quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Vemos o Direito Penal do Inimigo como um Direito Penal Especial aplicado ao delinquente que afana o Erário. Que não dependa de aprovação do Congresso Nacional. Que seja Impositivo

1. FINALIDADE

Esta análise não pretende constituir transcrição do livro publicado em conjunto por Günther Jakobs e Manuel Câncio Meliá. [01] O livro é sucinto e apresenta duas posições contraditórias, conforme indicado pelo próprio Jaboks, o qual pede para não supervalorizar a controvérsia existente entre ele e Cancio Meliá. [02]
Cancio Meliá também cuida de afastar a idéia de total oposição desde o prólogo, aduzindo que dizer que o Direito Penal do inimigo é um não Direito só pode ser admitido se verificada a perspectiva de que a nova proposta não se adequa ao tradicional Direito Penal, mas que não há equívoco em tomar Jakobs como ponto de referência sobre o que se deve fazer na universidade. [03]
A teoria não é capaz de permitir dizer que é científica na proposta. Também, embora se diga que o Direito penal do inimigo foi uma brincadeira de Jakobs, isso é equivocado, conforme se pode extrair do prólogo do livro.

2. DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO

2.1 A pena como contradição ou meio de proteção
Jakobs diz que o Direito penal do cidadão é formulado a partir de um discurso, no mínimo, entediante. [04]Nesse ponto, há objeção porque a fascinação pelo Direito Criminal não é recente. Há muito tempo que o Direito Criminal se apresenta como apaixonante, levando às mais acirradas discussões acadêmicas sobre os direitos humanos fundamentais, sem afastar as garantias constitucionais relativas ao processo criminal e à pena. Aliás, o próprio Habermas se queixa de estar a jusfilosofia voltada aos assuntos criminais. [05]
Para Jakobs, o Direito Criminal tem dois pólos ilhados que precisam ser demonstrados: o do cidadão e o do inimigo. [06] A denominação Direito penal do inimigo, segundo ele, não pretende ser pejorativa, mas indica uma insuficiência da pacificação concretizada, em face da objetivada, dizendo que esta insuficiência não pode ser atribuida aos pacificadores, nem aos rebeldes. [07]
A prisão, ao menos durante o tempo da execução da pena, constitui efetiva proteção social. O mesmo se dá em relação à medida de segurança. Ele informa que esta, em sentido amplo, decorre do Direito Criminal porque pressupõe o cometimento de um delito. [08]
Há contraditio in terminis, visto que o autor diz que o doente mental, incapaz de entender o caráter ilícito do fato, não pode ser culpável. Ele afirma que a "responsabilidad por un deficit de motivación jurídica dominante, en un comportamiento antijurídico, es la culpabilidad". [09] E, acerca dos elementos da culpabilidade, expõe:
Al igual que el injusto del hecho consiste en la realización del tipo faltando un contexto justificante, la culpabilidad consiste en la realización del tipo de culpabilidad faltando un contexto exculpante. Los requisitos objetivos de la culpabilidad son cuatro elementos necesarios cumulativamente: (a) El autor debe comportarse antijurídicamente; (b) debe ser imputable, es decir, un sujeto con capacidad de cuestionar a validez de la norma; (c) debe actuar respetando el fundamento de validez de las normas; (d) según la clase de delito, a veces deben concurrir especiales elementos de la culpabilidad[10]
A pessoa a se sujeitar à medida de segurança será a inumputável, em razão de doença mental. Destarte, não sendo ela culpável não haverá crime, até porque Jakobs propõe o denominado "tipo total de culpabilidade". [11] O Brasil tem uma corrente peculiar que exclui a culpabilidade do conceito de crime, para a qual seria possível dizer que a pena e o crime pressupõem delitos anteriores.

2.2 BREVE INCURSÃO NA JUSFILOSOFIA

Citando Kant, Jakobs informa que todo direito está vinculado a uma autorização para emprego da força e a coação mais intensa é a criminal. [12] E, citando Rousseau diz que qualquer malfeitor que ataque o direito social deixa de ser membro do Estado, posto que se achará em guerra com ele, como demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor. [13] Acerca dessa passagem de Rousseau, escrevi:
Opõe-se à pena de morte o fato de ser a vida indisponível. Não sendo ela disponível, o súdito não poderia transferi-la ao soberano. Não obstante, todo homem tem o direito de arriscar a vida para mantê-la. Daí, ser possível se concluir que, sendo o fim maior do contrato social a conservação dos contratantes, aquele que integra o povo, se expõe ao risco de, ocorrendo uma violação à vontade geral, ser condenado à morte. Para tanto, o processo e a sentença são as provas e declaração de que ele violou o tratado social, já não sendo, por conseguinte, membro do Estado. [14]
É interessante notar que Jakobs, partidário da filosofia sistêmica, incorpora conceitos positivistas, combatidos pela sua filosofia, para declarar a legitimidade da pena de morte civil. Porém, ele ameniza, dizendo: "No quiero seguir la concepción de Rouseau y de Fichte; pues en su separación radical entre el ciudadano y su Derecho, por un lado, y el injusto del enemigo, por otro, es demasiado abstracta". [15]
Do livro se pode extrair que o delinquente não pode afastar-se arbitrariamente da sociedade através do seu fato. Citando Hobbes, o autor afirma que aqueles que cometem delitos de alta traição, não são castigados enquanto súditos, mas como inimigos. [16] E, com base em Kant, diz que toda pessoa está autorizada a obrigar qualquer outra a se submeter a uma constituição cidadã, sendo que aquele que não aceita participar do "Estado comunitário-legal" deve ser tratado como inimigo. Tanto Kant quanto Hobbes despersonalizam tais pessoas, e conclui:
Por consiguiente, Hobbes e Kant conocen un Derecho penal del ciudadano – contra personas que no delinquen de modo persistente, por principio – y un Derecho penal del enemigo contra quien se desvía por principio; éste excluye, aquel deja incólume el status de persona... los ciudadanos tienen derecho a exigir del Estado que tome las medidas adecuadas, es decir, tienen un derecho a la seguridad... El derecho penal del ciudadano es el Derecho de todos, el Derecho penal del enemigo el de aquellos que forman contra el enemigo; frente al enemigo, es sólo coacción física, hasta llegar a la guerra... El Derecho penal del ciudadano mantiene la vigencia de la norma, el Derecho penal del enemigo (en sentido amplio: incluyendo el Derecho de las medidas de seguridad) combate peligros; con toda certeza existen múltiples formas intermedias
[17]
Vejo aqui algo recorrente entre os grandes pensadores, eles tendem a modificar suas visões ao longo das suas vidas, passando a adotar posturas que foram marcadamente combatidas por eles. No caso, fica evidente a fundamentação jusnaturalista de Hobbes e positivista de Kant para as linhas básicas do seu Direito penal do inimigo.

2.3 PERSONALIDADE REAL E PERIGOSIDADE FÁTICA

Respondendo à indagação sobre o porquê de se basear em Hobbes e em Kant, Jakobs procura desenvolver a seguinte tese: no sentido de que nenhum contexto normativo, o cidadão e a pessoa em Direito, é tal em si mesmo. Ao contrário, é necessário determinar os grandes riscos para a sociedade. Só então é real. [18]
Dizendo que a tese melhor desenvolvida por Hobbes foi a de que "não existem os delitos em circunstâncias caóticas, senão como ruptura das normas e uma ordem praticada". [19]
Jakobs volta a invocar Rousseau e Fichte para dizer que a máxima de conduta do autor "como máxima que não pode ser norma". [20] Outrossim, volta a invocar Kant para ratificar a idéia de que qualquer pessoa pode obrigar qualquer outra a ingressar em uma constituição cidadã. [21]
Por mais que o conhecimento seja único, é impossível que uma pessoa conheça cientificamente todas as áreas do conhecimento. Por isso, é não é razoável admitir incursões jurídicas sobre a personalidade do autor. É correto afirmar, como o faz Jakobs, que a expectativa de um comportamento pessoal consta de muitas regras do Direito criminal. [22]
Alhures, dediquei espaço ao estudo da personalidade, dizendo que não pode ser correta a constante inserção na legislação criminal da obrigação para que o Juiz decida segundo a personalidade do agente. Ali afirmo:
A personalidade "é definida como padrão individual relativamente estável e duradouro de pensamentos, emoções e ações". [23] Diferentes orientações teóricas levam os psicólogos a predizerem e a explicarem a personalidade, mas, embora se acredite que os testes aplicados "tragam revelações sobre os elementos inconscientes da personalidade, eles não são muito válidos ou confiáveis". [24] Ora, se nem mesmo os psicólogos alcançaram o método adequado para conhecer a personalidade, será o Juiz o homem capaz de enunciá-la? A resposta é simples: não. [25]
É frequente se criticar o positivismo, dizendo ser necessária a mudança de paradigma na ciência, propondo-se o câmbio do paradigma positivista para o sistêmico. [26] Crescem as propostas sistêmicas e as construções que informam ser necessário o conhecimento multidisciplinar. No entanto, é interessante notar a conjugação que ora se opera, em que Jakobs busca sua fundamentação para instituir o Direito penal do inimigo no justaturalismo de Hobbes e no criticismo de Kant, mas propõe a análise da personalidade do autor, como se tal exame fosse jurídico.
antropologia criminal teve o seu auge e hoje há quem pretenda dizer que tal estudo precisa ser abandonado, alterando a perspectiva, do paradigma etiológico ao da reação social. [27] Pior, é pretender estruturar uma postura funcional do Direito Criminal e, em verdadeiro descompasso, fundamentar sua teoria em correntes jusfilosóficas que tenta superar e, mais ainda, plena incorporando, ainda que disfarçadamente, a antropologia criminal.
Tentando dissuadir a resistência de quem possa considerar obscura a posição apresentada, Jakobs exemplifica com o atentado às Torres Gêmeas, de 11.9.2001. Afirma que os delitos continuam delitos, ainda que se cometam com intenções radicais e em grande escala. Porém, os cidadãos tem um direito e aos terroristas haveria de aplicar outro que deveria chamar de Direito penal do inimigo. [28]

2.4 ESBOÇO EM RELAÇÃO AO DIREITO PENAL

O que distingue o processo reformado do processo inquisitório é o fato do imputado ter se transformado em "sujeito de processual", com garantias processuais. [29] Então, Jakobs faz afirmação coerente com sua proposta, visto sustenta que o Direito penal do inimigo substantivo não tem lugar fora do Direito: aos imputados, na medida em que intervém no seu âmbito, o Estado abole direitos de modo jurídicamente ordenado. [30]
O Direito penal do inimigo processual teria a mesma perspectiva do material. As regulações mais extremas se dirigem à eliminação dos riscos terroristas. Com isso, aos imputados podem ser vedadas garantias, como a comunicação do acusado e seu defensor, a fim de eliminar riscos à vida, à integridade física u à liberdade de pessoas. Casos extremos regulados pelo Direito positivo criarão o lugar adequado para o Direito penal do inimigo. Este, segundo Jakobs, pode ser vislumbrado, na distinção de prisões para delinquentes comuns e prisioneiros de guerra. [31]

2.5 CIDADÃOS COMO INIMIGOS?

O Estado pode proceder de dois modos com os delinquentes. Pode ver neles pessoas que erraram ou indivíduos aos quais deverá impedir, mediante coação, que destruam o ordenamento jurídico. Tais perspectivas podem ser utilizadas legitimamente ou em lugar equivocado. [32]
Novamente há incursão na personalidade para dizer ser ela irreal como construção exclusivamente normativa. Só é real quando as expectativas que se dirigem a uma pessoa também se cumpram no essencial. Com isso, não é todo ato de insubordinação que permitirão ver o inimigo, mas somente aquele que se recusa a ingressar em uma ordem constitucional cidadã. Com tal construção, Jakobs crê que o Direito penal do inimigo se mescla com o Direito penal do cidadão. [33]

2.6 PERSONALIZAÇÃO CONTRAFÁTICA (DE EXPECTATIVA CONTRÁRIA): INIMIGOS COMO PESSOAS

Em todo mundo existe uma ordem mínima, juridicamente vinculante, que não devem tolerar as vulnerações aos direitos humanos elementares, independentemente de onde ocorram, haverá de se impor uma reação a tais vulnerações, impondo-se penas. [34]
É notório que em muitos lugares do mundo ocorrem vulnerações extremas aos direitos humanos fundamentais. Porém, pode-se afirmar não existe um estado real de vigência do Direito, eis que se verifica apenas um postulado de realização, pois tais vulnerações não geram, como seria de esperar, penascorrespondentes. [36]
A criação de um "estado comunitário-legal" como caráter prévio do seu estabelecimento daria personalidade a todos, isso como estado da natureza, mas tal personalidade não é assegurada. Se o objetivo for criar uma Constituição mundial "comunitário-legal", haverá de castigar aqueles que violam direitos humanos fundamentais, mas não com penas contra pessoas culpáveis e sim contra inimigos perigosos, razão de entender que dever-se-ia falar em Direito penal do inimigo. [37]
A proposta de Jakobs é contrafática. De forma velada, ele pretende resgatar a morte civil, já mencionada anteriormente. Ocorre que a sua perspectiva, em que o inimigo, no Contrato Social de Rousseau, é colocado fora do contrato não pode encontrar no Estado democrático de Direito.
Ao falar em Direito penal do inimigo, o autor cria a perspectiva de inclusão do inimigo no Direito. Todavia, ao contrário, o exclui, criando expectativa contrária em torno da teoria, isso em face da conclusão que apresenta.

2.7 RESUMO

2.7.1 No Direito penal do cidadão a função da pena é uma contradição e no Direito penal do inimigo, a eliminação de um perigo. Ambos podem ser legítimos.
2.7.2 Em Rosseau e Fichte, todo delinquente é inimigo. Porém, em Kant, que não se desvia por princípio deve manter o estado de de cidadão.
2.7.3 O cidadão tem direitos, mas o que se conduz de modo desviado por princípio não pode ser tratado como cidadão. O inimigo deve ser excluido.
2.7.4 As situações de tratamento diferenciado contidas no Direito material encontram situações paralelas no Direito processual.
2.7.5 Um Direito penal do inimigo claramente delineado é menos perigoso do que a mistura de fragmentos próprios do Direito penal do inimigo no Direito tradicional.
2.7.6 A punição internacional ou nacional de vulnerações aos direitos humanos, depois de uma transformação política, mostra riscos próprios do Direito penal do inimigo sem ser, só por isso, ilegítima.

3. DIREITO PENAL DO INIMIGO?

3.1 Introdução
O Direito penal nos últimos anos tem se apresentando estático em seu núcleo duro. Porém, recentemente se inaugurou um momento de transformações intensas que nos faz vê-lo com reservas. Dentre eles o Direito penal do inimigo delineado por Jakobs. [38]
O Direito penal do inimigo só é parte do denominado sistema jurídico-criminal tradicional. Assim, Direito penal do cidadão é pleonasmo e Direito penal do inimigo contraditio in terminis[39] Esta afirmação, ao meu sentir, merece reparo porque o Direito penal do inimigo é o não Direito, sem possibilidade de ser analisado sob o prisma científico.
3.2 Sobre o estado atual da política criminal. Diagnóstico: a expansão do Direito penal
3.2.1 Introdução
Meliá afirma que a política criminal fática da atualidade pode ser resumida em expansão do Direito penal. Com isso, estamos criminalizando estados prévios de lesões aos bens jurídicos, cominando penas desproporcionalmente elevadas. É um Direito penal de proteção de riscos com características antiliberais. [40]

3.2.2 FUNDAMENTOS EXPANSIVOS

Citando Jakobs, Meliá fala em "Direito penal simbólico" e, citando Silva Sanchez, fala em "ressurgir do punitivismo". Nesse ponto, parece-me que ele pretendeu prestigiar o amigo, visto que Claus Roxin (nascido em Hamburgo, em 15.5.1931) antecedeu Ghünter Jakobs (Mönchenglabbach, 27.7.1937) no estudo do Direito, bem como em enfrentar aspectos relevantes do simbolismo do sistema jurídico-criminal. O Direito penal simbólico se caracteriza por discursos falaciosos (verbi gratia, "tolerância zero"), fruto da ânsia da população por segurança.
O punitivismo é um dos instrumentos do Direito penal simbólico, assim como os são os movimentos de lei e ordem. Esse simbolismo se dá, marcadamente, pela falência da prevenção geral, a qual, segundo a lição de Roxin, não ocorre. [41] Então, torna-se oportuna a lição de Zaffaroni e Pierangeli:
É lógico que a pena, ainda que cumpra em relação aos fatos uma função preventiva especial, sempre cumprirá, também, uma função simbólica. No entanto, quando só cumpre esta última, será irracional e antijurídica, porque se vale de um homem como instrumento para a sua simbolização, o usa como um meio e não como um fim em si, "coisifica" um homem, ou por outras palavras, desconhece-lhe abertamente o caráter de pessoa, com o que viola o princípio fundamental em que se assentam Direitos Humanos. [42]
O Direito penal simbólico está na mesma linha do Direito penal do inimigo, sendo que a "parte especial" deste tipifica como graves condutas que constituem meros atos de comunicação, por exemplo, a apologia ao crime. [43] Isso faz recordar a lição de Maria Lúcia Karam, que afirma que a criminalização da publicidade enganosa ou abusiva encerra irônico paradoxo, pois a mais eficaz e perversa praticada com base em propaganda enganosa é a "venda" do sistema penal. [44]
Meliá chama a atenção para transformações legislativas havidas na Espanha a partir do ano de 1.978, exemplificando com o aumento da pena, na reforma de 1.995, em que o tráfico de psicotrópicos passou a ter pena correspondente à do homicídio praticado mediante negligência grave e à do abordo sem o consentimento da mãe. Ele afirma que o punitivismo, também, encontra solo fértil nos Estados Unidos da América. [45]
O Direito penal simbólico e o punitivismo mantém relação fraternal. O Direito penal do inimigo é uma continuação disso. A preocupação não é somente com o fato, identifica e estigmatiza, também, o autor do fato.

3.3 DIREITO PENAL DO INIMIGO?

O Direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos: (a) é prospectivo, é uma ampla antecipação da punibilidade que tem por referência um fato futuro; (b) a pena é desproporcionalmente alta; (c) as garantias processuais são relativizadas e até abolidas. [46]
Citando Silva Sanches, Meliá diz que existem três "velocidades" que orientam o ordenamento jurídico-criminal, a saber: (1ª) impõe respeito às garantias do Direito material e do Direito processual penal clássicos para os fatos apenáveis com penas privativas de liberdade; (2ª) versa sobre delitos que só admitem penas pecuniárias e penas restritivas de direitos, exigindo adaptações para solução amigável dos delitos de menor gravidade; (3ª) é a do Direito penal do inimigo, que flexibiliza os princípios político-criminais e as regras de imputação. [47]
O Direito penal do inimigo constitui reação do ordenamento jurídico contra indivíduos especialmente perigosos, as quais veem seus direitos desaparecer seus direitos e garantias, isso de forma instrumental. [48]
Demonizar o inimigo, em um processo de criação de identidade social, que combina com o Direito penal simbólico, dá-se lugar ao código do Direito penal do inimigo, mas este não deverá existir porque errôneo e inconstitucional.
Não se deve admitir o Direito penal do inimigo porque ele não contribui para a prevenção policial-fática de delitos. [49] Tal perspectiva de Meliá merece algumas observações porque se deve ter em vista um Estado ordenado para mecanismos mais eficazes do que os policiais, mas ele manifesta perspectiva policialesca.
É lamentável verificar que a cultura policialesca não é exclusiva da República Federativa do Brasil. A Constituição desta, traduzindo tal cultura, reduz à segurança pública ao aparelho policial (art. 144), quando muitos outros meios de prevenção e restauração da ordem pública, atingida por violações à segurança pública, deveriam ser contemplados e fomentados nas culturas dos povos.
É interessante notar como a teoria do Direito penal do inimigo encontrou grande espaço para o debate na América Latina, sendo que Meliá chama a atenção para o seu acolhimento em Estados de frágil posição democrática, v.g., Colômbia. Todavia, o autor sustenta que o Direito penal do inimigo: (a) não se volta aos fatos, preferindo demonizar pessoas; (b) consequentemente, transforma o Direito criminal do fato em Direito criminal do autor. [50]
Das afirmações de Meliá, a que mais chama a atenção é a relativa ao fato de que a percepção dos riscos é uma construção social que não está relacionada com as dimensões reais de determinadas ameaças e que, provavelmente, a função do Direito penal do inimigo seja vê-la na criação (artificial) de critérios de identidade entre os que fazem a exclusão, mediante esta mesma exclusão. Isso também se manifestará nas formulações técnicas dos tipos. [51]
Meliá conclui dizendo que o pior do Direito penal do inimigo é a sua incompatibilidade com o princípio do fato. Ele chama a atenção para a incompatibilidade do Direito criminal clássico com a tentativa de orientar a responsabilidade com base na "atitude interna do autor". Diz que devemos observar o que está por detrás da teoria do Direito penal do inimigo, a qual inicia com ameaça a terroristas e depois amplia exageradamente seu alcance, o que nos deve fazer refletir sobre o risco de sermos incluidos, por algum motivo, no rol de inimigos. Mesmo que essa reflexão se dê somente em espírito, será suficiente para rechaçar o denominado Direito penal do inimigo. [52

sábado, 18 de novembro de 2017

Garantismo penal: uma ciência do direito, uma ideia filosófica e um assunto de direito processual Filipe Pinheiro MendesFilipe Pinheiro Mendes

Segundo o pensamento garantista, o direito penal não deve servir apenas à pessoa ofendida pela conduta delituosa, mas também ao infrator, sendo que este deve ser protegido em face das reações advindas de seu ato.

1. INTRODUÇÃO

O garantismo penal surgiu a partir dos estudos e reflexões do jurista italiano Luigi Ferrajoli, o qual, a partir da adoção de dez axiomas consagrados como garantias clássicas do cidadão, construiu a ideia de direito penal como um limitador ao poder punitivo, distanciando-se, portanto, do antigo entendimento segundo o qual o direito penal era, na verdade, a regulamentação do referido poder estatal.
Assim, os dez axiomas nos quais se assenta o garantismo penal são: 1) Nulla poena sine crimine; 2) Nullum crimen sine lege; 3) Nulla lex poenalis sine necessitate; 4) Nulla necessitas sine iniuria; 5) Nulla iniuria sine actione; 6) Nulla actio sine culpa; 7) Nulla culpa sine iudicio; 8) Nullum indicium sine accusatione; 9) Nulla accusatio sine probatione; 10) Nulla probatio sine defensione[1]
Segundo o pensamento garantista, o direito penal não deve servir apenas à pessoa ofendida pela conduta delituosa, mas também ao infrator, sendo que este deve ser protegido em face das reações advindas de seu ato, sejam estas reações informais, públicas ou privadas[2]. Com efeito, por essa ótica pode-se dizer que um sistema penal garantista não serve apenas para prevenir os injustos delitos, mas também os castigos injustos.
Destarte, no sentir de Ferrajoli a lei penal representa a “lei do mais débil (ou mais fraco)”, haja vista encontra-se em situação de debilidade o ofendido no momento em que é vitimizado pelo delinquente, passando a ser este o mais fraco no momento que se inicia contra si a persecução penal. Daí se extrai que o garantismo se amolda a um modelo de direito penal mínimo, o qual corresponde a um meio termo entre o direito penal máximo e o abolicionismo penal, significando dizer que o direito penal deve se limitar às situações de absoluta necessidade, cuja pena também será a mínima necessária.

2. LOCALIZAÇÃO DO GARANTISMO PENAL

Trata-se, portanto, o garantismo penal, de um modelo universal destinado a contribuir com a moderna crise que assola os sistemas penais, desde o nascedouro da lei até o final do cumprimento da sanção penal, atingindo, até mesmo, particularidades inerentes ao acusado depois da execução penal[3]. Por essa razão, compreende diversas fases de aplicação, incidindo, portanto, desde a criação da lei penal e processual penal, ditando a escolha dos princípios a serem adotados e dos bens jurídicos a serem protegidos, até o início da persecução penal, seja na fase investigativa ou na jurisdicional.
Segundo Luiz Regis Prado, o garantismo pode ser enfocado sob três aspectos conexos entre si, a saber: a) o garantismo como um modelo normativo de direito, em que se considera como garantista o sistema jurídico compatível com as exigências do Estado de Direito; b) o garantismo como uma teoria jurídica crítica, cuja proposta é a distinção entre a normatividade e a realidade, ou seja, a contraposição entre o ser e o dever se, revelando-se, portanto, como uma oposição ao positivismo dogmático; e c) o garantismo como filosofia política, preconizando a justificação externa do Direito e do Estado no reconhecimento e proteção dos direitos que constituem sua finalidade[4].
Segundo ainda o eminente jurista acima mencionado, o garantismo constitui também uma corrente da filosofia jurídica cujos postulados apresentam importantes e inovadoras diretrizes para legitimação do ordenamento jurídico como um todo, caracterizando-se, essencialmente, pela instrumentalização do Direito e do Estado para que se efetivem direitos e bens fundamentais ao indivíduo[5].
Nesse diapasão, se infere que o garantismo, ante seu caráter universal, não se insere apenas no estudo do direito penal, embora seu surgimento tenha se dado com a ideia de “garantismo penal”. Desse modo, não se pode negar que Ferrajoli formulou uma verdadeira teoria jurídica, ou seja, uma ciência do direito estendível a todos os ramos deste, e albergada, sobretudo, no constitucionalismo[6], ou conforme doutrina mais atual, no neoconstitucionalismo,

3. CONCLUSÕES

Em conformidade com tudo o que foi dito acima, percebe-se que o garantismo pode ser estudado seja como uma ciência do Direito, seja como uma ideia filosófica, ou mesmo como um assunto de direito processual penal. No tocante a este último, o garantismo se evidencia, principalmente, em relação às diretrizes de proteção ao indivíduo diante do arbítrio estatal, mediante a configuração de garantias como a do juiz natural, da estrita observância ao contraditório e à ampla defesa (esta em todas as suas acepções), além das regras de aplicação e execução da pena, como a substituição desta por medidas alternativas, a suspensão condicional da pena e do processo, a transação penal, detração e remição da pena etc.
Assim, o garantismo penal, sendo um modelo universal, transforma-se em um objetivo o qual deve ser seguido por todos os operadores do Direito, independentemente de sua área de atuação. Tal objetivo, por sua vez, será mais fácil de ser alcançado quando houver a integração entre os seus ramos de estudo, ou seja, quando o conhecimento obtido pela via das reflexões abstratas próprias do pensamento filosófico puder ser aplicado ao plano normativo, cuja concretização dependerá sempre das regras de processo, as quais, se não estiverem em sintonia com o garantismo fadará este sempre ao insucesso.

4. REFERÊNCIAS

MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral, 4ª ed. São Paulo, Método, 2011.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, 11ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal, 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Ciro merece a presidência do clube dos veteranos velhacos

Ciro merece a presidência do clube dos veteranos velhacos

Algum amigo precisa dizer-lhe que o papel de moleque boquirroto, que passou a vida desempenhando, já não combina com o Ciro sexagenário

A caminho do terceiro fiasco numa disputa pela Presidência da República, Ciro Gomes mantém intocados o vocabulário de bordel e a argumentação tão rasa que, na imagem definitiva de Nelson Rodrigues, qualquer formiga pode atravessá-la com água pelas canelas.
A cada campanha de Ciro, o que muda é o partido que lhe serve de coiteiro. No momento é o PDT, de Carlos Lupi, o bizarro ex-ministro do Trabalho de Dilma. Também mudam, claro, os alvos da discurseira de esgoto berrada com sotaque de coronel nordestino.
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Quando foi ministro de Lula, por exemplo, Ciro enxergava no chefe o maior presidente da história. Hoje vê na mesma figura “um merda”, como revelou num palavrório recente.
Diretores de redação que antes bajulava para mendigar entrevistas e reportagens – eu fui um deles – agora se tornaram “jornalistas alugados que precisam garantir o emprego na idade provecta”. Eu seria um deles.
Para essa caricatura degenerada do Menino Maluquinho, envelhecer é crime. Ele nem desconfia que, nascido num clã de oligarcas, já era velho ainda nos trabalhos de parto. É compreensível que o cérebro grisalho tenha ordenado ao caudilho com pouco mais de 20 anos que começasse a carreira política no PDS.
Permaneceu até 1983 no partido que surgira das cinzas da Arena, concebido para dar sustentação parlamentar ao regime militar. Um ano antes da redemocratização, filiou-se ao PMDB para ampliar as chances de virar deputado estadual.
Foi o começo da romaria partidária que o levaria a alugar-se, arrendar-se ou vender-se ao PSDB, ao PPS, ao PSB e ao PROS antes de homiziar-se no PDT. É hora de algum amigo misericordioso dizer-lhe que o papel de moleque boquirroto, que passou a vida interpretando, já não combina com um sexagenário.
Desde 6 de novembro, Ciro Gomes desfruta dos privilégios concedidos aos idosos: filas preferenciais, meio ingresso em cinemas e circos, viagens rodoviárias gratuitas, estacionamento cativo — tudo isso está ao alcance do jurássico oportunista que se imagina jovem.
Queira ou não, ele foi incorporado à grande tribo dos provectos. Se criar juízo, deixará de chamar eleitores de “burros”, afirmar que o papel da mulher de um político é dormir com o candidato ou qualificar Fortaleza de “um puteiro a céu aberto”.
Caso mantenha o estilo, o sessentão idiotizado pela certeza de que o Brasil é uma imensa Sobral ficará alguns anos-luz mais longe do Planalto. Em contrapartida, estará cada vez mais perto da presidência perpétua do clube dos veteranos velhacos.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Entrevista a Obarayi de Xangô (Balbino Daniel de Paula)

Entrevista a Obarayi de Xangô (Balbino Daniel de Paula)

Março 3, 2012 § 4 comentários

Balbino Daniel de Paula, mais conhecido como Obarayn D’Xangô, nasceu em Ponta de Areia na Ilha de Itaparica, ligado á família de grande líder religioso, Alapini Pedro Daniel de Paula, em memória Ojé do Terreiro Lesen Egun Aboulá.
Obarayn é figura ilustre entre as autoridades dos candomblés de nação Ketu e consequentemente, de todos os cultos Afro-Brasileiros, querida pela sua representatividade e irreverência, respeitada pela sua capacidade, autoridade e sabedoria no que diz respeito à destreza nas obrigações da religião na Bahia, no Brasil e no mundo.
A trajetória de uma pessoa de Ponta de Areia na Ilha de Itaparica, ligada ao culto de babá-egun à posição de extrema responsabilidade e visibilidade na liderança de um terreiro como pai-de-santo com inúmeros filhos de santo em Salvador, no Brasil e também no exterior pode parecer pouco comum. Mas ela se explica pela ligação ancestral de Balbino com a sua cultura de origem e as amizades e contatos com pessoas dos mais diversos contextos sociais e culturais que o destino lhe proveu. E ela torna-se ainda mais evidente pelo grande carisma da sua personalidade e pela sua força espiritual que se sente, sempre de novo, ao ver o seu Xangô, admirado pelos seus irmãos e filhos de santo.
Quando foi iniciado em 1959, a sua mãe-de-santo, Mãe Senhora do Ilê Axé Opô Afonjá, tinha comemorado alguns meses antes as bodas de ouro, por coincidência no dia de aniversário de Pierre Fatumbi Verger (4/11). Fatumbi era muito ligado a Mãe Senhora e mais tarde a Balbino, ao ponto de ser uma das pessoas responsáveis pela criação e instalação do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, no Alto da Vila Praiana, em Lauro de Freitas.
Obarayn D’Xangô possui laços familiares de Santo em Portugal, por intermédio do Agabá e do Otún Orisá Ilé Asè Omin Ògún. Tanto o Bábálórísá Jomar d’Ògún como o Bábálórísá Paulo d’Yemonjá foram adoptados por Jacilewá (Bábálórísá Aristides Masacarenhas de Ajagunã, ou como é conhecido pelo povo de Santo, Pai Ari de Ajagunã, Òmó Òrísá de Obarayn) tornando-se assim Òmó (filhos) Ilê Asé Opô Ajagunã e, consequentemente, netos de Santo de Balbino Daniel de Paula. Bábálórísá Paulo d’Yemonjá, inclusivé, deu o seu Odun Enjé e Oyê de Bábálórísá com Pai Ari d’Ajagunã, reforçando este vinculo.
Nas próximas linhas, transcreve-se a entrevista dada por Obarayn á revista Povo de Santo e Asé, conduzida por Pai Ari de Ajagunã.
Aristides Mascarenhas – Em que ano o senhor se iniciou na Religião de Matriz Africana na Bahia?
Balbino Obarayin – Em 1958, quando conheci a Yalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, Maria Bibiana do Espírito Santo: Mãe Senhora.
A.M – O Senhor foi o primeiro filho de santo, do sexo masculino iniciado naquele Terreiro?
B.O – Sim, eu fui o primeiro filho de santo do sexo masculino de mãe Senhora e meu irmão Moacir de Ogum, que já faleceu, foi o segundo,.
A.M – Em que ano foi fundado o Ilé Asè Opô Aganjú?
B.O – Em 1972 – foi fundado o Ilê Axé Opô Aganjú, em Lauro de Freitas, sendo o Terreiro da linhagem tradicional de Ketu, saído do Ilê Axé Opô Afonjá, a minha Matriz.
A.M – Qual a ligação do Terreiro aos terreiros da Casa Branca e do Gantois?
B.O – São minhas o matrizes; o primeiro Terreiro de Candomblé da Bahia – Terreiro chama-se Yá Nosso Oká, conhecido como Terreiro da Casa Branca, o 2º Terreiro é o do Gantois e o 3º o Axé Opô Afonjá. São as casas matrizes.
A.M – O senhor foi o fundador do grupo dos Mogbás na Bahia?
B.O – Sim, em 1972, foram criados os 12 ministros de Xangô, sendo que no Ilê Axé Opô Afonjá minha avó Aninha criou o grupo dos Obás e no Aganju o dos Mogbás.
A.M – No Aganjú tem um memorial do Escritor Pierre Vergê?
B.O – Sim, temos uma Casa, em espécie de Memorial do meu amigo, filho, pai Mogbá D’Xangô Pierre Vergê, onde estão expostos objetos de uso pessoal do Etnólogo.
A.M – Como o senhor é fiel à tradição de solidariedade social no Terreiro?
B.O – No Aganju, mantemos uma Creche (Casulo Vovó Ana), que atende gratuitamente 50 crianças do Alto da Vila Paiana, administrada por minha irmã biológica Rosa D’Oxum – Mãe Pequena da Casa (Yakekerê) filha de santo de Mãe Senhora também.
A.M – Porque a Creche tem o nome de Ana?
B.O – Porque Ana é o nome de minha saudosa mãe, filha de Oyá uma pessoa muita especial para a nossa família. Esta foi uma forma de a homenagear.
A.M – Qual foi o Seu primeiro contato com o Candomblé?
B.O – No ano de 1948, conheci o pai de santo, de Oxalá chamado seu Vidal; eu iria fazer meu santo com ele mas não cheguei a fazer por que ele faleceu em 1958. Então fui para São Gonçalo e fiz a minha obrigação com Mãe Senhora.
A.M – O que o Senhor aprendeu no Candomblé?
B.O – Aprendi a sobreviver, com essas mulheres guerreiras; aprendi sabedoria, coisas de Axé, uma vida de grande conhecimento com a minha saudosa Mãe Senhora.
A.M – O que falta no Candomblé?
B.O – Hoje existem algumas informações e pouca formação; todos querem ser pais e mães de santo antes do tempo e sem o aprendizado do Awô – Segredo.
A.M – O futuro de Obarayn, qual é?
B.O – Nas mãos dos meus orixás, meus ancestrais, eu não me pertenço estou na Mão de Xangô.
A.M – Referencias do Candomblé?
B.O – Mãe Stella, Mãe Tatá, Mãe Carne, Ebomi Rosa de Oxum, meus filhos de santo, meus Mogbás… felizmente, Eu amo muita gente.
A.M – Fale-nos de Saudade.
B.O – Minha Mãe de Santo, mãe Senhora, minha irmã biológica Ana, meu Pai Pedro, meu irmão Moacy de Ogum, minha Sofia de Oyá e outros.
A.M – Quais os Cargos dados pelo Babalorixá?
B.O – Dei vários (Oyê) – meus primeiros filhos a receber Deká no Ilê Axé Opô Aganju, foram Ailton Santos em memória Babakekerê da Casa, meu filho Jasilewá Aristides Mascarenhas, recebeu também o posto de Asoju Obá Laio da Casa de Xangô; outros cargos dados foram a Egbomi Nininha de Oxoguiã Otum Orixá, Egbomi Sisi de Oxalufã Otum Kekerê, Piedade de Oxalá Yá Efun.
A.M – Quantos dos seus filhos de santo, possuem Casas abertas como Terreiros.
B.O – Já perdi a conta… tenho filhos de santo até aqui mesmo em Lauro de Freitas como Casa aberta – Tide de Ajagunã tem até o Terreiro dele Tombado igual ao meu, Mãe Lila de Oxum, Oni Dalewar e outros.
A.M – Deixe por favor, uma mensagem para o Povo de Santo.
B.O – Nós não precisamos buscar as nossas tradições, nas outras religiões, porque nós temos a força da natureza e somos livres para acreditar no nosso verdadeiro segredo (Awô).

Comunidades Quilombolas no Brasil, Semana da Consciência Negra

22/11/2007

Comunidades Quilombolas no Brasil, Semana da Consciência Negra

Por Lúcia Andrade*

Quem são

Os grupos étnicos conhecidos como “comunidades remanescentes de quilombos”, “quilombolas”, “comunidades negras rurais” são constituídos pelos descendentes dos escravos negros que, no processo de resistência à escravidão, originaram grupos sociais que ocupam um território comum e compartilham características culturais até os dias de hoje. 

Origem

Os quilombos se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também a conquista de terras por meio de heranças, doações, pagamento por serviços prestados ao Estado, a compra e ainda a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.
O que define o quilombo é o movimento de transição da condição de escravo para a de camponês livre que se deu por essas variadas formas. O que caracterizava o quilombo, portanto, não era o isolamento e a fuga e sim a resistência e a autonomia.
Conheça mais sobre a história dos quilombos:
Escravidão e resistência na Amazônia
A História da Presença Negra em Minas Gerais

Localização

Comunidades constituídas por descendentes dos quilombos existem não só no Brasil mas também em outros países da América do Sul como Colômbia (onde são denominados cimarrones), Equador e Suriname e da América Central, como Nicarágua, Honduras e Belize onde são conhecidos como creoles e garífunas. 
As comunidades quilombolas estão localizadas em todas as regiões do Brasil ocupando diferentes ecossistemas e explorando os recursos naturais de seus territórios de formas diversas. 
Algumas encontram-se em regiões ainda bastante isoladas da Amazônia, várias outras na zona rural de regiões já bastante desenvolvidas e algumas ainda estão localizados em centros urbanos.

População

Não existe um levantamento oficial sobre o número de comunidades quilombolas existentes no Brasil ou sua população. Fontes não governamentais estimam a existência de 2.000 a 3.000 comunidades. O cadastro oficial do governo brasileiro reconhece a existência de 1.170 comunidades.
Tão pouco se sabe a dimensão dos territórios quilombolas o Brasil. Em outubro de 2006, os territórios já titulados somavam 931.187 hectares. 
Como Vivem
As comunidades quilombolas são bastante diferentes uma das outras. Foram fundadas a partir de diferentes processos de resistência. Ocupam ecossistemas muito diversos e desenvolveram diferentes estratégias de exploração dos recursos de seus territórios. As manifestações culturais também variam de comunidade para comunidade.
Conheça como vivem as comunidades quilombolas:
Bahia
Minas Gerais
Pará
Oriximiná, Pará
Rio de Janeiro
São Paulo
Os Territórios Quilombolas
As terras conquistadas pelos escravos negros são um legado transmitido de geração para geração e constituem os territórios das comunidades atualmente conhecidas como remanescentes de quilombos ou quilombolas. 
As terras de quilombo foram conquistadas por meio de diversas formas de resistência. Não só por meio das fugas com a ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também do recebimento de heranças e de doações, como pagamento de serviços prestados ao Estado, pela compra e ainda pela ocupação de áreas no interior de grandes propriedades.
Assegurar aos quilombolas os seus territórios é garantir não somente a sua sobrevivência física, mas também a sua cultura e modo de vida próprio. 
As terras quilombolas são um espaço coletivo ocupado e explorado por meio de regras consensuais aos diversos grupos familiares cujas relações são orientadas pela solidariedade e ajuda mútua. As terras de quilombo, portanto não se reduzem a simples somatória de lotes individuais. 
As comunidades remanescentes de quilombos conhecidas caracterizam-se pela prática do sistema de uso comum das suas terras. Tais territórios são concebidos como bem comum ao grupo e explorados segundo regras consensuais próprias que incluem laços solidários e de ajuda mútua e que podem variar de comunidade para comunidade.  
O território não é concebido pelos quilombolas como uma mercadoria que possa ser dividida e comercializada. O território é a história, a identidade, a liberdade conquista. O local onde se nasce, se vive e que permanece como herança para os descendentes.

A Legislação

Foi somente no ano de 1988 que o Estado Brasileiro reconheceu aos quilombolas direitos específicos: o direito à propriedade de suas terras consagrado na Constituição Federal. 
A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), consagra aos remanescentes das comunidades de quilombos o direito à propriedade de suas terras. Diz textualmente o artigo 68: 
"Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". 
A inclusão deste preceito constitucional foi motivada pela premência de reparar uma injustiça histórica cometida pela sociedade escravocrata brasileira contra o povo negro. Uma reparação que se concretiza através do reconhecimento dos direitos das comunidades de descendentes dos antigos escravos possibilitando-lhes, finalmente, o acesso à propriedade de suas terras.
As comunidades quilombolas tiveram também garantido o direito à manutenção de sua cultura própria através dos artigos 215 e 216 da Constituição. O primeiro dispositivo determina que o Estado proteja as manifestações culturais afro-brasileiras. Já o artigo 216 considera patrimônio cultural brasileiro, a ser promovido e protegido pelo Poder Público, os bens de natureza material e imaterial (nos quais incluem-se as formas de expressão, bem como os modos de criar, fazer e viver) dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão, sem dúvida, as comunidades negras.
Desta forma, o direito dos quilombolas à terra está associado ao direito à preservação de sua cultura e organização social específica. Isso significa que, ao proceder a titulação, o Poder Público deverá fazê-lo respeitando as formas próprias que o grupo utiliza para ocupar a sua terra. Para que sejam protegidos e respeitados os modos de criar, fazer e viver das comunidades quilombolas é preciso garantir a propriedade de um imóvel cujo tamanho e características permitam a sua reprodução física e cultural.
Conheça as leis que garantem os direitos das comunidades quilombolas.

A Luta pela Terra

Quilombolas em todo País lutam para fazer valer o direito à propriedade de suas terras garantido pela Constituição Federal. Não tem sido fácil. 
A primeira titulação de uma terra de quilombo demorou sete anos para ser efetivada. E até hoje o número de territórios titulados é muito limitado. Apenas 80 territórios titulados onde vivem 135 comunidades.
Existem comunidades quilombolas vivendo em 24 estados do Brasil. No entanto, apenas 13 estados contavam, em outubro de 2007, com algum território quilombola titulado. O Pará é o estado campeão em titulações. Lá são 34 as terras de quilombo tituladas. No Maranhão 20 territórios já se encontram titulados.
Mais de 400 comunidades aguardam que os processos de titulação de suas terras sejam concluídos pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Para saber mais:Como se titula uma terra de quilombo
Ações Judiciais e Terras de Quilombo
Observação: As informações apresentadas nesse documento são resultado do “Programa Comunidades Quilombolas e Direitos Territoriais” desenvolvido pela Comissão Pró-Índio de São Paulo com o objetivo de pesquisar e divulgar como esses direitos vêm sendo reconhecidos na legislação, implementados pelo governo e interpretados pelo Poder Judiciário.
*da Comissão Pró-Índio de São Paulo 
Fonte: Comissão Pró-Índio, novembro de 2007