terça-feira, 19 de setembro de 2017

 Hobbes, Thomas (1588-1679)


Thomas Hobbes (Malmesbury, 5 de abril de 1588 — Hardwick Hall, 4 de dezembro de 1679) foi um matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651).
Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades. No estado natural, enquanto que alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais por forma a estar além do medo de que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo, e uma vez que todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos (Bellum omnia omnes). No entanto, os homens têm um desejo, que é também em interesse próprio, de acabar com a guerra, e por isso formam sociedades entrando num contrato social.
De acordo com Hobbes, tal sociedade necessita de uma autoridade à qual todos os membros devem render o suficiente da sua liberdade natural, por forma a que a autoridade possa assegurar a paz interna e a defesa comum. Este soberano, quer seja um monarca ou uma assembleia (que pode até mesmo ser composta de todos, caso em que seria uma democracia), deveria ser oLeviatã, uma autoridade inquestionável. A teoria política do Leviatã mantém no essencial as ideias de suas duas obras anteriores, Os elementos da lei e Do cidadão (em que tratou a questão das relações entre Igreja e Estado).
Thomas Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Para ele, a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto. Neste sentido, critica a livre-interpretação da Bíblia na Reforma Protestante por, de certa forma, enfraquecer o moada pelo estudioso Richard Tuckcomo uma resposta para os problemas que o método cartesiano introduziu para a filosofia moral. Hobbes argumenta que só podemos conhecer algo do mundo exterior a partir das impressões sensoriais que temos dele("Só existe o que meus sentidos percebem") Esta filosofia é vista como uma tentativa para embasar uma teoria coerente de uma formação social puramente no fato das impressões por si, a partir da tese de que as impressões sensoriais são suficientes para o homem agir em sentido de preservar sua própria vida, e construir toda sua filosofia política a partir desse imperativo.
Hobbes ainda escreveu muitos outros livros falando sobre filosofia política e outros assuntos, oferecendo uma descrição da natureza humana como cooperação em interesse próprio. Foi contemporâneo de Descartes e escreveu uma das respostas para a obra Meditações sobre filosofia primeira, deste último.
 

Contexto

Nascido em 1588 na Inglaterra dos Tudors, Thomas Hobbes foi influenciado pela reforma anglicana que ocorrera cinco décadas antes. A cisão com a Igreja Católica fez com que a Espanha interviesse nos assuntos ingleses enviando a Invencível Armada(“Grande y Felicíssima Armada”) fato que mais tarde seria relatado por Hobbes em sua autobiografia e terá grandes influências sobre sua obra. O século XVII foi de grande importância para a Inglaterra pois marca o começo do expansionismo colonialista ultramarino inglês, com a fundação de Jamestown, a primeira colônia inglesa nas Américas, em 1607. É também no século XVII que são lançadas as bases do capitalismo industrial na Inglaterra com a Revolução Gloriosa já na década de 80 do século XVII. É durante esse período que a Marinha Inglesa irá se consolidar como a maior e mais bem equipada marinha do mundo, só perdendo a posição para os EUA no pós-2ª Guerra Mundial. A poderosa marinha irá contribuir para o acúmulo de capitais que irá financiar o expansionismo colonial e, mais tarde, industrial inglês.
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Batalha de Marston Moor (1644) marca uma vitória decisiva das forças parlamentares durante a guerra civil inglesa
O século XVII na Europa continental é o marco do absolutismo monárquico, tendo seu expoente máximo o Luis XIV, o Rei Sol que ficou famoso pela frase “L’État c’est moi", influência da Contra-reforma (representado na Inglaterra pela revolução anglicana). A filosofia do barroco se baseava no dualismo existente entre o hedonismo e o medo do pecado ou fervor religioso – enquanto que a busca pelo essencialmente humano já havia começado no Renascimento; havia o receio do divino sobrenatural que poderia punir o terreno e transitório.
Quando Hobbes tinha 30 anos e já havia visitado a Europa continental pela primeira vez, uma revolta na Boêmia daria início à Guerra dos Trinta Anos, fato que irá reforçar para Hobbes a sua própria visão pessimista acerca da natureza humana destrutiva. Apenas 12 anos após o início da guerra no continente europeu, disputas políticas entre o Parlamento e o Rei inglês dão início a uma guerra civilna Inglaterra que perdurará por 10 anos.
 

Biografia

Como Hobbes alegou em sua autobiografia, "ao nascer sua mãe teria dado a luz a gêmeos: Hobbes e o medo", já que a mãe de Hobbes havia entrado em trabalho de parto prematuro com medo da Armada Espanhola (a Invencível Armada) que estava prestes a atacar a Inglaterra. Embora o tema do medo e do seu poder avassalador fossem aparecer mais tarde em suas obras, os primeiros anos de vida de Hobbes foram em grande parte livres da ansiedade. Seu pai era o vigário de Charlton e Westport, cidades próximas de Malmesbury, mas uma disputa com outro vigário, o levou a se mudar para Londres. Como resultado, aos sete anos de idade, Thomas Hobbes, ficou sob a tutela de seu tio Francisco. Hobbes fez seus primeiros estudos em Malmesbury e mais tarde em Westport, onde exibiu seus dotes intelectuais em estudos clássicos. Aos quatorze anos, em 1603, seu tio Francisco financiou os seus estudos, entrando na Magdalen Hall, Oxford, onde predominava o ensino da escolástica de inspiração aristotélica, mas a que Hobbes não demonstrou grande interesse.
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Magdalen College, em maio de 2007.
Em 1610 ele empreendeu uma viagem à Europa, acompanhando William Cavendish, indo para França, Itália e Alemanha. Pode observar em primeira mão a pouca apreciação da escolástica na época - que já estava em claro declínio. As muitas tentativas de abrir portas para desenvolvimento de outros conhecimentos fez com que ele decidisse retornar à Inglaterra para aprofundar o estudo dos clássicos. Nesse período, já de volta à Inglaterra, suas relações com Francis Bacon irão reforçar a linha de seu próprio pensamento, bem fora do aristotelismo e da escolástica.
Em 1631 a família de nobres ingleses Cavendish novamente pede seus serviços como guardião do terceiro Duque de Devonshire, e Hobbes irá ocupar este cargo até 1642. Durante este período, faz outra viagem ao continente, lá permanecendo de 1634 a 1637. Na França, entra em contato com o círculo intelectual do Padre Mersenne, mentor de Descartes - com quem estabeleceu uma forte amizade. Em geral, Hobbes era a favor da explicação mecanicista do universo (que predominava na época), em oposição à teleológica defendida por Aristóteles e a escolástica. Também teve a oportunidade de conhecer Galileu, durante uma viagem à Itália em 1636 (6 anos antes de Galileu morrer), sob cuja influência Hobbes desenvolveu a sua filosofia social, baseando-se nos princípios da geometria e ciências naturais.
Em 1640, quando a possibilidade de uma guerra civil na Inglaterra já era clara, Hobbes, temendo por sua vida por ser um conhecido defensor da monarquia, viaja de volta para Paris, onde, mais uma vez, foi recebido pelo círculo de intelectuais francês.
Em 1646, ainda em Paris, vira professor de matemática do Príncipe de Gales, o futuro Carlos II, que também se encontrava exilado em Paris devido a Guerra Civil Inglesa. Em 1651, dois anos após a decapitação do rei Carlos I, Hobbes decide voltar para a Inglaterra com o fim da Guerra Civil e o começo da “Ditadura de Cromwell”. Neste ano também publica“Leviatã”, que provoca o início de sua disputa com John Bramall, bispo de Derry, o principal acusador de Hobbes como sendo um “materialista ateu”.
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Capa da edição original do Leviatã(1651).
A publicação do “De Corpore”, em 1665, irá resultar em uma polêmica com os principais membros da Royal Society, que criticaram suas contribuições para a matemática bem como as posições ateístas defendidas por Hobbes. Na Inglaterra, o "anti-Hobbismo" atingiu um pico em 1666 quando seus livros foram queimados na sua alma mater, Oxford.
Hobbes manteve-se um escritor extremamente produtivo na velhice, mesmo sendo prejudicado pela oposição generalizada de seu trabalho. Viveu até os 91 anos durante uma época em que a expectativa média de vida não era muito mais do que quarenta anos. Aos 80 anos Hobbes produziu novas traduções para o inglês, tanto da Ilíada e da Odisseia e escreveu, em 1672, uma autobiografia em latim. Apesar da polêmica que causou, ele foi uma espécie de símbolo na Inglaterra até o final de sua vida. Seu ponto de vista pode ser considerado abominável ou atraente; suas teorias brilhantemente articuladas são lidas por pessoas de todos os espectros políticos.
Encontra-se sepultado na Igreja São João Batista, Ault Hucknall, Derbyshire na Inglaterra.
 

Referências

Curso de Teoria Política Moderna da Universidade de Brasília <http://www.arcos.org.br/cursos/teoria-politica-moderna/thomas-hobbes>. Acessado em 8 de Dezembro de 2009.

 Sócrates


A Vida


Quem valorizou a descoberta do homem feita pelos sofistas, orientando-a para os valores universais, segundo a via real do pensamento grego, foi Sócrates. Nasceu Sócrates em 470 ou 469 a.C., em Atenas, filho de Sofrônico, escultor, e de Fenáreta, parteira. Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa alguma, não obstante sua pobreza. Desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão. Combateu a Potidéia, onde salvou a vida de Alcebíades e em Delium, onde carregou aos ombros a Xenofonte, gravemente ferido. Formou a sua instrução sobretudo através da reflexão pessoal, na moldura da alta cultura ateniense da época, em contato com o que de mais ilustre houve na cidade de Péricles.


Inteiramente absorvido pela sua vocação, não se deixou distrair pelas preocupações domésticas nem pelos interesses políticos. Quanto à família, podemos dizer que Sócrates não teve, por certo, uma mulher ideal na quérula Xantipa; mas também ela não teve um marido ideal no filósofo, ocupado com outros cuidados que não os domésticos.


Quanto à política, foi ele valoroso soldado e rígido magistrado. Mas, em geral, conservou-se afastado da vida pública e da política contemporânea, que contrastavam com o seu temperamento crítico e com o seu reto juízo. Julgava que devia servir a pátria conforme suas atitudes, vivendo justamente e formando cidadãos sábios, honestos, temperados - diversamente dos sofistas, que agiam para o próprio proveito e formavam grandes egoístas, capazes unicamente de se acometerem uns contra os outros e escravizar o próximo.


Entretanto, a liberdade de seus discursos, a feição austera de seu caráter, a sua atitude crítica, irônica e a conseqüente educação por ele ministrada, criaram descontentamento geral, hostilidade popular, inimizades pessoais, apesar de sua probidade. Diante da tirania popular, bem como de certos elementos racionários, aparecia Sócrates como chefe de uma aristocracia intelectual. Esse estado de ânimo hostil a Sócrates concretizou-se, tomou forma jurídica, na acusação movida contra ele por Mileto, Anito e Licon: de corromper a mocidade e negar os deuses da pátria introduzindo outros. Sócrates desdenhou defender-se diante dos juizes e da justiça humana, humilhando-se e desculpando-se mais ou menos. Tinha ele diante dos olhos da alma não uma solução empírica para a vida terrena, e sim o juízo eterno da razão, para a imortalidade. E preferiu a morte. Declarado culpado por uma pequena minoria, assentou-se com indômita fortaleza de ânimo diante do tribunal, que o condenou à pena capital com o voto da maioria.


Tendo que esperar mais de um mês a morte no cárcere - pois uma lei vedava as execuções capitais durante a viagem votiva de um navio a Delos - o discípulo Criton preparou e propôs a fuga ao Mestre. Sócrates, porém, recusou, declarando não querer absolutamente desobedecer às leis da pátria. E passou o tempo preparando-se para o passo extremo em palestras espirituais com os amigos. Especialmente famoso é o diálogo sobre a imortalidade da alma - que se teria realizado pouco antes da morte e foi descrito por Platão no Fédon com arte incomparável. Suas últimas palavras dirigidas aos discípulos, depois de ter sorvido tranqüilamente a cicuta, foram: "Devemos um galo a Esculápio". É que o deus da medicina tinha-o livrado do mal da vida com o dom da morte. Morreu Sócrates em 399 a.C. com 71 anos de idade.

Método de Sócrates


É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das coisas e na variabilidade extrema das impressões sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo se transformam, concluíram os sofistas pela impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro objeto da ciência.


O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que passa; é o inteligível, oconceitoque se exprime pela definição. Este conceito ou idéia geral obtém-se por um processo dialético por ele chamado indução e que consiste em comparar vários indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por onde se vê que a indução socrática não tem o caráter demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que remonta do indivíduo à noção universal.


Praticamente, na exposição polêmica e didática destas idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário a confutar ou de um discípulo a instruir. No primeiro caso, assumia humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até colher o adversário presunçoso em evidente contradição e constrangê-lo à confissão humilhante de sua ignorância. É a ironiasocrática. No segundo caso, tratando-se de um discípulo (e era muitas vezes o próprio adversário vencido), multiplicava ainda as perguntas, dirigindo-as agora ao fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito, uma definição geral do objeto em questão. A este processo pedagógico, em memória da profissão materna, denominava ele maiêutica ou engenhosa obstetrícia do espírito, que facilitava a parturição das idéias.

Doutrinas Filosóficas


A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates. E exprime-se no famoso lema conhece-te a ti mesmo - isto é, torna-te consciente de tua ignorância - como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude. E alcançava em Sócrates intensidade e profundidade tais, que se concretizava, se personificava na voz interior divina do gênio ou demônio.


Como é sabido, Sócrates não deixou nada escrito. As notícias que temos de sua vida e de seu pensamento, devemo-las especialmente aos seus dois discípulos Xenofonte e Platão, de feição intelectual muito diferente. Xenofonte, autor de Anábase, em seus Ditos Memoráveis, legou-nos de preferência o aspecto prático e moral da doutrina do mestre. Xenofonte, de estilo simples e harmonioso, mas sem profundidade, não obstante a sua devoção para com o mestre e a exatidão das notícias, não entendeu o pensamento filosófico de Sócrates, sendo mais um homem de ação do que um pensador. Platão, pelo contrário, foi filósofo grande demais para nos dar o preciso retrato histórico de Sócrates; nem sempre é fácil discernir o fundo socrático das especulações acrescentadas por ele. Seja como for, cabe-lhe a glória e o privilégio de ter sido o grande historiador do pensamento de Sócrates, bem como o seu biógrafo genial. Com efeito, pode-se dizer que Sócrates é o protagonista de todas as obras platônicas embora Platão conhecesse Sócrates já com mais de sessenta anos de idade.


"Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cifra toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.


Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência.


Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: 
a) com o argumento teológico, formulando claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência; 
 
b) com o argumento, apenas esboçado, da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; 
 
c) com o argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com sacrifícios e orações. 
 
Apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da mitologia corrente que ele aspira reformar.


Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquiri-se com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é conseqüência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça".


Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma lei natural - independente do arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo direito positivo, expressão da vontade divina promulgada pela voz interna da consciência.


Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a beleza moral do sistema.

Gnosiologia


O interesse filosófico de Sócrates volta-se para o mundo humano, espiritual, com finalidades práticas, morais. Como os sofistas, ele é cético a respeito da cosmologia e, em geral, a respeito da metafísica; trata-se, porém, de um ceticismo de fato, não de direito, dada a sua revalidação da ciência. A única ciência possível e útil é a ciência da prática, mas dirigida para os valores universais, não particulares. Vale dizer que o agir humano - bem como o conhecer humano - se baseia em normas objetivas e transcendentes à experiência. O fim da filosofia é a moral; no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecê-lo; para construir uma ética é necessário uma teoria; no dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder logicamente a moral. Mas, se o fim da filosofia é prático, o prático depende, por sua vez, totalmente, do teorético, no sentido de que o homem tanto opera quanto conhece: virtuoso é o sábio, malvado, o ignorante. O moralismo socrático é equilibrado pelo mais radical intelectualismo, racionalismo, que está contra todo voluntarismo, sentimentalismo, pragmatismo, ativismo.


A filosofia socrática, portanto, limita-se à gnosiologia e à ética, sem metafísica. A gnosiologia de Sócrates, que se concretizava no seu ensinamento dialógico, donde é preciso extraí-la, pode-se esquematicamente resumir nestes pontos fundamentais: ironia, maiêutica, introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de tudo, cumpre desembaraçar o espírito dos conhecimentos errados, dos preconceitos, opiniões; este é o momento da ironia, isto é, da crítica. Sócrates, de par com os sofistas, ainda que com finalidade diversa, reivindica a independência da autoridade e da tradição, a favor da reflexão livre e da convicção racional. A seguir será possível realizar o conhecimento verdadeiro, a ciência, mediante a razão. Isto quer dizer que a instrução não deve consistir na imposição extrínseca de uma doutrina ao discente, mas o mestre deve tirá-la da mente do discípulo, pela razão imanente e constitutiva do espírito humano, a qual é um valor universal. É a famosa maiêutica de Sócrates, que declara auxiliar os partos do espírito, como sua mãe auxiliava os partos do corpo.


Esta interioridade do saber, esta intimidade da ciência - que não é absolutamente subjetivista, mas é a certeza objetiva da própria razão - patenteiam-se no famoso dito socrático"conhece-te a ti mesmo" que, no pensamento de Sócrates, significa precisamente consciência racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria vida. Entretanto, consciência de si mesmo quer dizer, antes de tudo, consciência da própria ignorância inicial e, portanto, necessidade de superá-la pela aquisição da ciência. Esta ignorância não é, por conseguinte, ceticismo sistemático, mas apenas metódico, um poderoso impulso para o saber, embora o pensamento socrático fique, de fato, no agnosticismo filosófico por falta de uma metafísica, pois, Sócrates achou apenas a forma conceptual da ciência, não o seu conteúdo.


O procedimento lógico para realizar o conhecimento verdadeiro, científico, conceptual é, antes de tudo, a indução: isto é, remontar do particular ao universal, da opinião à ciência, da experiência ao conceito. Este conceito é, depois, determinado precisamente mediante a definição, representando o ideal e a conclusão do processo gnosiológico socrático, e nos dá a essência da realidade.

A Moral


Como Sócrates é o fundador da ciência em geral, mediante a doutrina do conceito, assim é o fundador, em particular da ciência moral, mediante a doutrina de que eticidade significa racionalidade, ação racional. Virtude é inteligência, razão, ciência, não sentimento, rotina, costume, tradição, lei positiva, opinião comum. Tudo isto tem que ser criticado, superado, subindo até à razão, não descendo até à animalidade - como ensinavam os sofistas. É sabido que Sócrates levava a importância da razão para a ação moral até àquele intelectualismo que, identificando conhecimento e virtude - bem como ignorância e vício - tornava impossível o livre arbítrio. Entretanto, como a gnosiologia socrática carece de uma especificação lógica, precisa - afora a teoria geral de que a ciência está nos conceitos - assim a ética socrática carece de um conteúdo racional, pela ausência de uma metafísica. Se o fim do homem for o bem - realizando-se o bem mediante a virtude, e a virtude mediante o conhecimento - Sócrates não sabe, nem pode precisar este bem, esta felicidade, precisamente porque lhe falta uma metafísica. Traçou, todavia, o itinerário, que será percorrido por Platão e acabado, enfim, por Aristóteles. Estes dois filósofos, partindo dos pressupostos socráticos, desenvolverão uma gnosiologia acabada, uma grande metafísica e, logo, uma moral.

Escolas Socráticas Menores


A reforma socrática atingiu os alicerces da filosofia. A doutrina do conceito determina para sempre o verdadeiro objeto da ciência: a indução dialética reforma o método filosófico; a ética une pela primeira vez e com laços indissolúveis a ciência dos costumes à filosofia especulativa. Não é, pois, de admirar que um homem, já aureolado pela austera grandeza moral de sua vida, tenha, pela novidade de suas idéias, exercido sobre os contemporâneos tamanha influência. Entre os seus numerosos discípulos, além de simples amadores, como Alcibíades e Eurípedes, além dos vulgarizadores da sua moral (socratici viri), como Xenofonte, havia verdadeiros filósofos que se formaram com os seus ensinamentos. Dentre estes, alguns, saídos das escolas anteriores não lograram assimilar toda a doutrina do mestre; desenvolveram exageradamente algumas de suas partes com detrimento do conjunto.


Sócrates não elaborou um sistema filosófico acabado, nem deixou algo de escrito; no entanto, descobriu o método e fundou uma grande escola. Por isso, dele depende, direta ou indiretamente, toda a especulação grega que se seguiu, a qual, mediante o pensamento socrático, valoriza o pensamento dos pré-socráticos desenvolvendo-o em sistemas vários e originais. Isto aparece imediatamente nas escolas socráticas. Estas - mesmo diferenciando-se bastante entre si - concordam todas pelo menos na característica doutrina socrática de que o maior bem do homem é a sabedoria. A escola socrática maior é a platônica; representa o desenvolvimento lógico do elemento central do pensamento socrático - o conceito - juntamente com o elemento vital do pensamento precedente, e culmina em Aristóteles, o vértice e a conclusão da grande metafísica grega. Fora desta escola começa a decadência e desenvolver-se-ão as escolas socráticas menores.


São fundadores das escolas socráticas menores, das quais as mais conhecidas são:


1. A escola de Megara, fundada por Euclides (449-369), que tentou uma conciliação da nova ética com a metafísica dos eleatas e abusou dos processos dialéticos de Zenão.


2. A escola cínica, fundada por Antístenes (n. c. 445), que, exagerando a doutrina socrática do desapego das coisas exteriores, degenerou, por último, em verdadeiro desprezo das conveniências sociais. São bem conhecidas as excentricidades de Diógenes.


3. A escola cirenaica ou hedonista, fundada por Aristipo, (n. c. 425) que desenvolveu o utilitarismo do mestre em hedonismo ou moral do prazer. Estas escolas, que, durante o segundo período, dominado pelas altas especulações de Platão e Aristóteles , verdadeiros continuadores da tradição socrática, vegetaram na penumbra, mais tarde recresceram transformadas ou degeneradas em outras seitas filosóficas. Dentre os herdeiros de Sócrates, porém, o herdeiro genuíno de suas idéias, o seu mais ilustre continuador foi o sublime Platão. 

 Platão


Platão (em grego: Πλάτων, transl. Plátōn, "amplo",[1] Atenas,[nota 1] 428/427[nota 2] – Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental.[11] Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles[12]; Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas, entre eles a ética, a política, a metafísica e a teoria do conhecimento.
A sofisticação de Platão como escritor é especialmente evidente em seus diálogos socráticos; trinta e cinco diálogos e treze cartas são creditadas tradicionalmente a ele, embora os estudiosos modernos tenham colocado em dúvida a autenticidade de pelo menos algumas destas obras.[13] Estas obras também foram publicadas em diversas épocas, e das mais variadas maneiras, o que levou a diferentes convenções no que diz respeito à nomenclatura e referenciação dos textos.
Embora não exista qualquer dúvida de que Platão lecionou na Academia fundada por ele, a função pedagógica de seus diálogos - se é que alguma existia - não é conhecida com certeza. Os diálogos, desde a época do próprio Platão, eram usados como ferramenta de ensino nos tópicos mais variados, como filosofia, lógica, retórica, matemática, entre outros.
Vida
Platão nasceu em Atenas[14], provavelmente em 427 a.C. (no ano da 88a olimpíada, no sétimo dia do mês Thargêliốn[15]), cerca de um ano após a morte do estadista Péricles, e morreu em 347 a.C. (no primeiro ano da 108a olimpíada[16]). Seu pai, Aristão, tinha como ancestral o rei Codros e sua mãe, Perictione, era descendente de um irmão de Sólon[14].
Inicialmente, Platão entusiasmou-se com a filosofia de Crátilo, um seguidor de Heráclito. No entanto, por volta dos 20 anos, encontrou o filósofo Sócrates e tornou-se seu discípulo até a morte deste. Pouco depois de 399 a.C., Platão esteve em Mégara com alguns outros discípulos de Sócrates, hospedando-se na casa de Euclides. Em 388 a.C., quando já contava quarenta anos, Platão viajou para a Magna Grécia com o intuito de conhecer mais de perto comunidades pitagóricas. Nesta ocasião, veio a conhecer Arquitas de Tarento. Ainda durante essa viagem, Dionísio I convidou Platão para ir à Siracusa, na Sicília[17]. No início, Dionísio deu liberdade para Platão se expressar, porém quando se sentiu ofendido por algumas declarações de Platão, Dionísio vendeu Platão no mercado de escravos por vinte minas; alguns filósofos, porém, juntaram o dinheiro, compraram Platão e o mandaram de volta para a Grécia, aconselhando-o que os sábios deve se associar o menos possível aos tiranos, ou com o maior cuidado possível[17].
Em seu retorno, fundou a Academia. A instituição logo adquiriu prestígio e a ela acorriam inúmeros jovens em busca de instrução e até mesmo homens ilustres a fim de debater ideias. Em 367 a.C., Dionísio I morreu, e Platão retornou a Siracusa a fim de mais uma vez tentar implementar suas ideias políticas na corte de Dionísio II. No entanto, o desejo do filósofo foi novamente frustrado. Em 361 a.C. voltou pela última vez à Siracusa com o mesmo objetivo e pela terceira vez fracassa. De volta para Atenas em 360 a.C., Platão permaneceu na direção da Academia até sua morte, em 347 a.C.
Pensamento platônico
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Platão, em detalhe da Escola de Atenas, de Rafael Sanzio (c. 1510).Satanza della Segnatura. Palácio Apostólico, Vaticano.
Em linhas gerais, Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A primeira é a realidade imutável, igual a si mesma. A segunda são todas as coisas que nos afetam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens da realidade inteligível.
Tal concepção de Platão também é conhecida por Teoria das Ideias ou Teoria das Formas. Foi desenvolvida como hipótese no diálogo Fédon e constitui uma maneira de garantir a possibilidade do conhecimento e fornecer uma inteligibilidade relativa aos fenômenos.
Para Platão, o mundo concreto percebido pelos sentidos é uma pálida reprodução do mundo das Ideias. Cada objeto concreto que existe participa, junto com todos os outros objetos de sua categoria de uma Ideia perfeita. Uma determinada caneta, por exemplo, terá determinados atributos (cor, formato, tamanho etc). Outra caneta terá outros atributos, sendo ela também uma caneta, tanto quanto a outra. Aquilo que faz com que as duas sejam canetas é, para Platão, a Ideia de Caneta, perfeita, que esgota todas as possibilidades de ser caneta. A ontologia de Platão diz, então, que algo é na medida em que participa da Ideia desse objeto. No caso da caneta é irrelevante, mas o foco de Platão são coisas como o ser humano, o bem ou a justiça, por exemplo.
O problema que Platão propõe-se a resolver é a tensão entre Heráclito e Parmênides: para o primeiro, o ser é a mudança, tudo está em constante movimento e é uma ilusão a estaticidade, ou a permanência de qualquer coisa; para o segundo, o movimento é que é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar de ser e algo que não é, não pode passar a ser; assim, não há mudança.
Por exemplo, o que faz com que determinada árvore seja ela mesma desde o estágio de semente até morrer, e o que faz com que ela seja tão árvore quanto outra de outra espécie, com características tão diferentes? Há aqui uma mudança, tanto da árvore em relação a si mesma (com o passar do tempo ela cresce) quanto da árvore em relação a outra. Para Heráclito, a árvore está sempre mudando e nunca é a mesma, e para Parmênides, ela nunca muda, é sempre a mesma e sua mudança é uma ilusão .
Platão resolve esse problema com sua Teoria das Ideias. O que há de permanente em um objeto é a Ideia; mais precisamente, a participação desse objeto na sua Ideia correspondente. E a mudança ocorre porque esse objeto não é uma Idéia, mas uma incompleta representação da Ideia desse objeto. No exemplo da árvore, o que faz com que ela seja ela mesma e seja uma árvore (e não outra coisa), a despeito de sua diferença daquilo que era quando mais jovem e de outras árvores de outras espécies (e mesmo das árvores da mesma espécie) é a sua participação na Ideia de Árvore; e sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida representação da Ideia de Árvore.
Platão também elaborou uma teoria gnosiológica, ou seja, uma teoria que explica como se pode conhecer as coisas, ou ainda, uma teoria do conhecimento. Segundo ele, ao ver um objeto repetidas vezes, uma pessoa se lembra, aos poucos, da Ideia daquele objeto que viu no mundo das Ideias. Para explicar como se dá isso, Platão recorre a um mito (ou umametáfora) segundo a qual, antes de nascer, a alma de cada pessoa vivia em uma estrela, onde se localizam as Ideias. Quando uma pessoa nasce, sua alma é "jogada" para a Terra, e o impacto que ocorre faz com que esqueça o que viu na estrela. Mas, ao ver um objeto aparecer de diferentes formas (como as diferentes árvores que se pode ver), a alma se recorda da Ideia daquele objeto que foi visto na estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis.
A reminiscência
Uma das condições para a indagação ou investigação acerca das Ideias é que não estamos em estado de completa ignorância sobre elas. Do contrário, não teríamos nem o desejo nem o poder de procurá-las. Em vista disso, é uma condição necessária, para tal investigação, que tenhamos em nossa alma alguma espécie de conhecimento ou lembrança de nosso contato com as Ideias (contato esse ocorrido antes do nosso próprio nascimento) e nos recordemos das Ideias ao vê-las reproduzidas palidamente nas coisas.
Deste modo, toda a ciência platônica é uma reminiscência.[18] A investigação das Ideias supõe que as almas preexistiram em uma região divina onde contemplavam as Ideias. Podemos tomar como exemplo o Mito da Parelha Alada, localizado no diálogo Fedro, de Platão. Neste diálogo, Platão compara a raça humana a carros alados. Tudo o que fazemos de bom, dá forças às nossas asas. Tudo o que fazemos de errado, tira força das nossas asas. Ao longo do tempo fizemos tantas coisas erradas que nossas asas perderam as forças e, sem elas para nos sustentarmos, caímos no Mundo Sensível, onde vivemos até hoje. A partir deste momento, fomos condenados a vermos apenas as sombras do Mundo das Ideias.
Amor
´No Simpósio (também conhecido como O Banquete), de Platão, Sócrates revela que foi a sacerdotisa Diotima de Mantinea que o iniciou nos conhecimentos e na genealogia do amor. As ideias de Diotima estão na origem do conceito socrático-platônico do amor.
Conhecimento
Platão não buscava as verdadeiras essências da forma física como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a verdade essencial das coisas. Platão não poderia buscar a essência do conhecimento nas coisas, pois estas são corruptíveis, ou seja, variam, mudam, surgem e se vão. Como o filósofo busca a verdade plena, deve buscá-la em algo estável, nas verdadeiras causas, pois logicamente a verdade não pode variar e, se há uma verdade essencial para os homens, esta verdade deve valer para todas as pessoas. Logo, a verdade deve ser buscada em algo superior.
Como seu mestre Sócrates, Platão busca descobrir as verdades essenciais das coisas. As coisas devem ter um outro fundamento, além do físico, e a forma de buscar estas realidades vem do conhecimento, não das coisas mas do além das coisas. Esta busca racional é contemplativa. Isto significa buscar a verdade no interior do próprio homem, não meramente como sujeito particular, mas como participante das verdades essenciais do ser.
O conhecimento era o conhecimento do próprio homem, mas sempre ressaltando o homem não enquanto corpo, mas enquanto alma. O conhecimento contido na alma era a essência daquilo que existia no mundo sensível. Portanto, em Platão, também a técnica e o mundo sensível eram secundários. A alma humana enquanto perfeita participa do mundo perfeito das ideias, porém este formalismo só é reconhecível na experiência sensível.
Também o conhecimento tinha fins morais, isto é, levar o homem à bondade e à felicidade. Assim a forma de conhecimento era um reconhecimento, que faria o homem dar-se conta das verdades que sempre possuíra e que o levavam a discernir melhor dentre as aparências de verdades e as verdades. A obtenção do autoconhecimento era um caminho árduo e metódico.
Quanto ao mundo material, o homem poderia ter somente a doxa (opinião) e téchne (técnica), que permitia a sua sobrevivência, ao passo que, no mundo das ideias, o homem pode ter a épisthéme, o conhecimento verdadeiro, o conhecimento filosófico,.
Platão não defendia que todas as pessoas tivessem igual acesso à razão. Apesar de todos terem a alma perfeita, nem todos chegavam à contemplação absoluta do mundo das ideias.
Política
"Os males não cessarão para os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes, que os chefes das cidades, por uma divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente." (Platão, Carta Sétima, 326b).
Esta afirmação de Platão deve ser compreendida com base na teoria do conhecimento, e lembrando que o conhecimento para Platão tem fins morais.
Todo o projecto político platónico foi traçado a partir da convicção de que a Cidade-Estado ideal deveria ser obrigatoriamente governada por alguém dotado de uma rigorosa formação filosófica.
Platão acreditava que existiam três espécies de virtudes baseadas na alma, que corresponderiam aos estamentos da pólis:
§ A primeira virtude era a da sabedoria, deveria ser a cabeça do Estado, ou seja, o governante, pois possui caráter de ouro e utiliza a razão.
§ A segunda espécie de virtude é a coragem, deveria ser o peito do Estado, isto é, os soldados ou guardiões da pólis, pois sua alma de prata é imbuída de vontade. E, por fim,
§ A terceira virtude, a temperança, que deveria ser o baixo-ventre do Estado, ou os trabalhadores, pois sua alma de bronze orienta-se pelo desejo das coisas sensíveis.
O homem e a alma
O homem para Platão era dividido em corpo e alma. O corpo era a matéria e a alma era o imaterial e o divino que o homem possuía. Enquanto o corpo está em constante mudança de aparência, a alma não muda nunca. Desde quando nascemos, temos a alma perfeita, porém não sabemos. As verdades essenciais estão inscritas na alma eternamente, porém, ao nascermos, nós as esquecemos, pois a alma é aprisionada no corpo.
Para Platão a alma é divida em três partes:
1 Racional: cabeça; esta tem que controlar as outras duas partes. Sua virtude é a sabedoria ou prudência (phrónesis).
2 Irascível: tórax; parte da impetuosidade, dos sentimentos. Sua virtude é a coragem (andreía).
3 Concupiscente: baixo ventre; apetite, desejo, mesmo carnal (sexual), ligado ao libido. Sua virtude é a moderação ou temperança (sophrosýne).
Platão acreditava que a alma depois da morte reencarnava em outro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com o Bem, esta era privilegiada com a morte do corpo. A ela era concedida o privilégio de passar o resto dos seus tempos em companhia dos deuses.
Por meio da relação de sua alma com a Alma do Mundo, o homem tem acesso ao mundo das Ideias e aspira ao conhecimento e às ideias do Bem e da Justiça. A partir da contemplação do mundo das Ideias, o Demiurgo, tal como Platão descreveu no Timeu, organizou o mundo sensível. Não se trata de uma criação ex nihilo, isto é, do nada, como no caso do Deus judaico-cristão, pois o Demiurgo não criou a matéria (Timeu, 53b) nem é a fonte da racionalidade das Ideias por ele contempladas. A ação do homem se restringe ao mundo material; no mundo das Ideias o homem não pode transformar nada. Pois o que é perfeito, não pode ser mais perfeito.
Obras
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Parte de P.Oxy. LII 3679, com trecho da República, de Platão.
Diálogos
Platão escreveu, principalmente, na forma de diálogos. Esses escritos, considerados autênticos, são, provavelmente em ordem cronológica :
1. Hípias menor: trata do agir humano;
2. Primeiro Alcibíades: trata da doutrina socrática do auto-conhecimento;
3. Segundo Alcibíades : trata do conhecimento;
4. Apologia de Sócrates: relata o discurso de defesa de Sócrates no tribunal de Atenas;
5. Eutífron: trata dos conceitos de piedade e impiedade;
6. Críton: trata da justiça;
7. Hípias maior: discussão estética;
8. Hiparco: ocupa-se com os conceitos de cobiça e avidez;
9. Laques: trata da coragem;
10. Lísis: trata da amizade/amor;
11. Cármides: diálogo ético;
12. Protágoras: trata do conceito e natureza da virtude;
13. Górgias: trata do verdadeiro filósofo em oposição aos sofistas;
14. Mênon: trata do ensino da virtude e da rememoração (anamnese);
15. Fédon: relata o julgamento e morte de Sócrates e trata da imortalidade da alma;
16. O Banquete: trata da origem, as diferentes manifestações e o significado do amor sensual;
17. Fedro: trata da retórica e do amor sensual;
18. Íon: trata de poesia;
19. Menêxeno: elogio da morte no campo de batalha;
20. Eutidemo: crítica aos sofistas;
21. Crátilo: trata da natureza dos nomes;
22. A República: aborda vários temas, mas todos subordinados à questão central da justiça;
23. Parmênides: trata da ontologia. É neste diálogo que o jovem Sócrates, a personagem, defende a teoria das formas que é duramente criticada por Parmênides;
24. Teeteto: trata exclusivamente da Teoria do Conhecimento;
25. Sofista: diálogo de caráter ontológico, discute o problema da imagem, do falso e do não-ser;
26. Político: trata do perfil do homem político;
27. Filebo: versa sobre o bom e o belo e como o homem pode viver melhor;
28. Timeu: trata da origem do universo.
29. Crítias: Platão narra aqui mito de Atlântida através de Crítias (seu avô). É um diálogo inacabado;
30. Leis: aborda vários temas da esfera política e jurídica. É o último (inacabado), mais longo e complexo diálogo de Platão;
31. Epidômite
32. Epístolas: Cartas (dentre as quais, somente a de número 7 (sete) é considerada realmente autêntica)
Tetralogias
Há, na Antiguidade, duas classificações das obras de Platão: a trilógica, de Aristófanes de Bizâncio, e a tetralógica, de Trasilo. Segundo Diógenes Laércio, as 9 tetralogias são:
I. Eutífron, Apologia de Sócrates, Críton, Fédon
II. Crátilo, Teeteto, Sofista, Político
III. Parmênides, Filebo, Banquete, Fedro
IV. Primeiro Alcibíades (1), Segundo Alcibíades (2), Hiparco (2), Os amantes (2)
V. Theages (2), Carmides, Laques, Lísis
VI. Eutidemo, Protágoras, Górgias, Mênon
VII. Hipias (maior) (1), Hípias (menor), Íon, Menéxenes
VIII. Clitófon (1), A República, Timeu, Crítias
IX. Minos (2), Leis, Epínomis (2), Sétima carta (1).
Muitos diálogos não inclusos nas tetralogias de Trasilo circularam com o nome de Platão, ainda que fossem considerados espúrios (notheuomenoi) até mesmo na Antiguidade.
Axíocho (2), Definições (2), Demódoco (2), Epigramas, Eríxia (2), Halcyon (2), Da Justiça (2), Da Virtude (2), Sísifo (2).
Os diálogos que estão marcados com (1) nem sempre são atribuídos a Platão, e os marcado com (2) são considerados apócrifos. Os que não estão marcados são de autoria certa. O critério para a atribuição é variado, mas geralmente são consideradas obras de Platão as que são citadas por Cícero ou Aristóteles, ou referidas pelo próprio autor em outros textos.
Linha do tempo
§ 432 a.C. - Início da guerra do Peloponeso.
§ 428/27 a.C. - Nascimento de Platão.
§ 411 a.C. - Revolução oligárquica aristocrata tira os democratas do poder em Atenas e impõe o Conselho dos Quatrocentos.
§ 404 a.C. - Liga do Peloponeso, liderada por Esparta, derrota a Liga da Hélade, liderada por Atenas, e tem início o governo dos Trinta Tiranos.
§ 399 a.C. - Condenação de Sócrates à morte pela Assembleia popular de Atenas.
§ 387 a.C. - Platão funda, em Atenas, a Academia.
§ 384 a.C. - Nascimento de Aristóteles, em Estagira, na Calcídica.
§ 347 a.C. - Morte de Platão, em Atenas. A Academia passa a ser dirigida por Espeusipo.
§ 338 a.C. - Filipe da Macedônia vence a batalha de Queronéia e conquista a Grécia.
Notas
1. ↑ Diógenes Laércio menciona que Platão "nasceu, segundo alguns escritores, em Aegina, na casa de Fidíades, filho de Tales". Diógenes menciona como uma de suas fontes aHistória Universal de Favorinus. De acordo com Favorinus, Ariston, pai de Platão, e sua família foram enviados por Atenas para fixarem-se como clerúquios (colonos mantendo sua cidadania ateniense) na ilha de Aegina, de onde foram expulsos pelos espartanos após Platão nascer lá.[2] Nails indica, no entanto, que não há registro de qualquer expulsão de atenienses de Aegina por parte dos espartanos entre 431 e 411 a.C.[3] Por outro lado, no Tratado de Nicias Aegina foi silenciosamente deixada sob o controle de Atenas, e não foi até o verão de 411 a.C. que os espartanos invadiram a ilha.[4] Por isso Nails conclui que "talvez Ariston foi um clerúquio, talvez foi a Aegina em 431, e, talvez, Platão nasceu em Aegina, mas nada disso permite uma datação precisa da morte de Ariston (ou de nascimento de Platão).[3] Aegina é considerada como o local de nascimento de Platão também pela Suda.[5]
2. ↑ O gramático Apolodoro argumenta, nas suas Crônicas, que Platão nasceu no primeiro ano da 88ª Olimpíada (427 a.C.), no sétimo dia do mês de Targélion; de acordo com esta tradição, o deus Apolo teria nascido neste dia.[6] De acordo com outro biógrafo seu, Neantes, Platão teria 84 anos de idade ao morrer.[6] De acordo com a versão de Neantes, Platão era seis anos mais novo que Isócrates, e teria portanto nascido no segundo ano da 87ª Olimpíada, ano da morte de Péricles (429 a.C.).[7] De acordo com a Suda, Platão teria nascido em Egina, na 88ª Olimpíada, em meio à fase preliminar da Guerra do Peloponeso, e teria vivido 82 anos.[5] Para o estudioso inglês do século XVI, sir Thomas Browne, Platão teria nascido de fato na 88ª Olimpíada;[8] o célebre platonista do Renascimento celebrava o nascimento de Platão no dia 7 de novembro.[9] Já para o filólogo alemão Ulrich von Wilamowitz-Moellendorff, Platão teria nascido quando Diótimos era arconte epônimo, mais especificamente entre 29 de julho de 428 a.C. e 24 de julho de 427 a.C.[10] O filólogo grego acredita que o filósofo teria nascido em 26 ou 27 de maio de 427 a.C., enquanto o filósofo britânico Jonathan Barnes estipula 428 a.C. como o ano de nascimento de Platão.[11] Já a filósofa americana Debra Nails alega que Platão teria nascido em 424/423 a.C.[9]
Referências
1. ↑ Diógenes Laércio 3.4; p. 21, David Sedley, Plato's Cratylus, Cambridge University Press 2003.
2. ↑ Diogenes Laertius, Life of Plato, III
3. ↑ a b D. Nails, "Ariston", 54
4. ↑ Thucydides, History of the Peloponnesian War, 5.18; local de nascimento = * Thucydides, History of the Peloponnesian War, 8.92
5. ↑ a b "Plato". Suda.
6. ↑ a b Diógenes Laércio, Vida de Platão, II
7. ↑ F.W. Nietzsche, Werke, 32
8. ↑ T. Browne, Pseudodoxia Epidemica, XII
9. ↑ a b D. Nails, The Life of Plato of Athens, 1
10. ↑ U. von Wilamowitz-Moellendorff, Plato, 46
11. ↑ a b "Plato". Encyclopaedia Britannica. (2002).
12. ↑ Alexander, citado por Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Livro III, Vida de Platão, 5
13. ↑ Algumas das tetralogias de Trasilo, por exemplo, foram excluídas; ver a lista em John M. Cooper (ed.), Plato: Complete Works, Hackett, 1997.
14. ↑ a b Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Livro III, Vida de Platão, 1
15. ↑ Apolodoro, citado por Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Livro III, Vida de Platão, 2
16. ↑ Hermippus, citado por Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Livro III, Vida de Platão, 2
17. ↑ a b Diodoro Sículo, Livro XV, 7.1
18. ↑ A reminiscência em Platão Por José Cavalcante de Souza. Revista Discurso. Ano I, nº 2 - 1971.

 Heráclito de Éfeso (aprox. 540 a.C. - 470 a.C.)



Heráclito de Éfeso (Éfeso, aprox. 540 a.C. - 470 a.C.) foi um filósofo pré-socrático considerado o "pai da dialética". Recebeu a alcunha de "Obscuro" principalmente em razão da obra a ele atribuída por Diógenes Laércio, Sobre a Natureza, em estilo obscuro, próximo ao das sentenças oraculares.
Na vulgata filosófica, Heráclito é o pensador do "tudo flui" (panta rei) e do fogo, que seria o elemento do qual deriva tudo o que nos circunda.
De seus escritos restaram poucos fragmentos (encontrados em obras posteriores), os quais geraram grande número de obras explicativas.

 

Dados biográficos

Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia (atual Turquia). Diógenes Laércio relata que "Heráclito, filho de Blóson, ou, segundo outra tradição, de Heronte, era natural de Éfeso. Tinha uns quarenta anos por ocasião da 69ª Olimpíada (504-501 a.C.). Era homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros".
Por seu desprendimento em relação ao poder e pelo desprezo que dedicava aos bens materiais, Heráclito não era simpático aos efésios, que eram exatamente o seu oposto. Foi, aliás, muito criticado por seus concidadãos quando conseguiu convencer o tirano Melancoma a abdicar para ir viver nos bosques, em livre contato com a natureza[1]. Heráclito era acusado de desprezar a plebe, de se recusar a participar da política - essencial aos gregos) - e de desdenhar os poetas, os filósofos e a religião.[2]
Misantropo, viveu na solidão do templo de Ártemis. O mesmo Diógenes nos conta: "Retirado no templo de Ártemis, divertia-se em jogar com as crianças e, acercando-se dele os efésios, perguntou-lhes:
De que vos admirais, perversos? Que é melhor: fazer isso ou administrar a República convosco?
Nos últimos anos da sua vida, passou a viver ainda mais isolado, nas montanhas, alimentando-se somente de plantas. Quando adoeceu, atacado por uma hidropisia, Heráclito foi obrigado a voltar à cidade. Aos médicos, cujo conhecimento ridicularizava, perguntou se seriam capazes de transformar uma inundação em seca, aludindo à sua doença.[3] Os médicos não entenderam e acabaram sendo expulsos por Heráclito. O filósofo resolveu então recorrer a um curandeiro que lhe aconselhou imergir-se no estrume pois o calor faria evaporar a água em excesso que havia em seu corpo. Foi um desastre: os cães de Heráclito não reconheceram o dono, inteiramente coberto de excrementos, e o atacaram, causando a sua morte. É possível também que a causa da morte de Heráclito tenha sido o sufocamento comia esterco de vaca. O historiador Neantes de Cízico (século III a.C.) afirma que, tendo sido impossível retirar o corpo de sob o esterco, lá permaneceu.

 

O pensamento de Heráclito

Os filósofos de Mileto (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, entre outros) haviam percebido o dinamismo das mudanças que ocorrem na physis, como o nascimento, o crescimento e a morte, mas não chegaram a problematizar a questão.
Heráclito, inserido no contexto pré-socrático, parte do princípio de que tudo é movimento, e que nada pode permanecer estático - Panta rei ou "tudo flui", "tudo se move", exceto o próprio movimento.
Mas este é apenas um pressuposto de uma doutrina que vai mais além. O devir, a mudança que acontece em todas as coisas é sempre uma alternância entre contrários: coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam; coisas úmidas secam, coisas secas umedecem etc. A realidade acontece, então, não em uma das alternativas, posto que ambas são apenas parte de uma mesma realidade, mas sim na mudança ou, como ele chama, na guerra entre os opostos. Esta guerra é a realidade, aquilo que podemos dizer que é. "A doença faz da saúde algo agradável e bom"; ou seja, se não houvesse a doença, não haveria por que valorizar-se a saúde, por exemplo. Ele ainda considera que, nessa harmonia, os opostos coincidem da mesma forma que o princípio e o fim, em um círculo; ou a descida e a subida, em um caminho, pois o mesmo caminho é de descida e de subida; o quente é o mesmo que o frio, pois o frio é o quente quando muda (ou, dito de outra forma, o quente é o frio depois de mudar, e o frio, o quente depois de mudar, como se ambos, quente e frio, fossem "versões" diferentes da mesma coisa).
Panta rei os potamós (do grego πάντα ῥεῖ ), traduzido como "Tudo flui como um rio" é o célebre aforisma no qual a tradição filosófica subsequente identificou sinteticamente o pensamento de Heráclito com o tema do devir, em contraposição à filosofia do ser própria de Parmênides.
Mas, na realidade, o famoso moto panta rei não é atestado nos fragmentos conhecidos da obra de Heráclito, e pode ser atribuído ao seu discípulo Crátilo, que desenvolveu o pensamento do mestre, radicalizando-o. A fórmula léxica panta rei será cunhada e utilizada pela primeira vez somente por Simplício, em seu comentário à Physica Auscultatio, 1313, 11. A expressão deriva de um fragmento do tratado Sobre a natureza:

Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai.

Tudo é considerado como um grande fluxo perene no qual nada permanece a mesma coisa pois tudo se transforma e está em contínua mutação. Por isso, Heráclito identifica a forma do Ser no Devir pelo qual todas as coisas são sujeitas ao tempo e à sua relativa transformação.
Heráclito sustenta que só a mudança e o movimento são reais, e que a identidade das coisas iguais a si mesmas é ilusória: para Heráclito tudo flui (panta rei).
O panta rei é uma consequência de polemos (guerra, conflito), que reina sobre tudo. Em consequência, Heráclito de Éfeso não é o filósofo do "tudo flui" mas do "tudo flui enquanto resultado da tensão contínua dos opostos em luta".
A doutrina dos contrários
Polemos é pai de todas as coisas, de todas, de todas rei.
A doutrina da unidade dos contrários é talvez o aspecto mais original do pensamento filosófico de Heráclito. A lei secreta do mundo reside na relação de interdependência entre dois conceitos opostos, em luta permanente; mas, ao mesmo tempo, um não pode existir sem o outro. Nada existiria se não existisse, ao mesmo tempo, o seu oposto. Assim, por exemplo, uma subida pode ser pensada como uma descida por quem está na parte de cima. Entre os contrários se cria uma espécie de luta constitutiva do logos indiviso.
Nessa dualidade, que na superfície é uma guerra (polemos), mas no fundo é harmonia entre os contrários, Heráclito viu aquilo que definia como o logos, a lei universal da Natureza.
E é a própria doutrina dos contrários que faz de Heráclito o fundador de uma lógica "antidialética", fundada na lei estética do devir da realidade. Antidialética porque tese e antítese (ser e não ser) são uma síntese contraditória e permanente na realidade, que só assim pode vir a ser, através dos seus dois aspectos existenciais ("no mesmo rio, entramos e não entramos"; "somos e não somos"); oposta à lógica aristotélica porque oposta ao seu princípio da não-contradição e do terceiro excluído.
A teoria de Heráclito é alternativa à ontologia de Parmênides, o filósofo da unidade e da identidade do Ser, que ensina que é a contínua mudança a principal característica do não ser .
A partir de seus pressupostos - panta rei e a guerra entre os contrários -, Heráclito definiu uma arché, um princípio que está em todas as coisas desde a sua origem: o fogo. Para ele,"todas as coisas são uma troca do fogo, e o fogo, uma troca de todas as coisas, assim como o ouro é uma troca de todas as mercadorias e todas as mercadorias são uma troca do ouro"; ou seja, todas as coisas transformam-se em fogo, e o fogo transforma-se em todas as coisas.

 

A cosmologia de Heráclito

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Heráclito, em detalhe do afrescopintado por Rafael, A Escola de Atenas
Segundo Heráclito, o fogo é, pois, o elemento primordial de todas as coisas. Tudo se origina por rarefação e tudo flui como um rio. Ocosmos é um só e nasce do fogo e, de novo, é pelo fogo consumido, em períodos determinados, em ciclos que se repetem pela eternidade.
Em seu livro - Do Céu, Aristóteles escreve: "Concordam todos em que o mundo foi gerado; mas, uma vez gerado, alguns afirmam que é eterno e outros que é perecível, como qualquer outra coisa que por natureza se forma. Outros, ainda, que, destruindo-se, alternadamente é ora assim, ora de outro modo, como Empédocles e Heráclito de Éfeso. (…) Também Heráclito assevera que o universo ora se incendeia, ora de novo se compõe do fogo, segundo determinados períodos de tempo, na passagem em que diz "acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas."
Para Heráclito, o fogo, quando condensado, se umidifica e, com mais consistência, torna-se água; e esta, solidificando-se, transforma-se em terra; e, a partir daí, nascem todas as coisas do mundo. Este é o caminho que Heráclito define como sendo "para baixo".
Derretendo-se a terra, obtém-se água. Água transforma-se em vapor, tal como vemos na evaporação do mar. E, rarefazendo-se, o vapor transforma-se novamente em fogo. E este é o caminho "para cima".
Nosso mundo é cercado pelos astros (Sol, Lua e estrelas). Esses nada mais são do que barcos cujas concavidades estão voltadas para nós, e que carregam dentro de si chamas brilhantes. A mais brilhante (para nós) é a chama do Sol e também a mais quente. Os demais astros distam mais da Terra e é por isso que seu brilho é menos vivo e menos quente, mas a Lua, que está bem próxima da Terra, não é por isso, mas por não se encontrar num espaço puro – a escuridão. O Sol, entretanto, está em região clara e pura.
Os eclipses do Sol e da Lua acontecem quando as concavidades dos barcos se voltam para cima. E as fases da Lua ocorrem quando o barco que a encerra se volta aos poucos em nossa direção.
Dia e noite, meses e estações, chuvas, ventos e demais fenômenos são conseqüências de diferentes evaporações. Pois a brilhante evaporação, inflamando-se no círculo do Sol, produz o dia; e, quando a contrária prevalece, produz a noite; e, quando da evaporação brilhante nasce o calor, faz verão; mas, quando da sombra o úmido prevalece, faz-se o inverno.

 

O Deus e a alma

Dentro do pensamento de Heráclito, Deus não tinha a aparência de um homem nem de outro animal qualquer. Em seu pensamento Deus não era nem criador, nem onipotente. Heráclito limitava-se a identificá-lo com os opostos, os quais persistem apesar de suas mudanças e assim são capazes de compreender sua própria unidade.
"O Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; mas se alterna como o fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo o gosto de cada um."
Nesse argumento, podemos ver que Heráclito considerava as diversas divindades da mitologia grega, que eram adoradas pelos homens de seu tempo, como sendo apenas fogo misturado a diferentes tipos de incensos.
E a alma consiste apenas de mais uma rarefação do fogo e sofre as mesmas mudanças que todas as outras coisas também experimentam; e a morte traz a completa extinção da alma.
"Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma."
Novamente aqui, nesse raciocínio, vemos Heráclito descrever seus caminhos "para baixo" e "para cima".