terça-feira, 19 de setembro de 2017

 Escolástica


Com a Idade Média e as invasões bárbaras, a filosofia cristã centrou-se no ensino e na manutenção do legado clássico nas escolas monacais. A cultura, representada especialmente pelos livros, refugiou-se nos mosteiros e conventos, motivo pelo qual costuma-se dizer que a igreja, sobretudo pela ação de seus monges copistas, salvou a cultura e acabou por absorver os bárbaros da mesma maneira que Roma absorvera culturalmente a Grécia.
Entende-se em geral por escolástica o ensino teológico-filosófico da doutrina aristotélico-tomista ministrado nas escolas de conventos e catedrais e também nas universidades européias da Idade Média e do Renascimento. Como sistema filosófico e teológico, a escolástica tentou resolver, a partir do dogma religioso e mediante um método especulativo, problemas como a relação entre fé e razão, desejo e pensamento; a oposição entre realismo e nominalismo; e a probabilidade da existência de Deus.
A noção de filosofia cristã, embora constantemente empregada, a rigor representa uma contradição em termos, pois o cristianismo é religião e a filosofia é conhecimento racional. Historicamente, porém, a escolástica consiste nesse paradoxo de uma filosofia que é, ao mesmo tempo, racional e religiosa, motivo pelo qual seu problema mais grave é o das relações entre a razão e a fé. Que liberdade terá a razão, se o dogma limita a priori seus movimentos? Há, entretanto, um conteúdo filosófico na obra dos doutores da igreja e dos escolásticos levado em conta na história da filosofia. Esse conteúdo encontra sua última justificativa na doutrina da igreja. O pensamento devia demonstrar que a igreja, por seu método próprio, já havia estabelecido a Verdade.
Surgindo em um mundo cristão, seus pressupostos eram as crenças básicas em que o mundo então se fundamentava, radicalmente distintas das que configuravam o mundo antigo, greco-romano. Os problemas que se apresentavam à filosofia eram suscitados pela Revelação. A idéia de Deus, uno e trino ao mesmo tempo, da criação do mundo a partir do nada, da imortalidade pessoal, do homem à imagem e semelhança de Deus, a noção de história, implícita no relato bíblico, criação, pecado original, redenção e juízo final são idéias religiosas que provocavam especulação tipicamente metafísica ou filosófica.
Filosofia Cristã
A filosofia dita cristã compreende a escolástica mas não se confunde com ela e apresenta três fases: a patrística; a medieval, que é escolástica; e a escolástica pós-medieval. A patrística é a filosofia dos primeiros doutores da igreja, que, em luta com o paganismo e as heresias, se utilizaram da filosofia grega, especialmente do platonismo e do neoplatonismo, na formulação, elucidação e defesa do dogma. No mundo moderno romano, até a conversão de Constantino, no século IV, os cristãos representavam a oposição, com a negação do status quo, do politeísmo tradicional e da escravidão. Perseguidos e martirizados, eram compelidos, no trabalho de catequese, a fazer do pensamento uma arma de defesa e propagação da fé. Embora contenha elementos filosóficos, a patrística é essencialmente apologética, sendo a primeira reflexão sobre o dogma em um mundo ainda não cristão.
Na Idade Média, a situação histórica se alterou radicalmente, pois o mundo no qual pensavam os cristãos era um mundo cristão, quer dizer, determinado pelo cristianismo na totalidade de suas manifestações. Havia uma crença vigente, ponto de referência para o pensamento e critério da verdade. As divergências ocorriam num mesmo contexto espiritual e não punham em dúvida o fundamento desse mundo, o conteúdo da revelação, o dogma. As exigências que se apresentavam aos filósofos cristãos já não eram as mesmas, pois o pressuposto de que partiam não era o paganismo, mas o próprio cristianismo. Tratava-se então de pensar em um mundo convertido, configurado em função das crenças e dos valores cristãos. A filosofia pôde, assim, deixar de ser apologética, para tornar-se docente, magistral ou escolástica.
Ensino Cristão
Após o longo interregno que se seguiu à morte de santo Agostinho, no ano 430, o chamado renascimento carolíngio assinalou o advento de nova época na história do pensamento cristão. As capitulares do ano 787 recomendavam, em todo o império, a restauração das antigas escolas e a fundação de novas. As que então se inauguraram podiam ser monacais, junto aos mosteiros, interiores para religiosos, exteriores para leigos; as catedrais, junto à sede dos bispados, umas para clérigos e outras para seculares; e as palatinas, junto às cortes, religiosas, mas abertas a clérigos e leigos.
O programa de ensino compreendia as artes chamadas liberais, que se desdobravam em trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). A escola, assim como a corporação, era uma comunidade de trabalho, que funcionava em estreita colaboração com a igreja, o que lhe assegurava organização estável e continuidade de pensamento. A escolástica tornou-se, assim, um patrimônio comum, um saber tradicional, que se transmitia e enriquecia de geração em geração.
O ensino era, em geral, ministrado na forma de leitura, lectio, e comentário dos textos. Além das Sagradas Escrituras, entre os livros mais estudados estavam o Organon, de Aristóteles, traduzido em parte, o Timeu, de Platão, os comentários de Porfírio e Boécio às obras desses filósofos, as obras de Cícero e de Sêneca; e os textos dos Padres: Orígenes, Clemente de Alexandria, santo Ambrósio, Pedro Lombardo e, de modo especial, santo Agostinho, que, até o século XIII, dominou o pensamento medieval. À simples leitura comentada dos textos, acrescentou-se, com o tempo, a discussão, questio, e a elaboração de trabalhos e composições pessoais.
Tal modalidade de prática docente suscitou diversos gêneros literários, característicos da escolástica: os commentaria (comentários), exegese dos textos; as quaestiones (questões), que incluíam as quaestiones disputatae (questões discutidas) e as quaestiones quodlibetales (questões abertas), compilação de debates, registrando os argumentos apresentados e as soluções encontradas; os trabalhos individuais, dissertações e monografias, opuscula (opúsculos); e finalmente, as grandes sínteses, que procuravam sistematizar a totalidade do saber, as summae (sumas), teológicas e filosóficas, entre as quais devem ser mencionadas, por sua excepcional importância, a Summa Theologica e a Summa contra gentiles (Suma contra os pagãos), de santo Tomás de Aquino.
Evolução Histórica
Às etapas da evolução da filosofia no interior do cristianismo correspondem, historicamente, as fases: de formação, do século IX ao XII; de apogeu, no século XIII; e decadência, do século XIV ao XVII, da filosofia escolástica. Da submissão à fé, representada esta pela igreja, instância heterônoma em face da razão e da posição de compromisso, a filosofia evoluiu, acompanhando a desintegração do feudalismo e o advento do mundo burguês, até alcançar, com Descartes e o idealismo alemão, sua plena autonomia.
A história da escolástica apresenta-se, assim, como a história da razão humana em determinado momento de sua evolução, exprimindo inicialmente a alienação, na sujeição ao dogma; em seguida, a consciência da alienação, na doutrina das duas verdades; e finalmente a negação da alienação (da negação), na ruptura definitiva entre razão e fé, e na afirmação de que o real, em sua totalidade, natureza e história, é racional.
A decadência da escolástica, a partir do século XIII, exacerbou seus caracteres formais. Desde que, com Guilherme de Ockham, as verdades da fé são consideradas inacessíveis à razão, a filosofia, que procura compreender e explicar essas verdades, converteu-se numa discussão de textos e temas que perderam vigência histórica. O ensino fez emprego abusivo do silogismo, no verbalismo das fórmulas abstratas. A complacência no debate e o dogmatismo levaram a que a palavra escolástica passasse a ter conotação pejorativa.

 As Provas da Existência de Deus por Tomás de Aquino




Para Tomás de Aquino é possível ao ser humano chegar a compreensão racional da existência de Deus, ou seja, com o uso da razão é possível demonstrar a existência de Deus. Com esse objetivo em mente, ele  propôs cinco 'vias' de demonstração ou 'provas' da existência de Deus:

Primeira Prova

Deus é o primeiro 'motor'. Primeiro motor imóvel: tudo o que se move é movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido.

Segunda Prova

Deus é a 'causa primeira': decorre da relação 'causa-e-efeito' que se observa nas coisas criadas. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita.

Terceira Prova

Deus é um 'Ser necessário': existem seres que podem ser ou não ser (contingentes), mas nem todos os seres podem ser desnecessários se não o mundo não existiria, logo é preciso que haja um ser que fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser.

Quarta Prova


Deus é um 'Ser Perfeito': verifica-se que há graus de perfeição nos seres, uns são mais perfeitos que outros, qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo, logo deve existir um ser que tenha este padrão máximo de perfeição e que é a causa da perfeição dos demais seres.
Tomás de Aquino

Quinta Prova

Deus é a 'Inteligência Ordenadora': existe uma ordem no universo que é facilmente verificada, ora toda ordem é fruto de uma inteligência, não se chega à ordem pelo acaso e nem pelo caos, logo há um ser inteligente que dispôs o universo na forma ordenada. 

Johann Heinrich Pestalozzi - Educador

Pestalozzi

Inovador da educação, Pestalozzi lançou as bases da educação moderna ao conceber um sistema de ensino prático e flexível, que procurava estimular as faculdades intelectuais e físicas da criança. Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que o suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827).

Sua Vida e Obra

Seu pai morreu quando ainda era criança, tendo sido criado pela mãe, sua família empobreceu. Após a leitura do Emílio, de Rousseau, Pestalozzi foi influenciado pelo movimento naturalista e tornou-se um revolucionário, juntando-se aos que criticavam a situação política do país. Na Universidade de Zurique associa-se ao poeta Lavater num grupo de reformistas. Gastou parte de sua juventude nas lutas políticas mas, em 1781, com a morte do amigo e político Bluntschli, abandonou o partido para dedicar-se à causa da educação. Casou-se aos 23 anos e, algum tempo após fez de sua casa na fazenda, uma escola. Escreveu “As Horas Noturnas de um Ermitão” (The Evening Hours of a Hermit – 1780), contendo uma coleção de pensamentos e reflexões. A este livro seguiu-se sua obra-prima: Leonardo e Gertrudes (“Leonard und Gertrud” – 1781), um conto onde narra a reforma gradual feita primeiro numa casa, depois numa aldeia, frutos dos esforços de uma mulher boa e dedicada. A obra foi um sucesso na Alemanha, e Pestalozzi saiu do anonimato.

Nasce o "Método Pestalozzi"

A invasão francesa da Suíça em 1798 revelou-lhe um caráter verdadeiramente heróico. Muitas crianças vagavam no Cantão de Unterwalden, às margens do Lago de Lucerna, sem pais, casa, comida ou abrigo. Pestalozzi reuniu muitos deles num convento abandonado, e gastou suas energias educando-os. Durante o inverno cuidava delas pessoalmente com extremada devoção mas, em junho de 1799, o edifício foi requisitado pelo invasor francês para instalar ali um hospital, e seus esforços foram perdidos. Em 1799 obteve permissão para manter uma escola em Burgdorf, onde permaneceu trabalhando até 1804.

Pestalozzi e os órfãos

Em 1801 Pestalozzi concentrou suas idéias sobre educação num livro intitulado “Como Gertrudes ensina suas crianças” (Wie Gertrude Ihre Kinder Lehrt). Ali expõe seu método pedagógico, de partir do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Continuava daí, medindo, pintando, escrevendo e contando, e assim por diante. Em 1802 foi como deputado a Paris, e fez de tudo para fazer com que Napoleão se interessasse em criar um sistema nacional de educação primária; mas o conquistador disse-lhe que não podia perder tempo com o alfabeto.

Versão Original de Como Gerturdes
 Ensina às Crianças

Em 1805 mudou-se para Yverdon, no Lago Neuchâtel, e por vinte anos dedicou-se ao seu trabalho continuamente. Ali era visitado por todos que se interessavam pela educação, como Talleyrand, d'Istria de Capo, e Mme. de Staël. Foi elogiado por Humboldt e por Fichte. Dentre seus discípulos incluem-se Denizard Rivail, Ramsauer, Delbrück, Blochmann, Carl Ritter, Froebel e Zeller.

Por volta de 1815 dissensões surgiram entre os professores de sua escola, e os últimos 10 anos de seu trabalho foram marcados por cansaço e tristeza. Em 1825 ele se aposentou em Neuhof. Escreveu suas memórias e seu último trabalho, “O canto do cisne”, vindo a morrer em Brugg.

Contribuições de Pestalozzi
Como ele próprio disse, o verdadeiro trabalho de sua vida não se deu em Burgdorf ou em Yverdon. Estava em seus primeiros momentos como educador, com a sua observação, a preparação do homem integral, a prática junto aos órfãos de Stans.

A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral, isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade.

Versão Moderna de Como
Gertrudes Ensina às Crianças
Pestalozzi aplicou em classe seu princípio da educação integral, não limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça (intelectual), a mão (físico) e o coração (afetivo ou moral). O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas, numa época em que chicotear os alunos era comum.

A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve de dentro para fora, idéia oposta à concepção de que a função do ensino é preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior do educador, a de saber ler e imitar a natureza – em que o método pedagógico deveria se inspirar.

Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua índole original que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi.
Pestalozzi e os órfãos em Stans, por
Konrad Grob (1828 - 1904), pintura de 1879

Pestalozzi não foi um iluminista típico, até por ser religioso demais para isso. Por outro lado, a importância que dava à vivência e à experimentação aproximam seu trabalho de um pioneiro enfoque científico para a educação, num reflexo da defesa da razão que caracterizou o "século das luzes". "A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento profundo da natureza humana", escreveu Pestalozzi.

O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda.
Edifício em Yverdon onde funcionou a
Escola fundada por Pestalozzi

Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do "aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.

Síntese das Idéias
A escola idealizada por Pestalozzi:

- Não apenas uma extensão do lar, mas inspira-se no ambiente familiar, (atmosfera de segurança e afeto);
- O amor é a plenitude da Educação: só o amor tem força salvadora capaz de levar o homem à plena realização moral.
- Na visão de Pestalozzi, a criança se desenvolve de dentro para fora.
- Um dos cuidados principais do professor deve ser o de respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa.

O Método de Pestalozzi:
- Do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo, do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, o ideal é “aprender fazendo”;
- O processo educativo deve englobar três dimensões humanas para uma formação também tripla: intelectual, física e moral;
- O método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número (posteriormente, a linguagem);
- Nas suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas;
- Mais importante do que o conteúdo, o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Conclusão

Pestalozzi foi um dos pioneiros da educação moderna, influenciando profundamente todas as correntes educacionais, e longe está de deixar de ser uma referência. Fundou escolas, cativava a todos para a causa de uma educação capaz de atingir o povo, num tempo em que o ensino era privilégio exclusivo.

"A vida educa. Mas a vida que educa não é uma questão de palavras, e sim, de ação. É atividade."
Johann Heinrich Pestalozzi

 A Escolástica


Na Idade Média surgiu no seio da Igreja, por sua influência e força, a necessidade de responder às exigências da fé. A Igreja cristã (representada pela Igreja Católica) se considerava a principal guardiã dos valores espirituais e morais de toda a humanidade. A Europa comungava da fé cristã (em sua absoluta maioria) e assim, um modelo de vida e de ensino se fazia necessário – surgia dessa forma a Escolástica (ou Escolasticismo) - uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, que deve o seu nome às artes ensinadas na altura pelos escolásticos nas Escolas medievais. Estas artes podiam ser divididas em Trivium (gramática, retórica e dialética) e Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).
A escolástica resulta essencialmente no aprofundar da filosofia, que naquela época abrangia a quase totalidade dos conhecimentos (em alguns casos, incluía até a teologia).

A educação, a cultura e a filosofia que até o início da Idade Média possuíam traços marcadamente clássicos e helenísticos (ou seja, gregos), sofreram influências da cultura judaica e cristã ao longo dos séculos posteriores à entrada do cristianismo no Império Romano. A partir de Agostinho, ao mesmo tempo em que os pensadores cristãos sentiram a necessidade de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, buscaram harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico grego.

Dessa forma, tanto temas teológicos sofrerão influências da filosofia, como a filosofia receberá influências teológicas cristãs. A princípio, a Escolástica mostrará uma face mais neoplatônica, conciliando elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual (a partir da perspectiva cristã). Mesmo mais tarde, quando Tomás de Aquino trará conceitos e ideias de Aristóteles ao pensamento escolástico, o neoplatonismo ainda será muito forte.

Entender a Escolástica é tentar responder a pergunta: Como conciliar a fé e a razão? Essa é a questão principal que vai atravessar todo o período do pensamento escolástico na busca de harmonizar as duas esferas (razão e fé).

O pensamento de Agostinho defenderá uma subordinação maior da razão em relação à fé, por acreditar que esta (a fé) venha com mais sucesso restaurar a condição decaída da razão humana no seu retorno às origens divinas. Por outro lado, Tomás de Aquino defenderá a autonomia da razão na busca e obtenção de respostas (por influência do aristotelismo). Entretanto, em nenhum momento Aquino negará a premissa da subordinação da razão à fé.

As fontes de conhecimento fundamentais no aprofundamento da reflexão na Escolástica serão os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Pais da Igreja (autores dos primeiros séculos cristãos) que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

Outros pensadores medievais darão importantes contribuições à Escolástica: Anselmo de Cantuária, Alberto Magno, Roger Bacon, Boaventura de Bagnoreggio, Pedro Abelardo, Bernardo de Claraval, João Escoto Erígena, João Duns Scot, Jean Buridan, Nicole Oresme. 

Qual é o limite máximo e o mínimo para os batimentos cardíacos?



O coração de um jovem saudável, entre 15 e 20 anos, costuma bater no mínimo 60 e no máximo 90 vezes por minuto. Mas se esporadicamente sua frequência cardíaca ultrapassa ou cai abaixo de tal faixa, isso não quer dizer que você tem algum tipo de doença. “O coração está ligado ao cérebro e ao corpo por estímulos nervosos e são eles que dizem o quanto ele precisa trabalhar”, afirma o cardiologista Antônio Carlos Carvalho, da Unifesp.
Em algumas pessoas, o nervo simpático (que libera adrenalina) atua com mais força, fazendo com que o indivíduo perceba mais facilmente quando o coração acelera. Em outras pessoas, a atuação do nervo vago (que breca os batimentos) é mais percebida. Basta uma situação que estimule um dos dois nervos e pronto. Quando você está malhando, por exemplo, sua frequência cardíaca pode chegar a 150 ou 160 bpm (batimentos por minuto) sem que isso represente uma ameaça à saúde.
Agora imagine que você está no milésimo sono. Deitadão na cama, sem se mexer ou fazer qualquer esforço, seu metabolismo é muito menos intenso e seu cérebro praticamente desliga. Por que seu coração iria disparar? Enquanto dormimos, é normal nossa frequência cardíaca chegar aos 40 bpm, também sem causar nenhum problema. Afinal você sempre acorda bem no dia seguinte, não?
Outro fator que influencia muito a frequência cardíaca é a idade. Um recém-nascido tem entre 120 e 140 bpm, pois seus sistemas de regulação do sistema circulatório ainda não estão bem desenvolvidos.
A frequência cardíaca maior ajuda a fornecer mais oxigênio ao coração dos bebês. Conforme eles crescem, os batimentos vão diminuindo. Décadas mais tarde, na velhice, os batimentos provavelmente serão mais espaçados ainda, numa faixa entre 50 e 80 bpm.
+ Como ocorre um ataque cardíaco?
+ Como é ressuscitada uma vítima de parada cardíaca?
coracao

Motor desregulado

Cada coração tem sua cadência, mas alterações bruscas podem levar à morte
Com o pé no freio
Uma frequência cardíaca muito baixa faz com que menos oxigênio circule pelo corpo. Com você deitado e quieto, ou mesmo dormindo, é provável que não haja nenhum problema se seu coração estiver com apenas 30 bpm. Mas essa frequência com você desperto, em pé, pode provocar desmaios e, em casos extremos, levar à morte
Limite ideal
Para um jovem saudável, a frequência normal fica entre 60 e 90 bpm. Mas um atleta, por exemplo, pode ter uma frequência de 40 bpm e isso ser absolutamente normal. É que o coração dele é muito eficiente: cada bombeada entrega ao corpo bem mais sangue que o normal, por isso ele precisa bater menos vezes
Excesso de velocidade
O coração tem dois movimentos: a diástole (quando o órgão se enche de sangue) e a sístole (quando o sangue é bombeado para o corpo). Quando o coração acelera, ele encurta a diástole. Assim, o órgão envia menos sangue para o corpo, causando cansaço e desmaios. Uma frequência cardíaca perto dos 180 bpm é sinal de alerta total e perigo de morte
CONSULTORIA Marcelo Bertolami, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese (SP)

Garantismo Penal


Sérgio Zoghbi Castelo Branco, Professor de Direito do Ensino Superior
há 4 anos
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1 Introdução
O garantismo encontra-se relacionado ao conjunto de teorias penais e processuais penais estabelecidas pelo jusfilósofo italiano Luigi Ferrajoli. O significado do termo garantista que dizer proteção naquilo que se encontra positivado, escrito no ordenamento jurídico, por muitas vezes tratando de direitos, privilégios e isenções que a Constituição confere aos cidadãos. Porém garantismo não é apenas legalismo, seu pilar de sustentação não está fundado apenas naquilo que a Lei ampara e sim no axioma de um Estado Democrático de Direito.
No que trata a questão criminal, raramente os condenados conseguem cumprir a pena até o final e quando sobrevivem, geralmente, ou saem mais revoltados ou, morrem nos presídios. O recomeçar desses indivíduos é um problema, a sociedade não os aceita. E mesmo que cumpram toda a sentença em bom comportamento, agora estes indivíduos são ex-delinquentes, e por conta deste estigma, são abandonados até mesmo pela família. Sem emprego, sem renda, não possuem muitas alternativas, e voltam para o crime, gerando um ciclo vicioso.
O garantismo rechaça o Estado antiliberal, onde ocorre o abuso do direito de punir. Pode se dizer que não interessa uma liberdade selvagem com carência de regras (o que ocorre no absolutismo) e sim um modelo de direito em uma liberdade regrada amparando o bem jurídico que deve ser protegido.
2 Desenvolvimento
Os princípios basilares do garantismo penal são os seguintes: 1) princípio da retributividade ou da sucessividade da pena em relação ao delito cometido: o que demonstra o expresso reconhecimento de Ferrajoli da necessidade do Direito Penal, contrariamente a visões abolicionistas. O jusfilósofo defende que o garantismo penal é a negação do abolicionismo; 2) princípio da legalidade: inviável se cogitar a condenação de alguém e a imposição de respectiva penalidade se não houver expressa previsão legal, guardando esta a devida compatibilidade com o sistema constitucional vigente; 3) princípio da necessidade ou da economia do Direito Penal: somente se deve acorrer ao Direito Penal quando absolutamente necessário, de modo que se deve buscar a possibilidade de solução dos conflitos por outros meios. É o último recurso do Direito Penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do ato: além de típico, o ato deve causar efetiva lesividade ou ofensividade ao bem jurídico protegido, desde que deflua da Constituição (direta ou indiretamente) mandato que ordene sua criminalização; 5) princípio da materialidade; 6) princípio da culpabilidade: a responsabilidade criminal é do agente que praticou o ato, sendo necessária a devida e segura comprovação da culpabilidade do autor; remanescendo dúvidas razoáveis, há se aplicar o axioma do “in dubio pro reu; 7) princípio da jurisdicionalidade: o devido processo legal está relacionado diretamente também com a estrita obediência de que as penas de natureza criminal sejam impostas por quem investido de jurisdição à luz das competências estipuladas na Constituição; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação: numa frase significa unicamente que o julgador deve ser pessoa distinta da do acusador; 9) princípio do encargo da prova: ao réu não se deve impor o ônus de provar que é inocente, pois é a acusação quem tem a obrigação de provar a responsabilidade criminal do imputado; 10) princípio do contraditório: a partir do devido processo legal, o réu tem o direito fundamental de saber do que está sendo acusado e que lhe seja propiciada o amplo poder de se defender de todas as acusações.
Existem formas de minimizar o poder institucionalizado, a partir de princípios que devem possuir amplo amparo pelo órgão jurisdicional (garantias relativas à pena/ garantias relativas ao delito/ garantias relativas ao processo).
- Garantias relativas à pena: nulla pena sine crimne = não há pena sem crime (princípio da retributividade); nullum crimen sine lege = não há crime sem lei anterior que o defina (princípio da legalidade); nulla lex pennalis sine necessitatis = não há lei pena sem necessidade (princípio da necessidade e princípio da intervenção mínima).
- Garantias relativas ao delito: nulla necessitas sine injuria = não há necessidade sem relevante ou concreta lesão ao bem jurídico tutelado (princípio da lesividade ou ofensividade); nulla injuria sine actione = não haverá lesão sem conduta (princípio da exteriorização ou exterioridade da ação); nulla actio sine culpa = não há conduta sem culpa (princípio da culpabilidade).
- Garantias relativas ao processo: nulla culpa sine judicio = o reconhecimento da culpa é feito por órgão judicial (princípio da jurisdicionariedade); nullum judicium sine accusation = o juiz não reconhece culpa sem provocação (princípio acusatório); nulla accusatione sine probatione = a provocação existe com base em provas (princípio do ônus da prova); nulla probation sine defentione = as provas só existirão se submetidas ao contraditório (princípio do contraditório).
Existem três acepções de garantismoconforme estabelece Ferrajoli, constituindo a chamada teoria geral do garantismo: o caráter vinculado do poder público ao estado de direito; a separação entre validade e vigência; a distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e o ponto de vista interno (ou jurídico) e a correspondente divergência entre justiça e validade.
Uma primeira acepção é a de que o garantismo designa um modelo normativo de direito. Em um contexto político, mostra-se como uma técnica de tutela capaz de minimizar a violência e de maximizar a liberdade, e no plano jurídico como um sistema de vínculos impostos à potencialidade punitiva do Estado em garantia aos direitos dos cidadãos. Em consequência, é garantista todo sistema penal que se ajusta normativamente a tal modelo e o satisfaça de maneira efetiva.
Em outro posicionamento, o garantismo designa uma teoria jurídica de validade e efetividade como categorias distintas não somente entre si, mas também a respeito da existência e vigência das normas. Nesse contexto, garantismo expressa uma aproximação teórica que mantém separados o ser e o dever ser em Direito. Dessa forma, o juiz não tem obrigação jurídica de aplicar as leis inválidas (incompatíveis com o ordenamento constitucional), ainda que estes se encontrem vigentes.
Existe um terceiro ponto de vista designando que o garantismo se estabelece com a filosofia política que impõe ao Direito e ao Estado certa carga de justificação externa a partir dos bens jurídicos e dos interesses cuja tutela e garantia se constituam em sua finalidade.
3 Conclusão
Ocorre uma verdadeira antítese envolvendo a liberdade do homem e poder do Estado, segundo o que defende o garantismo à luz do conceito de Estado Democrático de Direito deverá aumentar ao máximo possível a liberdade do homem (indivíduo), ao passo que, deverá diminuir ao mínimo possível o poder estatal. Este é o contexto do pano de fundo do garantismo, ou seja, deve se ampliar o espectro da esfera de liberdade do indivíduo e diminuir ao patamar mínimo necessário o poder do Estado.
Existe a preocupação com a forma, com a imagem daquilo que é justo, fenômeno que geralmente é percebido nos atos normativos de produção, cega os legisladores e operadores do Direito acerca da necessidade de voltar-se ao conteúdo das normas produzidas, transformando-as vigentes, porém ineficazes. A ineficácia gera invalidade. A Constituição Federal de 1988 é garantista em sua essência e plenitude, na medida em que apresenta vários dos princípios tratados por Ferrajoli, porém na prática não alcança a exegese do termo garantista.
O garantismo é um direito penal mínimo, em outras palavras, é o máximo de bem estar para o não delinquente (liberdade total) e o mínimo de mal estar para o delinquente (na medida em que deve ser retirada parte de sua liberdade). O direito penal mínimo exclui a tipicidade das condutas que se encaixam no tipo penal, mas que não violam o ordenamento jurídico por tratar com irrelevância a conduta praticada junto ao bem jurídico tutelado.

Carl Hart: Assim como Doria, o povo de São Paulo ignora os pobres


 

Depois de visitar novamente a região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, o neurocientista norte-americano Carl Hart disse ter a impressão de que o prefeito João Doria (PSDB), assim como parte da população da capital, não se preocupa com os pobres. "Eu não acho que essa administração se preocupe com os pobres. Isso está muito claro. Mas não é só ele. Eu acho que tem muita gente em São Paulo que não liga para os pobres", disse Hart. 
A gestão Doria desativou o programa De Braços Abertos, do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), para implantar um novo projeto na Cracolândia. O programa petista oferecia moradia e trabalho e era baseado em redução de danos. O Redenção, por sua vez, prevê até mesmo a internação compulsória de usuários de drogas.
Relatório apresentado no final de agosto pelos conselhos regionais de Medicina, Psicologia e Enfermagem em parceria com o Ministério Público concluiu que o programa de Doria é ineficaz no que diz respeito à recuperação dos pacientes após o período de internação. A prefeitura promete ajustes.
Referência no debate sobre drogas, pobreza e racismo, Hart defende a oferta de oportunidades que garantam a reinserção social dos usuários como fundamental no combate à dependência química. Em seu livro Um preço muito alto – A jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas (Zahar), Hart desconstrói mitos sobre as drogas e relembra sua trajetória pessoal, desde o contato com o crime e as drogas em um bairro violento de Miami até a carreira como pesquisador e professor titular da Universidade de Columbia, em Nova York.
Em visita a São Paulo na quarta-feira 13, Hart disse que a função da política de drogas em um País de passado escravocrata como Brasil é perpetuar o racismo e a desigualdade social. A entrevista a seguir foi concedida durante evento de lançamento do Movimentos, grupo formado por jovens moradores de favelas e periferias – do Rio de Janeiro, principalmente – para discutir uma política de drogas a partir da perspectiva de quem sofre diariamente as consequências dessa guerra.
Pergunta: Você esteve na Cracolândia hoje [quarta-feira 13]. Quais foram as suas impressões?
Carl Hart: Eu tive muitas impressões. Primeiro, eu odeio esse nome. É um nome horrível. Ali não é a terra do crack. Quando as pessoas usam esse termo, ele é usado para isentar a população de ter que tomar qualquer atitude. Porque o crack não é o problema. Pobreza é o problema. Saúde mental é o problema. O racismo é o problema. Então, quando as pessoas usam o termo Cracolândia, o que elas me dizem é que são estúpidas ou então que não dão a mínima para as pessoas. Então esse é um termo horrível.
Outra impressão foi que... eu já estive ali diversas vezes. E desta vez, que o De Braços Abertos não está mais funcionando, o cheiro estava realmente horrível. As pessoas não têm mais a moradia nos hotéis, então elas têm que ir ao banheiro na rua. A rua cheirava como um imenso vaso sanitário.
Pergunta: Que relação você vê entre as políticas de drogas e o racismo?
CH: Temos que lembrar da escravidão, ambos os países [Brasil e Estados Unidos] tiveram escravidão. Como resultado da escravidão, temos os negros de ambas as sociedades vivendo em desvantagem. Logo, a política de drogas nos permite ignorar o impacto da escravidão.
Nós fingimos que o problema são as drogas, e a política de drogas perpetua a desigualdade entre os grupos, porque as pessoas que são presas por drogas nesta sociedade, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, são majoritariamente negras. Então as políticas de drogas funcionam como outro tipo de escravidão, de certa forma.
As questões nunca são sobre as drogas. É sempre sobre uma forma de subjugar as pessoas. Se o assunto são as drogas, nós não precisaremos falar sobre desemprego, educação precária ou falta de moradia. Nós não precisaremos falar sobre nada disso. Então a função da política de droga é ofuscar as verdadeiras questões.
Pergunta: Três anos atrás você disse que, no Brasil, a política de drogas funciona como uma espécie de apartheid. Você ainda acha isso?
CH: Eu disse que o que acontece no Brasil é um apartheid. Não apenas com a política de drogas. A política de drogas é apenas uma das ferramentas, ela é usada para garantir que o apartheid continue. E existem outras políticas que sustentam a discriminação racial de outras formas.
Mas, sim, quando eu digo que isso me lembra um apartheid eu apenas quero dizer que metade da sua população é africana [54% se diz preto ou pardo, segundo o IBGE]. Mas, quando você pensa em quem está no mercado, quem está trabalhando, quem compõe a classe média, você não vê esses africanos. Isso tem a aparência de um apartheid.
Carl-Hart-Movimentos
Carl Hart na apresentação do coletivo Movimentos no Aparelha Luzia, em São Paulo (Foto: Karina Donaria)
Pergunta: O secretário municipal da Assistência Social, Filipe Sabará, defende a internação compulsória em casos extremos de dependência química. Qual é a sua opinião?
CH: Como adultos, nós temos autonomia e nós podemos decidir o que nós queremos fazer, desde que não machuquemos outras pessoas. Nós somos responsáveis, como adultos, e temos que pagar o preço pelas nossas decisões como adulto. Quando alguém viola a sua autonomia, nós chamamos isso de violação de direitos humanos. Esta pessoa de quem você está falando está violando os direitos humanos. Isso é terrível. Não há como olhar para isso e dizer que é razoável ou racional ou algo que uma sociedade deve fazer.
Se a pessoa não está prejudicando a outra, não há razão para essa internação compulsória. Os adultos têm direitos, eles têm autonomia para tomar as suas próprias decisões. Eu não deveria poder obrigar alguém a fazer alguma coisa. Isso não é certo.
Pergunta: Mesmo que essa pessoa possa morrer por conta de seu próprio comportamento? 
CH: Sim. Por exemplo, quando nós pensamos sobre doenças mentais, quando alguém é um perigo a si mesmo e pode vir a cometer suicídio, nós temos procedimentos para avaliar se essa pessoa precisa de tratamento. Mas, quando nós falamos de drogas, isso é raro. E se eu quiser me matar isso também é uma decisão minha.
Pergunta: Por que há tanto senso comum e tantos mitos na discussão sobre drogas, inclusive relacionados à região que nós chamamos de Cracolândia?
CH: Há muitos mitos sobre drogas, em parte porque muitas pessoas não têm experiência com drogas. Então eu posso lhe dizer algumas besteiras sobre drogas e você vai acreditar em mim. E esse mito irá perdurar porque você não tem experiência alguma. Muitas pessoas na sociedade não sabem quais são os efeitos das drogas e então podem dizer qualquer coisa. É por isso que muitos desses mitos ocorrem.
Quando pensamos sobre o lugar que o De Braços Abertos ocupava e quando olhamos para as pessoas que estão lá, elas são majoritariamente negras. Negras e pobres. Então podemos inventar histórias incríveis sobre aquele lugar, porque a maioria das pessoas desta cidade não vai até lá, não sabe o que está acontece por lá, não conhece aquelas pessoas. Então, se você desconhece, você estará sujeito a acreditar em mentiras. Não é tão complicado.
Pergunta: O que você acha da política de drogas do prefeito de São Paulo, João Doria?
CH: Eu acho que, baseado no comportamento, baseado no que eu vi, eu não acho que a administração dessa prefeitura se preocupe com os pobres. Isso está muito claro. Mas não é só ele. Eu acho que tem muita gente em São Paulo que não liga para os pobres.
Se não, isso não continuaria, porque eu acho que o prefeito tem o apoio da sociedade. Então eu acho que as pessoas não se importam com os pobres. Eu não quero culpar apenas o prefeito, eu acho que a população também deveria compartilhar da culpa. Quando você tem uma desigualdade tão imensa entre ricos e pobres, algo de muito errado está acontecendo nessa sociedade.
Não quero simplesmente culpar São Paulo ou o Brasil, nós temos problemas semelhantes nos Estados Unidos. Nós temos um presidente [Donald Trump] que é apoiado por muitas das pessoas das quais me referi aqui em São Paulo. Então nós temos problemas semelhantes.
Pergunta: Você é a favor da legalização das drogas?
CH: Eu sou a favor da regulamentação das drogas, da mesma forma como lidamos com álcool e tabaco. Eu acho que nós podemos fazer o mesmo com essas outras drogas, cocaína etc.
Eu sou a favor disso por uma série de razões. Isso impedirá que pessoas que apenas usam drogas de forma recreativa sejam presas. Uma boa analogia seria o orgasmo durante o sexo. Quando as pessoas fazem sexo elas buscam o orgasmo. Você consegue imaginar um governo controlando a quantidade de orgasmos que você pode ter? Isso seria absurdo. Mas é basicamente o que estão fazendo com as drogas.
Outra razão que me faz ser a favor é que isso irá melhorar a qualidade das drogas que chegam às pessoas. Porque eu me preocupo com as adulterações e com as impurezas que muitas dessas drogas contêm quando compradas no mercado ilegal. Mas, quando você compra álcool, o governo garante que esse álcool é puro, que não há impurezas. Isso aumenta a segurança. Então eu acredito que se o governo regulamentasse as outras drogas isso traria mais segurança.
Mas, antes de chegar lá, é preciso muita educação. Foi por isso que eu escrevi o meu livro, para tentar ajudar as pessoas a terem acesso a essa educação.
Pergunta: Sua pesquisa fala muito sobre alternativas. Que tipo de alternativas poderiam ser dadas às pessoas que têm problemas com o abuso de drogas aqui em São Paulo? 
CH: A maioria das pessoas que usa drogas não é viciada, apenas uma pequena parcela é. Há muitas pessoas usando drogas e elas trabalham e cuidam das suas famílias. E está tudo bem. 
Quando nós pensamos nas pessoas que são viciadas, em lugares como aquele onde era desenvolvido o De Braços Abertos, nós pensamos em alternativas. Muitas dessas pessoas estão tão doentes que precisam de tratamento, seja tratamento para a saúde mental ou para a saúde física. Elas precisam estar saudáveis para poderem aproveitar as oportunidades.
É preciso ter certeza de que essas pessoas têm oportunidades econômicas, oportunidades de trabalho. Como você, como eu. Aqui neste lugar deve haver muitos usuários de drogas, e as pessoas irão para o trabalho amanhã. Porque elas têm alternativas, têm seus entes queridos, têm bons empregos. E nós devemos fazer o mesmo com as pessoas que estão tendo problemas em nossa sociedade. Não é complicado, é bastante simples.