O homicídio foi cometido em 2002 e o mandado de prisão estava aberto desde 2005
Publicado em 03/09/2021, às 18h30 Blog do Valente Lucas Pacheco
Um homem de 56 anos, da cidade de Santo Antônio de Jesus, a cerca de 190 km de Salvador, foi preso por engano, no final de agosto, no lugar do seu irmão, falecido em 2009, que teria cometido um homicídio em Juazeiro, no norte baiano, em 2002. Antônio Bispo dos Santos, que trabalha com reciclagem e serviços de entrega na cidade onde mora, ficou quatro dias na carceragem da delegacia de Santo de Antônio de Jesus.
Segundo o homem, ele estava trabalhando no momento em que soube, pela esposa, que a polícia civil havia ido até sua residência à sua procura e logo depois recebeu uma ligação do delegado questionando onde ele se encontrava. Após afirmar que estava trabalhando e informar o local exato, a polícia foi até o seu encontro.
Ele conta que o delegado foi educado durante a abordagem e, vendo seu comportamento e confiando na sua palavra, permitiu que ele fosse até a delegacia no seu próprio carro, para evitar ser algemado e colocado no camburão da viatura policial.
Já na delegacia, em conversa com o delegado, ele descobriu que havia um mandado de prisão contra ele em aberto desde 2005, por contra de um homicídio ocorrido em Juazeiro, em 2002. Foi quando ele se deu conta que poderia ser alguma situação que envolvia seu irmão, morto em 2009 e que era envolvido com o crime. “Na hora que o delegado me contou aí eu entendi que era “bronca” do meu irmão”, revelou o motorista.
Em conversa com o BNews, a advogada contratada pela família, Drª Edilene Argolo, informou que assim que chegou à delegacia, tomou conhecimento do caso e teve acesso aos autos do processo, encontrou diversas inconsistências. Segundo ela, a pessoa detida na época do homicídio se identificou na delegacia de Juazeiro como sendo Antônio Bispo dos Santos, porém sem apresentar qualquer documento de identificação e mesmo assim nenhuma diligência para comprovação da identificação foi feita. E, como não houve flagrante, ela não ficou presa.
“Há uma falha processual tão grande que, se a pessoa se apresenta sem documentos, deveriam ser colhidas, pelo menos, suas digitais. Caso uma pessoa não apresente documento de identificação no momento da detenção ou em uma prestação de esclarecimentos, ela fica na delegacia até que a comparação datilográfica dela seja feita e que saia o resultado comprovando que ele é de fato quem afirma ser”.
Ela destaca ainda que, analisando os documentos dos autos, encontrou o depoimento de uma pessoa que afirmava que o autor do crime era conhecido como “Nego Roque” e Roque era o nome do irmão de Antônio, com diversas passagens pela polícia, morto em 2009.
Outro erro processual apontado pela advogada no processo foi de que a irmã da vítima morta em 2002, que teria presenciado o homicídio, prestou depoimento alegando que seu irmão havia sido assassinado por uma pessoa “galega” e Antônio Bispo é negro. Inclusive, o irmão, Roque, também era negro. Entretanto, no depoimento do suposto suspeito que constava nos autos, não havia menção à cor de pele do declarante.
Ela afirmou ainda que, após reunir esses e outros erros processuais, apresentou pedido de soltura no processo para que seu cliente fosse solto imediatamente, pois havia o risco dele ser transferido para Juazeiro e ser levado para o presídio da cidade. Além disso, ela ressaltou que ele estava sem se alimentar e beber água desde o dia da prisão, mesmo sendo portador de comorbidades, e que a delegacia de Santo Antônio de Jesus não possui qualquer estrutura, com os presos ficando em celas sujas, com diversos bichos, incluindo ratos.
Na entrevista, a advogada destacou que, após analisar o pedido de soltura, o juiz criminal entendeu que existiam motivos consideráveis para colocar Antônio Bispo em liberdade e a condicionou à apresentação de uma defesa prévia, com todos os documentos e alegações que a defesa julgasse necessários.
A advogada juntou diversas declarações de vizinhos e um abaixo-assinado de moradores da cidade, com mais de mil assinaturas, de apoio ao motorista, além de outras comprovações de que Antônio Bispo dos Santos não teria como estar em Juazeiro no dia do homicídio e que não tinha nenhuma passagem pela polícia e nem qualquer registro de desentendimentos e brigas.
De posse desses documentos, o juiz da vara criminal onde tramita o processo em Juazeiro determinou a soltura e a intimação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) para que tomasse conhecimento dos fatos novos apresentados ao processo e se manifestasse.
Até o momento, de acordo com a advogada, o MP ainda não se manifestou sobre a defesa prévia e as provas apresentadas, nem pela marcação de audiência para prosseguir o processo e nem pelo arquivamento dos autos e que, enquanto isso, Antônio Bispo dos Santos segue em liberdade provisória, podendo voltar a ser preso a qualquer momento, aflito e com vergonha perante a cidade.
“Sr. Antônio tem medo de andar na rua, de ser apontado como bandido. Tem muito medo de que um mero deslize dele em qualquer coisa, deslizes do dia a dia aos quais estamos sujeitos, como uma discussão no trânsito, por exemplo, porque está em liberdade provisória e pode voltar a ser preso”.
Procurado pelo BNews, o Ministério Público da Bahia (MP-BA), afirmou que o órgão “ainda não foi notificado pela Justiça para dar parecer sobre o caso, ou seja, ainda não foi apreciada a liminar acerca da culpabilidade ou não do senhor Antônio Bispo dos Santos. E ressaltou que “até o momento, a Justiça abriu vistas para o MP ter apenas ciência da revogação da prisão, o que foi feito no último dia 23”