sábado, 18 de dezembro de 2021
A reinserção internacional do Japão no pós-segunda guerra mundial
A reinserção internacional do Japão no pós-segunda guerra mundial
Paulo Daniel Watanabe
RESUMO
Anunciada a rendição incondicional do Japão em 15 de agosto de 1945, iniciou-se após alguns dias a ocupação do território nipônico pelos Aliados, que foi praticamente executada pelos EUA, sob o comando do General Douglas MacArthur. O objetivo inicial dos Aliados era desmilitarizar e democratizar o arquipélago, o que foi feito com sucesso por meio da Constituição de 1947. A partir de 1952, após reaver sua soberania, o Japão encontrou nas idéias do Primeiro-Ministro Shigeru Yoshida (terceiro na sucessão pós-guerra) uma maneira de reconstruir a economia, utilizando todos os recursos existentes para tal objetivo. Essa política de alinhamento aos Estados Unidos ficou conhecida como Doutrina Yoshida. Assim sendo, a segurança e a defesa do arquipélago foram passadas para a responsabilidade estadunidense, transformando-as em interesses dos Estados Unidos, vista a questão da bipolaridade. O alinhamento Japão-EUA foi extremamente importante, senão fundamental, para os dois lados durante a Guerra Fria. A partir desse momento, o Japão emergiu na região asiática e no sistema internacional como um fiel parceiro político, militar e econômico dos Estados Unidos.
Palavras-Chave: Japão; Estados Unidos; Segunda Guerra Mundial; Guerra-Fria
1 - Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar a inserção internacional do Japão durante a Guerra Fria, conectando o seu tradicional alinhamento com algumas políticas adotadas pelos Estados Unidos durante o período da Ocupação de 1945.
Ao ser atacado por duas bombas nucleares jamais vistas, o Japão foi obrigado a render-se, finalizando assim, a Segunda Guerra Mundial. Após alguns dias da comunicação oficial da derrota feita pelo Imperador no dia 15 de agosto de 1945, os Estados Aliados iniciaram a ocupação no território nipônico.
Os principais objetivos da ocupação dos Aliados eram desmilitarizar e democratizar o Japão, para que este nunca mais voltasse a ser uma ameaça a outros Estados. Para esse fim, uma nova Constituição foi redigida e adotada, originalmente no idioma inglês. Com a Constituição de 1947, mais precisamente o Artigo 9º ("Da renúncia à guerra"), o Japão encontra-se proibido de possuir Forças Armadas ofensivas, ou com "potenciais beligerantes", o que o caracteriza na literatura corrente como "Estado anormal". Por meio desse documento, o arquipélago renuncia seu direito à beligerância.
Sinceramente aspirantes a uma paz internacional baseada na justiça e na ordem, o povo do Japão renuncia para sempre a guerra como um direito soberano da Nação e a ameaça ou uso da força como meio de resolução dos litígios internacionais.
A fim de concretizar o objetivo do parágrafo precedente, as forças terrestres, marítimas e aéreas, bem como qualquer outro potencial de guerra, nunca serão mantidas. O direito de beligerância do Estado não será reconhecido. (Tradução do autor)
Com grande pressão vinda dos Aliados por mudanças radicais na estrutura política do país, houve consenso político em relação à adoção da Constituição. Todavia, a aceitação da Constituição e de suas limitações pode ser entendida por meio de uma política desenvolvimentista formulada por Yoshida Shigeru, terceiro Primeiro-Ministro na sucessão do pós-guerra. Yoshida foi conhecido por formular uma política baseada em grande parte no desenvolvimento e na reestruturação econômica do país, aceitando, quase que livremente, a subordinação aos Estados Unidos. A segurança do arquipélago ficaria sob responsabilidade dos Estados Unidos unicamente. Mais tarde, a política de Yoshida ficou conhecida entre os estudiosos como "Doutrina Yoshida", vista a sua grande importância que teve à reinserção internacional do arquipélago.
Yoshida Shigeru se destacou pela boa relação com o General Douglas MacArthur, o então Comandante Supremo das Forças Aliadas (norte-americano), responsável pela Ocupação (FINN, 1991). Os principais pontos da Doutrina Yoshida, colocada plenamente em prática a partir da década de 50, foram: 1) A recuperação econômica deve ser o primeiro objetivo nacional (cooperação político-econômica com os EUA era necessária para esse propósito); 2) o Japão deveria continuar "suavemente" armado e evitar envolvimento em assuntos político-estratégicos. 3) Para garantir sua segurança a longo prazo, o país iria ceder seu território para bases às Forças Armadas aos EUA (PYLE, 2007, p. 242).
Dessa maneira, em 1951, ao negociar o fim da ocupação dos Aliados, o país iniciou uma frutífera parceria com os Estados Unidos da América, país que havia sido responsável pela organização interna e pela integridade do território durante a ocupação. Essa parceria foi responsável por reinserir o Japão ao sistema internacional como um importante player econômico.
2 - Os Estados Unidos da América e a Ocupação do Japão
Com a rendição incondicional do Japão, formalmente assinada no dia 2 de setembro de 1945 sobre o navio Missouri, o país ficou aberto a seus inimigos, ou seja, aqueles que estavam em guerra contra o Japão. Além dos Estados Unidos, assinaram o documento: URSS, China, Reino Unido, Austrália, Canadá, França, Holanda e Nova Zelândia.
A ocupação dos Aliados foi liderada pelos Estados Unidos. O General norte-americano Douglas MacArthur, anunciado pelo Presidente Truman como Comandante Supremo das Forças Aliadas (SCAP) no dia 15 de agosto de 1945 (mesmo dia em que o Imperador Hirohito aceitou a Declaração de Potsdam e rendeu-se), foi o responsável pela execução das políticas aplicadas ao Japão, às vezes, independente de Washington, por possuir divergências com Truman em certos aspectos. Truman tinha dúvidas sobre sua própria capacidade de formulação de política externa, principalmente ao Pacífico (MOORE; ROBINSON, 2002, p.6). Como Comandante Supremo dos Aliados, a missão de MacArthur era implementar a política estadunidense conforme a Declaração de Potsdam e os comandos de Washington.
A URSS e o Reino Unido buscavam intervir na ocupação e assistir a ela sempre que possível, apesar de a União Soviética ter aceitado a nomeação de um General estadunidense para comandar as Forças Aliadas. MacArthur sempre refutou influências externas, mantendo total controle estadunidense sobre o Japão, principalmente porque a União Soviética procurava restabelecer seu império sobre a região de Hokkaido, confrontando a influência norte-americana na região. Em sua obra, o General Douglas MacArthur explica:
Os russos começaram a causar problemas desde o início. Eles pediram que suas tropas ocupassem Hokkaido, a ilha ao norte do Japão, e ainda, dividir o país em dois. As suas Forças não estariam sob o comando do Comandante Supremo, sendo totalmente independentes. Eu recusei. [...] Ele prosseguiu e afirmou que as Forças Russas iriam entrar com ou sem minha aprovação. Eu respondi afirmando que se um único soldado soviético entrasse no Japão sem minha autorização, eu colocaria de uma vez toda a missão russa, incluindo ele mesmo, na prisão. (MACARTHUR, 1964)
Mais tarde, os britânicos e soviéticos intensificaram suas pressões para acabar com o poder unilateral exercido pelos Estados Unidos durante a ocupação. Eles insistiam que o Japão deveria ser dividido em zonas, como a Alemanha. Havia sido planejado pelo Pentágono, em 16 de agosto de 1945, que o território nipônico seria divido entre os Aliados vencedores e a China (para evitar temores de uma "invasão branca") a fim de dividir os custos da ocupação. Tóquio também seria dividida em zonas separadas. Entretanto, o planejamento dessa divisão nunca foi apresentado formalmente aos tomadores de decisões no governo americano. Assim, os Estados Unidos negaram e impediram qualquer tentativa de divisão do território japonês. (TAKEMAE, 2002, p. 96). O General MacArthur recusava, afirmando que a divisão da Alemanha havia sido um grande erro, e que os Estados Unidos estavam bancando 75% da ocupação e que nenhum desses dois poderes forneceram tropas para lutar no pacífico quando os EUA precisavam (MACARTHUR, 1964, p. 333). Com exceção de uma limitada área controlada pela Força de Ocupação da Comunidade Britânica (British Commonwealth Occupation Force) e das Ilhas Kurilas (ao norte do Japão) tomadas pela União Soviética, o Japão ficou totalmente sob domínio estadunidense.
Em dezembro de 1945, representantes dos EUA, da URSS e do Reino Unido se reuniram em Moscou para formar a Comissão para o Extremo Oriente, com o objetivo de controlar a gerência estadunidense. No desfecho, essa comissão não passou de um fórum para debates, após MacArthur acusar: "A causa básica [dessa Comissão] é a completa frustração do esforço soviético de absorver o Japão para dentro de sua órbita de ideologia comunista" (MACARTHUR, 1964, p. 335). Com o final da ocupação, a tal Comissão para o Extremo Oriente acabou-se igualmente, fazendo dos EUA o grande executor da Ocupação do Japão.
Os aliados, em grande peso a URSS, exigiam também que MacArthur e o Presidente Truman julgassem o Imperador Hirohito, que assumira a responsabilidade pela condução do país à guerra, como criminoso de guerra, e o executassem. Truman, ciente da relação que a manutenção do Imperador tinha com o sucesso da ocupação, ignorou todas as demandas dos aliados e o anistiou dos crimes de guerra. A sociedade e a cultura do Japão eram fundamentalmente estruturadas sobre a figura do Imperador. Na mitologia japonesa, a lenda sobre a criação do Japão, mostra claramente a importância que o Imperador do Japão possui à sociedade, sendo descendente direto da Deusa do Sol, a Deusa Amaterasu. Hirohito, no caso, seria o 124º Imperador na sucessão.
Caso o Imperador fosse julgado como criminoso de guerra, rebeliões, guerrilhas e atentados, seriam esperados. MacArthur explica: "Eu achava que se o Imperador fosse acusado, e talvez, enforcado como um criminoso de guerra, um governo militar deveria ser instituído por todo o país, e provavelmente, um movimento de guerrilha iria estourar." (MACARTHUR, 1964, p. 330). MacArthur alegava que utilizaria o imperador para facilitar a ocupação.
Uma desordem interna no país que visasse à anarquia geraria vácuos de poder na sociedade, fazendo com que MacArthur e Truman perdessem espaço como governantes nacionais, abrindo espaços para, possivelmente, a invasão da URSS, que havia sido planejada para ocorrer no dia 8 de agosto de 1945, o que poderia "justificar" o uso das bombas atômicas (MAGALHÃES, 2005, p. 16). A solução encontrada foi limitar seu poder por meio da Constituição de 1947, em que o Imperador é apenas um símbolo do Estado japonês, sem decisões políticas e militares.
Em relação aos investimentos na economia nipônica, os Estados Unidos perceberam, em 1946, que as condições econômicas do Japão influenciariam o caminho que o país seguiria na Guerra Fria ao aliar-se, podendo ser aos Estados Unidos ou a algum inimigo potencial. Sendo assim, no final da década de 1940, os Estados Unidos criaram políticas econômicas baseadas em nove pontos (Nine-Point Program): 1) balanço do orçamento; 2) aumento da eficiência dos impostos coletados; 3) limitar o crédito; 4) controlar salários; 5) controlar preços; 6) controlar o comércio exterior; 7) aumentar exportações; 8) aumentar a produção industrial; 9) aumentar a eficiência do programa de coleta de alimentos. Na década de 50, iniciou-se o Plano Dodge, baseado no Programa de Nove Pontos, sendo uma das mais importantes políticas fiscais e monetárias da história do Japão moderno.
O objetivo inicial da ocupação não era reestruturar a economia japonesa, entretanto, a economia nipônica estava arrasada pelos efeitos da guerra e a inflação estava fora de controle. As indústrias, em 1948, não atingiam 1/3 do nível de produção anterior à guerra (SUGITA, 2003, p. 50). O fracasso na recuperação econômica reverteria todo o sucesso da ocupação. Em sua obra (2003), Sugita cita dois principais receios dos Estados Unidos perante o fracasso econômico japonês: 1) as tendências pró-americanas, pró-democráticas, e anti-soviéticas poderiam ser completamente revertidas; 2) perda de confiança do povo japonês na democracia.
Enfim, os bons resultados gerados pelas políticas norte-americanas tinham sempre um objetivo pragmático dos Estados Unidos. Isso descaracteriza a ocupação como fruto da hegemonia norte-americana. Os EUA tomaram tais medidas por necessidade, e não por livre opção. Se, em todos os aspectos mencionados, os EUA realmente tivessem um papel hegemônico, estariam aptos a evitar qualquer constrangimento imposto pelo sistema internacional. Isso não ocorreu. Foi uma política de reação, e não de hegemonia. Mesmo assim, o Japão reconheceu positivamente a importância dos EUA no pós-guerra.
A relação entre Japão e os EUA é a peça fundamental da Política Externa Japonesa. Não seria exagero dizer que o Japão não poderia alcançar sua prosperidade pós-guerra se não fosse pelo bondoso apoio dos Estados Unidos. Os Estados Unidos também fizeram grandes sacrifícios para preservar a paz no pós-guerra. [...] (PRIMEIRO-MINISTRO MIYAZAWA, 1992).
3 - O fim da ocupação e o alinhamento aos Estados Unidos
Próximo ao fim da ocupação, quando os objetivos iniciais já estavam próximos de serem alcançados, George Kennan, diplomata norte-americano e defensor da Política de Contenção ao comunismo, ao ver a situação do Japão, demonstrou grande receio. Sem um tratado formal, o Japão poderia aliar-se facilmente à URSS. Vistas as suas capacidades produtivas, o arquipélago representava um prêmio para qualquer um dos lados (PYLE, 2007, p. 221).
A essa altura, o Japão desprovido de poder militar, deficiente economicamente, e geograficamente bem localizado (entre as duas potências) poderia exercer facilmente uma política pendular entre os EUA e a URSS. Essa possibilidade era temida pelos norte-americanos, que chegaram à conclusão de que o Japão não poderia ter um destino independente. Deveria funcionar como um satélite estadunidense ou soviético (PYLE, 2007, p. 221). Já nessa época, os interesses norte-americanos giravam em torno do papel que o Japão poderia desempenhar no Extremo Oriente.
Naturalmente, seria um ato legítimo, caso o Japão decidisse alinhar sua política externa com a soviética após reaver sua soberania. Entretanto, mesmo soberano, o país provavelmente não seria atraído pela URSS. A urgência de um tratado para "amarrar" o Japão pode ser interpretada, hoje em dia, como uma precipitação dos EUA frente à, talvez, superestimada ameaça soviética. Os governantes japoneses tinham plenos conhecimentos em relação aos esforços norte-americanos "pró-Japão" durante a ocupação. Apesar de os EUA serem responsáveis pela destruição total de duas cidades japonesas, o Japão nunca demonstrou oficialmente sentimentos de revolta ou revanchismo.
Com isso, líderes políticos japoneses tiveram que organizar-se para decidir uma política, mesmo que sob ocupação. Yoshida, sabendo da importância do Japão no âmbito da bipolaridade, decidiu negociar o fim da ocupação e a restauração da soberania japonesa. "Ele acreditava que o Japão poderia fazer concessões mínimas de cooperação aos Estados Unidos em troca do fim da ocupação, de uma garantia de segurança ao Japão a longo-prazo, e de uma oportunidade para garantir a reconstrução econômica." (PYLE, 2007, p. 229)
Os acordos que iniciaram as relações Japão-EUA na década de 1950 foram o Acordo de Paz de São Francisco e o Acordo de Segurança Mútua Japão-EUA, ambos assinados em 1951. O Acordo de São Francisco, assinado em oito de setembro de 1951, devolveu ao Japão a sua soberania, ato influenciado pelos EUA, "que desejavam tê-lo como um país soberano e parceiro para a manutenção da paz e desenvolvimento econômico da Ásia-Pacífico." (UEHARA, 2003, p. 81)
Após a assinatura do Acordo de São Francisco, o Japão assinou um Acordo de Segurança Mútua com os Estados Unidos que foi claramente desigual (PYLE, 2007, p. 234). Esse tratado inicial preservava diversas políticas exercidas durante a ocupação. Por tempo indefinido, o Japão serviria de bases para os EUA como um satélite militar. Além disso, o que gerou muitas desordens internas foi o fato de que os EUA teriam o direito de intervir internamente em qualquer momento, e ainda teriam o direito de utilizar seu poder militar a partir das bases em território nipônico contra qualquer Estado sem consultar o governo japonês. Ao mesmo tempo, o arquipélago seria protegido pelos EUA e se beneficiaria da dissuasão (nuclear) estendida norte-americana. Após o tratado, houve intensa pressão dos EUA para o Japão remilitarizar-se e assim, participar de forma mais ativa na aliança.
A pressão exercida pelos norte-americanos fez com que o Congresso norte-americano aprovasse, pouco depois, um novo tratado, o MSA - Mutual Security Assistance que foi designado a consolidar o sistema de aliança americano por meio do fornecimento de armas e equipamentos. Através do MSA, os EUA ofereceram ajuda financeira para o Japão expandir suas Forças de Segurança Nacional de 110 mil homens para um exército de 350 mil homens (PYLE, 2007, p. 234). Isso fez com que Yoshida adotasse novamente a política de crescimento econômico. Para Yoshida, essa pressão era uma oportunidade à indústria do Japão, porém ceder aos interesses americanos de militarização poderia criar a possibilidade de ter que enviar suas tropas ao exterior.
Yoshida sabia que o Japão precisava dessa ajuda financeira e não a negou. Os líderes das grandes empresas junto ao Ministério de Comércio Internacional e Indústria (MITI) acharam a solução para esse dilema na criação de indústrias exportadoras de armamentos: ao mesmo tempo em que estariam "fazendo sua parte" na aliança, estariam faturando e fazendo sua economia crescer (PYLE, 2007). Dessa maneira, Yoshida assegurava que novas tecnologias iriam chegar ao Japão, especialmente através da co-produção de armas norte-americanas.
É importante lembrar que ao longo da década de 40, a balança comercial (EUA-Japão) era negativa ao lado do Japão, porém durante a Guerra da Coréia, os EUA começaram a depender do suprimento logístico japonês. Os fluxos vindos dos EUA eram provenientes de "compras de equipamentos para as Forças Armadas americanas no Extremo Oriente, do pagamento aos funcionários japoneses empregados pelo Exército dos EUA no Japão, e dos gastos realizados pelos soldados, civis e contratos de curto prazo." (ALLEN, 1981: 242 apud UEHARA, 2003). Se o Japão não tivesse construído essa parceria militar-industrial com os EUA, não haveria nenhum milagre japonês. (NAGAI apud PYLE, 2007, p. 235.
Em 1954, Yoshida criou a Agência de Defesa, responsabilizando-se pelas Forças de Autodefesa terrestres, aéreas e navais com 152 mil homens no total, menos da metade do que haviam proposto os EUA. Em dezembro de 1954, quando Yoshida saiu do poder devido a pressões da oposição, liderada por nacionalistas que criticavam as políticas voltadas à economia e à sua negação à criação de uma política externa dependente. O novo governo dos conservadores veio com idéias de revisar a Constituição, rearmar o país e negociar um tratado de segurança mais igualitário com os EUA, a fim de tornar o país mais autônomo e independente (PYLE, 2007, p. 237).
Com um Partido Socialista no poder, finalmente os EUA conseguiriam fazer do Japão um Estado militarizado, porém suspeitavam da independência do Japão. No meio da década de 50, o Partido Socialista do Japão estava voltado à defesa ideológica da Constituição e uma política externa neutra (PYLE, 2007, p. 237). Entretanto, os conservadores não conseguiram apoio na Dieta (parlamento) para mudar a Constituição.
O que os conservadores conseguiram foi revisar o Tratado de Segurança Japão-EUA. Kishi Nobusuke, o primeiro-ministro de 1957 até 1960, queria eliminar os aspectos desiguais, incluindo a permissão dos EUA de intervirem na política nacional japonesa quando quisessem. Uma das mudanças que queria era uma garantia explícita de que os EUA iriam proteger o Japão em caso de ataques. Isso gerou uma das maiores revoltas públicas da história japonesa (PYLE, 2007, p. 238), pois o sentimento a favor ao rearmamento estava se dando através de questionamentos em relação à segurança do arquipélago e ao comprometimento norte-americano. Essa revolta pública mostrou o quanto a Doutrina Yoshida era apoiada pelo povo japonês. Pelas próximas duas décadas, os governantes evitaram questionar o rearmamento japonês, a fim de evitar novos debates e enfraquecimentos políticos.
Em 1955, os conservadores criaram o Partido Liberal Democrático (PLD). Ao longo da Guerra Fria, com exceção do governo Nakasone (1982-1987), o Partido Liberal Democrático foi basicamente dominado pelos seguidores da Doutrina Yoshida. O PLD conseguiu manter-se no poder até meados de 2009.
Em relação à parceria Japão-EUA, Uehara (2003) denomina-a como "Bilateralismo dominante", porém explica que a atitude passiva do Japão para com os EUA é importante para a sua segurança e é um fator de estabilidade regional.
[...] se por um lado essa relação é vista como limitadora de uma ampliação do desempenho japonês em termos de política externa, de outro, tanto os defensores de um Japão "Potência Civil Afirmativa" como os defensores do "Estado normal", admitem que a continuidade do relacionamento nipo-americano seja um pilar importante à segurança japonesa. [...] A presença das forças norte-americanas na região é o elemento estabilizador que, ao mesmo tempo, garante a defesa do Japão e propicia aos países vizinhos maior tranqüilidade, na medida em que tal presença elimina a necessidade japonesa de se tornar uma potência militar, trazendo consigo o fantasma da política expansionista do passado. (UEHARA, 2003, 142)
Através do alinhamento com os EUA, o Japão conseguiu ao longo da década de 70, atingir o PIB equivalente ao da França e do Reino Unido juntos, sendo comparável à metade do PIB norte-americano (KENNEDY, 1989). Conforme citado, alguns especialistas e políticos acreditam que foi unicamente o apoio dos EUA que garantiu esse crescimento econômico, entretanto, outros autores como Paul Kennedy, acreditam que ele realmente ajudou, porém não foi tudo, o povo em si teve maior participação.
A relação entre Japão e os EUA é a peça fundamental da Política Externa Japonesa. Não seria exagero dizer que o Japão não poderia alcançar sua prosperidade pós-guerra se não fosse pelo bondoso apoio dos Estados Unidos. Os Estados Unidos também fizeram grandes sacrifícios para preservar a paz no pós-guerra. Ainda hoje enfrentam problemas, e cabe ao Japão fazer qualquer e todo esforço na cooperação a fim de superar esses problemas." (PRIMEIRO MINISTRO MIYAZAWA, 1992).
4 - Fim da Guerra Fria: o gigante econômico e anão político
O fim da Guerra Fria gerou impactos profundos na posição do Japão na comunidade internacional. O país foi exposto a uma nova realidade e a incertezas que cercavam o mundo. O Japão não estava preparado para isso (TOGO, 2005, p. 77). O ponto chave onde foram exigidas mudanças na sua postura foi a Guerra do Golfo, em 1990.
A invasão ao Iraque em dois de agosto de 1990 forçou o país a encarar a realidade do seu status de grande potência econômica pela primeira vez. O primeiro-ministro Kaifu Toshiki, em novembro de 1990, declarou que a invasão do Kuwait pelo Iraque foi o maior teste à política externa do país desde o final da Segunda Guerra. (UEHARA, 2003, p. 170).
Para evitar qualquer interferência militar, o Japão propôs aos EUA, que o estava pressionando por ajuda humana, a quantia de 400 milhões de dólares. Esse valor subiu para quatro bilhões de dólares após alguns dias. Como o arquipélago era um dos países que mais compravam petróleo do Oriente Médio, foi questionada a sua posição, mostrando-o como um Estado mesquinho que queria fazer apenas uma contribuição simbólica. Esse valor foi fechado em treze bilhões de dólares. Mesmo após se tornar o segundo maior financiador da Guerra do Golfo, atrás da Arábia Saudita, a imagem da ajuda simbólica e a da "diplomacia do cheque" surgiram e permaneceram (COONEY, 2006, p. 39).
No dia quatro de agosto de 1990, o presidente dos EUA, George Bush, pedia que o Japão ajudasse com contribuições militares, pois era um dos maiores beneficiados do petróleo da região. O Japão não respondeu de imediato. A decisão foi tomada após a Comunidade Européia decidir impor sanções econômicas ao Iraque. A decisão foi de suspender empréstimos, investimentos e negócios comerciais com o Iraque, porém essa medida não demonstrou posição de liderança (UEHARA, 2003, p. 169).
No dia 29 de novembro de 1990, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 678, autorizando uso da força, caso o Iraque não se retirasse do Kuwait até 15 de janeiro de 1991. Com a recusa de sair do território kuaitiano, os ataques aéreos iniciaram em 16 de janeiro. A ofensiva terrestre chamada de "Tempestade do Deserto" só foi realizada no daí 24 de fevereiro de 1991, retomando o Kuwait. Sem saber como agir nessas situações, o Japão aprovou novas leis que regulamentaram o envio de tropas para o exterior sob a bandeira da ONU. Era preciso apagar a imagem negativa criada com a diplomacia do cheque.
A partir desse ponto, novos debates acadêmicos surgiram no Japão. As duas correntes principais defendiam uma posição mais forte do Japão nas relações internacionais, entretanto, diferenciando-se na maneira de agir: uma corrente defendia que o Japão deveria emergir como Potência Civil Afirmativa (Pacific State ou Assertive Civilian Power), enquanto a outra, defendia que o Japão deveria voltar a ser uma Nação Normal ou Estado Normal (Normal State).
Os defensores do país como uma Potência Civil Afirmativa defendem que as questões de segurança estão cada vez menos ligadas ao poder militar. "Busca o desenvolvimento de uma política externa de cooperação com outras nações, utilizando-se, predominantemente, do poder e dos interesses econômicos para atuar sobre as estruturas multilaterais." (UEHARA, 2003). Basicamente, essa corrente afirma que o Japão deva dar continuidade ao alinhamento político e militar com os EUA, pois essa relação trouxe prosperidade econômica. Defende também que o país deva assumir maiores posições nos fóruns multilaterais, principalmente em questões relacionadas ao meio ambiente, ajuda ao desenvolvimento, desarmamento, refugiados e outras questões humanitárias (UEHARA, 2003).
Já os defensores da participação do país como um Estado Normal defendem que ele deva comportar-se como uma potência política e militar. "Defendem que, à parte a cooperação econômica, o Japão precisa exercer também um papel político e militar no acordo bilateral de segurança nipo-americano, visando promover a segurança internacional." (UEHARA, 2003). É uma política alternativa à Doutrina Yoshida, contrariando a política de pacifismo adotada após a Segunda Guerra.
Enfim, com o fim da Guerra Fria, o Japão já havia se inserido novamente ao sistema internacional como uma potência econômica. Entretanto, mesmo sendo um gigante econômico, o país não tinha forte envolvimento nas questões políticas e de segurança internacionais. O debate sobre a forma na qual o Japão deve se posicionar nas relações internacionais existe ainda hoje, sendo fortemente impulsionado pelo Primeiro Ministro Junichiro Koizumi (no mandato 2001-2006), que defendia que o Japão deveria assumir seu lugar de potência regional de fato, responsável pela segurança e pela estabilidade da região.
5 - Considerações finais
Ao final da Segunda Guerra Mundial, o Japão iniciou uma linha de pensamento de política externa que o guiou por mais de 50 anos, sendo pautada principalmente no crescimento econômico. A parceria com os EUA era o principal pilar dessa política, confiando a eles a segurança do arquipélago durante a Guerra Fria, o que permitiu ao Japão dedicar todos os seus recursos para o desenvolvimento econômico, sem se preocupar com sua segurança e a do mundo. Os líderes do poder executivo mudavam a cada período, porém a Doutrina Yoshida continuava sendo o pilar da política externa japonesa, mesmo após o milagre japonês na década de 70-80. Poucas e fracassadas foram as vezes em que políticos tentaram "dar dentes" a essa política, tentando fazer do Japão um Estado forte e relevante nas relações internacionais. A principal barreira é, aparentemente, a Constituição.
Em um curto período, o Japão passou por drásticas mudanças internas. Após 1945, o grande império nipônico perdeu o direito de manter suas Forças Armadas e seu líder máximo, o Imperador, perdeu seu poder político e passou a apenas representar o Estado. É correto afirmar que o país ainda esteja procurando seu lugar no sistema internacional, pois seu papel durante a Guerra Fria era claro: apoiar os Estados Unidos. Com o final dela e com o surgimento de novos inimigos e ameaças, o arquipélago mostrou-se perdido ao meio da política internacional, sendo a maior prova disso a Guerra do Golfo: sem saber como agir, o Japão criou novas leis que permitissem o envio de tropas sob a bandeira da ONU, a fim de evitar críticas externas e para apagar a imagem da diplomacia do cheque.
Seguindo o fim da Guerra Fria, debates internos em relação à projeção indicaram que o país precisaria aumentar sua participação internacional, tanto em assuntos globais, como em assuntos regionais. O que os diferenciava era a forma como o país participaria: os defensores do Estado Normal acreditavam que o arquipélago deveria aumentar suas capacidades militares de acordo com seu poder econômico e assim destacar-se; já os defensores da Potência Civil acreditavam que o país deveria participar com mais força nas organizações internacionais e através da cooperação, garantir a segurança e estabilidade mundial.
A presença dos EUA durante todo o período pós-guerra serviu para inserir o Japão de volta ao sistema internacional. Como visto, renovaram o cenário político interno, impediram novos conflitos com outros Estados, reanimaram a economia japonesa, que passava por uma série crise etc. Apesar de serem, na maior parte, reações sistêmicas, não é possível contar a história do Japão sem citar os EUA, principalmente no âmbito da Segurança, após a Guerra Fria, pois a única proteção que o Japão possui contra as constantes ameaças nucleares são os EUA.
Enfim, o Japão reinseriu-se como uma potência incompleta. Surgiu como um gigante econômico, porém, anão político. Entretanto, se não fosse a Doutrina Yoshida, a reinserção internacional do Japão seria muito mais difícil. Sob os cuidados dos Estados Unidos, os vizinhos asiáticos não viam mais o Japão como uma potencial ameaça.
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UEHARA, Alexandre Ratsuo. A Política Externa do Japão no Final do Século XX: o que faltou? São Paulo: Annablume, 2003.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Metamorfose
[evangelhista da silva]
Amor é ódio
adormecido.
Ódio é vírus
em mutação.
Cuidado
estropia
Mata!
Santo Antônio de Jesus, 17 de dezembro de 2021, às 9h13min
quinta-feira, 16 de dezembro de 2021
quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
CAVERNA DE PLATÃO: A ÁRDUA JORNADA EM BUSCA DO CONHECIMENTO PLENO
Descrito no capítulo 6 do livro A República, originalmente por Platão no século IV a.C., o "mito da caverna" foi registrado como um dos pilares da filosofia antiga, entregando as bases para a evolução da história humana e sua relação com a importância de se obter conhecimento. Através de um diálogo entre Glauco e Sócrates, o autor revela as projeções distorcidas pelo aprisionamento, de forma a mostrar ao homem apenas o que seus olhos são capazes — ou querem — enxergar.
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A alegoria da caverna usa a metáfora dos prisioneiros acorrentados no escuro para explicar as dificuldades de alcançar e manter um espírito justo e intelectual, baseando-se em condutas e conjunturas sociais. Como resultado, pessoas presas na caverna tendem a confundir o conhecimento sensorial com a verdade, estabelecendo convicções muitas vezes equivocadas sobre uma realidade que difere significativamente do que de fato ocorre no mundo exterior.
Durante a conversa, Sócrates pede para Glauco imaginar uma caverna subterrânea que contém presos acorrentados desde seu nascimento, capazes de observar apenas paredes. A única luz na sala seria uma pequena chama estrategicamente posicionada atrás dos prisioneiros e fora de suas vistas, que exibe apenas sombras de gestos, corpos e objetos projetados por pessoas que passam por uma passarela elevada, ao lado de sons inconclusivos e gritos representados por ecos abafados.
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A partir disso, os prisioneiros passam a brincar de um jogo de adivinhação onde devem dar palpites sobre o que estaria por trás de cada uma das sombras; quem adivinhasse corretamente — baseado em critérios aleatórios e subjetivos — seria eleito como o mais inteligente do grupo e considerado "mestre da natureza".
Certo dia, um prisioneiro conseguiu escapar e foi capaz de ver, pela primeira vez na vida, a luz em si e o exterior. Após dias de exploração do mundo e de aquisição de conhecimento sobre a vida para além da caverna, quando aceita enfrentar uma jornada intelectual para alcançar a verdade, o fugitivo retorna para sua antiga clausura e decide contar o que aprendeu para seus colegas, mas é desacreditado por todos e passa a ser ameaçado de morte caso não os liberte.
A metáfora por trás da história
A caverna de Platão surge como uma poderosa metáfora sobre a aquisição e compartilhamento de conhecimento, já que ensina que a sabedoria individualizada em um único ser não corresponde ao alcance da verdade. Para isso, o narrador da história afirma que o prisioneiro liberto teve que retornar para as trevas — a caverna — para aplicar a bondade e justiça, espalhando a representação do mundo identificada no meio exterior mesmo que não seja bem aceita pelas pessoas "aprisionadas".
Na tese de Platão, a caverna representaria o corpo humano, fonte de engano e dúvida que se restringe ao conhecimento relacionado apenas ao que é visto ou escutado, resultando na ignorância. Enquanto isso, as sombras seriam as percepções daqueles que acreditam que as evidências empíricas são os únicos fundamentos de um conhecimento genuíno; se você acredita que o que vê deve ser considerado verdade, então você está apenas vendo uma sombra da verdade.
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Em relação às ações, o jogo seria uma espécie de ferramenta de admiração de um mestre que joga verdades sem justificativa, baseadas apenas em suas próprias experiências e em achismos. Já a fuga da caverna indicaria o ofício real de um filósofo em si, com o Sol — a iluminação natural — sendo a verdade e o mundo das ideias, para além do empirismo, e a jornada como a busca pela sabedoria.
Assim, Platão sugere que os seres humanos atravessem um árduo e doloroso caminho em busca da iluminação, passando pelo estágio da prisão da caverna (mundo imaginário) para escapar das correntes (mundo real), encontrar o exterior (mundo das ideias) e retornar para ajudar os outros com os novos conhecimentos.