segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A ‘vibe’ do suicídio

suicídio

A ‘vibe’ do suicídio

No momento em que o suicídio é revelado entre as principais causas de morte de adolescentes, o mundo começa a sentir a necessidade de renunciar ao método da cegueira voluntária para enfrentar a problemática com a atenção que o tema requer.
A preocupação com os filhos, acima de qualquer outra aflição, se destaca nessa guerra do homem contra si mesmo. O que parecia isolado, agora nos desafia como uma tragédia que recai sobre uma juventude inteira. A Geração Beat sugeria jogar tudo pela janela, mas a atual vai além, ela se joga pela janela.
O desejo pela autodestruição pode advir de uma série de fatores, desde as simples decepções amorosas até as concepções fanáticas em nome de um deus ou de certas convicções políticas.
É certo que nem sempre o fatídico decorre de um estado depressivo que ultrapassa os limites do suportável, embora este seja o diagnóstico mais frequente. Em alguns casos, o indivíduo é levado a suprimir a sua vida ou a permitir que alguém o faça em um rompante altruísta, no sentido de salvar a sua família ou a própria nação.
São os casos, por exemplo, do pai que trava luta corporal com um animal feroz até que seus filhos cheguem a um local seguro, do mesmo modo que um soldado, no isolamento da trincheira, retarda o avanço do inimigo a fim de viabilizar a inteira retirada dos seus colegas de farda.
Contudo, dispensável o embasamento em dados estatísticos para se admitir que não são as manifestações de amor que costumeiramente levam alguém ao encontro com a morte.
Alguns dizem que a capacidade de se matar não é restrita aos seres humanos. Há discussões no âmbito científico se realmente o escorpião lança o ferrão em seu próprio dorso quando encurralado por um círculo de fogo ou se essa reação somente ocorre no imaginário popular.
Igual debate se dá em relação às baleias, que inspiram o nome do covarde jogo da Blue Whale. Controvérsias à parte, jamais esquecerei os relatos de um veterano da Guerra do Vietnã, que em seu livro sobre o front comenta a respeito do suicídio dos elefantes após presenciarem a execução brutal dos seus donos como efeito da bestialidade da guerra.
Segundo o autor, esses animais costumavam se projetar contra as árvores até sucumbirem. De qualquer modo, o certo é que os irracionais também reagem de forma surpreendente diante do medo, do desespero e da solidão. O desfecho mais comum é a morte por inanição.
Para Erich Fromm, psicanalista, filósofo e sociólogo alemão (1900-1980), a solidão é o principal motivo do suicídio e é por isso que o homem tende a se associar a alguma coisa maior do que ele, como uma igreja, um partido político, um movimento qualquer, um sindicato ou até mesmo a uma torcida organizada.
É claro que alguns exemplos de suicídios coletivos, como os ocorridos no Gueto de Varsóvia, colocam em xeque essa tese, mas é fundamental ponderar que a solidão também pode atingir a coletividade, independentemente de suas vítimas compartilharem o mesmo espaço físico.
O mundo tecnológico tem afastado o homem dos seus semelhantes. Ao longo do dia, disparamos inúmeras mensagens via wathsapp, e-mail ou SMS com a sensação de que estamos cumprindo a nossa cota de socialização.
Jogamos videogame com o mundo inteiro pelo multiplayer na companhia de parceiros  sem rosto, enquanto a televisão se impõe como a principal interlocutora, construindo, em conluio com a Internet, verdades raramente contestadas.
Como efeito, o homem vai se isolando paulatinamente, em razão de não possuir mais a condição de entender o processo de evolução tecnológica que o atropela. Pensar parece não ser mais um de seus atributos. Quem sabe, em um dia qualquer, o vazio agravado pela perda do sinal WI-FI não o convidará à covardia da morte?
A expressão máxima do suicídio foi alcançada por Mary Shelley  (1797-1851), em seu romance Frankenstein, escrito por ocasião da disputa com Lord Byron sobre quem conseguiria escrever o conto mais horripilante.
Levando em consideração a época que antecedia a Revolução Industrial, nada mais assustador quanto à discussão sobre os limites entre o divino e o humano, reabrindo o que há de mais elementar no campo filosófico: de onde vim, para onde vou?
O ser criado pelo cientista Victor Frankenstein não era um monstro, exceto na sua aparência, o que bastou para ser rejeitado pelo seu criador e por todos com quem teve o desprazer de se expor.
Por essa razão, passou a viver recluso na floresta, onde pôde contemplar, à distância, a rotina de uma família de camponeses, experimentando, esporadicamente, a companhia generosa de um ancião completamente cego. Porém, quando visto pelos demais, foi atacado e banido em razão de suas feições.
Assim, dedicou-se a perseguir o seu criador para exigir o direito que lhe foi negado, ou seja, o de ser feliz no convívio com o próximo. A intransigente recusa do cientista fez com que a criatura fosse tomada de cólera e assassinasse os parentes mais próximos do seu criador.
Experimentada a dor da perda, Victor Frankenstein se sente castigado por Deus e acaba reduzindo sua vida ao desiderato da vingança, morrendo ao relento. Para a criatura, a ausência do seu criador significava que estava totalmente só, sem qualquer esperança de salvação.
Perdido em meio a intenso sofrimento, conspira para o próprio martírio.
Obviamente, Shelley venceu o concurso de contos tenebrosos. Pior do que o sobrenatural, só o que diz respeito à natureza humana. A capacidade de autodestruição é inerente a todos e não há quem possa se sentir imune às razões que nos levam a antecipar o inevitável.
Prudente é aquele que não paga para ver e não vacila ao vigiar seus impulsos, pois muitos iniciam o processo suicida sem ao menos perceber, seja pelo álcool, drogas, esportes ultrarradicais, excesso de velocidade ou de trabalho. Podem chamar de fuga, mas na realidade é suicídio.
O homem que se mata, entende a morte menos traumática do que a vida; pretende escapar da angústia que as circunstâncias lhe causam; extermina o corpo para aniquilar as lembranças que degeneram os seus pensamentos e comprometem tudo o que tende a vir pela frente.
Com exceção daqueles que ceifam a própria vida sem querer, na tentativa histérica de chamar a atenção, o suicida procura consumar a tragédia com perfeição, muitas vezes digna de um espetáculo cinematográfico, requinte fúnebre que nos faz lembrar alguns versos de Bocage:
“quando a morte a luz me roube, ganhe um momento o que perderam anos, saiba morrer o que viver não soube”.
A modernidade fez com que o suicídio saísse dos livros e ganhasse espaço nos filmes. Impossível esquecer o realismo com que o problema é tratado na obra Setembro, de Woody Allen.
Na mesma linha, outros ganharam mais notoriedade como os aclamados Ensina-me À Viver, Justiça Para Todos, Nascido Para Matar e Sociedade dos Poetas Mortos.
Na música, a banda inglesa Pink Floyd chocou o mundo com as cenas de autoflagelação, mas foram os conterrâneos do Judas Priest que acabaram condenados pela justiça, em razão de um jovem ter se enforcado enquanto ouvia a faixa de um dos seus mais famosos álbuns.
Nos anos noventa, o grupo Suicidal Tendences chegou a estar no Top Ten dos Estados Unidos. Entretanto, nada se compara à maneira como o assunto vem se destacando nos dias atuais.
Apenas como exemplo, uma das séries com mais audiência no mundo em 2017, produzida pela Netflix, chama-se 13 Reasons Why, cujo enredo versa sobre uma adolescente que corta os pulsos em consequência do incessante bulling sofrido na escola, além de outras formas de violência.
A onda de suicídios promovida pelo jogo Baleia Azul forçou a quebra do tabu na imprensa. Desde então, uma série de matérias vem sendo publicadas para provocar o debate.
Pesquisas apontam que no Brasil o suicídio já deve ser compreendido como uma questão de saúde pública, envolvendo pessoas de todas as idades, incluindo até mesmo crianças na faixa etária de nove anos.
No caso brasileiro, a miséria humana chega a níveis tais que chega a ser tão difícil saber o que leva uma pessoa a se matar quanto a querer estar viva. Claro que eu não estou me referindo ao grupo que corresponde a menos de um por cento da população, que possui emprego, recebe um salário digno, tem plano de saúde e possui casa própria.
Penso na quase totalidade que quando empregada se pergunta por quanto tempo terá o privilégio de exercer atividade laboral, vive para pagar as despesas ordinárias e mantém o telefone desligado para não ser importunada pelas empresas de cobrança.
Quando fica sem trabalhar, entra na disputa para virar as latas de lixo da cidade em busca de comida.
É verdade que a desgraça financeira não pode ser a única responsável por tirar o brilho da vida. Mesmo entre os mais ricos é possível encontrar muito mais do que treze razões para não desejá-la.
Nesse meio é também crescente a desagregação familiar e o estranho orgulho de ser desapegado a tudo e a todos, com exceção daquilo que tenha valor de mercado.
Não podemos nos ludibriar pelo que se vê no Instagram o no Facebook, nos quais não somos constituídos de carne e osso, mas por uma massa desforme cuja futilidade é o ingrediente principal.
As fotos que intrinsicamente nos enviam mensagens de “olha o meu carro novo”; “vejam que hotel luxuoso eu estou”, “vejam como sou sexualmente irresistível”, “vejam como o meu abdômen está definido”, “vejam como sou destemido” só comprovam a necessidade de camuflar o conhecido vazio que conduz ao suicídio.
Detalhe curioso é que para esse mal que agora nos assola não temos o Direito Penal como aliado. Nos últimos anos, os brasileiros vêm defendendo a criminalização de todos os comportamentos indesejáveis, como se a ameaça da imposição da pena fosse a solução para todos os pecados.
Ocorre que segundo a legislação pátria, o suicídio não é crime, e nem poderia ser. Segundo a corrente doutrinária dominante, para que um fato ganhe o status de infração penal, deve ser típico, antijurídico e culpável, ou seja, definido em lei, contrário ao ordenamento jurídico e que possa recair sobre o autor a responsabilidade penal.
A análise quanto à existência do delito precisa ser realizada pela verificação da presença desses elementos, rigorosamente nessa ordem.
Não obstante o suicídio ser considerado um fato antijurídico – porque não é dado a ninguém o direito de se matar, levando-se em conta que o Estado deve proteger a vida, bem jurídico indisponível – não é típico. O que está prevista no Código Penal Brasileiro é a conduta daquele que induz, instiga ou auxilia alguém ao suicídio.
O indivíduo que o consuma, consequentemente extingue a punibilidade pela morte. A tentativa também não é punível, pois se o suicídio consumado não é crime, a sua forma frustrada não poderia ter outro tratamento. Se o agente pode mais, forçoso concluir que também pode menos.
E por amor ao debate, se existisse uma brecha legal para punir o suicida mal sucedido, certamente ele encontraria o motivo para renovar o intento ainda com mais precisão.
Chegou a hora de colocar a sociedade no banco dos réus. Quando um jovem é asfixiado pelo nó de forca ou se lança em voo eterno do alto de um prédio, não há sequer um único inocente.
Qualquer pessoa poderia ter feito algo para tentar evitar. O silêncio diante da agonia alheia constitui a prova que nos incrimina e nos condena.
Aquele que nega a sua parcela de culpa poderá ver a própria imagem refletida no espelho sorrindo de desdém, como a personagem criada por Albert Camus (1913-1960), no livro A Queda, que ao passar por uma ponte, ouve o som do mergulho de uma pessoa que se lança às profundezas do rio, mas nada faz.
Dependendo da concepção que possamos ter da vida, realmente fica impossível compreender o suicídio, e mais ainda desviar alguém desse caminho. Viver significa simplesmente respirar. Tendo sorte, conseguimos amar, e com mais sorte ainda, alcançamos o êxtase de sermos amados.
Quando a ideia do que seja viver passa a ter o mesmo sentido de alcançar sucesso no campo profissional, amoroso e financeiro, o suicídio caminha ao lado e nos espera na curva.

domingo, 6 de agosto de 2017

Filosofia e Confusão

18 de Março de 2008   História da filosofia

Carta a Meneceu

Epicuro

Tradução de Desidério Murcho

Epicuro a Meneceu, saudações.

Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado tarde para a felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho devem estudar filosofia, o primeiro para que à medida que envelhece possa mesmo assim manter a felicidade da juventude nas suas memórias agradáveis do passado, o último para que apesar de ser velho possa ao mesmo tempo ser jovem em virtude da sua intrepidez perante o futuro. Temos portanto de estudar o meio de assegurar a felicidade, visto que se a tivermos, temos tudo, mas se não a tivermos, fazemos tudo para a obter.
Pratica e estuda sem cessar aquilo que estava sempre a ensinar-te, tendo a certeza de que estes são os primeiros princípios da vida boa. Depois de aceitar deus como o ser imortal e bem-aventurado descrito pela opinião popular, nada mais lhe atribuas que seja estranho à sua imortalidade ou à sua bem-aventurança, mas antes acredita acerca dele seja o que for que possa sustentar a sua imortalidade bem-aventurada. Os deuses existem realmente, pois a nossa percepção deles é clara; mas não são como a multidão os imagina, pois a maior parte dos homens não retêm a imagem dos deuses que primeiro recebem. Não é o homem que destrói os deuses da crença popular que é ímpio, mas antes quem descreve os deuses nos termos aceites pela multidão. Pois as opiniões da multidão sobre os deuses não são percepções mas antes falsas suposições. De acordo com estas superstições populares, os deuses enviam grandes males aos perversos, e grandes bem-aventuranças aos íntegros, pois, sendo sempre favoráveis às suas próprias virtudes, aprovam quem é como eles, encarando como estranho tudo o que é diferente.
Filosofia em Directo
Habitua-te à crença de que a morte não nos diz respeito, dado que todo o mal e todo o bem assentam na sensação e a sensação acaba com a morte. Logo, a crença verdadeira de que a morte nada é para nós faz uma vida mortal feliz, não ao acrescentar-lhe um tempo infinito, mas ao eliminar o desejo de imortalidade.
Pois não há razão para que o homem que tem plena certeza de que nada há a recear na morte encontre algo que recear na vida. Assim, também é tolo quem diz que receia a morte não por ser dolorosa quando chegar mas por ser dolorosa a sua antecipação; pois o que não é um peso quando está presente é doloroso sem razão quando é antecipado. A morte, o mais temido dos males, não nos diz consequentemente respeito; pois enquanto existimos a morte não está presente, e quando a morte está presente nós já não existimos. Nada é portanto nem para os vivos nem para os mortos visto que não está presente nos vivos, e os mortos já não são.
Mas os homens em geral por vezes fogem da morte como o maior dos males, por vezes almejam-na como um alívio para os males da vida. O homem sábio nem renuncia à vida nem receia o seu fim; pois a vida não o ofende, nem supõe que não viver é de algum modo um mal. Tal como não escolhe a comida da qual há maior quantidade mas a que é mais agradável, também não procura a satisfação da vida mais longa mas sim a da mais feliz.
Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem é tolo não apenas porque a vida é desejável, mas também porque a arte de viver bem e a arte de morrer bem são uma só. Contudo, muito pior é quem diz que é bom não ter nascido mas, uma vez nascido, que o melhor é passar depressa pelos portões do Hades.
Se um homem diz isto e realmente acredita nisto, por que razão não se retira da vida? Certamente que os meios estão à mão se for realmente essa a sua convicção. Se o diz a zombar, é visto como um tolo entre quem não aceita o seu ensinamento.
Lembra-te que o futuro nem é nosso nem é completamente não nosso, de modo que nem podemos contar que virá de certeza nem podemos abandonar a esperança nele com a certeza de que não virá.
Tens de considerar que alguns desejos são naturais, outros vãos, e dos que são naturais alguns são necessários e outros apenas naturais. Dos desejos naturais, alguns são necessários para a felicidade, alguns para o bem-estar do corpo, alguns para a própria vida. O homem que tem um conhecimento perfeito disto saberá como fazer toda a sua escolha ou rejeição tender para ganhar saúde do corpo e paz de espírito, dado que este é o fim último da vida bem-aventurada. Pois para alcançar este fim, nomeadamente a libertação da dor e do medo, fazemos tudo. Quando se atinge esta condição, toda a tempestade da alma sossega, dado que a criatura nada mais precisa de fazer para procurar algo que lhe falte, nem de procurar qualquer outra coisa para completar o bem-estar da alma e do corpo. Pois só sentimos a falta de prazer quando sentimos dor com a sua ausência; mas quando não sentimos dor já não precisamos de prazer. Por esta razão, dizemos que o prazer é o princípio e o fim da vida bem-aventurada. Reconhecemos o prazer como o bem primeiro e natural; partindo do prazer, aceitamos ou rejeitamos; e regressamos a isto ao ajuizar toda a coisa boa, usando este sentimento de prazer como o nosso guia.
Precisamente porque o prazer é o bem principal e natural, não escolhemos todo o prazer, mas por vezes abstemo-nos de prazeres se estes forem cancelados pelas privações que se seguem; e consideramos muitas dores melhores do que prazeres quando um maior prazer virá até nós depois de termos sofrido dores demoradas. Todo o prazer é um bem dado ter uma natureza congénere da nossa; contudo, nem todo o prazer deve ser escolhido. De igual modo, toda a dor é um mal, contudo nem toda a dor é de natureza a ser evitada em todas as ocasiões. Pesando e olhando para as vantagens e desvantagens, é apropriado decidir todas estas coisas; pois em certas circunstâncias tratamos o bem como mal e, igualmente, o mal como bem.
Encaramos a auto-suficiência como um grande bem, não para que possamos desfrutar apenas de poucas coisas, mas para que, se não tivermos muitas, nos possamos satisfazer com as poucas, estando firmemente persuadidos de que quem retira o maior prazer do luxo é quem o encara como menos preciso, e que tudo o que é natural se obtém facilmente, ao passo que os prazeres vãos são difíceis de obter. Na verdade, temperos simples dão um prazer igual ao dos banquetes pródigos quando a dor devida à necessidade for removida; e pão e água dão o máximo prazer quando uma pessoa necessitada os consome. Estar acostumado à vida simples e básica conduz à saúde e faz um homem ficar pronto a enfrentar as tarefas necessárias da vida. Prepara-nos também melhor para usufruir o luxo se por vezes tivermos a sorte de o encontrar, e faz-nos intrépidos face à fortuna.
Quando dizemos que o prazer é o fim, não queremos dizer o prazer do extravagante ou o que depende da satisfação física — como pensam algumas pessoas que não compreendem os nossos ensinamentos, discordam deles ou os interpretam malevolamente — mas por prazer queremos dizer o estado em que o corpo se libertou da dor e a mente da ansiedade. Nem beber e dançar continuamente, nem o amor sexual, nem a fruição de peixe ou seja o que for que a mesa luxuosa oferece gera a vida agradável; ao invés, esta é produzida pela razão que é sóbria, que examina o motivo de toda a escolha e rejeição, e que afasta todas aquelas opiniões através das quais a mente fica dominada pelo maior tumulto.
De tudo isto o bem inicial e principal é a prudência. Por esta razão, a prudência é mais preciosa do que a própria filosofia. Todas as outras virtudes nascem dela. Ensina-nos que não é possível viver agradavelmente sem ao mesmo tempo viver prudentemente, nobremente e justamente, nem viver prudentemente, nobremente e justamente sem viver agradavelmente; pois as virtudes cresceram em união íntima com a vida agradável, e a vida agradável não pode ser separada das virtudes.
Quem pensas então que é superior ao homem prudente, que tem opiniões reverentes sobre os deuses, que não tem qualquer medo da morte, que descobriu qual é o maior bem da vida e que compreende que o mais alto bem é fácil de alcançar e manter e que o extremo do mal tem limites no tempo ou no sofrimento, e que se ri do que algumas pessoas inventaram como a regente de todas as coisas, a Necessidade? Ele pensa que o poder de decisão principal nos cabe a nós, apesar de algumas coisas surgirem por necessidade, algumas por acaso e algumas pelas nossas próprias vontades; pois ele vê que a necessidade é irresponsável e o acaso incerto, mas que as nossas acções não estão sujeitas a qualquer poder. É por esta razão que as nossas acções merecem louvor ou censura. Seria melhor aceitar o mito sobre os deuses do que ser um escravo do determinismo dos físicos; pois o mito sugere uma esperança de graça através das honras concedidas aos deuses, mas a necessidade do determinismo é inescapável. Visto que o homem prudente não encara, como muitos, o acaso como um deus (pois os deuses nada fazem de maneira desordenada) ou como uma causa instável de todas as coisas, acredita que o acaso não dá ao homem o bem e o mal para fazer a sua vida feliz ou miserável, mas que fornece oportunidades para grandes bens ou males. Finalmente, ele pensa que é melhor encontrar o infortúnio quando se age com razão do que calhar a ter boa fortuna ao agir insensatamente; pois é melhor não ocorrer o que foi bem planeado nas nossas acções do que ser bem-sucedido por acaso o que foi mal planeado.
Medita nestes preceitos e noutros como estes, de dia e de noite, sozinho ou com um amigo da mesma opinião. Então nunca terás receio, de dia ou de noite; mas viverás como um deus entre os homens; pois a vida no seio de bem-aventuranças imortais não é de modo algum como a vida de um mero mortal.
Epicuro
Tradução de Desidério Murcho

Nota do tradutor

Esta é uma tradução da tradução inglesa anónima disponível no site da Universidade da Colúmbia. Esta tradução supera claramente a tradução de Brad Inwood e L. P. Gerson (Hackett) e a mais antiga de Robert Drew Hicks, iluminando algumas partes do texto que até agora eram algo incongruentes.

Filosofia da ciência

Filosofia da ciência

Filosofia da ciência 
Francis Bacon - A figura mais importante para a Filosofia da Ciência
Filosofia da ciência é a área da filosofia que pergunta sobre a ciência, de quais ideias parte, qual método usa, sobre qual fundamento e acerca de suas implicações. Apesar destes problemas gerais, muitos filósofos escreveram sobre algumas ciências particulares, como a física e a biologia. Não apenas se utiliza a filosofia para pensar sobre a ciência, como se utiliza resultados científicos para pensar a filosofia.
Não existe determinada ciência que faça parte dos estudos da filosofia da ciência. As ciências naturais (ex.: biologia, química e física), formais (ex.: matemática, lógica e teoria dos sistemas), sociais (ex.: sociologia, antropologia e economia) e aplicadas (agronomia, arquitetura e engenharia) já foram objetos de estudos filosóficos.
Historicamente, já na Grécia Antiga se pensava sobre a ciência. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por exemplo, escreveu sobre a origem da vida, afirmando a possibilidade de existir vida a partir de algo inanimado. A teoria da abiogênese (geração espontânea) que ele defendia perdurou por diversos séculos. Além da origem da vida, Aristóteles também se preocupou em elaborar um meio de estudar as espécies, sendo ele o primeiro a propor uma divisão do reino animal em categorias.
No decorrer da história, a figura mais importante para a filosofia da ciência é Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês responsável pela base da ciência moderna, o método indutivo. A indução, método de a partir de fatos particulares chegar a conclusões universais, já existia, mas é Bacon o responsável por seu aprimoramento e divulgação.
Após Bacon, muito se pensou e escreveu sobre a ciência, especialmente devido aos avanços e descobertas dos séculos seguintes. René Descartes desenvolveu seu método, houve as contribuições e discussões de Galileu Galilei, Isaac Newton, Gottfried Leibniz e outros. Deste aumento considerável de pensadores que detiveram tempo acerca do campo da filosofia da ciência pode-se escolher alguns para comentar suas importantes ideias. Entre eles, David Hume e Karl Popper.
David Hume (1711-1776), filósofo escocês, criticou fortemente as bases da ciência e da filosofia. A partir do pensamento de John Locke (1632-1704), Hume levou o empirismo, isto é, a ideia de que todo o nosso conhecimento tem origem na experiência (nos cinco sentidos), até as últimas consequências. Para ele, se nosso conhecimento ocorre após a experiência significa que não podemos deduzir eventos futuros. Significa dizer que não há nada no mundo que garanta que as leis que regem o universo hoje serão as mesmas amanhã. Por mais que o homem observe há milênios o sol aparecer todos os dias, nada garante o seu aparecimento amanhã, e por isso a ciência não pode tomar suas conclusões como verdades absolutas.
No século XX, o filósofo austríaco, Karl Popper (1902-1994) criticou a forma de fazer ciência a partir da indução, o método defendido por Bacon. Para Popper, o método indutivo não garante a validade de suas conclusões. Afirmou isso, pois não é possível ter acesso a todos os fatos particulares para ser possível chegar a conclusões. Um cientista pode observar cisnes durante 20 anos e perceber que todos os cisnes observados são brancos, mas ele não pode concluir que “todos” os cisnes são brancos. Se ele concluir isto, bastará a existência de apenas um cisne negro para invalidar sua tese. Com isto, Popper defenderá que o papel da ciência é falsear as suas conclusões a partir do método dedutivo, partindo de conclusões universais para a verificação particular. O papel da ciência é verificar se suas conclusões são verdadeiras, tentando falseá-las com a experimentação.

Filipe Rangel Celeti

Colaborador Mundo Educação

Bacharel em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP

Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Revista Veja – A opinião de quem oprime

Revista Veja – A opinião de quem oprime

Por Ana Vládia Holanda Cruz
Veja, veículo de comunicação ultraconservador, vocifera agora em seu blog contra o debate sobre uma nova política de segurança pública, o que abrange a desmilitarização das polícias e, consequentemente, a crítica da prática deliberada de guerra ao “inimigo interno” (leia aqui: http://abr.ai/RcUY2I).
De acordo com a publicação – que insiste na risível interpretação de uma “hegemonia cultural esquerdista”, quando a realidade é de acirramento do projeto neodesenvolvimentista do Governo Federal – partidos e movimentos sociais estariam “legitimando moralmente crimes” e “atacando” os militares por erros que “eventualmente cometem, como em qualquer outra instituição humana”. Os “erros eventuais” são, na verdade, a regra. Humilhações, prisões arbitrárias, criminalização e MORTES efetuadas por PMs possuem alvo certo (com corte de gênero, idade, classe e raça) e número impreciso, diante dos desaparecimentos e ocultação de cadáveres (nas áreas ocupadas por UPPs no Rio de Janeiro foram mais de 6 mil em apenas um ano, segundo o Instituto de Segurança Pública).
Há um único ponto de concordância com a matéria publicada: é preciso expor os nossos problemas de segurança pública.
Os dados talvez sejam desconhecidos para a Veja, mas fazemos questão de reafirmá-los: em cinco anos, apenas a PM de São Paulo matou mais do que todas as polícias dos EUA juntas (sendo que a população de São Paulo é oito vezes menor). Foram 2.045 mortes, muitas com características de execução sumária (tiros a curta distância e pelas costas, a exemplo do ficou demonstrado no relatório da Human Rights Watch – “Força Letal: Violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo”). Em 2012, em todo o país, as polícias Civil e Militar mataram, em média, quatro vezes mais do que a dos Estados Unidos e mais de duas vezes que as polícias da Venezuela – país que que têm o dobro da taxa de homicídios do Brasil para cada 100 mil habitantes (dados do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública).
Utilizando como fonte as estatísticas trimestrais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, podemos perceber que, à exceção do ano de 2005, o número de mortos pela polícia supera o número de feridos. “Se a polícia mata mais do que fere, isto nos sugere que não são considerados os princípios de razoabilidade e de necessidade da ação. Mesmo em um caso de resistência armada, por parte de delinquentes, cabe à polícia eliminar a resistência e não quem resiste”, afirma a pesquisadora Adriana Loche.
Quanto à rasa interpretação do articulista – que recentemente também pregou o ódio na matéria “Traficantes assistiram ao ‘Esquenta’ comendo pipoca?” – sobre a ideologia militar e o legado ditatorial da PM, e sua opinião de um “discurso inteiramente contaminado de ideologia esquerdista em seu sentido mais embusteiro, ou seja, psolista” (e mais à frente o autor também endossa a ideia de que “O fim da PM é uma bandeira que foi lançada de forma publicitária no filme Tropa de Elite 2, feito por psolistas para o PSOL e para a esquerda”), apresentamos os elementos que justificam a necessidade de sua superação a partir da articulação de diversos movimentos sociais e especialistas: os casos de tortura e assédio moral realizados por oficiais dentro das corporações, o apoio das praças (policiais não-oficiais) à desmilitarização, os gritos de guerra que pregam morte a “favelados” nos batalhões especiais e o número inadmissível de assassinatos supostamente justificados como “autos de resistência” (criado através de decreto logo após o Ato Institucional nº 5, durante a ditadura empresarial-militar). No entanto, na paranoia cômica do autor, o problema se resumiria a colocar “500 mil homens armados nas mãos do PT”.
Fim da PM3
São diversas as chacinas com participação policial, incluindo o massacre do Carandiru (1992); Candelária e Vigário Geral (1993); Eldorado dos Carajás (1996); São Gonçalo e da Favela Naval (1997); Alhandra e Maracanã (1998); Cavalaria e Vila Prudente (1999); Jacareí (2000); Caraguatatuba (2001); Castelinho, Jd. Presidente Dutra e Urso Branco (2002); Amarelinho, Via Show e Borel (2003); Unaí, Caju, Praça da Sé e Felisburgo (2004); Baixada Fluminense (2005); Crimes de Maio (2006); Complexo do Alemão (2007); Morro da Providência (2008); Canabrava (2009); Vitória da Conquista e os Crimes de Abril na Baixada Santista (2010); Praia Grande (2011); Massacre do Pinheirinho e de Saramandaia, entre tantas outras. Denúncias de torturas feitas por “agentes da lei e da ordem” crescem a olhos vistos, além do cotidiano abuso de autoridade e da criminalização de movimentos sociais e protestos.
Há ainda muitos outros equívocos na matéria, dentre eles a ideia de que a desmilitarização significaria desfardamento e / ou desarmamento dos policiais e demissões em massa. A campanha dos Comitês pela Desmilitarização da Polícia e da Politica questionam a permanência da Doutrina de Segurança Nacional no policiamento ostensivo que elege, tal qual no período ditatorial, inimigos internos na figura dos oponentes ao poder estabelecido e nas regiões populares (sobretudo identificados como “traficantes”).
A luta pela desmilitarização das PMs em todo o país é a luta por um novo modelo de segurança pública e de política criminal, por uma nova cultura policial baseada na garantia dos direitos e da dignidade humana e na possibilidade de participação direta da sociedade civil nas decisões político-administrativas que envolvam a área. Significa, igualmente, a necessidade de pensar a conflitualidade social a partir de sua complexidade, articulada com diversas outras questões que envolvem a violência (acesso à educação, ao lazer, à saúde, qualidade de vida, etc.), e não responder de forma militarizada às consequências da desigualdade social, fruto da exploração econômica e das históricas opressões políticas e culturais.
O recrudescimento do estado penal, inclusive, e os recorrentes apelos à redução da maioridade penal, prisão perpétua, justiçamentos, pena capital, etc., não funcionaram onde quer que tenham sido aplicados. O exemplo da redução da maioridade é revelador: nos 54 países que a reduziram não se registrou redução da violência. Sabe-se, por outro lado, que existe uma relação direta entre elevada desigualdade (estabelecida pelo índice GINI), em âmbito internacional, e baixo índice de desenvolvimento humano (internamente aos países, ou mesmo por bairros) e índices de violência.
Fim da PM2
A polícia é mais violenta do que eficaz para atingir o objetivo de redução da conflitualidade e apenas o preconceito e o ódio de classe, contra os pobres, daqueles que fazem a Veja não os permitem perceber.
Mas diante de textos tão raivosos em defesa do aparato militar de repressão, algo nos é reconfortante: se estamos incomodando reacionários e conservadores, estamos no caminho certo. DESMILITARIZAÇÃO JÁ!
Ana Vládia Holanda Cruz é doutoranda em Psicologia (UFRN) e integrante do Comitê Cearense pela Desmilitarização da Polícia e da Política
FONTE: REVISTA BERRO 

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Apelação no Novo CPC: o que mudou?

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Apelação no Novo CPC: o que mudou?

Hoje o IDC – Instituto de Direito Contemporâneo – completa seu primeiro ano de existência, cumprindo o seu papel de entregar conhecimento ao maior número possível de pessoas, por meio da rede mundial de computadores, a internet, ainda vitima de um certo preconceito no mundo jurídico porém tida em quase todas as áreas como a solução definitiva para o encurtamento da distância entre o indivíduo e o educador.
Confira abaixo um texto com as principais alterações trazidas pelo NCPC no âmbito do recurso de apelação, o recurso por excelência. Boa leitura!
Na linha da análise dos recursos no NCPC, é interessante ressaltar algumas modificações importantes no âmbito da apelação, tratada pelos artigos 994, inciso I, e 1.009 a 1.014 do Novo Código.
Para fins didáticos, preferimos expor algumas dessas alterações por meio dos seguintes assuntos: regras gerais; extinção do agravo retido; busca pela efetividade procedimental; juízo de admissibilidade somente no segundo grau de jurisdição; manutenção do efeito suspensivo; julgamento imediato do mérito; e extinção da “súmula impeditiva de recurso”.
A apelação continuará sendo o recurso cabível contra as sentenças (e também, como se verá a seguir, contra as decisões interlocutórias não passíveis de impugnação via agravo de instrumento), que deverá ser interposto no prazo de 15 dias úteis (NCPC, arts. 219, 1.003, §5º e 1.009).
Como já ressaltado no texto anterior, o Novo Código, alterando corretamente o regime das preclusões, deixa claro no artigo 1.009, §1º que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”. O que era matéria de agravo retido terá o seu espaço nas preliminares do recurso de apelação ou das contrarrazões recursais, hipótese esta na qual o recorrente será intimado para se manifestar em 15 dias (§2º). Insta dizer, também, que não haverá necessidade de protesto em lugar do agravo retido, conforme já constou da redação do NCPC na Câmara dos Deputados.
Na busca pela efetividade procedimental no âmbito recursal, notam-se diversos avanços no novo marco legal processual, dentre os quais está, por exemplo, a intimação do recorrente para sanar vício decorrente do preenchimento incorreto da guia de custas do preparo recursal (NCPC, art. 1.007,§7º). Não se pretende dar espaço à chamada “jurisprudência defensiva” dos tribunais, mas incentivar, a todo momento, a busca pela resolução do mérito da demanda, escopo fundamental do processo.
Quanto ao procedimento recursal, o NCPC deixa claro que o juízo a quo somente cuidará de garantir o contraditório mediante a intimação do recorrido para contrarrazoar em 15 dias, bem como do recorrente para responder também no mesmo prazo em caso de interposição de apelação na forma adesiva (arts. 997, §2º e 1.010, §§1º e 2º). Após essas formalidades, “os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.” (§3º).
Não há mais, portanto, duplo juízo de admissibilidade na apelação.
Em seguida, cabe-nos destacar que a apelação continuará tendo efeito suspensivo como regra, excetuadas as hipóteses mencionadas nos incisos do artigo 1.012, §1º, que praticamente repete o vigente artigo 520 do CPC/73. Nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno: “O art. 1.012 reproduz, com os desenvolvimentos e aprimoramentos cabíveis, a regra do art. 520 e a do parágrafo único do art. 558 do CPC atual. Trata-se com o devido respeito, de um dos grandes retrocessos do novo CPC que choca frontalmente com o que, a este respeito, propuseram o Anteprojeto e o Projeto do Senado. Infelizmente, o Senado, na derradeira fase do processo legislativo, não recuperou a sua própria proposta (art. 968 do Projeto do Senado), mantendo, em última análise, a regra de que a apelação, no direito processual civil brasileiro, tem (e continua a ter) efeito suspensivo.” (Novo Código de Processo Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 649).
“Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: I – reformar sentença fundada no art. 485; II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.” (NCPC, art. 1.013, §3º). Não houve, portanto, repetição do requisito previsto no vigente artigo 515, §3º, do CPC/1973, isto é, que se trate de matéria exclusivamente de direito. “Esta expressão gera problemas e em boa hora foi suprimida. Manteve, no §3º, a expressão: se a causa estiver em ‘condições de imediato julgamento’. Deve-se entender, por essa expressão, a situação de o mérito ter sido discutido pelas partes em primeiro grau de jurisdição – ou, pelo menos, de se ter verificado o contraditório – a ponto de ser possível identificar, com clareza, qual é o quadro fático sobre o qual se funda o pedido.” (WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins e; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 1449-1450).
Por fim, vale ressaltar a extinção da conhecida “súmula impeditiva de recurso”, prevista no vigente artigo 518 §1º, do CPC/73. Nesse sentido, exatas as palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves sobre o assunto: “O Novo Código de Processo Civil não prevê a súmula impeditiva de recursos como requisito específico de admissibilidade da apelação, até porque o juízo de primeiro grau não faz mais juízo de admissibilidade da apelação. E, uma vez no tribunal de segundo grau, aquilo que cinicamente era tido pelo art. 518, §1º, do CPC/1973 como pressuposto de admissibilidade recursal será enfrentado e decidido por aquilo que realmente é, ou seja, o mérito recursal. Afinal, se uma apelação não é recebida porque por meio dela se impugnou uma sentença que está em conformidade com determinada súmula dos tribunais superiores, será exigido do órgão julgador uma análise do conteúdo do recurso à luz do teor da sentença, o que parece ser julgamento de mérito. Sem juízo de admissibilidade da apelação no juízo de primeiro grau, a aberração criada pela súmula impeditiva de recursos é suprimida do sistema sem deixar saudade.” (Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Método, 2015, p. 551).