O que a história e dez mil anos de experiências nos levam a concluir sobre a guerra e seu papel no progresso da civilização
Por Sérgio Cavalcanti
Publicado em: 09/11/2020 às 10h09
Soldados americanos em Guerra da Coreia, no ano de 1951: um dos embates gerados pela Guerra Fria (Keystone/Getty Images)
Há livros bastante provocativos que nos fazem ir contra o senso comum e revelam verdades inconvenientes. Um deles é “War! What's it good for?: Conflitos e o progresso da civilização de primatas a robôs”, do professor de Stanford Ian Morris.
A leitura é leve e estimulante, um passeio por séculos de conflitos, dos romanos contra os bárbaros às guerras medievais, das grandes guerras do século XX à Guerra Fria e, por fim, o Império Americano.
Os argumentos centrais são simples e convincentes quanto ao papel da guerra para o desenvolvimento da civilização. Vejamos:
1. As guerras criam sociedades maiores e mais organizadas.
É impossível para uma sociedade lutar (e obter vitórias) sem um mínimo de organização. Quanto maior o esforço bélico, maior a necessidade de alocar devidamente recursos - humanos e materiais - de maneira a atingir o objetivo militar, seja de conquista, seja de defesa do território.
A complexidade necessária demanda a criação de um Governo mais forte e atuante.
O legado do conflito é uma sociedade mais complexa, mais organizada, e com um know-how de como se tornar ainda mais complexa.
2. As guerras criam sociedades maiores e mais seguras.
Embora a guerra seja a pior maneira de criar sociedades maiores e mais pacíficas, é praticamente a única forma que os humanos encontraram para isso.
Parece contra intuitivo, mas conquistadores precisam garantir que os povos dominados não disponham de armas, nem de meios para exercer a violência, sob pena de comprometer a conquista. Esse controle e o respectivo monopólio da força bruta pelo Estado têm como resultado uma sociedade mais pacífica e segura para todos.
É cada vez menor o número de mortes mundiais anuais causadas por conflitos armados. Apenas uma referência: esse número caiu de 546.000, em 1950, para 87.432, em 2016. Além do mais, era maior a probabilidade de um europeu morrer em uma guerra no século XIX do que é hoje em dia.
3. Sociedades mais complexas criadas por guerras trazem riqueza.
A longo prazo, ao formar sociedades mais pacíficas e seguras, as guerras criam as bases para o desenvolvimento e, em última análise, promovem mais riquezas.
A administração do Império Romano demandou a criação de uma infraestrutura de governo e logística – estradas e linhas marítimas - que favoreceu o comércio e a economia inter e intraprovincial, gerando riqueza para empreendedores de todas as partes do império.
Vale também notar a ascensão dos Estados Unidos como superpotência após a Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945.
4. As Guerras são tão eficientes que tendem a serem continuamente reduzidas.
Milhares de anos de conflitos geraram sociedades cada vez mais complexas, governos cada vez mais fortes e riquezas para a maior parte da população mundial. O progresso tecnológico trouxe a possibilidade de armas de destruição em massa, capazes de acabar com a vida no planeta. Isso torna improváveis os confrontos em larga escala, mantem a paz e limita a guerra a pequenos conflitos regionais, com números anuais decrescentes.
Moral da história: devemos chegar muito próximo do mundo imaginado pelos pacifistas, mas por motivos diferentes, muito diferentes.
Nestes dias de dor e saudades sabemos "por quem os sinos dobram". Aqui em Santo Antônio de Jesus, na 'Capela dos Tupinambás' os sinos não mais dobram. Sinceramente eu não sei de quem foi a asnice ou torpor de ter praticado o ato infeliz e estúpido de se nos afastar as doces lembranças e amargas talvez. Lembro-me de que um dia eu cheguei até a torre da Igreja Matriz para ver e ouvir as seis badaladas dos sinos, hoje, emudecidos. E lá cheguei conduzido pelo sineiro juvenil, hoje certamente idoso. Foi com o nobre amigo Hilário, filho do Hermano, carinhosamente conhecido por 'LIO'. Tive a maior honra e felicidade de assistir a uma cena inesquecível. Mudando um pouco o foco desta narrativa, leitor amigo, eu era criança; o fatídico ano não se me recordo. Lembro-me bem daquele trágico acidente ocorrido naquela ladeira íngreme e tortuosa que liga a cidade de Cachoeira a Muritiba. Ali houve um acidente, dentre outros, inesquecível, que vitimou fatalmente a Sóror Madre Maria Goretti Nery, a nossa tão querida e amada educadora. O seu corpo chegara em nossa cidade era noite. A luz da usina ainda estava apagada. Na Igreja Matriz o corpo da Madre Goretti fora velado. Como eram velados, de costume, todos que partiam com destino à Pátria Espiritual. Jamais esquecerei. E quando do cortejo fúnebre o sino gemera em prantos. Estudei no Colégio Santo Antônio e a Sóror Madre Maria Goretti Nery foi a minha Diretora Escolar e Educadora. Uma persona grata que Santo Antônio de Jesus jamais verá tão semelhante. Continuando, na verdade, por que os sinos não dobram em Santo Antônio de Jesus. Certamente porque encomodava a burguesia insensível, vizinha à capela dos Tupinambás. O baixo clero, na figura onipotente do seu ditador, em nossa tão querida e amada terra natal, naturalmente, dispensara o sino ao ferro velho. Por quem os sinos dobram:
"Quando eu morrer não chores mais por mim
Do que hás de ouvir triste sino a dobrar
Dizendo ao mundo que eu fugi enfim
Do mundo vil pra com os vermes morar.
E nem relembres, se estes versos leres,
A mão que os escreveu, pois te amo tanto
Que prefiro ver de mim te esqueceres
Do que o lembrar-me te levar ao pranto.
Se leres estas linhas, eu proclamo,
Quando eu, talvez, ao pó tenha voltado,
Nem tentes relembrar como me chamo:
Que fique o amor, como a vida, acabado.
Para que o sábio, olhando a tua dor,
Do amor não ria, depois que eu me for."
William Shakespeare“A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. É com essa citação, tirada de um poema de John Donne, poeta inglês do século 17, que Ernest Hemingway marcou o começo de uma de suas obras mais importantes.Aqui, em Santo Antônio de Jesus, os sinos não mais dobram; entretanto ouvimos os sinos a dobrar a cada irmão nosso que se vai à senda do infinito, vítimas de uma Política Municipal de Sáude perversa e desumana ditada por políticos genocidas e covardes. *Raimundo Evangelhista - Raimundo José Evangelista da Silva é filho da cidade de Santo Antônio de Jesus na Bahia. Santo Antônio de Jesus, 21 de maio de 2021, às 16h22min.
Autor do recém-lançado livro Escravos da Religião (Ed. Appris), pesquisador na Universidade Federal Fluminense (UFF) e idealizador do podcast Atlântico Negro, o historiador Vitor Hugo Monteiro Franco revira arquivos da Ordem de São Bento desde 2014.
O material foi tema de sua iniciação científica, de sua monografia de conclusão de curso, de seu mestrado e, agora, está sendo esmiuçado em seu doutorado.
"Uma das principais descobertas foi o próprio termo 'escravos da religião'", conta ele.
"Não foi um termo que eu criei. É o termo na época que encontrei em livro de batismos. Foi um choque para mim."
Na ocasião, ele estava analisando os registros dos nascidos no século 19 em propriedade rural mantida pelos beneditinos na Baixada Fluminense, a Fazenda São Bento de Iguassú.
"Na hora de qualificar os pais, o monge não os qualificava como 'escravos da Ordem de São Bento', mas sim como 'escravos da religião'."
Para o pesquisador, residia aí uma diferença fundamental entre o modo de vida dos escravos mantidos por instituições religiosas: o fato de o senhor não ser uma pessoa, mas sim uma entidade.
"Parece simples, mas não é. A situação geral da escravidão no Brasil é de escravos privados, de senhores leigos. No caso dos 'da religião', eles não pertenciam a um monge específico, eram de propriedade coletiva. E isso teve repercussões na vida dessas pessoas para sempre, porque influenciava na forma, no dia a dia deles", diz o historiador.
Franco ressalta que o cotidiano desses negros escravizados estava "regulado" pelos hábitos religiosos do catolicismo e da vida monástica.
"Por mais que a sede dos religiosos estivesse no centro do Rio e a fazenda na Baixada Fluminense, sempre havia um monge cuidando de lá. Era o chamado padre fazendeiro", contextualiza.
"Ele fazia o trabalho espiritual: batizava as pessoas, casava-as, sepultava-as. Os beneditinos eram um tipo de senhor que conhece muito bem sua escravaria, anotando tudo em muitos detalhes."
"Os monges conheciam cada momento, cada fase da vida dos seus escravizados. Por mais que as propriedades fossem enormes, eles tinham o controle administrativo sobre aquelas pessoas, ao contrário dos senhores leigos, que muitas vezes tinham um contato muito pequeno com os escravizados", compara.
"Isso dava (aos religiosos) um poder muito grande. Ser 'escravo da religião' significava ter sua vida controlada por uma instituição religiosa", acrescentou Monteiro Franco.
E não era um rebanho pequeno para ser controlado. De acordo com as pesquisas de Franco, quando os religiosos emanciparam seus escravos, em 1871, somente os beneditinos tinham um total de 4 mil escravizados.
"Eram três as principais ordens religiosas escravistas do Brasil: os jesuítas, os beneditinos e os carmelitas. Em menor escala, os franciscanos também", elenca.
A primazia da Companhia de Jesus foi até o século 18. Em 1759, contudo, os jesuítas foram expulsos do Brasil.
E aí os beneditinos assumiram essa posição. Durante o século 19, período analisado pela pesquisa de Franco, a Fazenda de Iguassú costumava ter um número constante de cerca de 130 escravos.
"Destoava muito das outras fazendas da região, em que havia em média 10 escravos por senhor", afirma o pesquisador.
Mas essa propriedade não era a maior das beneditinas. Em Jacarepaguá, a fazenda dos religiosos tinha mais de 300 escravos. Em Campos dos Goitacazes, 700.
"E essas são só as três maiores propriedades dos monges de São Bento", diz Franco. "É muita gente. Era a principal ordem escravista do Brasil. Eu nem considero a Ordem de São Bento uma grande proprietária [de escravos]. Era uma megaproprietária, estava acima dos grandes proprietários, era a elite da elite."
Incentivo à gravidez
Uma maneira de garantir a abundância de mão de obra escrava era o incentivo que os monges davam para que as escravizadas tivessem muitos filhos.
"As mulheres que procriavam pelo menos seis filhos conseguiam privilégios, tais como não realizarem trabalhos 'penosos'", conta o historiador Robson Pedrosa Costa, autor do livro Os Escravos do Santo (Editora UFPE) e professor no Instituto Federal de Pernambuco e na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A partir de 1866, os benefícios às mães de pelo menos seis filhos passaram a ser a liberdade gratuita — desde que elas "estivessem devidamente casadas", pontua o historiador.
Para os monges senhores de escravos, religião era uma coisa, negócios eram outra. Pelo menos é o que fica claro em outro achado do historiador Monteiro Franco: nos registros de batismo, a maior parte das crianças era registrada como sendo filho de mãe solteira.
Havia uma razão econômica para isso. "Até pouco tempo atrás se acreditava que as ordens religiosas de maneira geral incentivavam o casamento por causa do valor cristão do matrimônio e também para um fator de incentivo da reprodução da comunidade escrava, do ponto de vista senhorial", pontua o pesquisador. "Mas o que encontrei foi a maior parte das mulheres como mães solteiras."
Segundo ele, isso não significa que essas mulheres não tivessem relacionamento estável ou que vivessem na promiscuidade.
A questão chave estava na propriedade da criança que nasceria dessa gravidez. Em caso de mãe e pai sacramentalmente unidos, poderia haver alguma discussão se o filho pertenceria ao senhor da mãe ou do pai.
Então, os beneditinos preferiam não oficializar relações estáveis quando as mulheres de sua fazenda tinham homens de fazendas vizinhas.
Quando ambos eram da mesma propriedade, aí sim, o sacramento do matrimônio era concedido.
Tais condutas fizeram com que os beneditinos conseguissem manter um grande número de escravos no século 19, mesmo com a dificuldade, para os latifundiários escravocratas, decorrentes da Lei Eusébio de Queirós — que, a partir de 1850, proibiu o tráfico negreiro.
"Estas instituições [religiosas] construíram, ao longo dos séculos, grandes corporações, muito semelhantes a grandes empresas pautadas em um complexo sistema organizacional", afirma Costa.
"No caso dos beneditinos, foi possível entender que a instituição foi capaz de construir um sistema de gestão eficiente e duradouro, que garantiu o fornecimento de escravos para as suas propriedades sem recorrerem ao tráfico."
"Claro que eles compraram escravos no século 19, mas foram poucos", completa o professor.
A estratégia consistia em incentivar a procriação e a tentativa de manutenção das famílias. "Eles evitavam ao máximo vender seus escravizados, principalmente a separação de famílias, uma instituição sagrada para os monges. Apenas os cativos considerados 'incorrigíveis' deveriam ser vendidos. Mas eles foram poucos. As famílias escravizadas eram extensas e duradouras. Isso garantia a perpetuação do quantitativo de escravos", explica Costa.
Alforrias
Prática relativamente comum entre escravizados no Brasil, a compra da liberdade era mais difícil para um "escravo da religião". Enquanto no caso daquele que servia a um senhor leigo bastava convencê-lo — com acordos e, muitas vezes, um valor em dinheiro — no caso dos monges era preciso passar por um processo formal.
Aquele que pleiteava a alforria precisava fazer uma petição aos religiosos. Não havia negociação direta. "Estamos falando de uma propriedade institucional", lembra o historiador Franco. "Não era simples. Os monges liam a petição e colocavam para votação, usando favas pretas para marcar as negativas e favas brancas para sinalizar positivo."
A partir da década de 1850, a Ordem de São Bento criou uma tabela de preços para casos de alforria. Pelo documento, o preço dos escravizados variava conforme saúde, idade e sexo.
"O valor ia aumentando de acordo com a idade até a fase mais produtiva. A partir da adolescência, eles passam a entender que um homem pleno de saúde vale mais do que uma mulher", explica Franco.
"Esse documento mostra com todas as letras qual a posição de um senhor de escravos: transformar as pessoas em commodities", define ele.
Violência e trabalho
Embora haja uma corrente que acredite que a escravidão impetrada por religiosos fosse mais branda do que a conduzida por senhores leigos, pelos valores cristãos supostamente respeitados, Franco não compactua com essa ideia. Primeiramente porque é enfático ao dizer que a privação da liberdade a que um escravo está sujeito já é, por si só, uma grande violência.
Além disso, ele encontrou registros que atestam atos de crueldade. "Tem um caso, em um fazenda de Cabo Frio, também dos beneditinos, em que dois monges foram presos depois de matarem, de tanto espancar, um escravizado. Isso no século 18", conta ele. "Olha o nível da violência."
Ele também se deparou com relatos de fugas em que o escravo, uma vez capturado, era submetido a um "castigo exemplar". O mesmo acontecia para quem não demonstrasse seguir a fé católica.
"Há um registro de uma visitação realizada por um monge (encarregado de vistoriar os trabalhos do padre fazendeiro), que dizia que era bom que o mesmo não descuidasse do espiritual dos escravos, para ver se eles estavam seguindo os preceitos do cristianismo", aponta Franco.
"E, verificando que não estivessem seguindo, que fossem punidos exemplarmente. Se não se redimissem, que fossem vendidos."
Mas em que trabalhavam os "escravos da religião"?
Boa parte deles fazia um trabalho semelhante a qualquer outro escravo de propriedades rurais. As instituições religiosas tinham muitas terras e nelas cultivavam cana de açúcar e outros insumos valiosos para a economia da época. Quem fazia esse trabalho era a mão de obra escrava.
No caso dos religiosos, contudo, havia também muitos escravos com trabalhos especializados. Carpinteiros, ferreiros, oleiros, sapateiros, boticários, enfermeiros. "Além daqueles que serviam os monges no claustro: botavam a comida na mesa, tocavam o sino da capela, seguravam o livro na hora da missa, e por aí vai", diz o historiador Franco.
Nesse sentido, a Ordem de São Bento investiu em capacitação. Como eles tinham grandes propriedades com necessidades específicas, passaram a treinar os escravos que pareciam mais aptos a trabalhos específicos. "Para eles, era melhor fazer isso do que pagar um sujeito livre para desempenhar esses papéis", afirma.
Esses que tinham ofícios especializados não eram inimputáveis a sofrerem castigos. "Encontrei um registro de um monge que se dedicava a ensinar ferraria a escravos. E ele era tão violento que acabou sendo deslocado de posição", exemplifica Franco.
Desempenhar essas funções especiais, por outro lado, conferia prestígio dentro da comunidade escrava. E muitos desses profissionais acabavam conseguindo fazer trabalhos "por fora" e, assim, juntar dinheiro para, no futuro, comprar a alforria.
Abolição prematura
As ordens religiosas libertaram seus escravos ao longo de 1871, ou seja, 17 anos antes da Lei Áurea. A primeira instituição a fazer isso foi a Ordem de São Bento. Aos poucos, os beneditinos foram seguidos pelos demais religiosos.
Segundo os pesquisadores, esse movimento era resultado de um embate da Igreja Católica com o Estado.
"Havia uma relação de tensão entre Estado e as ordens religiosas", pontua Franco. "Estava ocorrendo um embate político em que cada vez mais a classe política e outros setores da elite brasileira acreditavam que os religiosos tinham propriedades demais, escravizados demais e eram improdutivos. Por outro lado, o Estado via a chance de se apropriar das propriedades dos religiosos."
Ao libertar os escravos na mesma época da promulgação da Lei do Ventre Livre, as instituições católicas geraram uma comoção nacional.
"A abolição não significa simplesmente a questão humanitária por trás da liberdade do indivíduo, mas também uma questão de ordem econômica sobre aqueles que você teria de estar empregando", afirma o historiador Philippe Arthur dos Reis, pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"O custo de manutenção desses indivíduos, em geral era muito mais dispendioso ter os escravos do que importar pessoas de fora e pagar salário", acrescenta.
O historiador Costa lembra que desde a Independência, em 1822, "várias vozes começaram a sugerir que as ordens religiosas eram instituições inúteis e péssimas administradoras de seus bens".
"Quando os debates sobre a abolição se acirraram a partir de 1865, novamente as ordens, consideradas grandes escravistas, foram colocadas na berlinda. Uma lei de 1869 instituiu que as instituições religiosas deveriam libertar todos os seus escravos em um prazo de 10 anos. Até lá, poderiam libertá-los ou criar contratos de prestação de serviço por tempo determinado", detalha o historiador.
"Prevendo uma maior intervenção do Estado e do Parlamento, a Ordem de São Bento do Brasil já havia se antecipado, decretando a liberdade de todo as crianças nascidas a partir do dia 3 de maio de 1866", diz ele.
Essa medida teve impacto nas autoridades. O imperador Dom Pedro Segundo (1825-1891) presenteou o então abade geral com uma caixa de ouro cravejada de diamantes. Já o deputado Tavares Bastos (1839-1875), voz abolicionista, declarou que o gesto era "um ato generoso e solene" — e que deveria ser seguido pelas demais instituições religiosas.
Em 1871 veio a libertação total dos "escravos da religião".
Como viviam as pessoas escravizadas pela Igreja no Brasil
Edison Veiga
De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
As grandes instituições religiosas do Brasil colonial e imperial tiveram negros escravizados — e muitos. Pesquisas recentes apontam para um número de escravos muito acima da média do que havia nas grandes propriedades rurais, práticas de incentivo à procriação para aumentar a quantidade de mão de obra e até mesmo uma tabela de preços para quem quisesse comprar a alforria — com critérios específicos para precificar cada ser humano.
Os escravizados mantidos por mosteiros e conventos também eram obrigados a professar a fé católica, participando de missas, momentos de orações e recebendo os sacramentos.
Os que se rebelavam quanto à conversão costumavam ser punidos com castigos "de forma exemplar" ou seja, com intensidade suficiente para convencer os demais a não repetir gestos de desobediência.
De quebra, a luta pela aquisição de liberdade — ou seja, a compra de uma carta de alforria — costumava ser mais difícil para um escravo de ordem religiosa do que para alguém que estivesse sob o jugo de um senhor leigo.