terça-feira, 19 de setembro de 2017

 Heráclito de Éfeso (aprox. 540 a.C. - 470 a.C.)



Heráclito de Éfeso (Éfeso, aprox. 540 a.C. - 470 a.C.) foi um filósofo pré-socrático considerado o "pai da dialética". Recebeu a alcunha de "Obscuro" principalmente em razão da obra a ele atribuída por Diógenes Laércio, Sobre a Natureza, em estilo obscuro, próximo ao das sentenças oraculares.
Na vulgata filosófica, Heráclito é o pensador do "tudo flui" (panta rei) e do fogo, que seria o elemento do qual deriva tudo o que nos circunda.
De seus escritos restaram poucos fragmentos (encontrados em obras posteriores), os quais geraram grande número de obras explicativas.

 

Dados biográficos

Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia (atual Turquia). Diógenes Laércio relata que "Heráclito, filho de Blóson, ou, segundo outra tradição, de Heronte, era natural de Éfeso. Tinha uns quarenta anos por ocasião da 69ª Olimpíada (504-501 a.C.). Era homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros".
Por seu desprendimento em relação ao poder e pelo desprezo que dedicava aos bens materiais, Heráclito não era simpático aos efésios, que eram exatamente o seu oposto. Foi, aliás, muito criticado por seus concidadãos quando conseguiu convencer o tirano Melancoma a abdicar para ir viver nos bosques, em livre contato com a natureza[1]. Heráclito era acusado de desprezar a plebe, de se recusar a participar da política - essencial aos gregos) - e de desdenhar os poetas, os filósofos e a religião.[2]
Misantropo, viveu na solidão do templo de Ártemis. O mesmo Diógenes nos conta: "Retirado no templo de Ártemis, divertia-se em jogar com as crianças e, acercando-se dele os efésios, perguntou-lhes:
De que vos admirais, perversos? Que é melhor: fazer isso ou administrar a República convosco?
Nos últimos anos da sua vida, passou a viver ainda mais isolado, nas montanhas, alimentando-se somente de plantas. Quando adoeceu, atacado por uma hidropisia, Heráclito foi obrigado a voltar à cidade. Aos médicos, cujo conhecimento ridicularizava, perguntou se seriam capazes de transformar uma inundação em seca, aludindo à sua doença.[3] Os médicos não entenderam e acabaram sendo expulsos por Heráclito. O filósofo resolveu então recorrer a um curandeiro que lhe aconselhou imergir-se no estrume pois o calor faria evaporar a água em excesso que havia em seu corpo. Foi um desastre: os cães de Heráclito não reconheceram o dono, inteiramente coberto de excrementos, e o atacaram, causando a sua morte. É possível também que a causa da morte de Heráclito tenha sido o sufocamento comia esterco de vaca. O historiador Neantes de Cízico (século III a.C.) afirma que, tendo sido impossível retirar o corpo de sob o esterco, lá permaneceu.

 

O pensamento de Heráclito

Os filósofos de Mileto (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, entre outros) haviam percebido o dinamismo das mudanças que ocorrem na physis, como o nascimento, o crescimento e a morte, mas não chegaram a problematizar a questão.
Heráclito, inserido no contexto pré-socrático, parte do princípio de que tudo é movimento, e que nada pode permanecer estático - Panta rei ou "tudo flui", "tudo se move", exceto o próprio movimento.
Mas este é apenas um pressuposto de uma doutrina que vai mais além. O devir, a mudança que acontece em todas as coisas é sempre uma alternância entre contrários: coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam; coisas úmidas secam, coisas secas umedecem etc. A realidade acontece, então, não em uma das alternativas, posto que ambas são apenas parte de uma mesma realidade, mas sim na mudança ou, como ele chama, na guerra entre os opostos. Esta guerra é a realidade, aquilo que podemos dizer que é. "A doença faz da saúde algo agradável e bom"; ou seja, se não houvesse a doença, não haveria por que valorizar-se a saúde, por exemplo. Ele ainda considera que, nessa harmonia, os opostos coincidem da mesma forma que o princípio e o fim, em um círculo; ou a descida e a subida, em um caminho, pois o mesmo caminho é de descida e de subida; o quente é o mesmo que o frio, pois o frio é o quente quando muda (ou, dito de outra forma, o quente é o frio depois de mudar, e o frio, o quente depois de mudar, como se ambos, quente e frio, fossem "versões" diferentes da mesma coisa).
Panta rei os potamós (do grego πάντα ῥεῖ ), traduzido como "Tudo flui como um rio" é o célebre aforisma no qual a tradição filosófica subsequente identificou sinteticamente o pensamento de Heráclito com o tema do devir, em contraposição à filosofia do ser própria de Parmênides.
Mas, na realidade, o famoso moto panta rei não é atestado nos fragmentos conhecidos da obra de Heráclito, e pode ser atribuído ao seu discípulo Crátilo, que desenvolveu o pensamento do mestre, radicalizando-o. A fórmula léxica panta rei será cunhada e utilizada pela primeira vez somente por Simplício, em seu comentário à Physica Auscultatio, 1313, 11. A expressão deriva de um fragmento do tratado Sobre a natureza:

Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai.

Tudo é considerado como um grande fluxo perene no qual nada permanece a mesma coisa pois tudo se transforma e está em contínua mutação. Por isso, Heráclito identifica a forma do Ser no Devir pelo qual todas as coisas são sujeitas ao tempo e à sua relativa transformação.
Heráclito sustenta que só a mudança e o movimento são reais, e que a identidade das coisas iguais a si mesmas é ilusória: para Heráclito tudo flui (panta rei).
O panta rei é uma consequência de polemos (guerra, conflito), que reina sobre tudo. Em consequência, Heráclito de Éfeso não é o filósofo do "tudo flui" mas do "tudo flui enquanto resultado da tensão contínua dos opostos em luta".
A doutrina dos contrários
Polemos é pai de todas as coisas, de todas, de todas rei.
A doutrina da unidade dos contrários é talvez o aspecto mais original do pensamento filosófico de Heráclito. A lei secreta do mundo reside na relação de interdependência entre dois conceitos opostos, em luta permanente; mas, ao mesmo tempo, um não pode existir sem o outro. Nada existiria se não existisse, ao mesmo tempo, o seu oposto. Assim, por exemplo, uma subida pode ser pensada como uma descida por quem está na parte de cima. Entre os contrários se cria uma espécie de luta constitutiva do logos indiviso.
Nessa dualidade, que na superfície é uma guerra (polemos), mas no fundo é harmonia entre os contrários, Heráclito viu aquilo que definia como o logos, a lei universal da Natureza.
E é a própria doutrina dos contrários que faz de Heráclito o fundador de uma lógica "antidialética", fundada na lei estética do devir da realidade. Antidialética porque tese e antítese (ser e não ser) são uma síntese contraditória e permanente na realidade, que só assim pode vir a ser, através dos seus dois aspectos existenciais ("no mesmo rio, entramos e não entramos"; "somos e não somos"); oposta à lógica aristotélica porque oposta ao seu princípio da não-contradição e do terceiro excluído.
A teoria de Heráclito é alternativa à ontologia de Parmênides, o filósofo da unidade e da identidade do Ser, que ensina que é a contínua mudança a principal característica do não ser .
A partir de seus pressupostos - panta rei e a guerra entre os contrários -, Heráclito definiu uma arché, um princípio que está em todas as coisas desde a sua origem: o fogo. Para ele,"todas as coisas são uma troca do fogo, e o fogo, uma troca de todas as coisas, assim como o ouro é uma troca de todas as mercadorias e todas as mercadorias são uma troca do ouro"; ou seja, todas as coisas transformam-se em fogo, e o fogo transforma-se em todas as coisas.

 

A cosmologia de Heráclito

clip_image001
Heráclito, em detalhe do afrescopintado por Rafael, A Escola de Atenas
Segundo Heráclito, o fogo é, pois, o elemento primordial de todas as coisas. Tudo se origina por rarefação e tudo flui como um rio. Ocosmos é um só e nasce do fogo e, de novo, é pelo fogo consumido, em períodos determinados, em ciclos que se repetem pela eternidade.
Em seu livro - Do Céu, Aristóteles escreve: "Concordam todos em que o mundo foi gerado; mas, uma vez gerado, alguns afirmam que é eterno e outros que é perecível, como qualquer outra coisa que por natureza se forma. Outros, ainda, que, destruindo-se, alternadamente é ora assim, ora de outro modo, como Empédocles e Heráclito de Éfeso. (…) Também Heráclito assevera que o universo ora se incendeia, ora de novo se compõe do fogo, segundo determinados períodos de tempo, na passagem em que diz "acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas."
Para Heráclito, o fogo, quando condensado, se umidifica e, com mais consistência, torna-se água; e esta, solidificando-se, transforma-se em terra; e, a partir daí, nascem todas as coisas do mundo. Este é o caminho que Heráclito define como sendo "para baixo".
Derretendo-se a terra, obtém-se água. Água transforma-se em vapor, tal como vemos na evaporação do mar. E, rarefazendo-se, o vapor transforma-se novamente em fogo. E este é o caminho "para cima".
Nosso mundo é cercado pelos astros (Sol, Lua e estrelas). Esses nada mais são do que barcos cujas concavidades estão voltadas para nós, e que carregam dentro de si chamas brilhantes. A mais brilhante (para nós) é a chama do Sol e também a mais quente. Os demais astros distam mais da Terra e é por isso que seu brilho é menos vivo e menos quente, mas a Lua, que está bem próxima da Terra, não é por isso, mas por não se encontrar num espaço puro – a escuridão. O Sol, entretanto, está em região clara e pura.
Os eclipses do Sol e da Lua acontecem quando as concavidades dos barcos se voltam para cima. E as fases da Lua ocorrem quando o barco que a encerra se volta aos poucos em nossa direção.
Dia e noite, meses e estações, chuvas, ventos e demais fenômenos são conseqüências de diferentes evaporações. Pois a brilhante evaporação, inflamando-se no círculo do Sol, produz o dia; e, quando a contrária prevalece, produz a noite; e, quando da evaporação brilhante nasce o calor, faz verão; mas, quando da sombra o úmido prevalece, faz-se o inverno.

 

O Deus e a alma

Dentro do pensamento de Heráclito, Deus não tinha a aparência de um homem nem de outro animal qualquer. Em seu pensamento Deus não era nem criador, nem onipotente. Heráclito limitava-se a identificá-lo com os opostos, os quais persistem apesar de suas mudanças e assim são capazes de compreender sua própria unidade.
"O Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; mas se alterna como o fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo o gosto de cada um."
Nesse argumento, podemos ver que Heráclito considerava as diversas divindades da mitologia grega, que eram adoradas pelos homens de seu tempo, como sendo apenas fogo misturado a diferentes tipos de incensos.
E a alma consiste apenas de mais uma rarefação do fogo e sofre as mesmas mudanças que todas as outras coisas também experimentam; e a morte traz a completa extinção da alma.
"Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma."
Novamente aqui, nesse raciocínio, vemos Heráclito descrever seus caminhos "para baixo" e "para cima".

 Escolástica


Com a Idade Média e as invasões bárbaras, a filosofia cristã centrou-se no ensino e na manutenção do legado clássico nas escolas monacais. A cultura, representada especialmente pelos livros, refugiou-se nos mosteiros e conventos, motivo pelo qual costuma-se dizer que a igreja, sobretudo pela ação de seus monges copistas, salvou a cultura e acabou por absorver os bárbaros da mesma maneira que Roma absorvera culturalmente a Grécia.
Entende-se em geral por escolástica o ensino teológico-filosófico da doutrina aristotélico-tomista ministrado nas escolas de conventos e catedrais e também nas universidades européias da Idade Média e do Renascimento. Como sistema filosófico e teológico, a escolástica tentou resolver, a partir do dogma religioso e mediante um método especulativo, problemas como a relação entre fé e razão, desejo e pensamento; a oposição entre realismo e nominalismo; e a probabilidade da existência de Deus.
A noção de filosofia cristã, embora constantemente empregada, a rigor representa uma contradição em termos, pois o cristianismo é religião e a filosofia é conhecimento racional. Historicamente, porém, a escolástica consiste nesse paradoxo de uma filosofia que é, ao mesmo tempo, racional e religiosa, motivo pelo qual seu problema mais grave é o das relações entre a razão e a fé. Que liberdade terá a razão, se o dogma limita a priori seus movimentos? Há, entretanto, um conteúdo filosófico na obra dos doutores da igreja e dos escolásticos levado em conta na história da filosofia. Esse conteúdo encontra sua última justificativa na doutrina da igreja. O pensamento devia demonstrar que a igreja, por seu método próprio, já havia estabelecido a Verdade.
Surgindo em um mundo cristão, seus pressupostos eram as crenças básicas em que o mundo então se fundamentava, radicalmente distintas das que configuravam o mundo antigo, greco-romano. Os problemas que se apresentavam à filosofia eram suscitados pela Revelação. A idéia de Deus, uno e trino ao mesmo tempo, da criação do mundo a partir do nada, da imortalidade pessoal, do homem à imagem e semelhança de Deus, a noção de história, implícita no relato bíblico, criação, pecado original, redenção e juízo final são idéias religiosas que provocavam especulação tipicamente metafísica ou filosófica.
Filosofia Cristã
A filosofia dita cristã compreende a escolástica mas não se confunde com ela e apresenta três fases: a patrística; a medieval, que é escolástica; e a escolástica pós-medieval. A patrística é a filosofia dos primeiros doutores da igreja, que, em luta com o paganismo e as heresias, se utilizaram da filosofia grega, especialmente do platonismo e do neoplatonismo, na formulação, elucidação e defesa do dogma. No mundo moderno romano, até a conversão de Constantino, no século IV, os cristãos representavam a oposição, com a negação do status quo, do politeísmo tradicional e da escravidão. Perseguidos e martirizados, eram compelidos, no trabalho de catequese, a fazer do pensamento uma arma de defesa e propagação da fé. Embora contenha elementos filosóficos, a patrística é essencialmente apologética, sendo a primeira reflexão sobre o dogma em um mundo ainda não cristão.
Na Idade Média, a situação histórica se alterou radicalmente, pois o mundo no qual pensavam os cristãos era um mundo cristão, quer dizer, determinado pelo cristianismo na totalidade de suas manifestações. Havia uma crença vigente, ponto de referência para o pensamento e critério da verdade. As divergências ocorriam num mesmo contexto espiritual e não punham em dúvida o fundamento desse mundo, o conteúdo da revelação, o dogma. As exigências que se apresentavam aos filósofos cristãos já não eram as mesmas, pois o pressuposto de que partiam não era o paganismo, mas o próprio cristianismo. Tratava-se então de pensar em um mundo convertido, configurado em função das crenças e dos valores cristãos. A filosofia pôde, assim, deixar de ser apologética, para tornar-se docente, magistral ou escolástica.
Ensino Cristão
Após o longo interregno que se seguiu à morte de santo Agostinho, no ano 430, o chamado renascimento carolíngio assinalou o advento de nova época na história do pensamento cristão. As capitulares do ano 787 recomendavam, em todo o império, a restauração das antigas escolas e a fundação de novas. As que então se inauguraram podiam ser monacais, junto aos mosteiros, interiores para religiosos, exteriores para leigos; as catedrais, junto à sede dos bispados, umas para clérigos e outras para seculares; e as palatinas, junto às cortes, religiosas, mas abertas a clérigos e leigos.
O programa de ensino compreendia as artes chamadas liberais, que se desdobravam em trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). A escola, assim como a corporação, era uma comunidade de trabalho, que funcionava em estreita colaboração com a igreja, o que lhe assegurava organização estável e continuidade de pensamento. A escolástica tornou-se, assim, um patrimônio comum, um saber tradicional, que se transmitia e enriquecia de geração em geração.
O ensino era, em geral, ministrado na forma de leitura, lectio, e comentário dos textos. Além das Sagradas Escrituras, entre os livros mais estudados estavam o Organon, de Aristóteles, traduzido em parte, o Timeu, de Platão, os comentários de Porfírio e Boécio às obras desses filósofos, as obras de Cícero e de Sêneca; e os textos dos Padres: Orígenes, Clemente de Alexandria, santo Ambrósio, Pedro Lombardo e, de modo especial, santo Agostinho, que, até o século XIII, dominou o pensamento medieval. À simples leitura comentada dos textos, acrescentou-se, com o tempo, a discussão, questio, e a elaboração de trabalhos e composições pessoais.
Tal modalidade de prática docente suscitou diversos gêneros literários, característicos da escolástica: os commentaria (comentários), exegese dos textos; as quaestiones (questões), que incluíam as quaestiones disputatae (questões discutidas) e as quaestiones quodlibetales (questões abertas), compilação de debates, registrando os argumentos apresentados e as soluções encontradas; os trabalhos individuais, dissertações e monografias, opuscula (opúsculos); e finalmente, as grandes sínteses, que procuravam sistematizar a totalidade do saber, as summae (sumas), teológicas e filosóficas, entre as quais devem ser mencionadas, por sua excepcional importância, a Summa Theologica e a Summa contra gentiles (Suma contra os pagãos), de santo Tomás de Aquino.
Evolução Histórica
Às etapas da evolução da filosofia no interior do cristianismo correspondem, historicamente, as fases: de formação, do século IX ao XII; de apogeu, no século XIII; e decadência, do século XIV ao XVII, da filosofia escolástica. Da submissão à fé, representada esta pela igreja, instância heterônoma em face da razão e da posição de compromisso, a filosofia evoluiu, acompanhando a desintegração do feudalismo e o advento do mundo burguês, até alcançar, com Descartes e o idealismo alemão, sua plena autonomia.
A história da escolástica apresenta-se, assim, como a história da razão humana em determinado momento de sua evolução, exprimindo inicialmente a alienação, na sujeição ao dogma; em seguida, a consciência da alienação, na doutrina das duas verdades; e finalmente a negação da alienação (da negação), na ruptura definitiva entre razão e fé, e na afirmação de que o real, em sua totalidade, natureza e história, é racional.
A decadência da escolástica, a partir do século XIII, exacerbou seus caracteres formais. Desde que, com Guilherme de Ockham, as verdades da fé são consideradas inacessíveis à razão, a filosofia, que procura compreender e explicar essas verdades, converteu-se numa discussão de textos e temas que perderam vigência histórica. O ensino fez emprego abusivo do silogismo, no verbalismo das fórmulas abstratas. A complacência no debate e o dogmatismo levaram a que a palavra escolástica passasse a ter conotação pejorativa.

 As Provas da Existência de Deus por Tomás de Aquino




Para Tomás de Aquino é possível ao ser humano chegar a compreensão racional da existência de Deus, ou seja, com o uso da razão é possível demonstrar a existência de Deus. Com esse objetivo em mente, ele  propôs cinco 'vias' de demonstração ou 'provas' da existência de Deus:

Primeira Prova

Deus é o primeiro 'motor'. Primeiro motor imóvel: tudo o que se move é movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido.

Segunda Prova

Deus é a 'causa primeira': decorre da relação 'causa-e-efeito' que se observa nas coisas criadas. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita.

Terceira Prova

Deus é um 'Ser necessário': existem seres que podem ser ou não ser (contingentes), mas nem todos os seres podem ser desnecessários se não o mundo não existiria, logo é preciso que haja um ser que fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser.

Quarta Prova


Deus é um 'Ser Perfeito': verifica-se que há graus de perfeição nos seres, uns são mais perfeitos que outros, qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo, logo deve existir um ser que tenha este padrão máximo de perfeição e que é a causa da perfeição dos demais seres.
Tomás de Aquino

Quinta Prova

Deus é a 'Inteligência Ordenadora': existe uma ordem no universo que é facilmente verificada, ora toda ordem é fruto de uma inteligência, não se chega à ordem pelo acaso e nem pelo caos, logo há um ser inteligente que dispôs o universo na forma ordenada. 

Johann Heinrich Pestalozzi - Educador

Pestalozzi

Inovador da educação, Pestalozzi lançou as bases da educação moderna ao conceber um sistema de ensino prático e flexível, que procurava estimular as faculdades intelectuais e físicas da criança. Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que o suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827).

Sua Vida e Obra

Seu pai morreu quando ainda era criança, tendo sido criado pela mãe, sua família empobreceu. Após a leitura do Emílio, de Rousseau, Pestalozzi foi influenciado pelo movimento naturalista e tornou-se um revolucionário, juntando-se aos que criticavam a situação política do país. Na Universidade de Zurique associa-se ao poeta Lavater num grupo de reformistas. Gastou parte de sua juventude nas lutas políticas mas, em 1781, com a morte do amigo e político Bluntschli, abandonou o partido para dedicar-se à causa da educação. Casou-se aos 23 anos e, algum tempo após fez de sua casa na fazenda, uma escola. Escreveu “As Horas Noturnas de um Ermitão” (The Evening Hours of a Hermit – 1780), contendo uma coleção de pensamentos e reflexões. A este livro seguiu-se sua obra-prima: Leonardo e Gertrudes (“Leonard und Gertrud” – 1781), um conto onde narra a reforma gradual feita primeiro numa casa, depois numa aldeia, frutos dos esforços de uma mulher boa e dedicada. A obra foi um sucesso na Alemanha, e Pestalozzi saiu do anonimato.

Nasce o "Método Pestalozzi"

A invasão francesa da Suíça em 1798 revelou-lhe um caráter verdadeiramente heróico. Muitas crianças vagavam no Cantão de Unterwalden, às margens do Lago de Lucerna, sem pais, casa, comida ou abrigo. Pestalozzi reuniu muitos deles num convento abandonado, e gastou suas energias educando-os. Durante o inverno cuidava delas pessoalmente com extremada devoção mas, em junho de 1799, o edifício foi requisitado pelo invasor francês para instalar ali um hospital, e seus esforços foram perdidos. Em 1799 obteve permissão para manter uma escola em Burgdorf, onde permaneceu trabalhando até 1804.

Pestalozzi e os órfãos

Em 1801 Pestalozzi concentrou suas idéias sobre educação num livro intitulado “Como Gertrudes ensina suas crianças” (Wie Gertrude Ihre Kinder Lehrt). Ali expõe seu método pedagógico, de partir do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Continuava daí, medindo, pintando, escrevendo e contando, e assim por diante. Em 1802 foi como deputado a Paris, e fez de tudo para fazer com que Napoleão se interessasse em criar um sistema nacional de educação primária; mas o conquistador disse-lhe que não podia perder tempo com o alfabeto.

Versão Original de Como Gerturdes
 Ensina às Crianças

Em 1805 mudou-se para Yverdon, no Lago Neuchâtel, e por vinte anos dedicou-se ao seu trabalho continuamente. Ali era visitado por todos que se interessavam pela educação, como Talleyrand, d'Istria de Capo, e Mme. de Staël. Foi elogiado por Humboldt e por Fichte. Dentre seus discípulos incluem-se Denizard Rivail, Ramsauer, Delbrück, Blochmann, Carl Ritter, Froebel e Zeller.

Por volta de 1815 dissensões surgiram entre os professores de sua escola, e os últimos 10 anos de seu trabalho foram marcados por cansaço e tristeza. Em 1825 ele se aposentou em Neuhof. Escreveu suas memórias e seu último trabalho, “O canto do cisne”, vindo a morrer em Brugg.

Contribuições de Pestalozzi
Como ele próprio disse, o verdadeiro trabalho de sua vida não se deu em Burgdorf ou em Yverdon. Estava em seus primeiros momentos como educador, com a sua observação, a preparação do homem integral, a prática junto aos órfãos de Stans.

A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral, isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade.

Versão Moderna de Como
Gertrudes Ensina às Crianças
Pestalozzi aplicou em classe seu princípio da educação integral, não limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça (intelectual), a mão (físico) e o coração (afetivo ou moral). O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas, numa época em que chicotear os alunos era comum.

A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve de dentro para fora, idéia oposta à concepção de que a função do ensino é preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior do educador, a de saber ler e imitar a natureza – em que o método pedagógico deveria se inspirar.

Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua índole original que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi.
Pestalozzi e os órfãos em Stans, por
Konrad Grob (1828 - 1904), pintura de 1879

Pestalozzi não foi um iluminista típico, até por ser religioso demais para isso. Por outro lado, a importância que dava à vivência e à experimentação aproximam seu trabalho de um pioneiro enfoque científico para a educação, num reflexo da defesa da razão que caracterizou o "século das luzes". "A arte da educação deve ser cultivada em todos os aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento profundo da natureza humana", escreveu Pestalozzi.

O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda.
Edifício em Yverdon onde funcionou a
Escola fundada por Pestalozzi

Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do "aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.

Síntese das Idéias
A escola idealizada por Pestalozzi:

- Não apenas uma extensão do lar, mas inspira-se no ambiente familiar, (atmosfera de segurança e afeto);
- O amor é a plenitude da Educação: só o amor tem força salvadora capaz de levar o homem à plena realização moral.
- Na visão de Pestalozzi, a criança se desenvolve de dentro para fora.
- Um dos cuidados principais do professor deve ser o de respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa.

O Método de Pestalozzi:
- Do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo, do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, o ideal é “aprender fazendo”;
- O processo educativo deve englobar três dimensões humanas para uma formação também tripla: intelectual, física e moral;
- O método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número (posteriormente, a linguagem);
- Nas suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas;
- Mais importante do que o conteúdo, o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Conclusão

Pestalozzi foi um dos pioneiros da educação moderna, influenciando profundamente todas as correntes educacionais, e longe está de deixar de ser uma referência. Fundou escolas, cativava a todos para a causa de uma educação capaz de atingir o povo, num tempo em que o ensino era privilégio exclusivo.

"A vida educa. Mas a vida que educa não é uma questão de palavras, e sim, de ação. É atividade."
Johann Heinrich Pestalozzi

 A Escolástica


Na Idade Média surgiu no seio da Igreja, por sua influência e força, a necessidade de responder às exigências da fé. A Igreja cristã (representada pela Igreja Católica) se considerava a principal guardiã dos valores espirituais e morais de toda a humanidade. A Europa comungava da fé cristã (em sua absoluta maioria) e assim, um modelo de vida e de ensino se fazia necessário – surgia dessa forma a Escolástica (ou Escolasticismo) - uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, que deve o seu nome às artes ensinadas na altura pelos escolásticos nas Escolas medievais. Estas artes podiam ser divididas em Trivium (gramática, retórica e dialética) e Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).
A escolástica resulta essencialmente no aprofundar da filosofia, que naquela época abrangia a quase totalidade dos conhecimentos (em alguns casos, incluía até a teologia).

A educação, a cultura e a filosofia que até o início da Idade Média possuíam traços marcadamente clássicos e helenísticos (ou seja, gregos), sofreram influências da cultura judaica e cristã ao longo dos séculos posteriores à entrada do cristianismo no Império Romano. A partir de Agostinho, ao mesmo tempo em que os pensadores cristãos sentiram a necessidade de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, buscaram harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico grego.

Dessa forma, tanto temas teológicos sofrerão influências da filosofia, como a filosofia receberá influências teológicas cristãs. A princípio, a Escolástica mostrará uma face mais neoplatônica, conciliando elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual (a partir da perspectiva cristã). Mesmo mais tarde, quando Tomás de Aquino trará conceitos e ideias de Aristóteles ao pensamento escolástico, o neoplatonismo ainda será muito forte.

Entender a Escolástica é tentar responder a pergunta: Como conciliar a fé e a razão? Essa é a questão principal que vai atravessar todo o período do pensamento escolástico na busca de harmonizar as duas esferas (razão e fé).

O pensamento de Agostinho defenderá uma subordinação maior da razão em relação à fé, por acreditar que esta (a fé) venha com mais sucesso restaurar a condição decaída da razão humana no seu retorno às origens divinas. Por outro lado, Tomás de Aquino defenderá a autonomia da razão na busca e obtenção de respostas (por influência do aristotelismo). Entretanto, em nenhum momento Aquino negará a premissa da subordinação da razão à fé.

As fontes de conhecimento fundamentais no aprofundamento da reflexão na Escolástica serão os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Pais da Igreja (autores dos primeiros séculos cristãos) que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

Outros pensadores medievais darão importantes contribuições à Escolástica: Anselmo de Cantuária, Alberto Magno, Roger Bacon, Boaventura de Bagnoreggio, Pedro Abelardo, Bernardo de Claraval, João Escoto Erígena, João Duns Scot, Jean Buridan, Nicole Oresme. 

Qual é o limite máximo e o mínimo para os batimentos cardíacos?



O coração de um jovem saudável, entre 15 e 20 anos, costuma bater no mínimo 60 e no máximo 90 vezes por minuto. Mas se esporadicamente sua frequência cardíaca ultrapassa ou cai abaixo de tal faixa, isso não quer dizer que você tem algum tipo de doença. “O coração está ligado ao cérebro e ao corpo por estímulos nervosos e são eles que dizem o quanto ele precisa trabalhar”, afirma o cardiologista Antônio Carlos Carvalho, da Unifesp.
Em algumas pessoas, o nervo simpático (que libera adrenalina) atua com mais força, fazendo com que o indivíduo perceba mais facilmente quando o coração acelera. Em outras pessoas, a atuação do nervo vago (que breca os batimentos) é mais percebida. Basta uma situação que estimule um dos dois nervos e pronto. Quando você está malhando, por exemplo, sua frequência cardíaca pode chegar a 150 ou 160 bpm (batimentos por minuto) sem que isso represente uma ameaça à saúde.
Agora imagine que você está no milésimo sono. Deitadão na cama, sem se mexer ou fazer qualquer esforço, seu metabolismo é muito menos intenso e seu cérebro praticamente desliga. Por que seu coração iria disparar? Enquanto dormimos, é normal nossa frequência cardíaca chegar aos 40 bpm, também sem causar nenhum problema. Afinal você sempre acorda bem no dia seguinte, não?
Outro fator que influencia muito a frequência cardíaca é a idade. Um recém-nascido tem entre 120 e 140 bpm, pois seus sistemas de regulação do sistema circulatório ainda não estão bem desenvolvidos.
A frequência cardíaca maior ajuda a fornecer mais oxigênio ao coração dos bebês. Conforme eles crescem, os batimentos vão diminuindo. Décadas mais tarde, na velhice, os batimentos provavelmente serão mais espaçados ainda, numa faixa entre 50 e 80 bpm.
+ Como ocorre um ataque cardíaco?
+ Como é ressuscitada uma vítima de parada cardíaca?
coracao

Motor desregulado

Cada coração tem sua cadência, mas alterações bruscas podem levar à morte
Com o pé no freio
Uma frequência cardíaca muito baixa faz com que menos oxigênio circule pelo corpo. Com você deitado e quieto, ou mesmo dormindo, é provável que não haja nenhum problema se seu coração estiver com apenas 30 bpm. Mas essa frequência com você desperto, em pé, pode provocar desmaios e, em casos extremos, levar à morte
Limite ideal
Para um jovem saudável, a frequência normal fica entre 60 e 90 bpm. Mas um atleta, por exemplo, pode ter uma frequência de 40 bpm e isso ser absolutamente normal. É que o coração dele é muito eficiente: cada bombeada entrega ao corpo bem mais sangue que o normal, por isso ele precisa bater menos vezes
Excesso de velocidade
O coração tem dois movimentos: a diástole (quando o órgão se enche de sangue) e a sístole (quando o sangue é bombeado para o corpo). Quando o coração acelera, ele encurta a diástole. Assim, o órgão envia menos sangue para o corpo, causando cansaço e desmaios. Uma frequência cardíaca perto dos 180 bpm é sinal de alerta total e perigo de morte
CONSULTORIA Marcelo Bertolami, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese (SP)

Garantismo Penal


Sérgio Zoghbi Castelo Branco, Professor de Direito do Ensino Superior
há 4 anos
25,9K visualizações
1 Introdução
O garantismo encontra-se relacionado ao conjunto de teorias penais e processuais penais estabelecidas pelo jusfilósofo italiano Luigi Ferrajoli. O significado do termo garantista que dizer proteção naquilo que se encontra positivado, escrito no ordenamento jurídico, por muitas vezes tratando de direitos, privilégios e isenções que a Constituição confere aos cidadãos. Porém garantismo não é apenas legalismo, seu pilar de sustentação não está fundado apenas naquilo que a Lei ampara e sim no axioma de um Estado Democrático de Direito.
No que trata a questão criminal, raramente os condenados conseguem cumprir a pena até o final e quando sobrevivem, geralmente, ou saem mais revoltados ou, morrem nos presídios. O recomeçar desses indivíduos é um problema, a sociedade não os aceita. E mesmo que cumpram toda a sentença em bom comportamento, agora estes indivíduos são ex-delinquentes, e por conta deste estigma, são abandonados até mesmo pela família. Sem emprego, sem renda, não possuem muitas alternativas, e voltam para o crime, gerando um ciclo vicioso.
O garantismo rechaça o Estado antiliberal, onde ocorre o abuso do direito de punir. Pode se dizer que não interessa uma liberdade selvagem com carência de regras (o que ocorre no absolutismo) e sim um modelo de direito em uma liberdade regrada amparando o bem jurídico que deve ser protegido.
2 Desenvolvimento
Os princípios basilares do garantismo penal são os seguintes: 1) princípio da retributividade ou da sucessividade da pena em relação ao delito cometido: o que demonstra o expresso reconhecimento de Ferrajoli da necessidade do Direito Penal, contrariamente a visões abolicionistas. O jusfilósofo defende que o garantismo penal é a negação do abolicionismo; 2) princípio da legalidade: inviável se cogitar a condenação de alguém e a imposição de respectiva penalidade se não houver expressa previsão legal, guardando esta a devida compatibilidade com o sistema constitucional vigente; 3) princípio da necessidade ou da economia do Direito Penal: somente se deve acorrer ao Direito Penal quando absolutamente necessário, de modo que se deve buscar a possibilidade de solução dos conflitos por outros meios. É o último recurso do Direito Penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do ato: além de típico, o ato deve causar efetiva lesividade ou ofensividade ao bem jurídico protegido, desde que deflua da Constituição (direta ou indiretamente) mandato que ordene sua criminalização; 5) princípio da materialidade; 6) princípio da culpabilidade: a responsabilidade criminal é do agente que praticou o ato, sendo necessária a devida e segura comprovação da culpabilidade do autor; remanescendo dúvidas razoáveis, há se aplicar o axioma do “in dubio pro reu; 7) princípio da jurisdicionalidade: o devido processo legal está relacionado diretamente também com a estrita obediência de que as penas de natureza criminal sejam impostas por quem investido de jurisdição à luz das competências estipuladas na Constituição; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação: numa frase significa unicamente que o julgador deve ser pessoa distinta da do acusador; 9) princípio do encargo da prova: ao réu não se deve impor o ônus de provar que é inocente, pois é a acusação quem tem a obrigação de provar a responsabilidade criminal do imputado; 10) princípio do contraditório: a partir do devido processo legal, o réu tem o direito fundamental de saber do que está sendo acusado e que lhe seja propiciada o amplo poder de se defender de todas as acusações.
Existem formas de minimizar o poder institucionalizado, a partir de princípios que devem possuir amplo amparo pelo órgão jurisdicional (garantias relativas à pena/ garantias relativas ao delito/ garantias relativas ao processo).
- Garantias relativas à pena: nulla pena sine crimne = não há pena sem crime (princípio da retributividade); nullum crimen sine lege = não há crime sem lei anterior que o defina (princípio da legalidade); nulla lex pennalis sine necessitatis = não há lei pena sem necessidade (princípio da necessidade e princípio da intervenção mínima).
- Garantias relativas ao delito: nulla necessitas sine injuria = não há necessidade sem relevante ou concreta lesão ao bem jurídico tutelado (princípio da lesividade ou ofensividade); nulla injuria sine actione = não haverá lesão sem conduta (princípio da exteriorização ou exterioridade da ação); nulla actio sine culpa = não há conduta sem culpa (princípio da culpabilidade).
- Garantias relativas ao processo: nulla culpa sine judicio = o reconhecimento da culpa é feito por órgão judicial (princípio da jurisdicionariedade); nullum judicium sine accusation = o juiz não reconhece culpa sem provocação (princípio acusatório); nulla accusatione sine probatione = a provocação existe com base em provas (princípio do ônus da prova); nulla probation sine defentione = as provas só existirão se submetidas ao contraditório (princípio do contraditório).
Existem três acepções de garantismoconforme estabelece Ferrajoli, constituindo a chamada teoria geral do garantismo: o caráter vinculado do poder público ao estado de direito; a separação entre validade e vigência; a distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e o ponto de vista interno (ou jurídico) e a correspondente divergência entre justiça e validade.
Uma primeira acepção é a de que o garantismo designa um modelo normativo de direito. Em um contexto político, mostra-se como uma técnica de tutela capaz de minimizar a violência e de maximizar a liberdade, e no plano jurídico como um sistema de vínculos impostos à potencialidade punitiva do Estado em garantia aos direitos dos cidadãos. Em consequência, é garantista todo sistema penal que se ajusta normativamente a tal modelo e o satisfaça de maneira efetiva.
Em outro posicionamento, o garantismo designa uma teoria jurídica de validade e efetividade como categorias distintas não somente entre si, mas também a respeito da existência e vigência das normas. Nesse contexto, garantismo expressa uma aproximação teórica que mantém separados o ser e o dever ser em Direito. Dessa forma, o juiz não tem obrigação jurídica de aplicar as leis inválidas (incompatíveis com o ordenamento constitucional), ainda que estes se encontrem vigentes.
Existe um terceiro ponto de vista designando que o garantismo se estabelece com a filosofia política que impõe ao Direito e ao Estado certa carga de justificação externa a partir dos bens jurídicos e dos interesses cuja tutela e garantia se constituam em sua finalidade.
3 Conclusão
Ocorre uma verdadeira antítese envolvendo a liberdade do homem e poder do Estado, segundo o que defende o garantismo à luz do conceito de Estado Democrático de Direito deverá aumentar ao máximo possível a liberdade do homem (indivíduo), ao passo que, deverá diminuir ao mínimo possível o poder estatal. Este é o contexto do pano de fundo do garantismo, ou seja, deve se ampliar o espectro da esfera de liberdade do indivíduo e diminuir ao patamar mínimo necessário o poder do Estado.
Existe a preocupação com a forma, com a imagem daquilo que é justo, fenômeno que geralmente é percebido nos atos normativos de produção, cega os legisladores e operadores do Direito acerca da necessidade de voltar-se ao conteúdo das normas produzidas, transformando-as vigentes, porém ineficazes. A ineficácia gera invalidade. A Constituição Federal de 1988 é garantista em sua essência e plenitude, na medida em que apresenta vários dos princípios tratados por Ferrajoli, porém na prática não alcança a exegese do termo garantista.
O garantismo é um direito penal mínimo, em outras palavras, é o máximo de bem estar para o não delinquente (liberdade total) e o mínimo de mal estar para o delinquente (na medida em que deve ser retirada parte de sua liberdade). O direito penal mínimo exclui a tipicidade das condutas que se encaixam no tipo penal, mas que não violam o ordenamento jurídico por tratar com irrelevância a conduta praticada junto ao bem jurídico tutelado.