas, que faz com que compartilhem esperanças, frustrações, gerando uma união tão forte entre seus membros, caracterizando a existência de uma entidade familiar. “O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a palavra afeto no Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana”. [5]
“O amor, tanto para o ser humano, como para a sociedade organizada é muito importante. É, sem sombra de dúvida, o mais alto sentimento despertado na vivência em comunidade. Na expressão de Guilherme Assis de Almeida, “o amor deve ser a mais estimada de todas as coisas existentes. Esclareça-se que o amor, assim como os outros valores, é uma coisa, mas não algo concreto, palpável. Por sua própria natureza é inexaurível, jamais se esgota, sempre podemos amar mais e melhor.” [6]
O fato de o afeto ser elevado a valor jurídico, demonstra a grande evolução que o Direito de Família vem conquistando. Nessa perspectiva o afeto passou a fator relevante nas soluções dos conflitos familiares e em conseqüência passou a ser a essência da filiação, já que o amor não exerce valor jurídico. “Apesar da importância que o amor representa para a pessoa e para a sociedade, não se discutia, até pouco tempo atrás, sua relevância na seara jurídica. O fato é que de uma forma ou de outra, o patrimônio sempre ocupou lugar de destaque na legislação codificada”.[7]
Mesmo com a importância desses novos referenciais, o critério biológico passou a ser considerado absoluto e superior até mesmo da voluntariedade do reconhecimento. Tal absolutismo do critério biológico trouxe a ânsia do reconhecimento da filiação. Isso justifica-se como sendo uma forma de obrigar a sucessão patrimonial. Tal demanda de reconhecimento de filiação baseada no critério biológico somente reforçava o antigo objetivo de formar família, em nada buscava ou valorizava o afeto, até porque nenhuma decisão judicial pode incidir sobre o amor. Vejamos os comentários da Dra. Dayse Almeida:
“A relação de paternidade sempre aflorou importantes discussões na seara jurídica. Isto ocorre porque as relações pai e filho sempre são atuais, haja vista as modificações de pensamento e de cultura de nossa sociedade. Os conceitos de paternidade e maternidade ultrapassaram a biologia, saindo dela para adentrar ao mundo fático contemplando a convivência e o sentimento de afeto em contraposição à relação biológica estabelecida, por vezes forçosa do exame de compatibilidade genética para auferir paternidade.”[8]
Hoje, a família é vista não apenas como a união de pessoas para fins de continuidade patrimonial, a família é o alicerce psicológico e emocional dos seres humanos civilizados. O valor do afeto está cada vez mais em evidência no que tange à família, podendo, inclusive ser base para o estado de filiação, tanto quanto o critério biológico. O reconhecendo do valor jurídico do afeto, como sendo essencial para a determinação da filiação, já está consolidado por grande parte da jurisprudência assim vejamos:
“NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PROVA PERICIAL FRUSTRADA. LIAME SOCIOAFETIVO. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. A anulação do registro civil, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). 3. Em que pese o possível distanciamento entre a verdade real e a biológica, o acolhimento do pleito anulatório não se justifica quando evidenciada a existência do liame socioafetivo. 4. Inexistência de prova do vício induz à improcedência da ação. Recurso desprovido.”[9] (grifo nosso)
È inegável que existe resistência por parte de alguns juristas em reconhecer tamanha a importância do afeto nas relações parentais, tendendo a sobrepor a biologia ao afeto, mas se trata de uma minoria, conforme colocação do Autor: “Com o defraldamento do afeto a direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva, havendo a necessidade de ser formatada uma parceria, um espaço de convivência recíproca”.[10]
Hoje, temos por bem, dar valor ao sentimento, a afeição, ao amor da verdadeira paternidade, não sobrepor à origem biológica do filho e desmistificar a supremacia da consangüinidade, visto que a família afetiva foi constitucionalmente reconhecida e não há motivos para os operários do direito que se rotulam como biologistas e se oporem resistência à filiação sociológica. Nesse sentido o Autor destaca:
“A defesa da relevância do afeto, do valor do amor, torna-se muito importante não somente para a vida social. Mas a compreensão desse valor, nas relações do Direito de Família, leva à conclusão de que o envolvimento familiar, não pode ser pautado e observado apenas do ponto de vista patrimonial-individualista. Há necessidade da ruptura dos paradigmas até então existentes, para se poder proclamar, sob a égide jurídica, que o afeto representa elemento de relevo e deve ser considerado para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.”[11]
À vista disso, o vínculo biológico nunca poderá se sobrepor à relação existente entre um filho e um pai. Um verdadeiro vínculo pode surgir com os pais afetivos e, nesse aspecto, os pais da criança podem perfeitamente não ser os biológicos. Portanto, é de se dizer que o elemento fundamental na identificação da verdadeira e única filiação” é o relacionamento sócio-afetivo entre pais e filhos, portanto necessário se faz o reconhecimento do afeto como valor jurídico, alias seu que havia necessidade de lançar os fundamentos jurídicos para justificar que numa família se respira o afeto, o amor, o desvelo”.[12]
2 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NA REPRODUÇÃO HUMANA NATURAL
Parafraseando João Batista Villela, não é o nascimento que faz nascer o vínculo entre um filho e seus pais, “os laços da relação pai-filho se efetivam quando os filhos são pelos pais alimentados, cuidados, abraçados e protegidos. Daí se depreende que [...] a procriação seria um dado e a paternidade um construído”. [13]
E dentro desse contexto que surge a filiação socioafetiva, baseada na qualidade de filho, ou seja, nas situações onde os elementos formadores de uma família são os laços de amor e, a forma como se externa na sociedade, onde as pessoas que embora não tenham vinculo biológico, externam uma verdadeira relação entre pai e filho, sendo desta forma que se identificam na sociedade. Assim passa a ser o afeto preponderante nessas relações e assim, passam a ter proteção perante o direito de família.
“A verdadeira paternidade pode também não se explicar na autoridade genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de formas sólidas e duradouras, capazes de estreitar os laços da paternidade numa relação pscico-afetiva, aquele enfim, que além de poder lhe empresta seu nome de família, o trata como sendo seu filho perante o ambiente social.”[14]
Rolf Madaleno, segue essa mesma linha de raciocínio:
“Os filhos são realmente conquistados pelo coração, obra de uma relação de afeto construída a cada dia, em ambiente de sólida e transparente demonstração de amor a pessoa gerada indiferente origem genética, pois importa ter vindo ao mundo para ser acolhida como filho de adoção por afeição. Afeto para conferir tráfego de duas vias a realização e a felicidade da pessoa. Representa dividir conversas, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações; mostrar caminhos, receber e fornecer informação. Significa iluminar com a chama do afeto que sempre aqueceu o coração de pais e filhos socioafetivos, o espaço reservado por Deus na alma e nos desígnios de cada mortal, de acolher como filho aquele que foi gerado dentro do seu coração.”[15]
A filiação socioafetiva, pode resultar da reprodução medicamente assistida ou humana natural, sendo esse último objeto de análise do presente estudo. Desta forma temos quatro espécies de filiação socioafetiva na reprodução humana natural, sendo elas: a adoção judicial[16]o filho de criação[17]a adoção à brasileira[18] e o reconhecimento voluntário ou judicial[19]da paternidade e/ou da maternidade.
“Nesses casos, é edificado o estado de filho afetivo, (posse de estado de filho), na forma do artigo 226, parágrafos 4º e 7º, artigo 227, cabeço e parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, e artigos 1.593, 1.596, 1.597, V, 1.603 e 1.605, II, do Código Civil, cuja declaração de vontade torna-se irrevogável, salvo erro ou falsidade do registro de nascimento (artigo 1.604 do CC).”[20]
A paternidade socioafetiva fundamenta-se, juridicamente, no Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, preconizado no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. é importante resaltar que com o surgimento do ECA, a busca pela filiação, passou a ser direito indisponível, podendo ser buscada a qualquer momento, assim passou-se a o sentido da verdadeira paternidade, pois percebeu-se que a paternidade biológica não era suficiente.
Sabiamente João Batista Villela, diferencia procriação e paternidade:
“A origem do homem se radica na procriação, pura base biológica, entretanto a paternidade, em si mesma não seria um fato biológico, mas um fato cultural. Para os juristas a paternidade se associa antes com o serviço que com a procriação. Ou seja, ser pai ou ser mãe não está tanto no ato de gerar quanto na circunstância de amar e servir.”[21]
Assim a verdadeira paternidade é a que se revela no dia-a-dia, que não se adquire simplesmente com o nascimento de um filho, mas sim com o convívio, com cuidados, aprendendo a amar e a se conhecer, construindo juntos o verdadeiro sentido da paternidade responsável. Um pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho, jamais será o pai. Por isto podemos dizer que a verdadeira paternidade é adotiva e está ligada à função, escolha, enfim, ao Desejo [22]. Conforme sábia colocação de Cristiane J. Delinski:
“Não se pretende descaracterizar a paternidade biológica, pois na normalidade das relações pode-se dizer que são concomitantes. Mas, é a paternidade afetiva que deve ser buscada e protegida pelo ordenamento jurídico. Assim, em busca do equilíbrio entre a necessária valorização da verdade biológica e a não menor necessária de que a verdade sócio-afetiva seja respeitada, há que ser pelo direito utilizada a noção de posse de estado de filho.” [23]
O atual do conceito de família, fundada em laços de afetividade, a chamada família sociológica, que leva ao reconhecimento da paternidade sócio-afetiva”. [24] Assim, é indispensável que se faça uma abordagem sobre a posse de estado de filho, para que se perceba sua importância na busca de meios sustentáveis para reconhecer a paternidade mais condizente com a realidade.
3 CONFLITOS ENTRE AS FILIAÇÕES
Nas ações de filiação, tanto nas investigatórias quanto nas ações de reconhecimento, conforme já mencionado, tem-se que a descoberta do DNA trouxe para as partes a possibilidade de se alcançar a “verdadeira paternidade”, sendo que essa verdade já não é adequada à sociedade moderna.
“A ineqüidade gerada pelo apego ao elemento biológico levou a constituinte de 1988, a encarar o problema sob novo ângulo, talvez menos jurídico mas bem mais próximo da realidade social. a inserção da nação de paternidade responsável pôs um fim, ao menos formalmente, a insustentável supremacia da paternidade biológica. A independência entre a linha biológica e jurídica era de mais veemente para que o legislador não se apercebesse das novas tendências”.[25]
A descoberta dos vínculos genéticos ao mesmo tempo pode produzir efeitos jurídicos, mas também acarretar uma série de distúrbios psíquicos, na medida em que pode vir a transformar toda uma estrutura já construída, criando um vínculo reconhecido pelo Direito, mas não pela vontade.
“O novo texto constitucional não obriga, quem quer que seja a assumir uma paternidade que não deseja isto seria mesmo impossível faze-lo, sem violentar, não tanto a pessoa, mas a idéia de paternidade, assim entendida como intensa relação amorosa, auto doação, gratuidade, engajamento intimo, independente de imposição coativa, pai e mãe ou se é por decisão pessoal e livre, ou simplesmente não se é mas o que o novo texto constitucional não pode aceitar, e nisto deu mostra de intenso realismo, mesmo sacrificando noções de tradicionais de Direito de Família - é que o ato irresponsável de por um novo ser no mundo possa, sob a legação legal, furta-se das responsabilidades daí decorrente”. [26]
“No âmbito da filiação socioafetiva urge inúmeras indagações alguma delas até de difícil resposta haja vista que essa relação não dispõe de regulamentação na lei, fato que delega ao jurista a interpretação do direito, sendo que torna-se subjetivo”. [27]
A Constituição afastou do ordenamento jurídico a presunção da aparência, a ficção, a paternidade meramente judicial, acolhendo tão somente as duas verdades, a biológica (art. 226, §§ 4º e 7º da CF) e a sociológica (art. 227, § 6º da CF), “mas a teoria da evidência deve ser aplicada e também devemos lutar por isso, para que a decisão judicial declare a verdadeira, e não a fictícia filiação socioafetiva”.[28]
Sobre o assunto são diversas as questões que podem ser analisadas: dentre as várias existentes pode-se encontrar o filho que não quer conhecer o pai biológico, mas que por questões às vezes financeiras, é levado pela mãe a uma situação de estabelecimento judicial dessa paternidade, vejamos o posicionamento dos tribunais:
“Um coito apenas determina para a vida inteira um parentesco, um coito entre pessoas que, às vezes, só tiveram aquele coito e nada mais! Desprezam-se anos e anos de convivência afetiva, de assistência, de companheirismo, de acompanhamento, de amor, de ligação afetiva. Daí não se tratar de um rematado absurdo e cogitação de que se pudesse pretender pôr limites à investigação da paternidade biológica, porque, quando se permite indiscriminadamente esta pesquisa, se está jogando por terra todo o prisma sócio-afetivo do assunto, e isto vale também para a paternidade biologia, não só para a adotiva. O pai e a mãe criaram um filho, com a melhor das criações possíveis, com todo o amor que se podia imaginar; passam-se os anos; 40 anos depois, resolve o filho investigar a paternidade com relação a outra pessoa, esbofeteando os pais que o criaram por 40 anos! E normalmente esses pedidos são tão despropositados que, falando em tese, muitas vezes têm a ver apenas com a cobiça: descobre que o pai biológico tem dinheiro, vai herdar, então despreza os pais que o criaram, que lhe deram toda educação, quer adotivos, quer biológicos – tidoscomo biológicos, e vai procurar o outro pai que teveo tal de coito, uma vez na vida.”[29] (grifo nosso)
Merece também ser matéria de análise, aqueles casos em que não é necessária nenhuma comprovação genética para ter sua declaração admitida, mas somente poderá depois invalidá-la se demonstrar que sua manifestação não foi livre e sim foi viciada; que não houve a sócioafetividade, e sim uma falsidade ideológica. Nesses termos urge discução nos tribunais se o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade e maternidade é revogável, ou não, como poderemos ver nos seguintes termos:
“Quem, sabendo não ser o pai biológico, e registra como seu filho de companheira durante a vigência de união estável, estabelece uma filiação socioafetiva, que produz os mesmos efeitos que a adoção, ato irrevogável. O pai registral não pode interpor ação negatória de paternidade e não tem legitimidade para buscar a anulação do registro de nascimento, pois inexiste vício material ou formal a ensejar sua desconstituição.”[30] (grifo nosso)
Em outro julgado, o pai afetivo ao descobrir que foi enganado pela esposa durante anos, busca a anulação do registro de nascimento a fim de não prestar alimentos e herança ao suposto filhos, assim vejamos:
“[...] mostrou-se o autor inconformado com o fato do filho não dispensá-lo da obrigação alimentar. Assim, em que pese não admita o autor, mais do que qualquer questão sentimental, o motivo desta ação é eminentemente financeiro. Ora, segundo, o autor ele sempre conviveu com a dúvida a respeito da paternidade do réu, e nem por isso deixou de amá-lo como filho. E por que então só quando não conseguiu se desobrigar do pensionamento, ingressou com a negatória de paternidade? A prova testemunha é unânime no sentido que o autor sempre foi bom pai, zeloso, se fazendo presente em todos os momentos da vida do filho. [...]”
A Relatora Maria Berenice Dias assim se posiciona a respeito do litígio:
“NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. CARCTERIZAÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. Se comprovada a filiação socioafetiva, a despeito da inexistência do vínculo biológico, prevalece a primeira em relação à segunda. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável, e a anulação do registro depende da plena demonstração de algum vício do ato jurídico, inexistente no caso concreto. REJEITADA A PRELIMINAR, E NEGADO PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”[31]
Assim com base no posicionamento da Relatora podemos perceber que já é aceito por parte dos juristas que a paternidade socioafetiva pode prevalecer em detrimento da biológica contudo, o assunto ainda carece e maior regulamentação, dando margem dessa forma a interpretação diversa, vez que sua análise é de cunho subjetivo.
Antigamente, para a jurisprudência, a posse de estado de filho lhe era estranha, o que contribuía para a desconsideração da paternidade socioafetiva. Atualmente, porém, verifica-se uma grande valoração, pela jurisprudência, da posse de estado de filho. Embora em muitos acórdãos não apareça claramente, o instituto da paternidade afetiva e da posse de estado de filho vem encontrando sua razão de ser.
Em resumo, a busca da verdade biológica é protegida e defendida em nosso ordenamento jurídico, dependendo apenas da vontade do filho para que ela se concretize. Mas, embora a jurisprudência não admita claramente, a noção de posse de estado de filho se faz cada vez mais presente, o que possibilita uma maior proteção àquele pai registrário que sempre cuidou e educou o filho, achando ser ele seu filho biológico.
 É neste sentido que surge a importância de acolhermos em nosso ordenamento jurídico a noção de posse de estado de filho, como forma de solução para os conflitos de paternidade que batem às portas do Poder Judiciário, a fim de buscar o equilíbrio destas verdades para o estabelecimento da paternidade, deve-se ter como base fundamental os novos valores inerentes ao conceito de família trazidos pela Constituição Federal de 1988, como também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais inegavelmente apontam para a valorização da paternidade sócio-afetiva.
3.1 DIREITO DOS FILHOS AFETIVOS DE INVESTIGAR SUA ORIGEM GENÉTICA
Surgem muitas dúvidas acerca da possibilidade de mesmo após já ter sido estabelecido o vínculo de paternidade através da filiação socioafetiva, ser possível ao filho “adotado” investigar a paternidade biológica para fins de esclarecimento a respeito da pessoa de seus pais, viabilizando, dessa forma, o acesso à origem genética, e quais seriam os efeitos de tal reconhecimento. Esse é um assunto de divergência entre os operadores do direito assim vejamos o posicionamento do Tribunal de Santa Catarina a cerca do assunto:
“Em decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina foi negado esse direito, com o seguinte fundamento: formalizada a adoção, esta gera uma serie de efeitos pessoais para o adotado, cessando qualquer vinculo com a antiga família, vínculos esses que passam a ser estabelecido com a nova família. A situação equivale, em termos gerais, ao renascimento do adotado no seio de outra família, apagado todo o seu passado.”[32](grifo nosso)
Já o Tribunal de Justiça do Rio Grane do Sul tem outro entendimento conferindo ao filho adotivo o direito a investigação biológica:
“Os deveres erigidos em garantia constitucional criança e ao adolescente, na carta de 1988, em seu art. 227, se sobrepõem as regras formais de qualquer natureza, e não podem ser relegados a um plano secundário, a penas por amor a suposta intangibilidade do instituto da adoção. A justa pretensão da menor adotada em ver admitida a paternidade biológica, com os embaraços expostos na sentença, é o mesmo que entender que alguém registrado em nome de um casal, seja impedido de investigar sua verdadeira paternidade, por que a filiação é tanto ou mais irrevogável que adoção. No entanto, a todo momento nos deparamos com pessoas registradas como filhos de terceiros, que obtém o reconhecimento da verdadeira paternidade e tem por conseqüência anulado o registro anterior.”[33]
Assim com base no julgado, percebemos que correta está a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, uma vez que negar o direito de investigar a paternidade/maternidade biológica ao filho afetivo, estar-se-ia confiscando o direito a dignidade humana e o direito a própria personalidade. Enfatizando que é garantia constitucional ter reconhecido o seu estado de filiação. Esse direito foi consagrado, também, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que normatiza a garantia de todos os filhos a ter sua filiação biológica reconhecida, sendo este um direito pessoalíssimo, indisponível e imprescritível.
“O texto constitucional de 1988 revolucionou o direito de família, notadamente a relação entre os filhos, procedendo a uma verdadeira desbiologização da paternidade, pois se equipararam os filhos de sangue aos adotivos, vedando qualquer discriminação entre eles, quanto a direitos e qualificações”. [34] Assim se direito dos todos a busca a origem genética, nenhuma corte pode frustrar tal pretensão.
Segundo diploma legal, a filiação adotiva gera um vínculo tão forte capaz de fazer cessar uma anterior relação parental. Mesmo assim existem juristas que entendem ser possível a busca da origem biológica, nada deve restringir o desejo de saber a respeito de seus genitores, até mesmo porque inserido neste conhecimento encontra-se toda a ciência acerca de sua própria história, determinando-se assim a estrutura relacional que o cercava no ato de seu nascimento.
O Tribunal de Justiça já tem se posicionado, que é irrevogável a adoção, mas ressalva o direito aos filhos adotivos em investigar a paternidade, assim vejamos:
“ADOÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei 8.069/90 A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos juridicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA.”[35] (grifo nosso)
Assim segundo posição de Belmiro Welter, pode o filho afetivo buscar a paternidade biológica com amplo efeito:
“Todos os filhos biológicos e sociológicos podem investigar a paternidade e a maternidade genética para todos os efeitos legais (estado de filho, nome, herança, parentesco etc...). Entretanto, se estabelecida a paternidade afetiva, a investigação da paternidade e de maternidade não abrangerá todos os efeitos jurídicos, mas apenas: a) em caso de necessidade psicológica depara conhecer (ser) a origem genética, b) para preservar os impedimentos matrimoniais. c) para garantir a vida e a saúde do filho e dos pais biológicos, em caso de doença grave genética, pelo que nestas três hipóteses, não haverá a declaração de estado de filho, os efeitos de parentesco, alimentos, nome e herança ou poder familiar (pátrio poder), porquanto esses direitos já são ostentados pelo filho sociológico.”[36] (grifo nosso)
Outrossim, diante da análise do posicionamento dos autores e da jurisprudência, percebe-se que, é direito de todo a busca de sua origem genética, mas, não o reconhecimento ao estado de filiação. Não obstante, uma vez reconhecida a filiação socioafetiva (podendo ser pais biológicos ou afetivos), gera os mesmos efeitos da adoção, ou seja, é irrevogável.
Porém é pertinente ressaltar uma recente decisão do STJ, baseada no entendimento da relatora, Ministra Nancy Andrighi, a decisão estabelece que, como não há vínculo anterior com o pai biológico para ser rompido pela adoção, simplesmente porque jamais existiu tal ligação, não se pode eliminar o direito da filha de pleitear alimentos do pai reconhecido na ação investigatória.
A posição da Terceira Turma anula a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), que, ao analisar recurso do pai, revogou o arbitramento de alimentos provisórios, feito em primeira instância em benefício da filha. O valor equivalia a 12,5% dos rendimentos dele, que exerce função de delegado de polícia. O TJ/SC havia entendido que, como as ligações com a família natural desaparecem a partir da adoção, cessaria o dever do pai biológico de prestar alimentos à filha[37].
Conforme antes colocado, ainda não é matéria consolidada pela jurisprudência, havendo divergências, sendo que tal decisão pode, levar outras pessoas com casos parecidos a pleitear alimentos somente no intuito financeiro, essa decisão ao mesmo tempo que, inovadora tende a abrir precedentes. Pois alimentos pode ser pleiteado aos parentes, em conformidade com Art. 1.696. “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Assim, se a adoção extingue todo e qualquer vínculo de parentesco com a família biológica, pensa-se ser inadequada tal decisão.
3.2 ABANDONO AFETIVO
O cabimento ou não de danos morais por negativa de afetividade, por parte dos pais é assunto que vêm gerando controvérsias nos Tribunais. Já foi visto anteriormente que o afeto é um bem jurídico e um princípio constitucional, do qual não se têm dúvidas de sua relevância, no entanto, escrever sobre afeto não é uma tarefa fácil. Monetarizar o afeto é tarefa ainda mais difícil. Entretanto, existem decisões recentes, que reconhecem a responsabilidade civil por abandono afetivo de filho e conseqüentemente o dever de indenizar.
“É preciso ter cautela para que a concessão de indenizações não contribua para a chamada monetarização das relações afetivas. Não há como resgatar o afeto perdido. O aspecto mais importante dessa discussão é ajudar a criar uma mentalidade de paternidade responsável”. [38]
Estas ações são propostas, por filhos que não receberam dos pais o afeto a que tinham direito, para o seu completo desenvolvimento e com dignidade, e perante a justiça postularam, uma compensação pecuniária pela carência que suportaram ao longo de sua vida. Sobre esse assunto, recentemente tivemos o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Na oportunidade o julgamento afastou, por maioria de votos o direito do filho em obter indenização, por danos morais, do pai pelo abandono afetivo. A decisão do Supremo reformou a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais.
Merece destaque o voto proferido pelo Juiz Relator:
“A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave”.[39]
Prosseguindo no julgamento, o Juiz Relator ressalta a relevância que o afeto:
“No estágio em que se encontram as relações familiares e o desenvolvimento científico, tende-se a encontrar a harmonização entre o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, até como necessidade de concretização do direito à saúde e prevenção de doenças, e o direito à relação de parentesco, fundado no princípio jurídico da afetividade. No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além de colocá-la “à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família. Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão-somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.”[40]
Com base no exposto, em seu voto, o Relator Barros de Monteiro conclui, que existe o dano, cabendo indenização ao filho, com base no princípio da dignidade e afirma que o réu praticou ato ilícito quando deixou de cumprir seus deveres para com o filho, negando-lhe o convívio, fixou a indenização no valor equivalente a duzentos salários mínimos. O Pai recorreu da decisão, interpondo Recurso Especial, contra o acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais para o Superior Tribunal de Justiça. O recurso foi conhecido e provido pela Quarta Turma, afastando a obrigação de indenizar, por maioria de votos:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. Recurso especial conhecido e provido”.[41]
O Relator Ministro Fernando Gonçalves, negou provimento, afastando a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral, fundamentando, nos termos seguintes:
“No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1.638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. “[42]
Merece destaque o pronunciamento do Ministro Aldir Passarinho Junior acompanhando o voto do relator:
Ainda outro entendimento deve ser enfrentado. O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso? Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo do amor dos filhos (...) Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil, conforme acima esclarecido. (grifo nosso)
Desta feita, como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Nesse contexto, inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização. “[43] (grifo nosso)
Prossegue o Ministro questionado sobre a tarefa do judiciário perante o litígio:
“A partir de tais argumentos, persiste para quem acredita no princípio da afetividade, o seguinte questionamento: o litígio já não foi estabelecido? A reparação do dano, considerado como a ausência de afeto, não seria suficiente para possibilitar a (re)construção da vida? Finalmente, como não cabe ao judiciário obrigar alguém a amar, não cabe nenhuma compensação a quem não foi amado? Não sugere a melhor saída, refutar o direito à compensação pecuniária, à reparação, pela impossibilidade em se obrigar ao cumprimento da obrigação na espécie: amar. Negar, nos dias atuais, o valor e a relevância ao afeto, consiste negar sua necessidade para a implementação da dignidade humana, ou seja, negar o princípio fundamental do Estado brasileiro.”[44] (grifo)
O Ministro transcreve, o voto do Ministro César Asfor Rocha, em sentido contrário ao aqui narrado, nos termos seguintes:
“(...) é certo que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais pontificou que o recorrido teria sofrido em virtude do abandono paterno; são fatos que não podem ser desconstituídos. E é justamente com base nesses fatos que aprecio o que está ora posto. Penso que o Direito de Família tem princípios próprios que não podem receber influências de outros princípios que são atinentes exclusivamente ou – no mínimo – mais fortemente – a outras ramificações do Direito. Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações. (...)por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai – o que, diga-se de passagem, o caso não configura – a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio poder, no máximo isso. Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria “x”; se abandono por um mês, o valor da indenização seria “y”, e assim por diante”. (grifo nosso)
Assim, parece-nos correta a decisão do STJ, uma vez que o afeto foi elevado a valor jurídico o afeto, ele torna-se essencial para a determinação da filiação, mas atribuir, caráter ilícito à ausência de um pai, parece, por vez, inadequado. Igualmente conforme colocação dos Ministros, já existe o dever de sustento, em virtude da pensão alimentícia, e atribuir valor à falta de afeto, não vai aproximar um pai de seu filho, pois fica claro que, essa não é tarefa do judiciário.
O principio da dignidade humana repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano. Dessa forma o homem como é o centro de referência da ordem jurídica. Nesse sentido, através de uma análise, a cerca do assunto, à luz da Constituição, podemos afirmar que dano moral é uma violação do direito à dignidade [45].
Para Maria Celina Bodin de Moraes, “será ‘desumano’, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa à condição de objeto” [46] .
Dessa forma, não se pode vincular o dano moral a meros sentimentos e sofrimentos, aliás, cada vez mais comuns na vida em sociedade. Deve-se sempre vincular o dano moral à ofensa de valores constitucionalmente tutelados, sob pena de fomentar a indústria do dano moral e conseqüentemente a banalização do mesmo.
Contudo, nos casos de conflito entre esses valores recorreremos à ponderação de interesses. Com base nos princípios da dignidade, livre arbítrio entre outros, não podemos quantificar o desejo e o amor, muito menos exigir que um pai ame um filho, que muitas vezes nunca teve contato, e não foi planejado,Por se tratar de uma matéria subjetiva, por mais que moralmente rejeitada, o princípio da liberdade afetiva se sobrepõe a qualquer outro princípio para a realização da dignidade, visto que não se pode exigir afeto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da Constituição Federal de 1988 houve uma grande revolução no instituto do direito de família. Dentre as mudanças radicais ocorridas está a vedação da diferenciação entre filhos, igualando todos os filhos. Nas leis que se seguiram à Carta Maior foram adotados todos os princípios nela instituídos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Dentre essas leis, está a de nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que trouxe, no bojo de seu artigo 27, o direito imprescritível e indisponível aos filhos de pleitearem o reconhecimento de seu verdadeiro estado de filiação.
Esse primado, para a Constituição Federal e para a legislação infraconstitucional brasileira, era a descoberta da paternidade biológica, que é aquela decorrente de vínculos genéticos que ligam um pai a seu filho. A verificação da paternidade biológica somente foi possível, em face da evolução da biogenética. Outrossim, assentou-se nos Tribunais nacionais, tanto quanto na doutrina, a predominância da paternidade biológica em detrimento da paternidade socioafetiva.
Possibilitou-se, em conseqüência disso, que o filho manejasse ação de investigação de paternidade para ver reconhecido o seu verdadeiro vínculo de filiação, que era o da consangüinidade. Todavia, a predominância da paternidade biológica, com o reconhecimento do vínculo por meio de ação de investigação de paternidade, não estabelecia um vínculo social e afetivo entre o pai biológico e seu filho.
É patente que a relação de filiação não decorre simplesmente do vínculo genético estabelecido entre pai e filho. A filiação, sob o aspecto sociológico, somente se desenvolve por intermédio do convívio entre eles, o que não se dava, evidentemente, com o simples reconhecimento da paternidade.
Sob esse pretexto, surge a paternidade sócio-afetiva, sendo aquela emergente da construção afetiva, através da convivência diária, do carinho e cuidados dispensados à pessoa. Surge dentro do conceito mais atual de família, ou seja, de família sociológica, unida pelo amor, onde se busca mais a felicidade de seus integrantes.
 Essa nova concepção tem fundamento na posse do estado de filho, instituto pelo qual a paternidade é estabelecida, principalmente, na relação duradoura de filho e pai que eles mantém entre si. Não obstante, justifica-se a importância de tal instituto.
Com a adoção do conceito de paternidade socioafetivo não se quer excluir o direito do filho ver reconhecida a sua paternidade biológica, pois estar-se-ia impedindo que ele usufruísse de um direito e contrariando comando constitucional, pois o direito ao reconhecimento da origem genética é um direito personalíssimo do filho, garantido constitucionalmente, não sendo, de maneira nenhuma, passível de renúncia ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai.
Todavia, o que não se pode, fazer cessar ou desaparecer o vínculo registrário entre pai e filho. É que, não seria justo, que esse pai que cuidou do filho, dando-lhe amor, carinho, educação, e demais cuidados de que necessita toda criança, perca todos os vínculos jurídicos.
Sem dúvida, com tudo que a doutrina e a jurisprudência, resta muito a dizer sobre a afetividade, sobre o amor. As alterações pelas quais passou a família contemporânea e que ainda atravessa, deixam o quadro ainda mais complexo e delicado, dada à necessidade de que sejam vislumbrados pelo legislador, para que possam uniformizar decisões, retirando a margem a divergências e muitas vezes decisões não condizentes com a realidade.
As relações familiares são carregadas de valores e objetivos, cujo principal se resume na conservação da vida e na sua realização, dentro do princípio basilar da dignidade da pessoa humana. Não se pode simplesmente valorar o amor, como moeda de troca, banalizando sua importância, entretanto, este argumento também não podem ser usado para se escusar na atribuição efetiva de seu valor. Assim como a vida humana não tem preço, o amor também não é passível de mensuração, porém, ambos são valores fundamentais para a pessoa humana.
 Diante o exposto, conclui-se que, mesmo o legislador apresentando uma certa resistência em reconhecer a relevância da filiação socioafetiva e suas conseqüências, estes já são temas sabiamente reconhecido, pela maioria da jurisprudência. Outrossim, ainda temos decisões que representam retrocesso na conquista de direitos inerentes aos filhos. Justificando assim, a necessidade da positivação desses novos institutos.

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Notas: [1] FURTADO e SOUZA, Alexandra Morais Alves de. Paternidade biológica X paternidade declarada: quando a verdade vem à tona. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 4, n. 13, Abr./Jun. 2002. p. 16.
[2] FURTADO e SOUZA, op cit., p. 16.
[3] Ibid., p. 16.
[4] DIAS, Maria Berenice. Quem é o Pai ?. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM nº 15, out-nov-dez/2002. p. 05/14.
[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 66.
[6]ALMEIDA, 2005, p.1, apud. ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 165. Disponível em: <http:// www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1066> Acesso em: 17 set. 2007.
[7]ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 165. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1066> Acesso em: 17 set. 2007.
[8] ALMEIDA, D. C. de. A desbiologização das relações familiaresDisponível em: http://www.pailegal.ne  . Acesso em: 25 de ago. 2007.
[9] TJRS – AC 70015877756 – Rel. Des. Sérgio Fernando De Vasconcellos Chaves – DJ 27.09.2006.
[10] WELTER, B. P. Inconstitucionalidade do Processo de Adoção Judicial. Disponível em: <http://www. mundo juridi co.adv.br >. Acesso em: 14 ago. 2007.
[11] ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 165. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1066 > Acesso em: 17 set. 2007.
[12] WELTER, op. cit., p. 176.
[13] VILLELA, João Batista. Desbiologização da paternidade. Revista da faculdade de direito de Minas Gerais, Belo Horizonte, nº. 21, maio, 1979. p. 415
[14] FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey. 196. p. 163.
[15] MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.8.
[16] O novo vínculo do culto substituía o parentesco, mas o gesto de adotar não estava ligado à afetividade. Hoje, adoção (o afeto) é um ato jurídico, de vontade, de amor e de solidariedade, sendo essa família tão real como a que une o pai ao seu filho de sangue.(WELTER, Pedro Belmiro. Filiação biológica e socioafetiva: igualdade. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 4, n. 14, Jul../Set. 2002, p.133.
[17] A filiação afetiva também se corporifica naqueles casos em que, mesmo não havendo vínculo biológico, alguém educa uma criança ou adolescente por mera opção, denominado filho de criação, abrigando em um lar, tendo por fundamento o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto. É dizer, quando uma pessoa, constante e publicamente, tratou um filho como seu, quando o apresentou como tal em sua família e na sociedade, quando na qualidade de pai proveu sempre suas necessidades, sua manutenção e sua educação, é impossível não dizer que o reconheceu. (Ibid. p. 133).
[18]A criança, ao nascer, é registrada diretamente em nome dos pais afetivos, como se fossem biológicos, descabendo, em tese, a ulterior pretensão anulatória do registro de nascimento. Como exemplo, cita-se o caso da gestante que entrega seu filho, voluntariamente, a um casal, o qual faz o registro de nascimento do recém-nascido em seus nomes, como se fossem os pais genéticos (ibd, p. 134).
[19] Quem comparece no Cartório de Registro Civil, de forma livre e espontânea, solicitando o registro de alguém como seu filho, não necessita de qualquer comprovação genética. É dizer, aquele que toma o lugar dos pais pratica, por assim dizer, uma ‘adoção de fato’. Nesse caso, quando da aceitação voluntária ou judicial da paternidade ou da maternidade, é estabelecido o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), com a atribuição de todos os direitos e deveres do filho biológico. (ibid, p. 133)
[20] WELTER, op. cit.,.p. 132.
[21] VILLELA, op. cit., pp 401-417.
[22] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Apud. PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma Proposta Interdisciplinar. Rio de Janeiro : Renovar, 1996. p. 580.
[23] DELINSKI, Julie Cristine. O novo direito da filiação. São Paulo: Dialética, 199. p. 37
[24] ANDERLE, Elisabeth Nass. A posse de estado de filho e a busca pelo equilíbrio das verdades da filiação .Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id= 3520>. Acesso em: 31 out. 2007.
[25] LEITE, Op. cit., p.101.
[26] Ibid., p.119.
[27] Ibid., p. 101.
[28] WELTER, op. cit., p. 164.
[29] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 8ª Cam. Cív., Ac. 595118787. Relator: Sérgio Gischokow Pereira. RJTJRS 176/771, p. 772.
[30] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 4ª Grupo Câm.Cív, EI 599.277.365, Relatora: Desembargadora Maria Berenice Dias. DJRS 31 Out. 1999
[31] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 7ª Grupo Câm.CívAC 70014859938, Relatora: Desembargadora Maria Berenice Dias. DJRS 13 set. 2006.
[32] SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. TJSC, RT 745/361.
[33] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 8ª Grupo Câm.Cív, AC. 569037044 , Relator: Eliseu Gomes Torres. RJTJRS, 176/766.
[34] WELTER, op. cit., p. 176
[35] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Resp n° 127.541, Relator: Ministro Eduardo Ribeiro. DJ 28 de agosto de 2000.
[36] WELTER, op. cit., p. 181.
[37] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Resp n° 813.604 - SC (2006/0011178-7), Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJ 17 de setembro de 2007.
[38] ADROVANDI, Andréia e SIMIONI, Rafael Lazzarotto. O Dirieto de Familia no Contexto das Organizações Socoafetivas: Dinâmica, Instabilidade e Polifamiliaridade. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 7, n. 34, Fev./Mar. 2006. p.25.
[39] TJMG, 7ª C.C., Ap. Cív. 408550, Rel. Juiz Unias Silva, DJMG 29/04/04. 31ª Vara Cível Central de São Paulo, Juiz Luis Fernando Cirillo, Processo nº. 01.36747-0, j. 26/06/04.
[40] TJMG, 7ª C.C., Ap. Cív. 408550, Rel. Juiz Unias Silva, DJMG 29/04/04. 31ª Vara Cível Central de São Paulo, Juiz Luis Fernando Cirillo, Processo nº. 01.36747-0, j. 26/06/04.
[41] Ibid.
[42] BRASIL. 4º C.C., Resp. nº 757.411- MG. Rel. Fernando Gonçalves. DJ 27.03.2006. Disponível em: http:// www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=757411&b=ACOR. Acesso em: 31 de out. de 2007.
[43] BRASIL. 4º C.C., Resp. nº 757.411- op. cit.
[44] Ibid.
[45] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.31.

[46] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos a pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85.