domingo, 12 de agosto de 2012

Vida ou Morte: Aborto e Eutanásia




Vida ou Morte: Aborto e Eutanásia



Falar sobre aborto e eutanásia é um verdadeiro paradoxo, pois é enfrentar o tema da vida e da morte. Quando há interesses contrapostos, a discussão é sempre polarizada e é difícil encontrar uma resposta que componha satisfatoriamente qualquer questão, principalmente quando se depara, de um lado, com fanatismo religioso que apregoa uma repressão rígida e, de outro, com o radicalismo de algumas feministas que acabam banalizando o aborto, o que pode levar ao risco, por todos indesejado, de que ele seja usado como mero método de controle da natalidade.

As polêmicas são invencíveis, ainda mais quando se trata de questões que têm ressonância na Medicina, na Psicologia, na Religião, no Direito, na Política, na Ética, na Bioética. Por todos esses desdobramentos, imperiosa uma visão multidisciplinar frente a determinadas situações que geram um verdadeiro entrelaçamento interdisciplinar.

Ainda que todos tenham como bem maior a vida, não se pode pensar em tal substantivo sem adjetivações, ou seja, o que se deseja é uma vida boa, saudável e feliz. Ao confrontar-se a ausência de tais predicados é que cabe questionar a quem pode ser dado o poder de decidir sobre a vida ou a morte, quer de um embrião, quer de um enfermo incurável.

Assim, mesmo que todos queiram ter o direito de viver – ou seja, nascer – e almejem uma morte boa – que é o significado da palavra eutanásia –, há realidades que merecem ser enfrentadas não exclusivamente sob aspectos pessoais decorrentes de convicções íntimas de origem ética, religiosa ou ideológica. Tal não passaria de mera consulta plebiscitária. Perquirir-se quem é contra ou quem é a favor com certeza também não leva a lugar nenhum.

O enfoque a ser dado tem um âmbito de abrangência muito maior, merecendo ser encarado de frente, principalmente face à chocante realidade que se tem presente.

O Estado elegeu como bem maior a vida, acabando por criminalizar qualquer ato, prática ou mecanismo que leve à exclusão até mesmo da sobrevida inviável.

Desde o momento da concepção até a ocorrência da morte mediante a cessação de todos os sinais vitais, é vedado qualquer ato, qualquer gesto, qualquer omissão que impeça a mantença da vida, postura que inclusive integra a esfera do Direito Penal, configurando crime.

Quanto ao aborto, são abertas duas exceções legais. Uma delas é estar a mãe sofrendo risco de vida, situação que praticamente configura legítima defesa ou até estado de necessidade. A outra autorização de abortamento é no caso de a gestação decorrer da prática do hediondo crime de estupro. Essa excludente de criminalidade admitida pelo legislador visa muito mais à preservação da família, a impedir o nascimento de um filho ilegítimo ou incestuoso, que não merecia, até o advento da atual Constituição Federal, o direito ao reconhecimento de sua paternidade. O bem juridicamente tutelado não era, e continua não sendo, garantir a liberdade de promover a interrupção do sofrimento da mulher de enfrentar uma gestação originada de um ato de violência. Cabe lembrar que o Código Penal data de 1940, quando rígidos eram os costumes e a mulher inclusive não dispunha da plena capacidade se casada fosse. Assim, não se pode deixar de reconhecer que o bem protegido é a unidade familiar, para livrá-la de um filho espúrio, sem se preocupar com o direito da vítima de repudiar o fruto de um ato de violência.

Mesmo que não admita a lei, a não ser nessas restritas hipóteses, não se pode deixar de arrostar uma realidade, ainda que triste: o aborto é praticado em larga escala. Como se trata de prática clandestina, difícil sua exata quantificação. Mas, segundo alguns estudos, no Brasil, são levados a efeito cerca de um milhão de abortos por ano, tendo quem fale em um milhão e meio, ou ainda que a cada nascimento corresponde um abortamento. Soma-se a esses assustadores números outro dado: 10.000 mulheres morrem em decorrência de procedimentos abortivos de má qualidade, sendo as complicações que ocorrem a maior causa de morte de mulheres em plena fase produtiva e com capacidade laboral. Por isso, justifica-se a insistência da Organização Mundial de Saúde em apontar o Brasil como recordista mundial em abortos provocados. Portanto, o aspecto mais saliente ao atentar-se neste fenômeno é que se trata de uma questão social. Dizer que um ato é pecado, é crime, não coíbe sua prática.

Ao optar o Estado pela preservação da vida de um embrião, deixou de garantir a vida das gestantes, limitando-se simplesmente a ignorar que a interrupção da gravidez indesejada continua a ser praticada, não podendo o Estado deixar de cumprir sua função de controlar a sociedade e assegurar a vida de todos. Portanto, o fato de ser criminalizada sua prática não basta para impedir que abortos continuem sendo levados a efeito, só que em condições adversas, face à falta de controle estatal. Assim, a mulher, além de ter que enfrentar uma gravidez não desejada, ainda precisa pôr em risco sua vida, face aos inadequados procedimentos a que tem de se submeter.

Atualmente, só a elite, que tem condições de atender aos exorbitantes valores cobrados por clínicas particulares, pode exercer o direito que a lei assegura. Aquela que não tem como pagar precisa submeter-se a procedimentos clandestinos, cujos riscos são por demais conhecidos, sujeitando-a a severas seqüelas. É no mínimo cruel impedir que se exercite um direito assegurado por lei. Se a própria legislação faculta a possibilidade da interrupção da gestação nos casos em que especifica, nada justifica que não se assegure os meios para sua realização por intermédio do sistema público de saúde. Ou pior, até nas hipóteses em que há a possibilidade legal e até os meios econômicos para custear o ato, ainda assim há instituições que se negam à sua prática, o que impõe à titular que busque desnecessária autorização judicial, que, em inúmeras vezes, é negada.

O único meio para reverter esse preocupante quadro é não só descriminalizar o aborto, mas o desclandestinizar, o que, como já estatisticamente provado em todos os países que regulamentaram sua prática, além de diminuir vertiginosamente o número de mortes maternas, também diminui o próprio número de abortos realizados.

Mas não só quando se fala em vida os questionamentos existem.

Com referência à morte, ou ao direito à morte, que é chamado de eutanásia, mister lembrar o juramento de Hipócrates, consagrador do princípio da benemerência: Aplicarei os regimes para o bem dos doentes segundo o meu saber e a minha razão, nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja.

A função do médico é de manutenção da vida, sem preocupar-se, no entanto, com sua qualidade. Face a todos os avanços da Medicina nos mais diversos campos, talvez o grande desafio cifre-se hoje no cotejo entre quantidade e qualidade de vida.

Agora já fazem parte dos meios considerados normais ventiladores de pulmão, acesso a exames com resultados rápidos, drogas novas, CTIs com monitorização plena, marca-passos de diversos tipos. Enfim, todo um aparato que possibilita manter e prolongar vidas inviáveis.

A necessidade de encontrar respostas a esses casos em que a vida é mantida por meios mecânicos é que levou ao surgimento dos chamados Comitês de Ética Institucionais, formados por médicos e representantes da sociedade, religiosos e até filósofos, a quem cabem as decisões de situações-tipo, que poderiam ser tituladas como “Casos Limítrofes da Vida” ou “A Discussão sobre os Limites da Vida”.

Cabe lembrar que a morte migrou do coração para o cérebro, pois passou a ser condicionada à cessação de funcionamento deste último. Essa mudança conceitual é que permite a retirada de órgãos para transplantes – que só têm utilidade se extraídos antes da parada do coração –, proceder legitimado pela Lei dos Transplantes.

Mas vida continua sendo vida. E as respostas devem ser buscadas na leitura e interpretação dos quatro princípios básicos da Bioética: o da não-maleficência, da beneficência, da autonomia e da justiça.

Não-maleficência significa não fazer o mal. Mas manter vidas inviáveis, com o sofrimento do paciente, será maleficência?

Beneficência é fazer o bem. O médico deve empregar os meios possíveis. Mas cabe indagar: é benemerente a atitude do médico de manter a vida pela vida, embora sabendo-a inviável, ainda que vendo a insuportabilidade da dor do paciente?

O princípio da autonomia compreende-se como o direito do paciente no uso pleno de sua razão – ou de seus responsáveis, quando faltar consciência – de estabelecer os limites em que gostaria de ver respeitada sua vontade em situações fronteiriças. Assim, cabe questionar, existe o direito do indivíduo de antecipadamente dizer: “não quero que tentem nada”?

Outra hipótese diz com a validade do documento público elaborado por alguém plenamente capaz solicitando que nada seja levado a efeito, em caso de doença incurável, em particular as que desconectam do mundo, ou quando o prolongar a vida seja às custas de intenso sofrimento.

O mais delicado dos princípios é o da justiça , em face do qual se questiona: até que ponto é legal, e não apenas legítimo, suspender os suportes de vida? Há uma faceta que sempre é mistificada e escondida e que se encontra subjacente em motivações de ordem econômica. A morte passou a ser asséptica dentro do silêncio barulhento das CTIs. A consciência de todos é aplacada. A consciência dos que lá trabalham, pois tudo fizeram; a consciência dos familiares, porque tudo proporcionaram. Esse fato, no entanto, leva a que os gastos se tornem cada vez mais assustadores. Na luta entre verbas restritas e gastos incompressíveis, um novo termo, um novo eufemismo foi criado: o não-investimento.

Indiscutível que a única conclusão a que se pode chegar é de que a vida, sendo um bem contido em si mesmo, certamente não pode nem deve ter rótulos de preço. A justiça não pode ser contabilista.

Pergunta-se: podem os médicos abreviar a vida? Ainda que a resposta seja “não”, permanece a pergunta sobre a necessidade de pensar sobre esses fatos. A resposta, nesse caso, talvez seja “sim”.

Não existem verdades absolutas, são necessárias relativizações. Do poder imperial dos médicos, juízes do destino de seus pacientes, imbuídos do princípio da benemerência, passou-se ao relacionamento horizontal, em que as pessoas podem decidir sobre seus destinos, na proposta do diálogo, da informação. A democracia do relacionamento consiste na assunção da cidadania plena, mesmo na hora da dor e da doença. Essa é a reflexão a que nos transporta a Bioética. Na consulta prévia – princípio da autonomia – é que reside a grande mudança conceitual. Ainda que a ética médica se torne mais permissiva, muitas vezes há a necessidade de se recorrer à Justiça na busca de respostas a indagações similares.

É bom sempre recordar o conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS): “Saúde é o completo estado de bem-estar físico, psíquico e social”. E esse bem-estar, se conseguido no coletivo, seria a volta do paraíso na terra, utopia desejada, mas raras vezes alcançada. Em nível individual, quando acontece, costuma levar o nome simples e globalizante de felicidade.
Texto confeccionado por
(1)Maria Berenice Dias

Atuações e qualificações
(1)Ex- desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Advogada especializada em Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo; Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM; Pós Graduada e Mestre em Processo Civil.
Bibliografia:

DIAS, Maria Berenice. Vida ou Morte: Aborto e Eutanásia. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 19 de dez. de 2003.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1636/VIDA_OU_MORTE_ABORTO_E_EUTANASIA >. Acesso em: 12 de ago. de 2012.

O regime da comunhão parcial de bens na dissolução por morte.

O regime da comunhão parcial de bens na dissolução por morte.

Afinal, como fica quando o cônjuge concorre com descendentes?

Embora a comunhão parcial seja o regime de bens mais comum, o novo Código Civil trouxe o desafio de interpretar o artigo 1.829, I, que trata da concorrência entre cônjuge supérstite e descendentes na sucessão hereditária.

Resumo

A maioria dos casamentos celebrados no Brasil tem como regime de bens a Comunhão Parcial. Embora seja o regime de bens mais comum, a Lei 10.406/2002 trouxe um impasse para a doutrina e a jurisprudência resolverem: interpretar o artigo 1.829, I, dispositivo este que trata da concorrência entre Cônjuge supérstite e descendentes na sucessão hereditária. Com o presente artigo pretende-se mostrar, de forma didática, quais as opiniões doutrinárias reinantes e como fica, na prática, as interpretações sobre tais entendimentos, direcionando-se o estudo, especialmente, para o Regime da Comunhão Parcial de Bens.

Palavras-chave

Sucessão – Dissolução de Sociedade Conjugal por morte– Comunhão Parcial de Bens.

Introdução [1]

Este artigo tem como objeto o Regime da Comunhão Parcial de Bens e como objetivo realizar a observação e análise do artigo 1.829, I, da Lei n º 10.406/2002 (Novo Código Civil), no que diz respeito a este regime de bens na hipótese de morte de um dos cônjuges e a concorrência com os descendentes.
Pretende-se, ainda, realizar um breve apanhado sobre as características gerais do referido regime e, após, realizar, através de exemplos práticos, a demonstração de como ficariam os bens diante dos diversos entendimentos doutrinários que têm sido difundidos, estabelecendo-se, ao final, a opinião do autor. Não se buscará esgotar o assunto, mas submeter o entendimento do autor à comunidade acadêmica, a fim de que os efeitos práticos possam ser melhor discutidos, tendo em vista o objetivo do legislador e da Sociedade. Para tanto, utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo e a técnica da pesquisa bibliográfica e de artigos difundidos na internet para fundamentação.

1. Características do Regime da Comunhão Parcial de Bens

Anote-se, de antemão, que a maioria dos casamentos realizados no Brasil, atualmente, são regidos pelo regime da Comunhão Parcial de Bens que, desde a Lei 6.515/77, passou a ser considerado o regime legal de bens, ao lado do regime da Separação Obrigatória.
Consiste o Regime da Comunhão Parcial de Bens (ou "comunhão limitada de bens") no regime segundo o qual há comunicação dos bens adquiridos a título oneroso na vigência do casamento[2].
Imagina-se, geralmente, que no Regime da Comunhão Parcial de Bens haja a participação dos cônjuges somente nos bens adquiridos posteriormente ao casamento, na vigência deste, também conhecido como "aquesto". No entanto, há bens que, ainda que venham a ingressar no patrimônio de um dos cônjuges antes, ou após o casamento, não se comunicam entre ambos, tratando-se tais bens dos chamados "bens particulares" ou "bens pessoais", passando-se a tratar sobre as inclusões e exclusões desse regime.

1.1.Bens excluídos da Comunhão Parcial de Bens

O objetivo deste sub-item não é tecer comentários específicos sobre cada um dos bens excluídos, mas o de relembrar os bens que a lei considera incomunicáveis no regime da Comunhão Parcial de Bens. Segundo o artigo 1.659, do Código Civil são excluídos da comunhão, no Regime da Comunhão Parcial de Bens, os seguintes:
"I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação aos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.".
Consideram-se incomunicáveis, ainda, os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento, conforme o artigo 1.661, CC/2002.
Tais bens, portanto, constituem a classe dos bens chamados "particulares", os quais são incomunicáveis ao outro cônjuge, como se observará adiante, somente na hipótese de dissolução em vida, ou seja, por Separação Judicial ou Divórcio, mas que se comunicará, no caso de Morte, ao cônjuge supérstite.

1.2. Bens incluídos na Comunicação Parcial de Bens

Da mesma forma que o sub-item anterior, serve este para visualizar o que o CC/2002, no artigo 1.660, não considera como "bens particulares", havendo comunicação entre os cônjuges:
"I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.".
Consideram-se comunicáveis, ainda, em decorrência de presunção legal, os bens móveis adquiridos na constância do casamento, não se provando que foram adquiridos em data anterior (art. 1.662, CC/2002).

2. A visão do cônjuge pelo legislador no novo Código Civil

Várias modificações foram realizadas nas relações familiares e sucessórias com o novo Código Civil. Importa, antes de tudo, observar a situação do cônjuge no Código Civil de 1916 [3] e a atual situação do cônjuge diante da Lei n º 10.406/2002 [4].

2.1. O Cônjuge como Herdeiro Necessário

Uma das importantes modificações do CC/2002 diz respeito à inclusão do cônjuge na qualidade de herdeiro necessário (art. 1.845). A importância de ser considerado herdeiro necessário consiste no fato de que "Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima." (art. 1.846), não podendo o cônjuge, portanto, dispor em vida ou em morte (por testamento) de mais da metade do seu patrimônio, enquanto houver tais herdeiros. E mais: o cônjuge é herdeiro necessário em qualquer regime de bens, inclusive no regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641).
No Código Civil de 1916 o cônjuge não era considerado herdeiro necessário, mas somente os descendentes e ascendentes, o que tornava algumas situações totalmente injustas, ilustrando-se com o seguinte exemplo: João e Maria eram casados, desde 1960, pelo regime de comunhão Parcial de bens, sem filhos e os pais e avós de ambos, todos falecidos. O casal habitava no único imóvel que era de propriedade de João, que este adquiriu por sucessão de sua mãe, no valor de R$100.000,00. Este bem, por si só, já era incomunicável a Maria na hipótese de morte de João, por se tratar de herança. O casal vive em desarmonia e, num certo dia do ano 2000, João resolve deixar todo o imóvel herdado a Clara, vizinha do casal, por testamento, falecendo o testador uma semana após o testamento. Nesta hipótese, por não ter ascendentes e ascendentes (ainda que houvesse a cônjuge, Maria), tal testamento poderia instituir a totalidade do bem para Clara, restando Maria totalmente alijada do imóvel.
Diante do CC/2002, se tal situação ocorresse, ainda que João tivesse realizado o testamento a Clara, este testamento teria validade, mas, em razão da inclusão da cônjuge (Maria) na qualidade de herdeira necessária, seria reduzida esta disposição testamentária à metade disponível de João (artigo 1.967, do CC/2002), ou seja, Clara teria direito somente a R$50.000,00 da casa, enquanto Maria teria, por direito próprio da condição de herdeira necessária, dos outros R$50.000,00.

2.2. O Regime de bens

A primeira consideração a ser realizada consiste na diferença entre a situação do cônjuge em razão da dissolução por morte e da separação judicial ou divórcio, diante do CC/1916. Não importando o regime de bens em que os cônjuges eram casados, a situação da divisão de bens era a mesma tanto para a dissolução em vida (separação judicial ou divórcio), quanto para a dissolução em caso de morte. Explica-se diante do seguinte exemplo:
- João e Maria eram casados pelo regime da comunhão parcial de bens em 1980. João, após o casamento (1999), herdou de seu pai R$600.000,00 (bem particular). Após o casamento o único bem adquirido pelo casal foi um apartamento, no valor de R$100.000,00. Ambos tem dois filhos: Ana e Pedro. No quadro abaixo representa-se as hipóteses de morte e de separação judicial, caso alguma destas situações ocorressem em 2000 (ou seja, em que o Código Civil em vigor era o de 1916:
a)Na hipótese de SEPARAÇÃO JUDICIAL, no CC/1916: como no regime da comunhão parcial não se comunicavam bens decorrentes de herança pelo CC/1916, João restaria com os R$600.000,00, enquanto Maria teria direito somente à participação de metade do apartamento (R$50.000,00). Assim, João teria um patrimônio, com a separação, de R$650.000,00, enquanto que Maria teria somente R$50.000,00. Desta forma, assim restaria o patrimônio de ambos:
JOÃO: R$650.000,00;
MARIA: R$50.000,00.
b)Na hipótese de MORTE, no CC/1916: pelo regime de bens adotado, excluindo-se os bens da herança da divisão, por se tratar de bem particular, os R$600.000,00 da herança de João seriam divididos pelos dois filhos. Ana restaria com R$300.000,00 e Pedro também com R$300.000,00 deste bem, enquanto a mãe de ambos, Maria, não teria qualquer participação neste bem de herança. Quanto ao apartamento de R$100.000,00, considerando que este bem se trata de um aquesto, haveria participação de Maria (cônjuge) na metade do mesmo - que seria direito seu – em R$50.000,00, enquanto que os outros R$50.000,00 seriam divididos pelos dois filhos: Ana, com R$25.000,00, e Pedro, com R$25.000,00. Desta forma, assim restariam os patrimônios de Maria, Ana e Pedro:
MARIA (Cônjuge) = R$50.000,00;
ANA (filha) = R$325.000,00;
PEDRO (filho) = R$325.000,00.
Conforme as demonstrações acima, em ambas as hipóteses a cônjuge (Maria) não teria qualquer participação nos bens particulares de João, ficando, em ambas as hipóteses, com um patrimônio de R$50.000,00.
No exemplo foi observado que o casal convivia há 20 anos. No caso de dissolução em vida (separação judicial ou divórcio), as regras do CC/1916 e do CC/2002 continuam sendo iguais, no sentido de o cônjuge não poder participar da divisão dos bens particulares do outro.
Porém, na hipótese de dissolução do casamento por morte, diante do CC/1916, a cônjuge, com quem o falecido passou grande parte de sua vida, tinha uma ínfima participação patrimonial, sequer podendo ingressar no patrimônio particular do cônjuge falecido, o qual iria completamente para os filhos, desprotegendo a cônjuge supérstite. É aí que reside a grande diferença dos Regimes de bens diante do Novo Código Civil!
Ensina Venosa [5] que a colocação do cônjuge como herdeiro necessário sempre foi defendida pela doutrina, "Isso porque, no caso de separação de bens, o viúvo ou a viúva poderiam não ter patrimônio próprio para lhes garantir a sobrevivência.", ensinando, adiante, que:
"A exemplo de direitos estrangeiros, a lei criou uma herança concorrente, em usufruto, do cônjuge, com os descendentes ou ascendentes. A intenção da lei foi proteger a mulher (mas a situação se aplica a ambos os cônjuges) que, sem patrimônio suficiente, poderia, talvez até em idade avançada, não ter meios de subsistência. A situação se aplica nos casamentos que não sob o regime de comunhão universal. Pela dicção da lei, não há dúvida de que isso se aplica também ao regime da comunhão parcial, (...)".
Assim, a participação do viúvo ou viúva nos bens particulares do falecido, com reserva de bens suficientes à sobrevivência do cônjuge supérstite, no Regime da Comunhão Parcial de Bens, é exigência que se impõe diante do novo Código Civil na hipótese de dissolução por morte. Mas só por morte! Nas hipóteses de dissolução em virtude de separação judicial ou divórcio esta participação não ocorrerá.
Desta forma, observa-se que, diante do CC/2002, as diversas espécies de regimes de bens, na dissolução do casamento por separação judicial ou divórcio, continuam praticamente na mesma situação que aquela da vigência do CC/1916, alterando-se, substancialmente, quando a dissolução se dá em virtude de morte de um dos cônjuges. É no sentido da dissolução por morte que o próximo item abordará.

3. A dissolução do Casamento por morte e o regime da Comunhão Parcial de Bens

A ordem de vocação hereditária foi estabelecida pelo CC/2002 no art. 1.829. Importa salientar que, embora o regime da Comunhão Parcial de Bens seja o regime de bens mais comum realizado no Brasil, é justamente este que será objeto de uma das mais acirradas controvérsias no Código Civil de 2002, especialmente no caso de morte.
Ordena o artigo 1.829, I, do CC/2002:
"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separaçvão obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não ouver deixado bens particulares;"
Ensina Maria Berenice Dias [6], ao interpretar o referido artigo e inciso, que o direito de concorrência, no regime da comunhão parcial de bens, somente existe quando o autor da herança não houver deixado bens particulares, pois, segundo a autora, há duas exceções:
"Fazendo uso da expressão ‘salvo se’ exclui a concorrência quando o regime do casamento é o da comunhão universal e quando o regime é o da separação obrigatória. Ao depois, é usado o sinal de pontuação ponto-e-vírgula, que tem por finalidade estabelecer um seccionamento entre duas idéias. Assim, imperioso reconhecer que a parte final da norma regula o direito concorrente quando o regime é o da comunhão parcial. Aqui abre a lei duas hipóteses, a depender da existência ou não de bens particulares. De forma clara diz o texto: no regime da comunhão parcial há a concorrência ‘se’ o autor da herança não houver deixado bens particulares. A contrario sensu, se deixou bens exclusivos, o cônjuge não concorrerá com os descendentes.".
Castilho Chiarini Junior [7], citando lição de Gustavo Rene Nicolau, discorre que este último autor entende que, na hipótese do casamento ter sido realizado no Regime da Comunhão Parcial de Bens e havendo descendentes, basta haver um só bem particular para que o cônjuge supérstite concorra na totalidade dos bens do falecido, inclusive nos aquestos, vez que se trata da "herança" do falecido. E, por "herança", entende-se a "totalidade" dos bens da pessoa falecida. Para Castilho Chiarini Júnior, no entanto, "em virtude da mens legis, o cônjuge somente teria direito à concorrência quanto aos bens particulares do de cujus, ficando excluída da concorrência a parcela de bens de propriedade comum do casal.".
Nossa posição vem ao encontro daquela esboçada por Chiarini Junior. Ao se ler o inciso I do artigo 1.829, entende-se deva o mesmo ser lido da seguinte forma, com relação ao Regime da Comunhão Parcial: "Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se (...) no regime da comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares;". Se no regime da Comunhão Parcial de Bens o falecido deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes; se não os deixou, não haverá concorrência. Desta forma, só participará o cônjuge sobrevivente nos bens particulares do de cujus, mas não da "meação" decorrente dos aquestos. Desta interpretação, podem surgir três situações distintas:
a)se o falecido deixar somente bens particulares e nenhum aquesto;
b)se o falecido não deixar qualquer bem particular e somente algum aquesto;
c)se o falecido deixar bens particulares e também aquestos.
Passa-se à análise de cada uma das situações, com a apresentação de soluções com base na nossa interpretação.

3.1. Se o falecido deixar somente bens particulares e nenhum aquesto;

Apanhe-se o seguinte exemplo: João é casado com Maria, pelo Regime da Comunhão Parcial de Bens, desde 1995. Ambos têm dois filhos, André e Ana. Em 1994, João herdou, por falecimento de seu pai, um apartamento, avaliado em R$150.000,00 (este bem, em decorrência do artigo 1.659, I, é incomunicável com Maria, fazendo parte do patrimônio particular do de cujus). Após o casamento, ambos não constituíram qualquer patrimônio a mais. Em janeiro de 2004, João falece.
Aqui a solução permanece fácil. Em decorrência do artigo 1.832 [8], do NCC, como os filhos são do casal, Maria terá uma parte igual à dos seus filhos (R$150.000,00, divididos por 3 (três)). Ficando assim:
- MARIA = R$50.000,00;
- ANDRÉ = R$50.000,00.
- ANA = R$50.000,00
Caso houvesse mais dois filhos, como Maria não pode receber menos de ¼ (um quarto) da herança, o valor de R$150.000,00 seria dividido, primeiramente, por 4 (quatro). Caberia a Maria R$37.500,00 (pois não pode receber menos de ¼), enquanto que os R$112.500,00 seriam divididos entre os quatro filhos, restando R$28.125,00 para cada filho.
Se o exemplo utilizado se desse na vigência do CC/1916, a cônjuge Maria nada receberia, dividindo os filhos, em quotas iguais, o valor do apartamento.

3.2. Se o falecido não deixar qualquer bem particular e somente algum aquesto

João é casado com Maria, pelo Regime da Comunhão Parcial de Bens, desde 1995. Ambos têm dois filhos, André e Ana. José e Maria não eram proprietários de qualquer bem anteriormente ao casamento e, em 2000, João e Maria adquiriram, por contrato de compra e venda, pelas economias juntadas por ambos, um apartamento, avaliado em R$150.000,00. Em janeiro de 2004, João falece.
Nesta hipótese, o apartamento entra na comunhão (art. 1.660, I), tornando-se aquesto, dividindo-se em proporções iguais a João (50%) e Maria (50%), independentemente da contribuição oferecida por ambos, ainda que desproporcionais. Falecendo João, será inventariada a sua parte (R$75.000,00), enquanto que Maria terá, por direito próprio, seus R$75.000,00 inteiramente resguardados para si, não participando da sucessão dos outros R$75.000,00 de João. Neste caso, por não ter João deixado bens particulares, somente os descendentes (André e Ana) irão participar da sucessão dos R$75.000,00 deixados por João, cabendo a cada um dos filhos R$37.500,00 (R$37.500,00 x 2 = R$75.000,00).
Esta situação assemelha-se aos efeitos ocorridos sob a vigência do CC/1916, no exemplo utilizado.

3.3. Se o falecido deixar bens particulares e também aquestos

Aqui reside o ponto de grande controvérsia. Novamente, tenta-se explicar com o seguinte exemplo: João é casado com Maria, pelo Regime da Comunhão Parcial de Bens, desde 1995. Ambos têm dois filhos, André e Ana. Em 1994, João herdou, por falecimento de seu pai, um apartamento, avaliado em R$150.000,00 (este bem, em decorrência do artigo 1.659, I, é incomunicável com Maria, fazendo parte do patrimônio particular do de cujus). Também adquiriram João e Maria, em 2000, pelas economias juntadas por ambos, um apartamento por contrato de compra e venda, avaliado em R$150.000,00. Em janeiro de 2004, João falece.
Neste exemplo há bem particular (apartamento por herança), incomunicável, e bem decorrente de aquesto, comunicável. Porém, como restará a sucessão nesta hipótese? Observe-se aqui duas situações:
3.3.1. uma, onde, em decorrência de haver bem anterior ao casamento, toda a herança será dividida com a cônjuge sobrevivente em quinhão igual ao dos descendentes com que concorrer. No exemplo citado, participação unificada no apartamento da herança recebida por João e metade do apartamento da compra e venda, decorrente da aquisição de João e Maria.
Nesta interpretação, seriam inventariados R$150.000,00 (apartamento adquirido por herança por João, que é bem particular), mais R$75.000,00 (metade do apartamento adquirido por João e Maria após o casamento, ou seja, o aquesto), totalizando R$225.000,00. Os R$75.000,00 de Maria, decorrentes de sua parte no aquesto, não se computam para efeitos de inventário.
Caso Maria tenha direito a um terço da herança (R$225.000,00), concorrendo com os dois filhos (André e Ana), assim ficaria a partilha:
- MARIA: R$75.000,00 (1/3 da sucessão dos bens de João) + 75.000,00 (direito próprio, do apartamento adquirido após o casamento) = R$150.000,00;
- ANDRÉ: R$75.000,00 (1/3 da sucessão dos bens de João);
- ANA: R$75.000,00 (1/3 da sucessão dos bens de João).
Neste caso, Maria ficaria com R$75.000,00 a mais que os demais herdeiros.
3.3.2. outra, onde, em decorrência de haver bem anterior e bem posterior ao casamento, haverá dois momentos distintos para a participação da cônjuge, realizando-se participações diferentes da cônjuge em tais patrimônios.
Aqui, haveria dois momentos diversos: no bem particular, a cônjuge participa neste bem em concorrência com os descendentes em quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça; no bem decorrente de aquesto, não haveria participação da cônjuge na metade do bem deixado pelo de cujus.
No exemplo citado, far-se-iam dois cálculos: no apartamento herdado por João (bem particular avaliado em R$150.000,00), Maria teria participação de 1/3 (R$50.000,00), e os demais filhos também em 1/3 (André, R$50.000,00, e Ana, R$50.000,00); enquanto no apartamento adquirido após o casamento, não haveria participação de Maria nos R$75.000,00 deixados por João, os quais seriam divididos somente pelos dois filhos, restando cada um com R$37.500,00. Desta forma, assim permaneceriam as partes:
- MARIA: R$50.000,00 (apartamento da herança de João, bem particular) + R$75.000,00 (direito próprio do aquesto) = R$125.000,00
- ANDRÉ: R$50.000,00 (apartamento da herança de João, bem particular) + R$37.500,00 (bem do aquesto deixado por João) = R$87.500,00;
- ANA: R$50.000,00 (apartamento da herança de João, bem particular) + R$37.500,00 (bem do aquesto deixado por João) = R$87.500,00.
Comparando-se as situações descritas nos itens 3.3.1 e 3.3.2 com o CC/1916, tem-se o seguinte, atentando-se para a participação da viúva na divisão de bens:
3.3.1. Participação unificada nos bens particulares + parte dos aquestos3.3.2. Participação isolada: uma divisão nos bens particulares; outra divisão na parte dos aquestosNo Código Civil de 1916: a viúva só participava do aquesto, não de bens particulares.
a) MARIA: R$75.000,00 (1/3 da sucessão dos bens de João) + 75.000,00 (direito próprio, do apartamento adquirido após o casamento) = R$150.000,00;
b) ANDRÉ: R$75.000,00 (1/3 da sucessão dos bens de João);
c) ANA: R$75.000,00 (1/3 da sucessão dos bens de João).
a) MARIA: R$50.000,00 (apartamento da herança de João, bem particular) + R$75.000,00 (direito próprio do aquesto) = R$125.000,00
b) ANDRÉ: R$50.000,00 (apartamento da herança de João, bem particular) + R$37.500,00 (bem do aquesto deixado por João) = R$87.500,00;
c) ANA: R$50.000,00 (apartamento da herança de João, bem particular) + R$37.500,00 (bem do aquesto deixado por João) = R$87.500,00.
a)MARIA: R$75.000,00 (metade do aquesto);
b)ANDRÉ: R$75.000,00 (metade do apartamento da herança de João) + R$37.500,00 (metade da metade do apartamento adquirido na constância do casamento), totalizando R$112.500,00;
b)ANA: R$75.000,00 (metade do apartamento da herança de João) + R$37.500,00 (metade da metade do apartamento adquirido na constância do casamento), totalizando R$112.500,00
Conforme se asseverou acima, na lição de Venosa, a intenção do legislador foi estabelecer a concorrência do cônjuge com os descendentes a fim de reservar um patrimônio suficiente para subsistência do cônjuge sobrevivente.
Observe-se, porém, que, ainda que os cônjuges sejam casados sob o regime da comunhão universal de bens, há bens que são incomunicáveis entre os cônjuges (artigo 1.668) e que, caso haja somente tais bens durante a constância da comunhão, havendo a morte de um dos cônjuges, o outro não terá participação qualquer. Seria, como assevera Chiarini Junior, uma contradição do legislador querer estabelecer a comunhão do cônjuge nos bens particulares e na parte dos aquestos dos bens deixados pelo falecimento do outro cônjuge, como exemplificado no item "3.3.1", acima, restando mais equânime e justa a solução citada no item "3.3.2".
Desta feita, observa-se que a forma mais justa da participação do cônjuge, no Regime da Comunhão Parcial de Bens, em havendo bens particulares e bens comuns a serem partilhados, no caso de morte de um dos cônjuges, é o estabelecimento da participação do cônjuge supérstite em dois momentos distintos: no bem particular, o Cônjuge supérstite participa em concorrência com os descendentes em quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça; no bem decorrente de aquesto, não haveria participação da cônjuge na metade do bem deixado pelo de cujus.

Considerações Finais

Buscou-se com esta pesquisa uma explanação didática e prática acerca da interpretação do artigo 1.829, I, do CC/2002, no que se refere à concorrência entre cônjuge e descendentes na sucessão hereditária, em casamento realizado no Regime da Comunhão Parcial de Bens.
Concluiu-se o seguinte:
a)que o cônjuge supérstite, diante do Novo Código Civil, teve uma maior proteção patrimonial no que diz respeito à sua participação nos bens particulares do de cujus, quando casados em determinados regimes de bens, justificando-se tal fato no sentido de que o viúvo ou viúva tenham bens suficientes para garantir a própria sobrevivência e, no mesmo sentido, entendendo-se o cônjuge como herdeiro necessário;
b)que, no que diz respeito ao Regime da Comunhão Parcial de Bens, a proteção patrimonial do cônjuge supérstite foi ampliada, fazendo com que o(a) viúvo(a) efetivamente participe dos bens particulares do cônjuge falecido, juntamente com os descendentes, quando concorrer com eles;
c)que a forma mais justa da participação do cônjuge, no Regime da Comunhão Parcial de Bens, em havendo bens particulares e bens comuns a serem partilhados, no caso de morte de um dos cônjuges, é o estabelecimento da participação do cônjuge supérstite em dois momentos distintos: no bem particular, o Cônjuge supérstite participa em concorrência com os descendentes em quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça; no bem decorrente de aquesto, não haveria participação da cônjuge na metade do bem deixado pelo de cujus, mas simplesmente a participação que cabe ao cônjuge sobrevivente na sua parte do bem adquirido na qualidade de aquesto.


Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/5511/o-regime-da-comunhao-parcial-de-bens-na-dissolucao-por-morte#ixzz23NDFgxe4

sábado, 11 de agosto de 2012

O Primeiro Beijo

Clarice Lispector



Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.

- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes, mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que, mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede, mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.


A Arte de Ser e Fazer Arte!


Guilherme Arantes - Meu Mundo e Nada Mais

Very beautiful!!!


Salve 11 de agosto - Dia Advogado!

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tribalistas - velha infancia

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Guarda Compartilhada é o Melhor para a Criança

Guarda Compartilhada é o Melhor para a Criança


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Desde 2008, vivemos sob a égide da Lei no 11.698, que trata da Guarda Compartilhada. A Guarda Compartilhada é uma modalidade de guarda de filhos menores de 18 (dezoito) anos completos não emancipados, ou maiores incapacidados enquanto durar a incapacidade, que vem crescendo nos últimos tempos, como a maneira mais evoluída e equilibrada de manter os vínculos parentais com os filhos após o rompimento conjugal (separação, divórcio, dissolução de união estável). A Guarda Compartilhada está prevista na Lei no 11.698, de 13 de junho de 2008.
Em outras palavras, é o meio pelo qual os pais separados, divorciados ou com dissolução de união estável realizada, permanecem com as obrigações e deveres na educação dos filhos e nos cuidados necessários ao desenvolvimento deles em todas as áreas, tais como, emocional, psicológica, dentre outras, não podendo nenhum dos pais se eximir de suas responsabilidades e, muito menos, não permitir que um dos pais não possa exercer esse dever para com a vida do filho e, por fim, permitir que permaneça a convivência dos pais com o filho, mesmo após a dissolução do casamento ou da união estável. É um regime que rege a relação dos pais separados com os filhos pós-processo de separação, onde os dois vão gerir a vida do filho.
Requer uma co-responsabilização de ambos os genitores acerca de todas as decisões e eventos referentes aos filhos: os pais conhecem, discutem, decidem e participam em igualdade de condições exatamente da mesma maneira como faziam quando estavam unidos conjugalmente, de forma de nenhum deles ficará relegado a um papel secundário, como mero provedor de pensão ou limitado a visitas de fim de semana. Não há, por exemplo, omissão de informações escolares ou médicas, nem acerca de festinhas ou viagens. Uma vez que ambos os pais já faziam isso enquanto estavam juntos, a Guarda Compartilhada respeita esse princípio, e por isso não há motivos para que a situação seja diferente agora que estão separados.
É claro que, por ser a modalidade mais evoluída de guarda, exige um elevado grau de responsabilidade de ambos os pais para deixarem seus ressentimentos pessoais de lado, e buscarem o genuíno interesse dos filhos – não há espaço para egoísmo ou narcisismos, nem para animosidades frequentes mas de pequena monta, que só prejudicam o entendimento e fomentam a discórdia. Mesmo que haja divergências entre os pais – o que é extremamente comum -, isso deve ficar em segundo plano quando o assunto se refere aos interesses do(s) filho(s) menor(es) ou equiparado(s).
Contudo, segundo SOUZA (2009), dada a complexidade do ser humano, seria por demais simplista pretender estabelecer uma fórmula matemática na qual pais casados = filhos centrados, e pais separados = filhos desajustados; ou, guarda unilateral = filhos problemáticos, e guarda compartilhada = filhos equilibrados. Na verdade, o ponto crucial da estabilidade emocional das crianças está no nível de entendimento de seus pais, estejam eles separados ou não. Ninguém duvida de que mesmo os pais que vivem juntos, mas em constante conflito, estão fazendo muito mal à saúde psicológica de seus filhos. Por isso, devem ser observadas outras variáveis que podem influir nessas situações. De qualquer forma, não é simples, portanto, afirmar em que medida a separação pode afetar a saúde psicológica dos filhos, mas é incontroverso o mal que os conflitos lhes causam. As doutrinas de Saúde Mental e de Direito de Família são unânimes em apontar os malefícios causados pelos desentendimentos parentais na psique de seus filhos: os conflitos, o estado de tensão que o conflito gera, a discórdia familiar, a instabilidade que se lhe atrela, a insegurança que causa, e as incertezas que planta na mente do filho, que vê desabar diante de seus olhos os referenciais em que até então se ancorava.
Porém, torna-se um equívoco pensar-se que a Guarda Compartilhada só pode ser concedida quando os pais “se entendem”. Quando não há entendimento entre os pais, nenhum sistema de guarda "funciona bem”. Note-se que, mesmo sob a guarda única da mãe, a criança continuará a ter pai e a ser cuidada por ele eventualmente, nos dias e horários de “visita”.
Se há um vínculo afetivo normal entre pai e filho, a criança passará a ter menos convívio com seu pai do que gostaria e do que seria adequado para sua boa formação psicológica e, mesmo assim, perceberá o conflito entre uma mãe que “manda” e um pai transformado em “visitante” – enfraquecido e esvaziado em seu papel de pai. A criança perceberá que há desequilíbrio e injustiça na relação entre os pais, causando o distanciamento de um deles, com sofrimento para a criança e para o genitor a quem a Justiça impõe uma redução do convívio com os filhos.
Nesses casos, frequentemente ocorre do não-guardião e sua prole se desvincularem afetivamente, ante o distanciamento imposto e a artificialidade da relação entre “visitante” e filhos, com graves prejuízos para a formação da personalidade das crianças. Por outro lado, se o não-guardião não desistir dos filhos, o conflito se perpetuará e será percebido pelas crianças. Inclusive porque o desequilíbrio de poder estabelecido pela guarda única permite ao guardião desvalorizar o outro genitor, em muitos casos impingindo a alienação parental aos filhos, “ensinando-os” que o não- guardião é menos importante ou não os ama.
Para proteger total e artificialmente a criança do conflito entre seus pais, somente afastando-a totalmente do não-guardião, como se ele tivesse “morrido”. A partir daí, qualquer pessoa que tenha interesse na destruição dos vínculos afetivos da criança com aquele pai/mãe pode acabar manipulando-a emocionalmente, sem escrúpulos ou limites, inclusive com o perigo de induzi-la a formular falsas acusações de agressão física ou sexual contra aquele(a) genitor(a): instaura-se aí a nociva Alienação Parental.
A Alienação Parental, tipificada pela Lei no 12.318/2010, consiste em atos de qualquer pessoa que tenha a criança sob sua guarda ou vigilância, objetivando o afastamento do pai/mãe-alvo, através de manipulação emocional, mensagens difamatórias, omitindo informações médicas e/ou escolares relevantes, ou até formulando falsas acusações contra o outro.
E é aí onde reside o principal problema dos litígios judiciais: alienadores “sabem” (ou pensam que sabem) que os juízes não concedem a Guarda Compartilhada no litígio, então acirram o litígio, fomentam as divergências, e manipulam emocionalmente a criança, mas com isso estão prejudicando seu desenvolvimento afetivo, social, sexual e até cognitivo (há diversos problemas escolares decorrentes dos conflitos emocionais das crianças durante a separação tumultuada dos pais: desde queda de rendimento escolar, indisciplina, drogas e vandalismo na escola, até aquele aluno “perfeito” demais, que estuda tanto para não terem que lidar com os problemas domésticos).
Porém, esta crença se tornou desatualizada, além de perigosamente equivocada: recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão no Recurso Especial no 1.251.000 - MG (2011/0084897-5), que estabeleceu um novo paradigma, no qual reafirmou que a regra geral deve ser a guarda compartilhada, inclusive com o compartilhamento da custódia física do filho. A Ministra Nancy Andrighi afirma no sentido de que "reputa-se como princípios inafastáveis a adoção da guarda compartilhada como regra, e a custódia física conjunta como sua efetiva expressão".
A guarda compartilhada induz à pacificação do conflito porque, com o tempo, os ânimos “esfriam” e os genitores percebem que não adianta confrontar alguém de poder igual. O equilíbrio de poder torna mais conveniente o entendimento entre as partes para ambos.
A Guarda Compartilhada não significa exatamente “visitação livre”. É claro que, na Guarda Compartilhada, não se fala mais em “visita com hora marcada”, em finais de semana alternados, pior ainda estipulados por um terceiro – o Juiz. Mas é claro que os pais precisam conversar e debater muito acerca dos horários de convívio (detesto a palavra “visita”!!!), conforme a idade da criança, suas necessidades, sua rotina e suas atividades.
convivência, na Guarda Compartilhada, baseia-se na necessidade de preservação dos vínculos da criança com ambos os pais, e estes devem acompanhar ativamente os acontecimentos do filho. A partir daí estabelece-se a intimidade entre o pai e o filho para que se crie um ambiente psicologicamente saudável. A criança, por sua vez, a partir desta convivência, formará sua própria opinião a respeito do pai, de forma autêntica, e não influenciado pelos comentários e sentimentos da mãe.
Na Guarda Compartilhada, não há espaço para sabotagens aos contatos, como acontece com a guarda monoparental, chantageando-se em troca de pagamento da pensão alimentícia que eventualmente esteja atrasada, ou pior ainda, exigir a interrupção alegando-se acusações de abuso sexual, geralmente de forma leviana e improcedente!
Para DOLTO (1989), quando os pais assumem o divórcio de maneira responsável, isso se torna um fator de amadurecimento para todos: os pais conseguem lidar melhor com seus sentimentos pessoais (ao invés de projetá-los no ex-cônjuge), e os filhos conseguem, apesar das provações, conservar sua afeição pelo pai e pela mãe – um avanço na direção do amadurecimento social e da autonomia (p.100), pois aprendem a ser mais flexíveis (por serem obrigados a encarar duas realidades diferentes, a do pai e da mãe), e realistas sem projetar ressentimentos nem idealizar os pais, e por isso mais preparados para lidar com as mudanças sem se desestruturarem.
Por isso, é fundamental que a criança possa permanecer o maior tempo possível com as presenças efetivas de ambos os pais, situação esta desrespeitada no sistema de visitas tradicional, mas respeitada na Guarda Compartilhada.


Fonte: Guarda Compartilhada é o Melhor para a Criança - Psicologia Jurídica - Atuação - Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/atuacao/psicologia-juridica/guarda-compartilhada-e-o-melhor-para-a-crianca?utm_source=e-goi&utm_medium=email&utm_term=Guarda%20Compartilhada%20%E9%20o%20Melhor%20para%20a%20Crian%E7a&utm_campaign=Psicologado#ixzz235l8xAHL

Demis Roussos - Rain And Tears (Live In Bratislava)

domingo, 5 de agosto de 2012

Diga NÃO à Cultura da Morte!

Espiritismo - Mensagens e Preces

Mensagens e Preces
Mensagens de Luiz Bertini e Luciana Petraites

Federações Espíritas