quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Em carta de despedida, promotor critica postura do Ministério Público





[Carta de despedida de Roberto Tardelli, depois de 31 anos no Ministério Público de São Paulo. Tardelli foi o responsável pela acusação no caso de Suzane von Richthofen. Com sua aposentadoria — publicada no Diário Oficial de sexta-feira (19/9) —,  ele voltará a advogar.]
Estou indo, peguei meu boné.
Quero dizer a cada um que foram os melhores trinta anos de minha vida esses que passei no MP.
Ter sido promotor de justiça foi um grande barato. Descobri e continuo descobrindo que podemos melhorar a vida das pessoas, que somos protagonistas e seremos protagonistas da construção republicana e democrática do Brasil. Não somos apenas indispensáveis, somos parte do DNA de uma nação que ainda se percebe e ainda se conhece.
Ao contrário do que gostaria de dizer, se pudesse, não faria tudo da mesma forma que fiz. Teria a mão menos pesada quando a tive pesada (faz tempo isso), soltaria mais a alma e a voz e prenderia menos pessoas. Seria menos formal nas solenidades protocolares. Ouviria mais axé, comeria mais carne ainda do que já tenho comido e beberia mais vinho e menos cerveja. Iria mais ao cinema e pouco me lixaria com prazos de réus de bobagens que sequer justificariam nossos processos.
Dirigiria mais cuidadosamente meu carro e, quando fosse aumentar a música, eu o fizesse com maior determinação, para espalhar mais João Gilberto pela cidade. Não precisaria ser autoridade o tempo todo e faria questão de me sentar na arquibancada. Nem por decreto, por nada nesse mundo subiria nos malditos elevadores privativos. Jamais.
Na audiência, chamaria a todos pelo nome, inclusive e principalmente o réu e a vítima. Chamar as pessoas pelo nome lhes dá a humanidade que essas expressões consagradas retiram: réu e vítima, sem nome ou rosto e procuraria deles me lembrar, pois que sempre existem coincidências: passeando no parque, encontro o réu e seu filhinho. Ele, um pai exemplar e amava mesmo o filho, deficiente mental profundo; num dia de fúria, arrancou a orelha de um balconista.
Pediria mais absolvições (no fim da reta, eu pedia; deveria ter feito mais isso desde o início), sorriria mais, escreveria de forma menos catastrófica e atenderia a todos. Serviria café à tia do café.
Deveríamos usar menos ternos, porque nada há de terno em nosso terno preto, vetusto, de risca de giz. Respeitaria menos quem exigisse ser respeitado pelo cargo, função, idade ou possibilidade de nos prejudicar. Ignoraria corregedores e procuradores, fossem de justiça, fossem os gerais, fossem aqueles que usassem o brega e horroroso anel de grau, tantos destinos a um rubi e ele foi parar no dedo de um bocó. Não respeitaria o silêncio grave dos corredores forenses. Talvez distribuísse apitos.
Escreveria mais coisas da vida e menos coisas da lei nos processos ou inquéritos. Citaria menos autores, principalmente aqueles que todos citam, os consensuais, quase sempre burocratas e que conseguem acertar o fácil. Iria atrás daqueles que prezassem a imprecisão, os que cultuassem a dúvida e nunca, nunca, permitiria que certezas se instalassem em minha mesa de trabalho.
Jogaria fora, poria no lixo, os carimbos. Diria apenas, ok e seguiria o filme. Temos carimbos demais, carimbamos demais.
Nunca os suportei e talvez os suportasse ainda menos, aqueles que dizem que vivemos uma Guerra Contra O Crime ou aqueles super-heróis, cuja missão a eles passada na Sala de Justiça os fizessem proteger a sociedade ordeira. Não existe guerra alguma e estamos prendendo irmãos iguais e sociedade alguma é ordeira, principalmente a que espanca crianças, mata homossexuais, mulheres e tem sua polícia a executar pretos e pobres na periferia.
Afundaria em um lago distante quem dissesse que a lei confere direitos demais aos criminosos. Pregaria na testa de quem dissesse Humanos Direitos um adesivo: estúpido. Nenhum respeito teria por quem defendesse a pena de morte e sugeriria que quem a defendesse começasse a praticá-la como um direito pessoal em si mesmo e nos poupasse.
Abraçaria mais as mulheres do busão e atenderia quem tivesse os filhos presos com mais atenção, toda a atenção e não mediria esforços para que não fossem humilhados nas visitas. Defenderia o meio ambiente e o consumidor.
Não leria a Veja.
Teria medo de superpoderes e os guardaria onde estivessem protegidos de mim.
Ter sido promotor foi a possibilidade mágica de “estar no fundo de cada vontade encoberta”, que aproveitei o quanto pude, mudando sempre, aprendendo sempre, diariamente. Vi até gêmeos de pais diferentes, vi assassinos e vi a solidão que traziam nos olhos. Vi pessoas que cruzaram os oceanos todos para adotar uma criança a quem pudessem amar incondicionalmente.
Vi meninos de rua morrerem de AIDS. Um, muito perto de mim, mudou minha forma de ver o mundo e tudo o mais que ocorresse à minha volta.
Um processo muito peculiar e um caso único que agitou o país me jogou para fora do que até então houvera vivido e me fez em contato com a população, de forma tão viva que eu deixei de ser apenas um promotor de justiça e me tornei um falador e contador de história e aprumador de realidades, algumas vividas outras nem tanto.
Ter me tornado conhecido das pessoas será uma das coisas que jamais pagarei ao Ministério Público e a esse ofício de Promotor de Justiça. Andei pelo Brasil e descobri um país que nunca imaginei existir, seja por seus contrastes, seja por sua pujança, pelos seus defeitos e pelos seus encantos, mais encantos que defeitos. Pude externar minha opinião, que é apenas minha, mas que foi ouvida mais do que eu supunha. Falei e falei no sertão, nas caatingas e nos gerais. Em Sampa e no meu estado de São Paulo, penso que fui a quase todas as faculdades. As que ainda não fui, que me aguardem.
Fui paraninfo de jovens que me deram essa enorme honra. Tenho isso no coração.
Dentro do Ministério Público, vi meus filhos, Fernanda e Brenno, crescerem; conheci a Carla, a doce Carla, somente porque era promotor de justiça. Dificilmente eu a teria visto ou seria por ela notado se fosse astronauta ou sorveteiro, até isso o MP me proporcionou.
Fiz bons amigos. Tenho bons amigos. No Ministério Público e nas pontes que o MP constrói, na advocacia e na magistratura. Sempre que preciso de um vinho, encontro comparsaria à altura. Há trinta anos que não bebo sozinho e, vamos lá, admitam, isso é um feito.
Ficamos chatos, chatinhos. Ficamos aqueles pentelhinhos sociais. Sou muito cobrado por isso, mas fazer o quê?, são inflexões históricas, inevitáveis, diante de nossa forma burguesinha de aquisição de talentos. Sérios demais. Gente jovem que está deixando de sorrir para franzir o cenho e não cumprimentar porteiros: o vento vira, creiam, como vira… Estamos condenatórios e sei que haverá quem, chegando até aqui, ao ler esse texto há de pensar que eu surtei e que não era mesmo de confiança. Não nos damos conta que essa fúria condenatória nos custará caro em breve, brevíssimo. Uma nação não se constrói com condenações em série, pelo contrário.
Mas, isso é assunto para outro dia. Agora, só quero dizer a todos que valeu. Gostaria de beijar a todos, abraçar a todos. Quem não quiser, não precisa me abraçar porque eu abraço sozinho, pronto. Abraçar é o que importa e todos os amigos e amigas foram fundamentais nessa caminhada, que adorei fazer, curti ao máximo fazer e sempre fiz, dando o máximo de mim. Minhas mãos e minhas pernas, minha esperança. Meu amor pela vida.
Essa uma que me empurra para novas aventuras.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Atenção! Trinta doenças garantem descontos na compra do carro novo; Saiba quais


Você que pretende comprar um carro novo pode ter direito a descontos com a isenção de impostos e talvez nem esteja sabendo. A questão é que, ao contrario do que muita gente pensa, o beneficio da isenção fiscal não abrange apenas pessoas com deficiência física, mas também, portadores de doenças que provocam algum tipo de limitação.
De acordo com Itamar Tavares Garcia, diretor comercial da Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva (Abridef), portadores dessas limitações podem requerer a isenção de impostos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores).
Segundo Itamar, doenças como câncer, hepatite C, Parkinson, problemas graves de coluna, Diabetes, HIV Positivo e hemofílicos, Artodese, Escoliose, Artrite Reumatoide, Hérnia de Disco, Artrose, derrame, Bursite, Tendinite e LER (Lesão por Esforço Repetitivo), estão na lista das enfermidades contempladas com o benefício.
“No total, mais de 100 milhões de brasileiros podem ter direito a comprar carro 0km com isenção de impostos”, complementa Itamar.
Para solicitar o benefício é necessário, inicialmente, dirigir-se ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e solicitar, junto a perícia médica, laudo atestando a condição de deficiente ou portador de patologia.
Com o laudo em mãos, o condutor deverá procurar, em seguida, a Receita Federal para requerer a isenção do IPI. No caso do ICMS e do IPVA, o motorista deve se dirigir a Secretaria Estadual de Tributação e pedir a isenção. O processo dura, em média 30 dias.
"Só é capaz de exercer seus direitos aqueles que os conhecem" - (Felipe Alves)
Compartilhem e suas redes sociais e dê a oportunidade a outras pessoas conhecerem um pouquinha mais de seus direitos.
Cabe lembra que o objetivo aqui é instigar os interessados no assunto a se aprofundarem até onde lhes couber interesse.
Jamais conseguiria abranger todos os mínimos detalhes de todas as patologias e seus respectivos direitos neste pequeno informativo.
REPITO, o objetivo é instigar as pessoas a procurarem seus direito.
Abraços.

Veja lista completa das doenças:

Amputações
Artrite Reumatóide
Artrodese
Artrose
AVC
AVE (Acidente Vascular Encefálico)
Autismo
Alguns tipos de câncer
Doenças Degenerativas
Deficiência Visual
Deficiência Mental
Doenças Neurológicas
Encurtamento de membros e más formações
Esclerose Múltipla
Escoliose Acentuada
LER (Lesão por esforço repetitivo)
Linfomas
Lesões com sequelas físicas
Manguito rotador
Mastectomia (retirada de mama)
Nanismo (baixa estatura)
Neuropatias diabéticas
Paralisia Cerebral
Paraplegia
Parkinson
Poliomielite
Próteses internas e externas, exemplo: joelho, quadril, coluna, etc.
Problemas na coluna
Quadrantomia (Relacionada a câncer de mama)
Renal Crônico com uso de (fístula)
Síndrome do Túnel do Carpo
Talidomida
Tendinite Crônica
Tetraparesia
Tetraplegia
Fonte: portalnoar
Felipe Alves, Advogado
"Só é capaz de exercer seus direitos aqueles que os conhecem" - Felipe Alves
Graduado em Direito pela Faculdade de Macapá; Advogado; Pós-Graduando em Processo Penal; Inglês Avançado Completo; Áreas de atuação: CIVIL - PENAL - TRABALHISTA - DIREITO DO CONSUMIDOR - DIREITO DE FAMÍLIA Atuante no Estado do Amapá - Cidade de Macapá/Santana/Porto grande. CONTATO: TELEFONE - (96) 98139-0874 EMAIL - Felipealves.adv@hotmail.com

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Da (in)constitucionalidade da pena mínima cominada ao crime de estupro


A pena mínima do crime do ato libidinoso configurado por um beijo lascivo não deveria ser a mesma prevista para o crime de estupro propriamente dito, que se perfaz somente com a prática de conjunção carnal.
A força do direito deve superar o direito da força.
Rui Barbosa
Palavras-chave: Direito Penal. Nova Lei de Estupro. (In)constitucionalidade. Penalidade.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1CRIME DE ESTUPRO. 1.1A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. CONCEITO1.2ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E ABOLITIO CRIMINIS1.3ELEMENTOS DO TIPO1.3.1O verbo Constranger. 1.3.2Violência ou Grave Ameaça. 1.3.3   Sujeito Ativo e Sujeito Passivo. 1.3.4Objeto Material e Bem Juridicamente Protegido. 1.3.5   Consumação e Tentativa. 1.3.5.1Conjunção carnal1.3.5.2Ato libidinoso1.3.5.2.1 Beijo lascivo1.4FORMAS1.5O QUANTUM DA PENA APÓS O ADVENTO DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS2O IUS PUNIENDI DO ESTADO. 2.1TEORIA GERAL DA PENA2.2PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DA PENA2.2.1Princípio da Ofensividade Como Limite Do Ius Puniendi. 2.2.2Princípio da Necessidade da Pena ou da Intervenção Mínima. 2.2.3Princípio da Culpabilidade. 2.2.4Princípio da Individualização da Pena. 2.2.5Princípio da Pessoalidade da Pena. 2.2.6Princípio da Proporcionalidade. 3APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 3.1DEMONSTRAÇÃO DA DESPROPORCIONALIDADE DA PENA MÍNIMA DO CRIME DE ESTUPRO. 3.2DISTINÇÃO ENTRE ESTUPRO E A CONTRAVENÇÃO DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. 3.3DISTINÇÃO ENTRE ESTUPRO E A CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. 3.4POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO À APLICAÇÃO DA PENA MÍNIMA COMINADA AO CRIME DE ESTUPRO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

A constatação do recrudescimento da violência nos grandes centros é ponto pacífico entre os diversos segmentos que constituem a sociedade, leigos ou não, o mesmo não se pode dizer das medidas apontadas como necessárias ao seu enfrentamento.
Com efeito, diante de uma conjuntura de onipresença da violência, não são poucos os exemplos em que o Direito Penal é invocado como prima ratio, como a solução primeira para a satisfação dos anseios da população e da mídia a partir, sobretudo, do incremento de tipos delitivos e do aumento de penas com a conseqüente redução das garantias constitucionais.
Nada obstante, embora seja mais simples para o legislador a criação de novos tipos legais e a majoração das respectivas respostas penais, a ciência criminológica vem demonstrando que o combate à ascensão da violência, exatamente por ser esta decorrente de diversos fatores, carece de ações governamentais bem mais complexas, tais como políticas públicas de inserção social, programas educacionais de massa, eliminação da corrupção policial e judicial; nunca, com o agravamento das penas dos crimes por si só.
O presente estudo versará, assim, sobre os critérios utilizados pelo legislador quando da cominação das penas, sobre a sua relação de pertinência com a gravidade das condutas tipificadas e, notadamente, sobre a necessária observância da proporcionalidade entre as várias espécies delitivas constantes do arcabouço legal incriminador.
Esse estudo versará, também, acerca da pena cominada e de sua relação de pertinência com a gravidade das condutas praticadas pelo agente. Tentará demonstrar se é constitucional ou não, a pena mínima cominada ao crime previsto no artigo 213 do Código Penal, apresentando uma grande problemática acerca de sua relação com o princípio da proporcionalidade.
O presente tema, no entanto, será aprofundado a partir da análise da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072, de 25 de julho de 1990), maior exemplo pátrio do movimento denominado Law and Order- cujos pilares são exatamente os que acima foram sintetizamos, vale dizer, ampliação dos crimes, agravamento das penas, restrição das garantias individuais.
Fixadas tais premissas, demonstrar-se-á a seguir a metodologia empregada.
O método de procedimento a ser aplicado será inicialmente o histórico, a partir de uma abordagem do contexto no qual se inserem os fatos relevantes ao tema em comento. Logo em seguida, será utilizado o método monográfico ou estudo de caso, consistindo num estudo aprofundado e exaustivo sobre o assunto, coletando bibliografias de diversos autores, a fim de demonstrar a solução do problema apresentado.
O método de abordagem a ser utilizado no presente estudo será o indutivo, que se caracteriza por um estudo partindo de premissas particulares a gerais. Será feito um estudo empírico do tema, fazendo uma abordagem a partir de princípios constitucionais, que deverão ser obedecidos na aplicação da pena, afinal, a pena deve ser justa e necessária à prevenção e à reprovação do crime.
Por sua vez, o método de interpretação jurídica a ser utilizado será o exegético, buscando o verdadeiro sentido e alcance da lei, a integração do Direito e a criação do mesmo. Tendo em vista que a interpretação jurídica implica em uma definição política, a qual exige a assunção de certa postura em relação à função do Direito, o método exegético a ser utilizado neste trabalho de pesquisa buscará descobrir a verdadeira linguagem textual da lei, in casu, do artigo 213 do Código Penal, a fim de demonstrar a violação do princípio da proporcionalidade.
No que diz respeito ao procedimento técnico, foi eleito o levantamento bibliográfico, adotando a documentação indireta como técnica de pesquisa, tendo em vista a utilização de livros, artigos científicos, legislações e entendimentos jurisprudenciais que versem acerca da problemática do trabalho.
Em face de tais considerações, discorrer-se-á sobre o conteúdo encontrado em cada capítulo. O primeiro capítulo exporá um breve histórico do crime de estupro tanto na legislação pátria quanto na estrangeira. Tratará do conceito do delito em voga, os elementos do tipo, bem como o quantum da pena após a Lei 8072/90.
Por sua vez, o segundo capítulo versará sobre o direito de punir do Estado e da necessidade de atribuir uma pena ao violador de um bem jurídico alheio, trazendo os mais importantes princípios norteadores da sanção penal.
O terceiro capítulo trata especificamente da aplicação do princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição Federal de 1988, comparando a pena mínima do atual crime de estupro com a pena de outros delitos. Abordar-se-á, também, a distinção do crime previsto no artigo 213 do Código Penal das Contravenções Penais de perturbação da tranquilidade e importunação ofensiva ao pudor, o quantum da pena mínima para esse delito, jurisprudências, bem como será abordado como a mesma ação pode caracterizar as vezes um crime hediondo e, em outros casos, apenas um delito de menor potencial ofensivo.
Este, em síntese, será o tema que esmiuçará este trabalho, que se desenvolverá a partir da análise da evolução histórica do pensamento penal, e de sua repercussão no trabalho do legislador e do aplicador do direito pátrio.  

CAPÍTULO I  CRIME DE ESTUPRO

1.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. CONCEITO

Em incursão histórica sobre o termo estupro, é de bom alvitre destacar as considerações a seguir, tendo em vista que desde os tempos mais remotos e entre quase todos os povos, a conjunção carnal violenta foi reprimida como grave malefício (HUNGRIA, 1983). O estudo do crime de estupro é de extrema relevância, porquanto está ligado a toda uma estrutura social que a cada dia está mais direcionada a combater relações sexuais violentas, que ferem princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana que, in casu, decorre da violação da “liberdade de disposição do próprio corpo no tocante aos fins sexuais” (HUGRIA, 1983, p. 100).
Entre os hebreus, se a moça vítima do crime de estupro era prometida a casamento, o inculpado era condenado à pena de morte: “Sin autem in agro repererit vir puellam, quae desponsta est, et apprehendens concubuerit cum ea, ipse morietur solus (Deuteronômio, capítulo XXII, 28)” (HUNGRIA, 1983, p. 103). Todavia, se a moça não era desposada, a pena era o pagamento de 50 ciclos de prata ao pai da moça e reparação do mal pelo casamento.
No Egito, o violentador recebia como pena a multilação. Na Grécia Antiga, a pena iniciou-se com o pagamento de multa e, posteriormente, foi atribuída ao agente a pena de morte, invariável, uma vez que não mais se admitia a pena alternativa entre ela e o casamento sem dote (HUNGRIA, 1983).
No Direito Romano, tanto o homem quanto a mulher poderia ser sujeito passivo do crime de estupro. Quando era praticado com mulher confundia-se com o rapto que exigia além da conjunção carnal, ser a mulher virgem ou viúva honesta. As leis romanas se referiam à violência e ao engano como requisitos necessários a configurar o estupro, todavia, a tese de Garraud, douto exegeta francês, é a mais coerente, por fundar-se em que apenas a violência é suficiente para caracterização do delito de estupro (GUSMÃO, 2001).
Analisando os textos romanos, verifica-se que o delito era decorrente do dever imposto à mulher honrada de manter a sua integridade fora do casamento, sendo que, quando havia o emprego da violência, o crime entrava no campo da Lex Julia de vi publica.
É interessante destacar que nessa época, os escravos não podiam ser considerados sujeito passivo do stuprum. Quando praticado por terceiro que não fosse o patrão, aquele podia lançar mão do instituto da actio lege Aquillia ou servu corrupto (GUSMÃO, 2001).
No direito alemão, o estupro era considerado crime contra a honra da mulher (notnunft), e exigia a honestidade da vítima, ao passo que as mulheres viajantes deviam suportar as carícias mesmo que violentas (LISZT, 1899).
Como é sabido, para que seja analisado o crime de estupro no nosso Direito antes do Código Criminal de 1830, é necessário recorrer ao Direito português, como por exemplo, Ordenações Filipinas, que foram aplicadas por decreto real ao Reino de Portugal. Elas puniam o congresso carnal mediante o uso da força, com a pena de morte, que era aplicada ao criminoso mesmo que esse se casasse com a vítima.“Todo homem, de qualquer estado e condição que seja, que forçosamente dormir com qualquer mulher, posto que ganhe dinheiro per seu corpo (meretriz), ou seja, escrava, morra por ello” (GUSMÃO, 2001, p. 82). E acrescenta: “E posto que o forçador depois do malefício feito case com a mulher forçada, e ainda que o casamento seja feito por vontade dela, não será relevado da dita pena, mas morrerá, assim como se com ela não houvesse casado”.
Detendo-se na história do Direito Brasileiro, observa-se que o Código Criminal do Império (1830) definiu o crime de estupro no artigo 222 com a seguinte redação: “Ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por três anos a doze anos e dotar a ofendida” (GUSMÃO, 2001, p. 82). Porém, “se a violada for prostituta. Penas – de prisão por um mês a dois anos”. (GUSMÃO, 2001, p. 82). No artigo 225, havia previsão de extinção da punibilidade se o agressor se casasse com a moça violentada. O código de 1830 incluía sob a rubrica estupro vários crimes sexuais, tais como: cópula violenta, atentado violento ao pudor, sedução (HUNGRIA, 1983).
O Código Penal de 1890, o primeiro código republicano, reservou o nome estupro para designar a cópula violenta, e inovou a legislação abrandando a pena do estupro no artigo 268: “Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta [...]” (GUSMÃO, 2001, p. 82), pena: prisão celular por um a seis anos, aumentada de quarta parte, se havia concurso de duas ou mais pessoas (HUNGRIA, 1983). E logo no artigo seguinte, 269, trouxe a definição de que estupro ”é o ato pelo qual o homem abusa de uma mulher, seja virgem ou não” (GUSMÃO, 2001, p. 82). Mostra-se claro que, diferentemente do anterior diploma penal, houve reserva do nome estupro para  designar o ato pelo qual o homem abusa violentamente de uma mulher, seja virgem ou não.
O Código de 1940 previu o estupro no artigo 213 como o ato de constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Todavia, esse dispositivo foi alterado pela Lei 12015, de 07 de agosto de 2009, que apesar de ter introduzido modificações significativas, inclusive benéficas para o réu, não solucionou uma questão extremamente relevante, qual seja, a exacerbação e, por conseguinte, a desproporcionalidade da pena relativa ao ato libidinoso em relação àquela imposta em decorrência da prática de coito vagínico. Em outras palavras, o novel diploma, afora manter a mesma resposta penal para condutas tão diversas, eis que o ato libidinoso abrange até mesmo o beijo lascivo, houve por bem em reunir em um só tipo o que antigamente era disciplinado em tipos penais diversos, artigo 213 e 214 do Código Penal.
Com efeito, atualmente, o conceito de estupro para o Direito Penal é o introduzido com a Lei 12015/09 que unificou o antigo delito de atentado violento ao pudor e o de estupro propriamente dito em um só dispositivo, optando pela rubrica estupro. De acordo com essa lei, configura-se o crime de estupro sempre que o agente constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (CAPEZ, 2010).

1.2  ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E ABOLITIO CRIMINIS

 A edição da Lei 12015/09 gerou a incorporação da conduta de atentado violento ao pudor previsto no artigo 214 do Código Penal, atualmente revogado, pelo artigo 213 do mesmo diploma repressivo.
Embora revogado o artigo 214, não se pode afirmar que houve abolição do crime de atentado violento ao pudor (abolitio criminis) mas, sim, uma transferência dos elementos que integravam o artigo referido para o artigo 213 do Código Penal, caracterizando o fenômeno descrito naquilo que a doutrina denomina princípio da continuidade normativo – típica ou descontinuidade normativo - típica (GRECO, 2010 e DELMANTO, 2010).
A expressa revogação do artigo 214 trouxe benefícios práticos para o réu, implicando em caso de retroatividade da lei penal em razão da novatio legis in mellius, pois, com a condensação dos tipos há quem entenda que não há mais concurso, formal ou material, mas sim crime único, podendo o agente praticar numa mesma conduta atos libidinosos e conjunção carnal, desde que sejam praticados em um mesmo contexto fático.
Nesse sentido, vale destacar o seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.015/09. LEI PENAL MAIS BENÉFICA. RETROATIVIDADE. CONDUTAS PRATICADAS CONTRA A MESMA VÍTIMA E NO MESMO CONTEXTO. CRIME ÚNICO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Sexta Turma desta Corte, no julgamento do HC nº 144.870/DF, da relatoria do eminente Ministro Og Fernandes, firmou compreensão no sentido de que, com a superveniência da Lei nº 12.015/2009, a conduta do crime de atentado violento ao pudor, anteriormente prevista no artigo 214 do Código Penal, foi inserida àquela do art. 213, constituindo, assim, quando praticadas contra a mesma vítima e num mesmo contexto fático, crime único de estupro.
2. Tendo em vista que o paciente foi condenado por ter praticado, mediante grave ameaça, conjunção carnal e coito anal contra a mesma vítima e no mesmo contexto, é de rigor, pelo princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o afastamento da condenação pelo atentado violento ao pudor.
3. Habeas Corpus concedido para determinar que o Juízo das Execuções proceda à nova dosimetria da pena, nos termos da Lei nº 12.015/2009,destacando que deverá ser refeita a análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal (STJ- HC 167517/SP Habeas Corpus 2010/0057558-8. Min Relator: Haroldo Rodrigues. 6 TURMA. DJ. 17/08/2010. Publicação Dje. 06/09/2010).
Conforme se observa, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça já sufragou o entendimento no sentido de que o artigo 213 do Código Penal é um tipo misto alternativo, podendo o agente praticar qualquer das condutas que lá estão descritas e responderá por um mesmo crime.
Por sua vez, manifestando-se em sentido contrário, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, até meados de fevereiro do ano de 2011, mantinha a posição de que o artigo 213 do Código Penal - mesmo com o advento da Lei 12015/09 -, ainda se tratava de um tipo misto cumulativo, ou seja, que as condutas ali previstas constituíam crimes autônomos e, dessa forma, não se aplicava a continuidade delitiva. A propósito:
PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI Nº 12.015/2009. ARTS. 213 E 217-A DO CP. TIPO MISTO ACUMULADO. CONJUNÇÃO CARNAL. DEMAIS ATOS DE PENETRAÇÃO. DISTINÇÃO. CRIMES AUTÔNOMOS. SITUAÇÃO DIVERSA DOS ATOS DENOMINADOS DE PRAELUDIA COITI. CRIME CONTINUADO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
I - A reforma introduzida pela Lei nº 12.015/2009 unificou, em um só tipo penal, as figuras delitivas antes previstas nos tipos autônomos de estupro e atentado violento ao pudor. Contudo, o novel tipo de injusto é misto acumulado e não misto alternativo.
II - Desse modo, a realização de diversos atos de penetração distintos da conjunção carnal implica o reconhecimento de diversas condutas delitivas, não havendo que se falar na existência de crime único, haja vista que cada ato - seja conjunção carnal ou outra forma de penetração - esgota, de per se, a forma mais reprovável da incriminação.
III - Sem embargo, remanesce o entendimento de que os atos classificados como praeludia coiti são absorvidos pelas condutas mais graves alcançadas no tipo.
IV - Em razão da impossibilidade de homogeneidade na forma de execução entre a prática de conjunção carnal e atos diversos de penetração, não há como reconhecer a continuidade delitiva entre referidas figuras. Ordem denegada (STJ- HC 87960/SP 2007/0177230-8. Min. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Órgão Julg: Quinta turma. Dj. 22/06/2010. Publicação DJ. 27/09/2010).
HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES EM CONCURSO MATERIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 12.015/2009. REUNIÃO DE AMBAS FIGURAS DELITIVAS EM UM ÚNICO CRIME.
TIPO MISTO CUMULATIVO. CUMULAÇÃO DAS PENAS. INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO DE AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO ART. 226, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE DESCRIÇÃO DOS TIPOS PENAIS NA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS FATOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA RESPECTIVA CAUSA DE AUMENTO. DENÚNCIA QUE NARRA O FATO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. NECESSIDADE DE PROVA DOCUMENTAL.PRESCINDIBILIDADE. VÍNCULO DE PARENTESCO DEMONSTRADO POR MEIO DE OUTRAS PROVAS. ORDEM DENEGADA.
1. Antes da edição da Lei n.º 12.015/2009 havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art.213 do Código Penal passa a ser um tipo misto cumulativo, uma vez que as condutas previstas no tipo têm, cada uma, "autonomia funcional e respondem a distintas espécies valorativas, com o que o delito se faz plural" (DE ASÚA, Jimenez, Tratado de Derecho Penal,Tomo  III, Buenos Aires, Editorial Losada, 1963, p. 916).
2. Tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o Legislador tê-las inserido num só artigo de lei.
3. Se, durante o tempo em que a vítima esteve sob o poder do agente, ocorreu mais de uma conjunção carnal caracteriza-se o crime continuado entre as condutas, porquanto estar-se-á diante de uma repetição quantitativa do mesmo injusto. Todavia, se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como o coito anal, por exemplo, cada um desses caracteriza crime diferente e a pena será cumulativamente aplicada à reprimenda relativa à conjunção carnal. Ou seja, a nova redação do art. 213 do Código Penal absorve o ato libidinoso em progressão ao estupro – classificável como praeludia coiti – e não o ato libidinoso autônomo.
[...]
7. Ordem denegada (STJ – HC 105533/PR HABEAS CORPUS 2008/0094885-0. Min. Rel.: Laurita Vaz. Org Julg.: Quinta Turma. Julg: 16/12/2010. Dje: 07/02/2011).
Contudo, tal entendimento resta superado com o julgamento do REsp n.970.127 e, com a decisão de tal julgado, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça passa a reconhecer a figura do crime continuado entre estupro e atentado violento ao pudor, tipos penais tratados separadamente até 2009 e, dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça passa a ter um entendimento unificado sobre o tema, isto é, que é possível a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor.
A Primeira e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, já havia pacificado o entendimento, sustentando que com a edição da Lei 12015/09 tornou-se possível a aplicação da continuidade delitiva prevista no artigo 71 do Código Penal, in verbis:
Art  71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma epécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuição do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (CÓDIGO PENAL, 1940).
Nesse sentido, vale conferir o seguinte excerto jurisprudencial da lavra do eminente Ministro Relator Carlos Ayres Britto:
HABEAS CORPUS. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONCURSO MATERIAL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALTERAÇÃO DOS ARTS. 213 E 214 DO CÓDIGO PENAL, NOS TERMOS DA LEI 12.015/2009. REITERAÇÃO DE PEDIDO JÁ DENEGADO PELA PRIMEIRA TURMA DO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. SÚMULA 611/STF. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A decisão impugnada deu pela ocorrência de concurso material entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, nos termos da reiterada jurisprudência do STJ e do STF. 2. Na concreta situação dos autos, o impetrante reitera o pedido de reconhecimento da continuidade entre os delitos pelos quais se acha definitivamente condenado. Pedido já rechaçado pela Primeira Turma deste STF, no julgamento do HC 93.981, também de minha relatoria.
 3. Sucede que, após o julgamento, a Lei 12.015/2009, editada em 07 de agosto de 2009, alterou substancialmente a disciplina dos crimes pelos quais o acionante foi condenado (arts. 213 e 214 do Código Penal). Alteração que fez cessar o óbice ao reconhecimento da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, cometidos antes da vigência da Lei 12.015/2009. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido, mas deferido de ofício para determinar ao Juiz das Execuções Penais que proceda, nos termos da Súmula 611 deste Supremo Tribunal Federal, à “aplicação de lei mais benigna”. Juízo que há de observar, pena de reformatio in pejus, os limites fixados no Agravo de Execução nº 70006882997/TJ/RS. (Habeas Corpus n° 99544. Min Rel. Ayres Britto Julgamento:  26/10/2010. Dj. 01/02/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma).
É de se concluir que, com a nova redação do tipo legal descrito no artigo 213 do Código Penal, o agente só responderá por crime único quando houver absorção do ato libidinoso em progressão ao estupro, desde que, só tenham ocorridos os chamados atos praeludia coiti - antes do coito - e não o ato libidinoso autônomo, como o coito anal e o sexo oral, pois nesse caso o agente poderia estar incorrendo no artigo 213 c/c artigo 71 do Código Penal.

1.3 ELEMENTOS DO TIPO

1.3.1 O VERBO CONSTRANGER

O núcleo do tipo é o verbo constranger alguém, que está no sentido de coagir, obrigar, compelir alguém a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (CAPEZ, 2010 e DELMANTO, 2010).
Abeberando-se do Direito Comparado, Liszt já dizia (1899, p. 101) que constrangimento é “a coacção exercida mediante violencia ou ameaça de um crime ou delicto para obrigar alguém a praticar ou a deixar de praticar uma determinada acção, ou a tolerar que tal acção seja praticada”.

1.3.2 VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA

O constrangimento deve ser mediante violência ou grave ameaça. A violência diz respeito à força física, ou seja, à vis corporalis (vis absoluta). O agente utiliza da força física obrigando a vítima a ter conjunção carnal ou permitindo que com ela se pratique outro ato libidinoso (CAPEZ, 2010 e JESUS, 2008).
A grave ameaça moral, vis compulsiva, se configura com ameaças sérias dirigidas à vítima, a pessoas ou a coisas que lhe são próximas. A ameaça deve ser um mal maior do que a conjunção carnal, que não possa ser evitado de outro modo. Deve acarretar temor, gerando efeitos psicológicos na vítima, ou seja, a vítima cai nas armadilhas do agente e cede as suas ameaças com receio de que alguma desgraça aconteça consigo ou com pessoas que lhe são próximas (JESUS, 2008 e HUNGRIA, 1983).
É inerente ao crime de estupro o dissenso da vítima, de modo que não queira realizar o ato libidinoso ou a conjunção carnal com o agente. No mesmo sentido, Nélson Hungria (1983, p. 107):
O dissenso da vítima deve ser sincero e positivo, manifestando-se por inequívoca resistência. Não basta uma platônica ausência de adesão, uma recusa meramente verbal, uma oposição passiva ou inerte. É necessária uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a violência física ou moral consiga vencer. Sem duas vontades embatendo-se em conflito, não há estupro.
Com exceção do estupro de vulnerável previsto no artigo 217- A do Código Penal, a permissão da vítima, livre de coação, seja moral ou física, desconfigura o crime de estupro (CAPEZ, 2010).
É interessante levantar a questão da possibilidade de haver estupro quando o marido constrange a mulher, ou vice-versa, mediante violência ou grave ameaça a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
Perdurou durante muitos anos a discussão na doutrina, se o próprio marido da vítima poderia ser sujeito ativo do crime de estupro. Nélson Hungria (1983, p. 114) entendia que não configurava o tipo penal previsto no artigo 213 do Código Penal, pois a cópula intra matrimonium é dever recíproco dos cônjuges:
Questiona-se muito se o marido pode ser, ou não, considerado réu de estupro, quando, mediante violência, constrange a esposa à prestação sexual. A solução justa é no sentido negativo. O estupro pressupõe cópula vagínica ilícita (fora do casamento).
Entretanto, essa discussão resta superada, e a posição mais coerente aos dias atuais é a de Fernando Capez (2010), a qual sustenta que muito embora a cópula vagínica seja obrigação recíproca entre os cônjuges, decorrente do matrimônio, a lei civil não autoriza o uso de violência sexual entre o casal, pois interpretação diversa fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Porém, se um dos cônjuges se recusa continuadamente ao congresso carnal, o outro poderá lançar mão do instituto da separação judicial previsto na Lei Civil.
Vale registrar que, embora a Lei Maria da Penha não traga previsão do estupro, a mesma poderá ser utilizada pelo aplicador do direito no momento da prolação da sentença.

1.3.3 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO

O crime de estupro sofreu algumas modificações consideráveis em relação ao sujeito passivo do crime. Antes da entrada em vigor da Lei 12015/09, somente a mulher poderia ser vítima do crime em estudo, conforme a antiga redação do artigo 213 do Código Penal: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” (CÓDIGO PENAL, 1940).
O legislador atendendo ao princípio constitucional da isonomia entre homens e mulheres previsto na Constituição Federal de 1988, e influenciado pelo contexto histórico em que se vive atualmente, achou por bem tornar o crime de estupro em crime comum. Sendo assim, o estupro, que sempre representou a principal expressão de violência contra as mulheres, uma vez que representava um crime praticado por homens contra as mulheres, acabou por ganhar uma nova roupagem, visto que com as alterações introduzidas pela Lei 12015/09, o homem passa, também, a ser sujeito passivo do crime de estupro, assim como a mulher que já era  sujeito ativo do mesmo delito. O sujeito passivo agora não se restringe somente a mulher, pois qualquer pessoa poderá ser vítima de estupro, conforme nova redação dada ao artigo 213 do Código Penal:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (CÓDIGO PENAL, 1940).
Com a nova epígrafe do delito de estupro, qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo ou passivo do delito em questão. Todavia, para a prática da conjunção carnal, deverá existir a presença de duas pessoas de sexos diferentes, pois para que haja a prática da cópula vagínica é necessário um homem e uma mulher (GRECO, 2010).
Na antiga redação do artigo 213, como se tratava somente de conjunção carnal, a mulher não podia ser autora imediata do estupro, ante a sua impossibilidade de manter coito comissivamente. A mulher podia atuar como autora mediata, quando, por exemplo, se servia de pessoa sem discernimento para praticar o que pretendia. Atualmente, como o delito de estupro passou a abarcar também atos libidinosos, a mulher pode ser autora imediata, coautora e partícipe (CAPEZ, 2010).

1.3.4 OBJETO MATERIAL E BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO

A tutela legal do crime de estupro se restringia apenas à liberdade sexual da mulher. A nova redação do Título VI do Código Penal, especificamente o artigo 213, ampliou sua proteção e hoje, observa-se como bens juridicamente protegidos a liberdade e a dignidade sexual, tanto do homem quanto da mulher (GRECO, 2010).
A liberdade sexual diz respeito à faculdade que cada indivíduo possui de dispor de seu próprio corpo da forma que melhor lhe aprouver. Acerca do conceito de liberdade sexual, Jimenéz (s.d, apud GRECO, 2010, p. 452-456) traz a imediata definição:
Autodeterminação no marco das relações sexuais de uma pessoa, como uma faceta a mais da capacidade de atuar. Liberdade sexual significa que o titular da mesma determina seu comportamento sexual conforme motivos  que lhe são próprios no sentido de que é ele quem decide sobre sua sexualidade, sobre como, quando ou com quem mantém relações sexuais.
Destarte, o objeto material é a pessoa contra a qual foi direcionada a ação, ou seja, o homem ou a mulher (GRECO, 2010).

1.3.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Art  213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso (CÓDIGO PENAL, 1940).
Em relação à primeira parte do dispositivo 213 do estatuto repressivo, configura o crime de estupro quando da introdução do pênis na cavidade vaginal, não sendo necessário que haja a penetração integral do membro viril, tampouco a ejaculação (GRECO, 2010).
A segunda parte do dispositivo retro citado consuma-se quando após o constrangimento, mediante violência física ou moral, o agente obriga a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Resta configurada a consumação no instante em que o agente atua sobre o corpo da vítima, obrigando-a a praticar um ato libidinoso diverso da conjunção carnal, como atos de masturbação, em si, no agente ou em terceiro assistido pelo agente (GRECO, 2010).
Como se trata de crime plurissubsistente, que por sua vez, é composto de vários atos que integram a mesma conduta, ou seja, existem fases que podem ser separadas, fracionando-se o crime, é perfeitamente possível a tentativa. Imagine, pois, o agente ser surpreendido e interrompido no momento em que está retirando suas vestes e se preparando para a penetração (GRECO, 2010).

1.3.5.1 CONJUNÇÃO CARNAL

O conceito de conjunção carnal é bem restritivo, referindo-se apenas ao ato de penetração do pênis na vagina. Damásio de Jesus (2008) entende que conjunção carnal é a cópula normal realizada entre homem e mulher, com a penetração, total ou parcial, do órgão genital masculino na cavidade vaginal.
Para Fernando Capez (2010, p. 25), “a conjunção carnal é a cópula vagínica, ou seja, a penetração efetiva do membro viril na vagina”.
Nélson Hungria (s.d, apud GRECO, 2010, p. 451) traz um conceito de conjunção carnal dizendo ser “a cópula secundum naturam, o ajuntamento do órgão genital do homem com o da mulher, a intromissão do pênis na cavidade vaginal”.
Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 806) entende que “conjunção carnal é a cópula vagínica. A conjunção carnal está excluída dos atos libidinosos que podem caracterizar o crime de atentado violento ao pudor […]”.
E para concluir, Rogério Greco (2010, p. 451) acrescenta com suas lições que “a conjunção carnal também é considerada um ato libidinoso, isto é, aquele em que o agente deixa aflorar a sua libido, razão pela qual a parte final constante do caput do artigo 213 do Código Penal se utiliza da expressão outro ato libidinoso”.

1.3.5.2 ATO LIBIDINOSO

Ato libidinoso envolve uma diversidade de condutas que satisfaça a lascívia de alguém, que tenha por finalidade a satisfação da libido do agente. Trata-se de um conceito abrangente que exige uma valoração por parte do magistrado. De fato, há de se reconhecer que o ato que configura a conjunção carnal não gera qualquer dúvida, pois como dito anteriormente, trata-se da cópula vagínica. No entanto, não há um conceito preciso do que venha a configurar um ato libidinoso, de forma que pode vir a configurar uma enormidade de condutas.
Diante de tantas diversidades de condutas, quais seriam os atos libidinosos, se a própria lei não os define? Há uma inquietação na doutrina sobre tal definição.
Inicialmente é importante destacar, que “se o ato, embora materialmente indecoroso, não traduz, da parte do agente, uma expansão de luxúria, deixará de ter cunho libidinoso’’(HUNGRIA, 1983, p.122). Pois, não pode existir ato libidinoso sem libidinosidade.
Ato libidinoso segundo Damásio de Jesus (2009, p. 747), “é o que visa ao prazer sexual. É todo aquele que serve de desafogo à concupiscência. É o ato lascivo, voluptuoso, dirigido para a satisfação do instinto sexual.”
 Ato libidinoso trata-se de ato lascivo, voluptuoso, dissoluto, destinado à concupiscência. São os atos equivalentes ou sucedâneos da conjunção carnal, quais sejam, o coito anal, coito oral, inter-femora, cunnilingue, anilingue e todos aqueles que contrariem a moralidade sexual. Diverso, pois, da conjunção carnal, que se resume à introdução do pênis no corpo da vítima, por meio da vagina (MIRABETE, 2009).
Nas lições de Rogério Greco (2010, p. 451), “na expressão outro ato libidinoso estão contidos todos os atos de natureza sexual, que não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente”
O magistério de Fernando Capez (2010, p.25-26) prega que “ato libidinoso compreende outras formas de realização do ato sexual, que não a conjunção carnal. São os coitos anormais (por exemplo, a cópula oral e anal), os quais constituíam o crime autônomo de atentado violento ao pudor (CP, antigo art. 214)”.  E Rogério Greco (2010, p. 26), a propósito, compreende que:
Ato libidinoso é todo aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere a ato, realização física concreta (GRECO, 2010, p. 26).
A felação (sexo oral), coito anal, toques íntimos nas regiões pudendas são exemplos mais comuns de atos libidinosos diversos na conjunção carnal. Configura ato libidinoso até mesmo sem o contato de órgãos sexuais, quando o agente introduz, por exemplo, instrumento postiço na vítima (CAPEZ, 2010).
Analisando os conceitos retro citados e partindo do raciocínio que ato libidinoso é aquele diverso da conjunção carnal, pode-se afirmar que se não houver a conjunção carnal, ou seja, o estupro propriamente dito, ocorrerá o antigo atentado violento ao pudor, que é caracterizado por inúmeras formas de conduta, se perfazendo desde o beijo lascivo até o coito anal (que é tão grave quanto o coito vagínico), desde que praticados mediante violência.

1.3.5.2.1 BEIJO LASCIVO

Nesse assunto a doutrina também não é pacífica. A questão é se um beijo lascivo pode ou não vir a configurar ato libidinoso. Se é correto classificar o beijo lascivo ou com fim erótico como ato libidinoso, implica em dizer que a aplicação da pena mínima de seis anos fere substancialmente o princípio da proporcionalidade das penas. O beijo lascivo, quando roubado, ou seja, quando expressa a manifestação de um sentimento, e não de um prazer sexual não pode vir a configurar um ato libidinoso. Entretanto, é muito difícil saber qual o sentimento que levou o agente a dar na vítima um beijo lascivo.
É considerado ato libidinoso o beijo aplicado de modo lascivo ou com fim erótico (MIRABETE, 2009, p. 384).
A posição de Damásio de Jesus (2008) é que o beijo lascivo constitui atentado violento ao pudor. Porém, faz a distinção.
Há que se distinguir entre as várias formas de beijo. Evidentemente, não se pode considerar como ato libidinoso o beijo casto e respeitoso aplicado nas faces, ou mesmo o “beijo roubado”, furtiva e rapidamente dado na pessoa admirada ou desejada. Diversa, porém, é a questão quando se trata do beijo lascivo nos lábios, aplicado à força, que revela luxúria e desejo incontido, ou quando se trata do beijo aplicado nas partes pudendas.
Para Cezar Roberto Bitencourt (2009, p.806) o “beijo lascivo, tradicionais amassos, toques nas regiões pudendas, “apalpadelas” sempre integraram os chamados atos libidinosos diversos da conjunção carnal”. No entanto, compreende que com a Lei dos Crimes Hediondos, com pena mínima de seis anos de reclusão, falta-lhe a danosidade proporcional, que até se pode encontrar no sexo anal ou oral violento (BITENCOURT, 2009).
Segundo Rógerio Greco (2010, p. 483 - 484) atualmente, com a edição da Lei 12015/09 não pode ser considerado estupro o beijo dado mediante violência ou grave ameça, pois:
Por pior que seja o beijo e por mais feia que seja a pessoa que o forçou, não podemos condenar alguém por esse fato a cumprir uma pena de, pelo menos, 6 (seis) anos de reclusão, isto é, com a mesma pena gravidade de que se pune um homicida.
E ainda descreve:
Imagine-se a situação de um agente ao entrar na carceragem em virtude de sua condenação pelo delito de estupro, por ter forçado alguém a um beijo lascivo, excessivamente prolongado. Quando for indagado pelos demais presos sobre sua infração penal e responder que está ali para cumprir uma pena de seis anos por ter forçado um beijo em alguém, certamente não faltará naquele local, quem queria beijá-lo todos os dias, mas o Direito Penal não poderá agir desse modo com um sujeito que praticou um comportamento que, a nosso ver, não tem a importância exigida pelo tipo penal do art. 213 do diploma repressivo (GRECO, 2010. p. 48 3- 484).
Nesse mesmo sentido, vale ressaltar a posição do Superior Tribunal de Justiça :
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DESCLASSIFICAÇÃO. EXAME MINUCIOSO DE PROVA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. PENAL. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 DECLARADA PELO STF.
I - Em nosso sistema, atentado violento ao pudor engloba atos libidinosos de diferentes níveis, inclusive os contatos voluptuosos e os beijos lascivos.
[…].
( STJ-HC 85437 / SP. Min. Rel. Félix Fischer. Quinta Turma. Dj 04/09/2007. Publicado no DJ em 05/11/2007, p. 336).
RECURSO ESPECIAL. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VALORAÇÃO DA PROVA. RECURSO PROVIDO.
1. "Referindo-se a lei a ato libidinoso diverso da conjunção carnal, inclui no tipo toda ação atentatória ao pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneos da conjunção carnal ou não. É considerado libidinoso o beijo aplicado de modo lascivo ou com fim erótico." (Júlio Fabbrini Mirabete, in Código Penal Interpretado,Ed. Atlas, 1999, pág. 1.262).
[...]
(STJ- REsp 578169 / RS. Min. Rel: Hamilton Carvalhido. Órgão Julgador: Sexta turma. Dj. 26/05/2204. Publicado em 02/08/2002, p. 603).
Conforme se observa nos julgados acima citados, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona em considerar o beijo lascivo como ato libidinoso.

1.4 FORMAS

A Lei 12.015/09 acrescentou os §§ 1°e 2° ao artigo 213. Assim, o estupro simples é aquele que está caracterizado no caput do artigo 213 do Codex:
Art 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (CÓDIGO PENAL, 1940).
Conforme modificações operadas pela lei retro mencionada foram criadas duas formas qualificadas pra o crime de estupro, conforme vejamos:
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (CÓDIGO PENAL, 1940).
É imperioso ressaltar que antes as qualificadoras estavam previstas no artigo 223 do Código Penal. No caso no § 1º não se trata de abolitio criminis, visto que tal situação já se achava presente no artigo 223 do CP, atualmente revogado. Tanto é que a pena que era prevista anteriormente manteve-se presente, qual seja, de 8 a 12 anos de reclusão. Na qualificadora do § 2° houve a ampliação da pena máxima, que antes era de 12 a 25 anos e hoje, passou a ser de 12 a 30 anos.

1.5 O QUANTUM DA PENA APÓS O ADVENTO DA LEI DOS CRIMES  HEDIONDOS

Dentro desse contexto, afigura-se emblemática a Lei 8.072 (Lei dos Crimes Hediondos), promulgada em 25 de julho de 1990, sob a influência do movimento Law and Order, e sob a pressão dos meios de comunicação de massa, após grande onda de violência experimentada no Brasil, da qual se extrai os casos de extorsão mediante seqüestro dos empresários Paulo Medina e Abílio Diniz. A pressão era tamanha que o Deputado Plínio de Arruda Sampaio, pronunciando-se sobre uma proposição de adiamento da votação do novel diploma, assim se manifestou na tribuna da Câmara:
Tenho todo interesse em votar a proposição, mas não quero fazê-lo sob a ameaça de, hoje à noite, na TV GLOBO, ser acusado de estar a favor do seqüestro. Isso certamente acontecerá, se eu pedir o adiamento da votação. Todos me conhecem e sabem que não sou a favor disso (FRANCO, 2000, p. 91).
A referida Lei é de se dizer, para além de apenas rotular como hediondas condutas já previstas na legislação penal (o crime é hediondo porque faz parte do elenco enumerado na lei, e não porque apresenta características próprias, devidamente explicitadas), majorou as penas de diversos crimes, dentre os quais o de atentado violento ao pudor, que restou equiparada à pena do crime de estupro.
Assim, a pena mínima do crime de atentado violento ao pudor passou de 2 anos para 6 anos, e a pena máxima saltou de 7 anos para 10 anos, tudo exatamente igual à resposta penal cominada ao crime de estupro, como se fossem delitos eqüipolentes, como se a ofensa à liberdade sexual de uma mulher e um beijo lascivo tivessem igual gravidade objetiva ou dimensão social equivalente.
Esse aumento foi imoderado, haja vista que a pena do crime de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometido em qualquer de suas formas, coaduna-se perfeitamente na definição de crime hediondo (artigo 1° da Lei 8072/90). Vide jurisprudência sobre o tema:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. ESTUPRO FICTO (ART. 213, CAPUT, C.C. O ART. 224, ALÍNEA "a", AMBOS DO CP). DELITO CONSIDERADO HEDIONDO. IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME.
Consoante entendimento recentemente pacificado pelo Col. STF, secundado por julgados desta Corte, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos em quaisquer de suas modalidades, enquadram-se na definição legal de crimes hediondos (art. 1º, da Lei 8.072/90).
Hipótese dos autos em que incide a regra proibitiva da progressão de regime inserta no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. (STJ- HC n. 20.032/SC Min. Rel. José Arnaldo da Fonseca – j. 21-05-02- DJU 24-06-02 p.32).
Ora, deixando-se de lado a questão da nova Lei 12.015/2009 - que, para piorar a situação, agrupou num só tipo penal as condutas antes definidas separadamente -, como se punir igualmente condutas penais tão diversas, vale dizer o coito vagínico (estupro propriamente dito) e o atentado violento ao pudor, que se perfaz com o coito anal e também com o mero beijo lascivo?
Alberto Silva Franco (2000, p. 233), analisando a problemática, sustenta que “Estabelecer, no âmbito da punição, um estrito paralelismo entre o estupro e o atentado violento ao pudor constitui, sem dúvida, um absurdo jurídico.” E prossegue o renomado jurista:
Enquanto o estupro apresenta uma área de significado devidamente delimitada (ataque, mediante violência ou grave ameaça, à liberdade sexual de uma mulher), o atentado violento ao pudor apresenta características de difícil apreensão, não apenas em face da pluralidade de manifestações com que a conduta libidinosa pode ter expressão, mas também em razão, não raro, da ambigüidade dessas manifestações. O beijo pode ser o desaguadouro de um processo de profunda lascívia ou a manifestação tenra de um afeto. O toque corporal tanto pode significar um gesto tendente a satisfazer o impulso sexual do agente como uma forma de transmitir sentimentos mais íntimos. Dessa forma, condenar, no mínimo a seis anos de reclusão, tanto o agente que constrangeu a mulher à prática da conjunção carnal como aquele que, mediante violência ou grave ameaça, deu-lhe um beijo lúbrico é desconhecer a diferença de estrutura existente entre o estupro e o atentado violento ao pudor, nivelando-os em sua gravidade social (FRANCO, 2000, p.233).
Destarte, com as modificações trazidas pela Lei 12015/09 o artigo 213 passou a abarcar as condutas do artigo 214, hoje revogado, e foi inserido o inciso V no artigo 1° da Lei 8072/90, a qual considera estupro, tanto na sua forma simples, quanto na qualificada, como crime hediondo.