sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Advogado Criminalista – A estranha ligação de amor e ódio

Advogado Criminalista – A estranha ligação de amor e ódio


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É sabido a estranha relação de amor e ódio que a sociedade vive em relação ao advogado criminalista. A área criminal exerce um fascínio nas pessoas, nem que seja só por curiosidade. Desde a Universidade, o Direito Penal é a matéria que prende a atenção em sala de aula. Violência e impunidade fazem parte do nosso cotidiano.
Os telejornais estão recheados de pseudos juristas e a sociedade se manifesta a respeito disso. Um fato que tem me chamado a atenção nos últimos dias é a revolta de alguns pelo suposto “serial killer” (preso em Goiânia), ter um advogado para defendê-lo. Parei para ler os comentários nas reportagens divulgadas na rede social e me deparei com frases tipo: “deveriam prender ele e o advogado”; “como alguém defende ele”; “advogado é advogado do diabo” e outras pérolas...
É preciso entender que dentro da ciência forense não existe apenas o criminoso habitual, existe o criminoso que sofre de alguma psicopatia, que muitas vezes aparentemente vive uma vida normal, porém esconde uma anomalia psíquica que pode transformá-lo em “monstro”.
Desde Al Pacino, a figura do advogado, principalmente o criminalista está ligada ao célebre filme “ADVOGADO DO DIABO”. Sim. Lidamos com o inferno todos os dias. E visitamos sua sala de visitas, denominado parlatório (local onde os advogados podem falar com seus clientes no presídio). O problema é que até a comparação é errônea. Lucífer, ou diabo, era na verdade um anjo de luz que caiu por almejar o trono do Criador. No entanto, é o filho de Deus, JESUS, que é comparado ao advogado. As escrituras dizem que Ele, Jesus, é o nosso advogado diante do Pai. Irônico não?
Anjos ou demônios? Quem somos, afinal?
Somos operadores do direito. Defendemos o direito que cada indivíduo tem. Não defendemos o crime, não defendemos o ato, defendemos que cada um responda de acordo com sua culpabilidade, defendemos o não retrocesso, defendemos que todos sejam julgados e que tenham o direito a defesa, defendemos a abolição das fogueiras midiáticas e lutamos por um Estado Democrático de Direito.
A sociedade precisa entender que não existe julgamento sem advogado, desde o primeiro esboço da carta magna o mundo luta por isso. A verdade é que a TV não mostra toda verdade. Existe um sistema dentro do sistema. O sistema prisional é falido, “depósito de gente” não faz do mundo um lugar melhor para se viver. Já vi vidas serem ceifadas, já vi garotos entrarem no crime por revolta, por medo, por falta de opção e também por livre escolha.
O problema é que sempre buscamos “fórmulas mágicas”, buscamos uma receita infalível para tudo, mas isso não existe. Cada caso é um caso. Infelizmente não se importa se foi feito justiça e sim se alguém está preso. Criminalista não tem “sangue de barata”. Sim, corre sangue em nossas veias. Somos bem pagos sim, lidamos com “caixa de marimbondo” todos os dias, defendemos o direito de culpados e de inocentes, somos odiados e amados. Se para Sobral, advocacia não é profissão de covarde, advocacia criminal então nem se fala.
Assim como nos lembramos da fome apenas quando ela aperta, também só lembramos de quem está preso quando um dos nossos estão lá e ninguém vive em uma redoma de vidro, o amanhã é imprevisível. Julgamentos insanos, teorias ignorantes, recheiam a sociedade. Ninguém quer transformar demônio em anjo, ninguém está aplaudindo o criminoso, lutamos apenas para que esse criminoso tenha um julgamento justo. Não é a toa que nossa deusa da justiça é cega. Pois ela deve olhar para a lei. Ser imparcial.
Há bons e maus profissionais em toda profissão. O ego na nossa classe realmente as vezes ultrapassa os limites do tolerável. Mas o verdadeiro advogado criminalista vê em sua profissão um sacerdócio. Uma parte da história precisa ser contada, nem sempre quem está no banco dos réus é o único culpado, algumas vezes nem culpado é. Vimos várias vezes notícias de pessoas que ficaram presas por crimes que não cometeram. O problema é que o jornalista e o cinegrafista que filma a cara de quem está na delegacia, não volta no Fórum para filmar no dia que essa pessoa foi absolvida.
Já fui muito bem paga, mas também já advoguei de graça, quando vi diante de mim uma injustiça contra alguém que não tinha condições de pagar por uma boa defesa. Já tirei preso torturado de presídio, já fui admirada e odiada. Já enxuguei lágrima de mães e já tive que dar más notícias...
A sociedade precisa entender de uma vez por todas que o advogado criminalista não é inimigo da sociedade, ao contrário, apenas exercemos uma profissão árdua, e atuamos em uma área que são para poucos, que não se nasce sabendo, mas que além do conhecimento técnico é necessário o dom.
E para quem nasce para exercer essa profissão, saiba que todos odeiam o advogado criminalista, mas só até o dia em que precisarem de um.
Texto:
Amanda Alves OAB/GO 35227
Uberth Domingues Cordeiro OAB/GO 30202
Amanda Alves
Advogada, Especialista em Direito Criminal e Direito de Familia
Especialista em Ciências Criminais e Direito de Família pela FGV Membro da Comissão de Segurança Pública e Criminal da OAB/GO Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/GO Atuou como Conciliadora na Corte de Conciliação do Fórum de Família de GO Articulista/Escritora Advogada atuante em causas s...

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Janelas quebradas: uma teoria do crime que merece reflexão

Por: Luis Pellegrini
A teoria das janelas quebradas ou "broken windows theory" é um modelo norte-americano de política de segurança pública no enfrentamento e combate ao crime, tendo como visão fundamental a desordem como fator de elevação dos índices da criminalidade. Nesse sentido, apregoa tal teoria que, se não forem reprimidos, os pequenos delitos ou contravenções conduzem, inevitavelmente, a condutas criminosas mais graves, em vista do descaso estatal em punir os responsáveis pelos crimes menos graves. Torna-se necessária, então, a efetiva atuação estatal no combate à criminalidade, seja ela a microcriminalidade ou a macrocriminalidade.
Janelas quebradas uma teoria do crime que merece reflexo
Há alguns anos, a Universidade de Stanford (EUA), realizou uma interessante experiência de psicologia social. Deixou dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor, abandonados na rua. Um no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local.
Resultado: o carro abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. As rodas foram roubadas, depois o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, o carro abandonado em Palo Alto manteve-se intacto.
Janelas quebradas uma teoria do crime que merece reflexo
A experiência não terminou aí. Quando o carro abandonado no Bronx já estava desfeito e o de Palo Alto estava há uma semana impecável, os pesquisadores quebraram um vidro do automóvel de Palo Alto. Resultado: logo a seguir foi desencadeado o mesmo processo ocorrido no Bronx. Roubo, violência e vandalismo reduziram o veículo à mesma situação daquele deixado no bairro pobre. Por que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo delituoso? Evidentemente, não foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz ao "vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores torna-se incontrolável, desembocando numa violência irracional.
Baseada nessa experiência e em outras análogas, foi desenvolvida a "Teoria das Janelas Quebradas". Sua conclusão é que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração, e esse fato parece não importar a ninguém, isso fatalmente será fator de geração de delitos.
Janelas quebradas uma teoria do crime que merece reflexo
Origem da teoria
Essa teoria na verdade começou a ser desenvolvida em 1982, quando o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, americanos, publicaram um estudo na revista Atlantic Monthly, estabelecendo, pela primeira vez, uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Nesse estudo, utilizaram os autores da imagem das janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se na comunidade, causando a sua decadência e a consequente queda da qualidade de vida. O estudo realizado por esses criminologistas teve por base a experiência dos carros abandonados no Bronx e em Palo Alto.
Em suas conclusões, esses especialistas acreditam que, ampliando a análise situacional, se por exemplo uma janela de uma fábrica ou escritório fosse quebrada e não fosse, incontinenti, consertada, quem por ali passasse e se deparasse com a cena logo iria concluir que ninguém se importava com a situação e que naquela localidade não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem.
Janelas quebradas uma teoria do crime que merece reflexo
Logo em seguida, as pessoas de bem deixariam aquela comunidade, relegando o bairro à mercê de gatunos e desordeiros, pois apenas pessoas desocupadas ou imprudentes se sentiriam à vontade para residir em uma rua cuja decadência se torna evidente. Pequenas desordens, portanto, levariam a grandes desordens e, posteriormente, ao crime.
Da mesma forma, concluem os defensores da teoria, quando são cometidas "pequenas faltas" (estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade, passar com o sinal vermelho) e as mesmas não são sancionadas, logo começam as faltas maiores e os delitos cada vez mais graves. Se admitirmos atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando essas crianças se tornarem adultas.
A Teoria das Janelas Quebradas definiu um novo marco no estudo da criminalidade ao apontar que a relação de causalidade entre a criminalidade e outros fatores sociais, tais como a pobreza ou a "segregação racial" é menos importante do que a relação entre a desordem e a criminalidade. Não seriam somente fatores ambientais (mesológicos) ou pessoais (biológicos) que teriam influência na formação da personalidade criminosa, contrariando os estudos da criminologia clássica.
No metrô de Nova York
Há três décadas, a criminalidade em várias áreas e cidades dos EUA – com Nova York no topo da lista - atingia níveis alarmantes, preocupando a população e as autoridades americanas, principalmente os responsáveis pela segurança pública. Nesse diapasão, foi implementada uma Política Criminal de Tolerância Zero, que seguia os fundamentos da "Teoria das Janelas Quebradas".
As autoridades entendiam que, por exemplo, se os parques e outros espaços públicos deteriorados forem progressivamente abandonados pela administração pública e pela maioria dos moradores, esses mesmos espaços serão progressivamente ocupados por delinquentes.
A Teoria das Janelas Quebradas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova York, que se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade. Começou-se por combater as pequenas transgressões: lixo jogado no chão das estações, alcoolismo entre o público, evasões ao pagamento da passagem, pequenos roubos e desordens. Os resultados positivos foram rápidos e evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer do metrô um lugar seguro.
Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria das Janelas Quebradas e na experiência do metrô, deu impulso a uma política mais abrangente de "tolerância zero". A estratégia consistiu em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à lei e às normas de civilidade e convivência urbana. O resultado na prática foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de Nova York.
A expressão "tolerância zero" soa, a priori, como uma espécie de solução autoritária e repressiva. Se for aplicada de modo unilateral, pode facilmente ser usada como instrumento opressor pela autoridade fascista de plantão, tal como um ditador ou uma força policial dura. Mas seus defensores afirmam que o seu conceito principal é muito mais a prevenção e a promoção de condições sociais de segurança. Não se trata de linchar o delinquente, mas sim de impedir a eclosão de processos criminais incontroláveis. O método preconiza claramente que aos abusos de autoridade da polícia e dos governantes também deve-se aplicar a tolerância zero. Ela não pode, em absoluto, restringir-se à massa popular. Não se trata, é preciso frisar, de tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito. Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.
A tolerância zero e sua base filosófica, a Teoria das Janelas Quebradas, colocou Nova York na lista das metrópoles mundiais mais seguras. Talvez elas possam, também, não apenas explicar o que acontece aqui no Brasil em matéria de corrupção, impunidade, amoralidade, criminalidade, vandalismo, etc., mas tornarem-se instrumento para a criação de uma sociedade melhor e mais segura para todos.