sexta-feira, 23 de março de 2012

Corrupção e os políticos de carreira A REFORMA POLÍTICA É UMA DEMANDA FUNDAMENTAL PARA MORALIZAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA 21 de Março de 2012 às 11:29 Marcos Cintra O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chamou a atenção nesta semana sobre uma questão que anda esquecida. De modo muito oportuno, ele afirmou que o País precisa urgentemente fazer a reforma política. Uma nova estrutura política é indispensável para o Brasil. Combater a corrupção no governo e acabar com a perpetuação de políticos de carreira na vida pública são as demandas mais importantes nesse processo. Deprime ver que a corrupção na administração pública brasileira é uma praga que se alastra numa velocidade impressionante e que contamina todas as instâncias governamentais. Definitivamente, o fenômeno é uma endemia que parece não ter cura e um dos determinantes dessa situação é a atual estrutura política. Nos últimos anos o Brasil foi palco de lamentáveis casos de corrupção que envergonharam o País no cenário mundial. Muito se roubou do cidadão que, a cada ano, tem que trabalhar cada vez mais para abastecer os cofres públicos, e de onde recursos evaporam para abastecer os esquemas de desvio de dinheiro. É lamentável constatar que protagonistas de crimes contra o Estado permanecem na vida pública. É triste e revoltante ver que políticos que foram condenados por abuso de poder econômico, improbidade administrativa, compra de votos e desvio de dinheiro público continuam na ativa. O quadro atual é desanimador. Políticos de carreira estão a postos para se manterem no poder nas próximas eleições. Muitos querem continuar reivindicando cargos no governo e, dessa forma, nomear apaniguados que vão perpetuar esquemas ilícitos de financiamento de campanhas e de despesas pessoais. A roubalheira no País prolifera e a reforma política pode ser um ponto de partida para coibir a corrupção. A reforma política é uma demanda fundamental para moralizar a administração pública brasileira. Ela deve ser capaz de “desprofissionalizar” a política e desmantelar as organizações criminosas incrustadas no governo. Uma reforma política séria deveria começar proibindo que parlamentares ocupem cargos executivos; precisaria reduzir drasticamente o número de servidores em cargos em comissão, o que formaria um corpo técnico estável no governo; e determinar que, caso fique comprovado que parlamentar indicou servidor para qualquer cargo executivo, ele perderia sumariamente seu mandato. É imprescindível moralizar a máquina pública brasileira em todos os níveis. É preciso remodelar os parâmetros comportamentais da classe política do País. As funções eletivas deve ser uma contribuição que todos os cidadãos oferecem temporariamente à coletividade, e jamais deve ser transformado em atividade profissional, e nem substituir os meios de sobrevivência individual das pessoas envolvidas. Um político que tenha perdido sua condição de sustentação no setor privado, que tenha se afastado de sua profissão e que passe a depender da política para sua manutenção, torna-se capaz de tudo e de qualquer coisa para sobreviver. Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas

Corrupção e os políticos de carreira

A REFORMA POLÍTICA É UMA DEMANDA FUNDAMENTAL PARA MORALIZAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

21 de Março de 2012 às 11:29

Marcos Cintra

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chamou a atenção nesta semana sobre uma questão que anda esquecida. De modo muito oportuno, ele afirmou que o País precisa urgentemente fazer a reforma política.
Uma nova estrutura política é indispensável para o Brasil. Combater a corrupção no governo e acabar com a perpetuação de políticos de carreira na vida pública são as demandas mais importantes nesse processo.
Deprime ver que a corrupção na administração pública brasileira é uma praga que se alastra numa velocidade impressionante e que contamina todas as instâncias governamentais. Definitivamente, o fenômeno é uma endemia que parece não ter cura e um dos determinantes dessa situação é a atual estrutura política.
Nos últimos anos o Brasil foi palco de lamentáveis casos de corrupção que envergonharam o País no cenário mundial. Muito se roubou do cidadão que, a cada ano, tem que trabalhar cada vez mais para abastecer os cofres públicos, e de onde recursos evaporam para abastecer os esquemas de desvio de dinheiro.
É lamentável constatar que protagonistas de crimes contra o Estado permanecem na vida pública. É triste e revoltante ver que políticos que foram condenados por abuso de poder econômico, improbidade administrativa, compra de votos e desvio de dinheiro público continuam na ativa.
O quadro atual é desanimador. Políticos de carreira estão a postos para se manterem no poder nas próximas eleições. Muitos querem continuar reivindicando cargos no governo e, dessa forma, nomear apaniguados que vão perpetuar esquemas ilícitos de financiamento de campanhas e de despesas pessoais. A roubalheira no País prolifera e a reforma política pode ser um ponto de partida para coibir a corrupção.
A reforma política é uma demanda fundamental para moralizar a administração pública brasileira. Ela deve ser capaz de “desprofissionalizar” a política e desmantelar as organizações criminosas incrustadas no governo.
Uma reforma política séria deveria começar proibindo que parlamentares ocupem cargos executivos; precisaria reduzir drasticamente o número de servidores em cargos em comissão, o que formaria um corpo técnico estável no governo; e determinar que, caso fique comprovado que parlamentar indicou servidor para qualquer cargo executivo, ele perderia sumariamente seu mandato.
É imprescindível moralizar a máquina pública brasileira em todos os níveis. É preciso remodelar os parâmetros comportamentais da classe política do País. As funções eletivas deve ser uma contribuição que todos os cidadãos oferecem temporariamente à coletividade, e jamais deve ser transformado em atividade profissional, e nem substituir os meios de sobrevivência individual das pessoas envolvidas. Um político que tenha perdido sua condição de sustentação no setor privado, que tenha se afastado de sua profissão e que passe a depender da política para sua manutenção, torna-se capaz de tudo e de qualquer coisa para sobreviver.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas

Vício oculto

Vício oculto

QUAIS OS DIREITOS DO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO COM O ESTABELECIMENTO COMERCIAL? O DIREITO PARA TROCA DE MERCADORIAS ESTÁ AMPARADO, PORÉM COM PRAZOS. QUANDO E COMO INICIA SUA CONTAGEM?

21 de Março de 2012 às 17:32

Vinicius Fidelis Oliveira

O Código de Defesa do Consumidor este ano comemora 22 anos, porém todos nós sofremos para vermos nossos direitos consumeristas reconhecidos, independente de classe, profissão, remuneração ou qualquer outro tipo de repartição que quisermos efetuar nas classes sociais, pois, todos nós, em algum momento, somos, fomos ou vamos ser consumidores.
Neste sentido, é interessante destacar alguns argumentos e “artimanhas” que algumas empresas ou funcionários (felizmente não todas) utilizam para manter sua margem de lucro, mesmo que para isso prejudique seu cliente-consumidor.
Sabemos que o Código de Defesa do Consumidor nos garante a possibilidade de, em algumas situações, devolvermos o produto em 7 ou noventa dias e outras situações que não se enquadram a nenhuma das duas possibilidades. Estes casos ocorrem com os chamados “vícios ocultos”.
Imaginemos o seguinte: o consumidor adquire um liquidificador que, verificado na própria loja, demonstra aparência de produto novo e sem nenhum defeito. Acontece que levado o produto para casa, o consumidor viaja e retorna 45 dias após a compra. Em decorrência do acúmulo de trabalho ou mesmo qualquer outro motivo, não consegue utilizar o produto, tendo em vista que suas refeições eram feitas em restaurantes e lugares diferentes de sua residência.
Passados mais 50 dias - totalizando 95 dias da data da compra - o consumidor precisa utilizar seu produto e descobre que o mesmo está com uma rachadura em sua base, o que faz vazar todo o líquido que seja despejado no liquidificador. E agora? O que fazer? A Lei protege o consumidor para a troca em até 90 dias e, ao se dirigir à loja que adquiriu o produto, o consumidor é informado de tal prazo, não podendo, então, ser trocado. O consumidor ficará com o prejuízo? Claro que não.
Neste momento lançamos mão do artigo 26, §3º do Código de Defesa do Consumidor, que de forma cristalina informa: “tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”. Isso significa que o prazo continua sendo de 90 dias, porém o início de sua contagem dá-se no momento do conhecimento de tal vício. Assim, neste caso explanado, a empresa é obrigada a trocar o produto para o consumidor mesmo que tenha decorrido o prazo de 90 dias da compra, porém dentro do prazo de 90 dias do conhecimento do defeito ou vício oculto. Infelizmente, nem sempre tal troca se dá de forma pacífica e facilitada pela empresa tendo, algumas vezes, a necessidade de intervenção da justiça pública.
Se você pretende ver seu direito reconhecido, nada mais importante que o conhecimento, pois o consumidor que desconhece seus direitos está fadado a cometer os mesmos erros. 
Vinicius Fidelis Oliveira é pós-graduado em direito público, nas áreas civil e criminal.

A prática da promiscuidade dos poderes

A prática da promiscuidade dos poderes

AS AÇÕES DOS MEMBROS DO EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO DEVEM SER LIVRES, NÃO PODEM SOFRER INFLUÊNCIAS ESTRANHAS AO QUE DETERMINA O ORDENAMENTO JURÍDICO DO PAÍS

22 de Março de 2012 às 18:19

Mendonça Prado

O texto Constitucional, no artigo segundo, diz que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Assim, fica evidente a equidade em termos de importância dos três Poderes para a composição do Estado.
A letra da Carta Magna aponta para a autonomia que deve revestir os atos daqueles que representam esses Poderes. Se um Poder não sobrepuja os demais, não há que se falar em condicionamento ou sujeição. As ações dos membros do Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser livres, não podem sofrer influências estranhas ao que determina o ordenamento jurídico do país. Qualquer comportamento diferente do que estamos dizendo significa tornar um Poder submisso ao outro em uma espécie de tentativa de deformação da ordem Constitucional.
Na prática, lamentavelmente, é isso que vemos no Brasil. As relações que deveriam ser institucionais revelam-se inconvenientes e até ofensivas aos termos da Lei Maior. O fisiologismo, o atrelamento, a submissão, principalmente do Poder Legislativo ao Poder Executivo, retratam o desrespeito dos detentores de mandatos eletivos aos princípios e normas, assim como ao povo de onde efetivamente o Poder emana.
A política brasileira tem deteriorado as instituições e desvirtuado a Teoria da Separação dos Poderes desenvolvida por Montesquieu. Vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes têm agido em oposição ao que se chama de comportamento republicano. O desejo exarcebado de ter cada vez mais capacidade de influenciar em decisões do Estado tem ensejado, em boa parte dos protagonistas da política nacional, uma promiscuidade abominável.
O sistema político frágil tem sido o nascedouro dessas inconsequências. No Brasil, já se tornou rotina partidos e parlamentares mudarem de lado em função de meras conveniências políticas. O órgão legiferante, que também tem a função fiscalizadora, fragilizou-se com as estratégias adotadas por parte considerável dos integrantes. Alguns destes, almejando ampliar o raio de ação, não se conformam em apenas legislar e fiscalizar, no entanto querem, através de prepostos, executar.
Essa ambição desmedida tem prejudicado sobremaneira as ações governamentais. Diante das pressões das agremiações partidárias e de membros do Legislativo, projetos de governo têm sido comprometidos em função de o eleitorado eleger alguém para, no Poder Executivo, implementar um determinado plano de trabalho, mas, em razão das relações sobejamente conhecidas entre parlamentares e governantes de plantão, muitas vezes as prioridades são invertidas e passam a buscar a satisfação dos desejos individuais em detrimento das carências da sociedade.
Portanto, quando vemos legisladores, filiados a partidos de oposição, migrarem para as hostes governamentais, temos que fazer a seguinte indagação: por que eles mudaram as convicções? Será que foi em função da relevância dos atos do Poder Executivo ou ,simplesmente, estão disponibilizando os votos para uma chamada governabilidade, em troca de benesses?
Infelizmente, as incoerências, tanto dos integrantes dos Poderes Legislativos da União, dos Estados e dos Municípios, bem como dos Chefes dos Executivos das três esferas, têm apequenado o Estado. Os Poderes previstos na Constituição Federal fazem parte, apenas, de uma utopia constitucional. A verdade é que há uma hierarquia sustentada pela distribuição de cargos, órgãos e orçamentos. O processo legislativo e a execução de projetos estão sempre contaminados por ingredientes estranhos.
Quando escreveu O Espírito das Leis em 1748, Montesquieu quis equilibrar o Poder do Estado, estabelecendo funções e atribuindo competências a órgãos diferentes. Evidente que a tese não inspirou o espírito da política brasileira. Aqui, os discursos ainda anunciam pautas do legislativo, impostas pela vontade do chefe do Executivo, e nomeações de incompetentes para ocuparem cargos no Executivo em troca do apoio cego e subserviente de membros do legislativo.
No Brasil, A Teoria da Separação dos Poderes está mais para A Prática da Promiscuidade dos Poderes. Pobre Montesquieu!
Mendonça Prado é advogado, deputado federal por Sergipe, vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e vice-presidente nacional do Democratas

domingo, 18 de março de 2012

Confira este vídeo incrível do MSN: Instinto Paranormal: Ataque Demoníaco

Confira este vídeo incrível do MSN: Instinto Paranormal: Ataque Demoníaco

Insubordinados, militares farão festa pelo golpe de 64

Insubordinados, militares farão festa pelo golpe de 64

Insubordinados, militares farão festa pelo golpe de 64Foto: Divulgação

A PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF PROIBIU COMEMORAÇÕES NO DIA 31 DE MARÇO, MAS OS MILITARES ANTECIPARAM A FESTA PARA O DIA 29 E DISTRIBUÍRAM CONVITE QUE EXIGE TRAJE ESPORTE FINO; É MAIS UMA CRISE QUE A PRESIDENTE TEM PARA ADMINISTRAR

17 de Março de 2012 às 17:00
247 – Se não bastasse a rebelião da base aliada no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff agora tem mais um abacaxi para descascar. Desta vez, entre os militares, que já vinham dando sinais de insubordinação assinando um manifesto contra a Comissão da Verdade. Desta vez, o que os militares preparam já pode ser considerado provocação. Dilma havia proibido comemorações, entre os representas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em relação ao aniversário do golpe de 31 de março de 1964, que os militares chamam de “Revolução”. Pois o Clube Militar antecipou a festa para o dia 29, daqui a 12 dias, e começou a distribuir os convites para a comemoração, que exige traje esporte fino.
A informação foi publicada neste sábado na coluna Panorama Político, assinada pelo jornalista Ilimar Franco, no jornal O Globo. Desde a demissão de Nelson Jobim, que praticamente pediu para sair, com comentários agressivos em relação a Dilma e algumas de suas ministras, o governo vem administrando focos de crise entre os militares, que ainda não engoliram completamente a escolha de Celso Amorim. Formado nos quadros mais à esquerda do Itamaraty, Amorim imaginava que conquistaria a confiança dos militares, renovando a compra de equipamentos – por isso mesmo, anunciou a retomada da compra dos caças Rafale, da França.
No entanto, não conseguiu conter a insatisfação dos militares da reserva, que prepararam um manifesto contra a Comissão da Verdade e recolheram mais de 500 assinaturas. Os militares também demonstram preocupação com a tentativa de alguns promotores de rever a Lei de Anistia. Nesta semana, houve a tentativa, frustrada, de reabrir o julgamento de Sebastião Curió, que foi responsável pelo massacre dos guerrilheiros do Araguaia.
Agora, uma festa no Clube Militar, em comemoração aos 48 anos do golpe militar que foi combatido pela jovem guerrilheira Dilma Rousseff, hoje presidente da República, tem potencial explosivo.

Paulo Freire é declarado patrono da educação brasileira

Paulo Freire é declarado patrono da educação brasileira
A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) aprovou  em decisão terminativa, por unanimidade, o projeto de lei da Câmara (PLC 50/11), que declara o educador Paulo Freire patrono da educação brasileira. Caso não seja apresentado recurso para votação da matéria em plenário, o texto seguirá diretamente para sanção da presidente Dilma Rousseff.
O projeto, que teve como relator na comissão o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), é de autoria da deputada Luiza Erundina, que nomeou Freire como seu secretário de Educação, quando foi prefeita de São Paulo, a partir de 1989.
Segundo a deputada, Freire, falecido há 15 anos, provocou então uma “verdadeira revolução educacional na cidade de São Paulo”.
Paulo Freire nasceu em Recife em 1921, ficou órfão aos 13 anos e enfrentou uma “infância difícil”, como observa a deputada na justificativa de seu projeto. Formou-se em Direito, mas nunca exerceu a advocacia.
Em 1960 desenvolveu um método “simples e revolucionário” de alfabetização de adultos. Durante o governo do presidente João Goulart, coordenou o Programa Nacional de Alfabetização, que tinha o objetivo de alfabetizar cinco milhões de pessoas.
O criador da “pedagogia da libertação” foi preso em 1964, exilou-se depois no Chile e percorreu diversos países, sempre levando o seu modelo de alfabetização, antes de retornar ao Brasil em 1979, após a publicação da Lei da Anistia.
A partir da década de 60, observou o relator do projeto, a “pedagogia da libertação” passou a simbolizar a contribuição de Freire ao pensamento pedagógico mundial.
- Paulo Freire é um dos brasileiros mais conhecidos no exterior. Um brasileiro que tem bustos em praças e é nome de rua em países da África e América Latina. Seus livros foram traduzidos para diversos idiomas e se transformaram em clássicos do pensamento relacionado à educação em todo o mundo. Houvesse um Prêmio Nobel para a educação, Paulo Freire possivelmente teria sido agraciado – disse Cristovam.
Fonte: ADUEPB

terça-feira, 13 de março de 2012

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E ABUSO DE PODER

A acusação no Processo Administrativo Disciplinar deve ser circunstanciada, objetiva, direta e ter previsão em um tipo legal – princípio da tipicidade no Direito Administrativo

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O processo administrativo disciplinar é a forma jurídica prevista pela lei para investigar o servidor público que tenha transgredido os seus deveres funcionais.
Ele é instaurado sempre que a Autoridade administrativa, ou o particular devidamente identificado e qualificado, comuniquem a prática de uma conduta irregular por parte do servidor público, mesmo que em tese, e que guarde correlação com o cargo, emprego ou função pública do acusado.
Dessa forma, a conduta funcional tida como irregular deve se revestir de tipicidade e antijuridicidade bem como, deve haver indícios de autoria devidamente demonstrados e elementos suficientes que comprovem a materialidade, para que, desde a fase que antecede a instauração do processo administrativo disciplinar seja revelada uma justa causa, capaz de respaldar o início da investigação disciplinar.
É importante para toda a sociedade que as Autoridades públicas não engendrem atos dissociados do direito, ainda mais quando se verifica que eles são produzidos na esfera sancionatória do Estado.
Assim sendo, ao ser concretizado o ius puniendi do Estado, o mínimo que se exige é que a acusação seja perfeitamente descrita, através da exposição detalhada do fato a ser investigado, com todas as suas circunstâncias e a classificação do tipo legalmente previsto no ordenamento jurídico que foi infringido.
Se na instância criminal o artigo 41, do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou a queixa sigam essa fórmula legal, no processo administrativo disciplinar também deverá haver a observância do mesmo modelo legal, pois a acusação não poderá ser ato de prepotência ou arbitrariedade da Administração Pública.
O tipo penal, segundo Miguel Reale Júnior,1 é aquele que a sua estrutura não poderá ser uma construção arbitrária e livre, porquanto decorre do real, submetido a uma valoração. Por sua vez, o tipo disciplinar também segue o mesmo princípio da segurança jurídica, onde tanto a Portaria inaugural como o mandado de citação/intimação devem conter uma exposição narrativa, circunstanciada e demonstrativa da infração disciplinar que será investigada, com o tipo legalmente classificado, ou seja, com a qualificação jurídico-administrativa do mesmo. Narrativa, porque deve descrever o fato a ser investigado com todas as circunstâncias conhecidas, para que oportunize a defesa saber do que o servidor está sendo acusado e qual foi o ato funcional que foi praticado ou omitido, em tese, em desconformidade com as obrigações assumidas pelo exercício do cargo, emprego ou função de confiança.
Demonstrativa, pois tal qual o direito penal, deve a peça acusatória descrever o fato e através de conhecida razão de convicção, fundamentada em prova direta da prática de uma infração disciplinar correlacionada com o munus público do servidor, explicitar os motivos da investigação
Tivemos2 a oportunidade de deixar consignado que: “A Portaria inaugural, como especialmente o termo de indiciamento, devem corresponder, por exemplo, como já dito, a uma denúncia penal, onde a descrição dos fatos, fundamentos e a demonstração das provas, de forma explícita retiram a inépcia da acusação. Ou seja, o fato apurado é esclarecido exatamente nessa fase, onde o direito administrativo brasileiro saiu do inquisitório para o acusatório, passando o investigado a ter direitos impostergáveis e indelegáveis, sendo que um deles é tão fundamental tanto quanto os demais, consiste em saber do que é acusado e como demonstrará sua inocência, pois a presunção de inocência milita a seu favor e só uma acusação séria e concreta é que terá legitimidade de provar o contrário.”
No direito administrativo disciplinar, exige-se que a acusação seja certa, objetiva, circunstanciada e o fato imputado ao servidor público subsumido em um tipo legalmente previsto, decorrendo tais exigências dos princípios da legalidade e da segurança jurídica.
Sucede que apesar de não ter o mesmo formalismo3 e rigorismo do processo penal, o processo administrativo disciplinar não pode ser uma incógnita para o servidor público acusado.
Exatamente por não seguir a formalidade do processo penal, uma plêiade de ilustres juristas ergue-se na defesa que no processo administrativo disciplinar não é exigido o respeito e observância ao princípio da tipicidade, por entenderem que a esfera disciplinar se utiliza de fórmulas gerais que prevêem o cumprimento pelo servidor público de determinados deveres, sem adentrar na descrição pormenorizada da conduta.
Ou seja, essa corrente doutrinária, ultrapassada em nosso entendimento, pretende impor uma verdadeira norma em branco no âmbito disciplinar, sem a demonstração inequívoca da descrição de uma infração disciplinar praticada pelo servidor público.
A bem da verdade, esses posicionamentos construídos por ilustres juristas no passado, e que infelizmente não foram atualizados, são anteriores à promulgação da atual Constituição Federal (05 de outubro de 1988), que constitucionalizou o Direito Administrativo, por força do artigo 37,4 da CF, e partem do equívoco da lei para justificarem a aceitação de uma acusação genérica, vaga e aberta.
Ora, o Direito Administrativo sancionador contemporâneo exige que haja um ilícito administrativo previsto na lei, com a clara e certa descrição da conduta do servidor público tida, em tese, como infração disciplinar.
É a chamada reserva legal, onde o princípio da legalidade impõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (art. 5º, II, da CF).
Nesse sentido, detectada a falha da Lei nº 8.112/90, que não traz em seus artigos, como deveria fazê-lo, dispositivo que estabeleça o princípio da tipicidade, a Lei nº 9.784, de 29.01.99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e é utilizada supletivamente àquela, quando não colida com a mesma, em seu capítulo IX, estabelece a necessidade da descrição dos atos processuais, v.g., art. 26.
A intimação/comunicação dos atos públicos deve indicar os fatos e fundamentos legais pertinentes (art. 26, VI, da Lei nº 9.784/99), sendo a mesma nula quando feita sem observância das prescrições legais previstas na referida Lei (§ 5º, do art. 26).
Esse intercâmbio processual equiparou juridicamente as intimações e as notificações, como ensina José dos Santos Carvalho Filho:5 “No direito processual anterior, fazia-se distinção entre intimações e notificações, mas o código vigente aboliu a distinção, mantendo apenas as intimações, e estas atualmente tanto podem referir-se à ciência de atos pretéritos como à dos futuros (...). Dentro do contexto da disciplina do processo administrativo, as intimações desempenham importante papel para os interessados, de modo que tanto para cientificá-los de atos praticados como para instá-los à prática de algum ato, possivelmente de seu próprio interesse, há inegável relação de causa e efeito com o princípio do contraditório e da ampla defesa. Sem tais garantias, os interessados não poderiam exercer, em toda a sua plenitude, a defesa de seus interesses e oferecer, quando necessário, elementos de contrariedade em relação a fatos e afirmações deduzidas no processo.”
Dessa forma, a intimação/notificação citatória do servidor público acusado, dentre outros, deverá conter os seguintes requisitos legais para a sua validade jurídica:
  • identificação do servidor e nome do Órgão ou entidade administrativa;
  • finalidade do ato;
  • data e local onde está disponível o processo disciplinar, com o horário de funcionamento da Comissão Disciplinar;
  • o servidor investigado poderá se defender pessoalmente ou fazer-se representar por seu defensor legalmente constituído;
  • indicação (descrição) dos fatos e fundamentos legais pertinentes;
  • a intimação deve observar a antecedência mínima de três dias úteis quando se tratar de diligências;
  • poderá ser levada a efeito pessoalmente, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
Assim sendo, a apuração disciplinar deverá ser feita de maneira ordenada e de forma pública e translúcida, não se tornando oculta e imprecisa para as partes, pois vigora no processo administrativo disciplinar o fair play (jogo limpo), onde o direito justo garante as mínimas condições para as partes demonstrarem o escopo fundamental da verdade real abrigada na defesa e na produção de todos os meios de provas admitidos, cotejadas com a acusação contida no ato inaugural do processo administrativo disciplinar.
Nessas condições, o Poder Público é obrigado a oferecer o “libelo acusatório” (equivalente à Portaria inaugural), que além do ato de instauração deve conter outros requisitos, bem como descrições circunstanciadas e detalhadas dos fatos, com as definições jurídicas dos mesmos, ou seja, suas exatas qualificações jurídico-administrativas.

II – DA ACUSAÇÃO CERTA (NARRATIVA DETALHADA) NO DIREITO SANCIONATÓRIO

Como já foi referido nas considerações iniciais, o artigo 41, do Código de Processo Penal estabelece: “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”
Sobre a denúncia nunca é demais recordar-se as clássicas lições de João Mendes de Almeida Júnior:6 “É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque praticou (ubi), o tempo (quando). (Segundo enumeração de Aristóteles, na Ética a Nincomac, 1. III, as circunstâncias são resumidas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando, assim referidas por Cícero (De Invent. I)). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes.” –[Itálico e parênteses no original]-
Em relação às expressões latinas acima referidas pronuncia-se Fernando da Costa Tourinho Filho, in “Código de Processo Penal Comentado”. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 114: “Estas expressões latinas correspondem às alemãs: Wer? Was? Wo? Womit? Warum? Wie? Wann?, ‘expressivamente designadas pelos sete W dourados da criminalística’.” –[Aspas no original]-
A técnica da denúncia tem merecido especial atenção da doutrina e da jurisprudência, através de uma ampla reflexão no plano da dogmática constitucional, vinculada especialmente ao direito de defesa.
Não resta dúvida que essa proteção jurídica da ampla defesa do acusado, estabelece limites contra a violação dos seus direitos fundamentais, de não ter sua intimidade e honra violadas indevidamente, por ineptas e insubsistentes denúncias.
Para não se transformar em instrumento de injusta persecução estatal, deve a denúncia ter aptidão, através de uma necessária base empírica.
O recebimento de denúncia pelo Juiz, iniciando-se a ação penal (processo), como a instauração de processo administrativo disciplinar, supõem a existência de justa causa, que estará ausente quando o comportamento atribuído ao acusado “nem mesmo em tese constitui ilícito”, “ou quando, configurada uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação.”7
A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Sendo certo que essa narração, mesmo que não seja exaustiva, deve descrever com clareza e objetividade qual é o fato ilícito praticado pelo denunciado, como exigência do postulado constitucional que assegura ao mesmo o pleno e efetivo direito de defesa e do contraditório. Pois, inclusive, é dessa descrição/narração que é imputada ao denunciado que o mesmo se defende.
Nesse sentido, destacam-se as reflexões desenvolvidas pelo Ministro Celso de Mello, no HC nº 70.763/DF, 1ª T., do STF:8 “O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas, à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A denúncia – enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal – constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio deducta. A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta.” –[Itálico no original]-
O presente tema é de grande relevância no campo dos direitos fundamentais dos acusados, em decorrência que pessoa alguma poderá se defender de acusações genéricas, vagas ou insubsistentes. Por isso é que sem um justo motivo jurídico, não há plausibilidade para a acusação penal ou disciplinar.
Melhor dizendo, o Ministro Gilmar Mendes, no HC nº 84.409/SP, 2ª T., do STF,9 de forma oportuna deixou bem explícito que: “Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. (...) quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana que, entre nós, tem base positiva no art. 1º, III, da Constituição.”
Ainda sob o prisma do direito penal, o saudoso professor Hélio Bastos Tornaghi,10 se posicionava quanto ao conteúdo da denúncia: “Refere-se o código à exposição minuciosa, não apenas do fato infringente da lei, como também de todos os fatos que cercaram; não somente de seus antecedentes, mas ainda das causas, efeitos, condições, ocasião, antecedentes e conseqüentes. A narrativa circunstanciada, não só encaminhada à atuação da autoridade policial, como até ministra ao juiz elementos para um juízo de valor.”
A denúncia conterá, portanto, “a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”, como preleciona Julio Fabbrini Mirabete,11 sendo: “(...) indispensável que na denúncia se descreva, ainda que suscintamente, o fato atribuído ao acusado, não podendo ser recebida a inicial que contenha descrição vaga, imprecisa, de tal forma lacônica que torne impossível ou extremamente difícil ao denunciado entender de qual fato preciso está sendo acusado.”
Lapidar também é a lição do Ministro Celso de Mello, ainda na esfera da denúncia penal, em seu bem lançado voto no HC nº 84.409/SP, 2ª T., do STF:12 “Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a análise de qualquer peça acusatória apresentada pelo
Ministério Público impõe que nela se identifique, desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que deve ser especificado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da acusação penal. É preciso proclamar que a imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello). Este, para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que a acusação não se transforme, como advertia o saudoso Min. Orosimbo Nonato, em pura criação mental do acusador (RF 150/393). Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público, no processo penal de condenação, consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da cláusula constitucional da plenitude de defesa.” –[Parênteses no original]-
Não se concebe mais o denuncismo irresponsável, pois o direito já conviveu por muito tempo com esse tipo de postura estatal. O curso da história revelou muitas opressões e injustiças, causadas pelo apenamento de pessoas idôneas e ilibadas, que caíram em desgraça por exporem os seus ideais de vida e políticos.
Quando o Estado desenvolve a sua atividade persecutória, têm-se duas situações jurídicas distintas, reveladas pelo conflito entre a pretensão punitiva estatal e a intenção de preservação da liberdade individual manifestada pelo acusado.
Por isso é que não poderá haver dúvida que a persecução penal é justificada pela suposta prática de um fato criminoso, devidamente exposto, em todas as suas circunstâncias e com sua qualificação jurídico-penal, de modo que haja uma causa justa e relevante para dar início ao processo penal, pois a persecutio criminis deve observar as condições que lhe impõe o ordenamento jurídico.
A peça acusatória, tem o dever de descrever com perfeição e clareza todas as circunstâncias do fato delituoso, a fim de que a hipótese jurídica nela contida seja apta perante o ordenamento legal, e nesse sentido Vicente Greco Filho,13 enaltece esses requisitos como forma de possibilitar a ampla defesa do acusado: “Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e completa da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico penal gera a inépcia da denúncia e a nulidade do processo, com a possibilidade de trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve defender-se.” -[Itálico no original]-
Será inepta a denúncia, quando demonstrada inequívoca deficiência técnica capaz de impedir a compreensão dos fatos típicos narrados/descritos na peça acusatória, em grave e inconcebível prejuízo à defesa do acusado. A formalidade e demais requisitos que devem constar da peça acusatória são uma obrigação legal imposta à acusação.
Haverá ausência de justa causa para o prosseguimento da persecução penal, quando sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos e provas diretas, restar inequivocamente demonstrada a atipicidade da conduta do investigado/denunciado.
Essa justa causa para o prosseguimento da instrução criminal, como visto, vem devidamente estabelecida na peça inaugural da ação penal, que ao descrever precisamente a conduta delituosa do denunciado, com todas suas circunstâncias, tipifica todos os elementos de definição legal do delito, o que será objeto de investigação.
Já no processo administrativo disciplinar, que possui natureza de direito penal geral, também há a obrigatoriedade de se fazer uma individualização dos fatos, com a descrição circunstanciada dos mesmos e a subsunção no tipo legal.
Dessa forma, a instauração do processo administrativo disciplinar é de competência da Autoridade Superior, estabelecida pela lei, que ao tomar conhecimento de infrações disciplinares praticadas pelo servidor público no exercício de sua função ou em decorrência dela, obriga-se a determinar a investigação mais detalhada dos fatos, mediante sindicância ou diretamente através da instauração de um processo administrativo disciplinar.
Se os elementos probantes forem insubsistentes, o mais recomendável é a instauração de sindicância, que possui tramitação mais célere e quando ela não é punitiva não existe a figura jurídica do acusado, porquanto é concebida para um aprofundamento mais detalhado dos fatos, a fim de verificar se será ou não promovida a instauração do processo administrativo disciplinar, ou haverá o seu arquivamento por insubsistência ou imaterialidade dos fatos.
Instaurado o processo administrativo disciplinar, a Portaria inaugural que lhe dá substância, deve conter a descrição e a qualificação dos fatos,14 a acusação imputada ao servidor público acusado e a sua subsunção em um tipo legal, além da indicação dos integrantes da Comissão Disciplinar, etc.
Como aduz Fábio Medina Osório,15 o direito sancionador exige a utilização da regra do due process of law, como garantia fundamental para sua validade jurídica, e para a certeza da aplicação do princípio da proporcionalidade.
Aquela concepção de autoritarismo que existia no processo administrativo disciplinar já não se sustenta mais, pois o direito administrativo sancionador incorporou inúmeros princípios constitucionais que tomam assento em seu âmbito; também não se pode olvidar a aplicação de princípios penais nesse referido ramo.
Assim sendo, como é vedada uma decisão desarrazoada ou arbitrária, é também defesa uma acusação que não seja circunstanciada, revelando-se incompleta e insubsistente, sem substrato de legalidade, originada do excesso/abuso de poder da Autoridade administrativa superior.
Esses dispositivos legais, estabelecidos também para evitar o desvio de poder sancionatório do Estado, guardam íntima conexão com uma garantia fundamental outorgada pela Constituição Federal em favor daqueles que são vítimas, em juízo, ou administrativamente, da persecução estatal sem a garantia de plenitude da defesa.
Nada pior do que “a vagareza absoluta, a indeterminação ilimitada, da acusação pela acusação.16 –[Grifo no original]-
Nesse sentido, deve a peça acusatória, quer aquela consubstanciada pela denúncia penal, como a portaria inaugural/citação e a intimação do servidor público acusado no processo administrativo disciplinar conter a exposição do fato delituoso/infracional, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, devidamente classificado em um tipo legal (qualificação jurídico-penal-administrativa). Mesmo que sucinta, impõe-se ao Órgão acusador como exigência do plasmado constitucional que assegura aos acusados em geral a plenitude do direito de defesa com o contraditório, a correta e adequada descrição dos fatos à serem investigados no decorrer da instrução criminal e no processo administrativo disciplinar.
Assim, faltará justa causa para a acusação, se não for descrito na peça acusatória ou na Portaria inaugural, adequadamente e circunstanciadamente o fato tido como ilícito penal ou infração disciplinar.
III – DA CORRENTE DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
Nosso entendimento é no sentido de que o Estado Democrático de Direito não admite que o Poder Público puna os seus servidores disciplinarmente com base em norma em branco; contudo, grande parte da doutrina, representada por ilustres e cultos administrativistas, aos quais nutrimos o maior respeito e grande admiração, ainda recalcitram em atualizar os seus ultrapassados posicionamentos, que não admitem a aplicação do princípio da tipicidade no Direito Administrativo Disciplinar.
Algumas das penalidades disciplinares, quando impostas, dado o seu caráter sancionatório, podem deixar seqüelas irreversíveis na vida do servidor público. Por essa razão, para evitar a imposição indiscriminada e arbitrária da sanção administrativa, por parte do administrador público, devem ser aplicados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica no processo administrativo disciplinar, para que o plasmado da justiça seja respeitado.
O objetivo do processo administrativo disciplinar é verificar se um fato típico, previsto no Estatuto dos Servidores Públicos ou em normas jurídicas afins, como infração disciplinar foi infringido, gerando responsabilidade para o seu infrator.
Por essa razão é que entendemos que quando da imposição de uma sanção disciplinar, deverá a mesma ser vinculada à tipificação prevista na lei, para que seja exteriorizado o direito justo, oriundo do somatório de todos os elementos que serviram de base para que fosse perquirida a verdade real, extraída do conjunto probatório. Por isso, no apuratório punitivo, o tipo disciplinar, capaz de respaldar a aplicação de penalidades leves, médias ou graves, deve ser detalhado, descrevendo de forma analítica a conduta tida como infracional bem como a penalidade que deve ser aplicada.
A grande discussão doutrinária sobre o tema sub oculis é verificada pelo fato dos deveres, obrigações e proibições dos servidores públicos, estarem inseridos em seus Estatutos jurídicos, onde as condutas infracionais são descritas em capítulos afetos ao regime disciplinar, “através de comandos normativos proibitivos ou impositivos que trazem ora minudentes descrições, ora padrões vagos, para a definição do ilícito administrativo e do ilícito disciplinar, constituindo tipificações fluidas, abertas, flexíveis.”17
Para se ter a devida dimensão da falta de uma precisa descrição do tipo legal, o artigo 132, da Lei nº 8.112/90, estabelece que os casos de demissão se inserem nas seguintes situações legais:
  • crime contra a Administração Pública;
  • abandono de cargo;
  • inassiduidade habitual;
  • improbidade administrativa;
  • incontinência pública e conduta escandalosa, verificadas no serviço público;
  • insubordinação grave em serviço;
  • ofensa física, em serviço, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
  • aplicação irregular de dinheiros públicos;
  • revelação de segredo funcional;
  • lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
  • corrupção;
  • acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
  • transgressão dos incisos IX a XVI do artigo 117, da Lei nº 8.112/90 (violação à dignidade da função pública; gerência de empresa privada; advocacia administrativa; recebimento de propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão da função pública exercida; prática de usura e desídia).
Não resta dúvida que os tipos das penalidades administrativas disciplinares são abertos, diferentemente dos do direito penal, porquanto nessa última situação jurídica eles são fechados, com exceções.
Sucede, que tal diferença ontológica não dá ensejo ao afastamento do princípio da tipicidade no direito administrativo sancionador, pois apesar de serem tipos legais abertos, eles devem ser conjugados com o disposto pelo artigo 128, da Lei nº 8.112/90, que estabelece que na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. Ou seja, foram estabelecidos critérios objetivos, que complementam os tipos abertos declinados à guisa de exemplo.
Esse complemento determinado no artigo 128, da Lei nº 8.112/90, estabelece uma certa dose de proporcionalidade quando da aplicação dos tipos abertos previstos no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União Federal, pois o poder disciplinar não é irresponsável, tendo em vista que a sanção disciplinar deve conter um equilíbrio entre a infração cometida e a responsabilidade do servidor acusado, considerando-se o dano causado ao ente público.
Destarte, os padrões vagos e abertos dos tipos disciplinares, revelados por uma descrição sumária no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União Federal, sem a mínima densidade jurídica, exige uma justificada motivação do trio processante, bem como da Autoridade Julgadora, que devem se ater a análise de todo o conjunto probatório constante do processo administrativo disciplinar, para exteriorizarem o plasmado do direito justo.
Infelizmente, esses padrões vagos e abertos de descrição das infrações disciplinares possibilitaram que grande parte da refinada doutrina administrativa defendesse o princípio da atipicidade da conduta do servidor público, ficando ao livre alvedrio da Autoridade administrativa, preencher a lacuna do direito disciplinar, como bem lhe aprouver.
Por essa visão jurídica, a infração disciplinar descrita, como por exemplo “falta grave”, ficaria a cargo da Autoridade Julgadora, para desenvolver a sua fundamentação objetivando respaldar a aplicação do ato punitivo e teria a ampla discricionariedade de afastar o princípio da legalidade.
Defendendo a atipicidade como regente do processo administrativo disciplinar, José Cretella Júnior,18 adunou: “A falta disciplinar é atípica; a infração penal é típica. (...) O poder disciplinar é, em tese, discricionário. Não vinculam os pressupostos de antecedência da lei na determinação da falta ou da sanção. Não se aplica à instância administrativa o princípio da reserva legal que domina, regularmente, a doutrina em lei penal (nullum crimen, nulla poena sine lege). Não há, em matéria disciplinar, a exigência de verificação legal da falta que se caracteriza, in genere, como violação dos deveres funcionais, a serem explicitados em atos regulamentares ou administrativos.” -[Itálico e parênteses no original]-
Por esse entendimento do professor J. Cretella Júnior19 simplesmente a atipicidade da conduta disciplinar, teria o condão de afastar o princípio da legalidade da infração disciplinar, bem como a análise dos elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo , conferindo uma ampla, geral e irrestrita discricionariedade ao julgador do processo administrativo disciplinar e aplicador da penalidade.
A ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro,20 também se perfilha a essa corrente doutrinária, quando afirma que “no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo: A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência do serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas no modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim deve ser levado em consideração a gravidade do ilícito e as conseqüências para o serviço público.”
-[Aspas no original]-
Esse posicionamento foi defendido amplamente pela corrente francesa do início do século XX, onde renomados tratadistas, entre eles Gaston Jéze,21 afirmaram que constituía erro fundamental confundir a infração disciplinar com a penal: “La falta disciplinaria y la infracción penal no tiene, pues, la misma naturaleza; no nos hallamos ante una cuestión de gravedad de la falta. Confundir la falta de servicio y el delito del agente público, sería un error capital, en el que muchas veces se ha incurrido. Olvidar esta idea fundamental, es correr el riesgo de dar al poder disciplinario una significación jurídica que no tiene. La represión disciplinaria de los agentes públicos que cometen faltas y la represión penal de los agentes públicos delincuentes son dos casos totalmente diferentes.”
Duez et Debeyre,22 também sustentou a diversidade fundamental do delito penal com o disciplinar, em face da diferença de seus tipos legais, tendo em vista que as infrações disciplinares não necessitavam de previsão legal sendo desnecessária, via de conseqüência, a exigência de tipicidade, tão fundamental para o direito francês; todos os servidores públicos poderiam ser punidos quando eles infringissem deveres funcionais em sentido lato, sem que houvesse a necessidade do contexto descritivo do rol de penalidades cabíveis.
Esses posicionamentos jurídicos de doutrinadores franceses foram suficientes para influenciar A. Gonçalves de Oliveira,23 ex-Consultor Geral da República, ao proferir alentado parecer, em 1956, como se infere: “Para aplicação da pena disciplinar, não é necessário esteja a mesma expressamente prevista na lei, não se sujeitando à idéia da prévia tipicidade.”
Odete Medauar24 também defende a atipicidade das infrações disciplinares, por dois fundamentos: dificuldade de se catalogar com exatidão todas as condutas infracionais e discricionariedade do administrador público: “Cabem algumas ressalvas a respeito da atipicidade das infrações. Dois argumentos aparecem amiúde para justificar essa atipicidade ou a não aplicação do adágio nullum crime sine lege: a) dificuldade de catalogar com exatidão todas as condutas que possam desatender deveres e proibições funcionais; b) discricionariedade do poder disciplinar.-[Itálico no original]-
No mesmo sentido, o ilustre mestre José dos Santos Carvalho Filho25 aduz: “Os estatutos funcionais apresentam um elenco de deveres e vedações para os servidores e o ilícito administrativo vai configurar-se exatamente quando tais deveres e vedações são inobservados. Além do mais, os estatutos relacionam as penalidades administrativas sem, contudo, fixar qualquer elo de ligação a priori com a conduta.” -[Itálico no original]-
Pedimos vênia aos ilustres doutrinadores que entendem não haver a subsunção da conduta infracional disciplinar em um tipo legalmente previsto num dispositivo instituído pelo ordenamento jurídico, no sentido de que a tipicidade da infração disciplinar fere os princípios da legalidade, proporcionalidade, segurança jurídica e deixa de atender ao ideal de justiça.
IV - DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – ASPECTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS
Para se instituir o princípio do devido processo legal na instância disciplinar, em primeiro lugar, faz-se necessário a existência de um processo justo, onde o acusado tenha a devida ciência da descrição/narração circunstanciada do fato tido como infração disciplinar, devidamente tipificado em um dispositivo legal, cuja prática lhe é imputada.
Ou seja, como averbava Heleno Cláudio Fragoso,26 “o elemento essencial de garantia para o acusado, a narração minuciosa do fato fundamenta o pedido, demonstra a convicção da acusação pública’, sendo justificado tanto a ação penal, como o procedimento administrativo disciplinar, porquanto é afastado ‘o arbítrio e o abuso de poder’.” –[Aspas no original]-
Enfatizamos, ainda por necessário, que no atual sistema jurídico brasileiro, não existe a menor possibilidade de ser permitido aos poderes públicos, com fundamento somente em provas indiretas, reconhecer, em sede disciplinar, a responsabilidade funcional do servidor público.
Na realidade, a constitucionalização do direito administrativo, introduzida pela Carta Política de 1988, repele qualquer ato estatal que viole o dogma de que não haverá culpa penal ou administrativa por presunção ou por uma mera suspeita desacompanhadas de provas diretas ou de outros elementos legais de convicção. Pois, “meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal.”27