Heráclito de Éfeso (aprox. 540 a.C. - 470 a.C.)
Heráclito de Éfeso
(Éfeso, aprox. 540 a.C. - 470 a.C.) foi um filósofo pré-socrático
considerado o "pai da dialética". Recebeu a alcunha de "Obscuro"
principalmente em razão da obra a ele atribuída por Diógenes Laércio, Sobre a Natureza, em estilo obscuro, próximo ao das sentenças oraculares.
Na vulgata filosófica, Heráclito é o pensador do "tudo flui" (panta rei) e do fogo, que seria o elemento do qual deriva tudo o que nos circunda.
De
seus escritos restaram poucos fragmentos (encontrados em obras
posteriores), os quais geraram grande número de obras explicativas.
Dados biográficos
Heráclito
nasceu em Éfeso, cidade da Jônia (atual Turquia). Diógenes Laércio
relata que "Heráclito, filho de Blóson, ou, segundo outra tradição, de
Heronte, era natural de Éfeso. Tinha uns quarenta anos por ocasião da
69ª Olimpíada (504-501 a.C.). Era homem de sentimentos elevados,
orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros".
Por
seu desprendimento em relação ao poder e pelo desprezo que dedicava aos
bens materiais, Heráclito não era simpático aos efésios, que eram
exatamente o seu oposto. Foi, aliás, muito criticado por seus
concidadãos quando conseguiu convencer o tirano Melancoma a abdicar para
ir viver nos bosques, em livre contato com a natureza[1].
Heráclito era acusado de desprezar a plebe, de se recusar a participar
da política - essencial aos gregos) - e de desdenhar os poetas, os
filósofos e a religião.[2]
Misantropo, viveu na solidão do templo de Ártemis. O mesmo Diógenes nos conta: "Retirado no templo de Ártemis, divertia-se em jogar com as crianças e, acercando-se dele os efésios, perguntou-lhes:
De que vos admirais, perversos? Que é melhor: fazer isso ou administrar a República convosco?
Nos
últimos anos da sua vida, passou a viver ainda mais isolado, nas
montanhas, alimentando-se somente de plantas. Quando adoeceu, atacado
por uma hidropisia, Heráclito foi obrigado a voltar à cidade. Aos
médicos, cujo conhecimento ridicularizava, perguntou se seriam capazes
de transformar uma inundação em seca, aludindo à sua doença.[3]
Os médicos não entenderam e acabaram sendo expulsos por Heráclito. O
filósofo resolveu então recorrer a um curandeiro que lhe aconselhou
imergir-se no estrume pois o calor faria evaporar a água em excesso que
havia em seu corpo. Foi um desastre: os cães de Heráclito não
reconheceram o dono, inteiramente coberto de excrementos, e o atacaram,
causando a sua morte. É possível também que a causa da morte de
Heráclito tenha sido o sufocamento comia esterco de vaca. O historiador
Neantes de Cízico (século III a.C.) afirma que, tendo sido impossível
retirar o corpo de sob o esterco, lá permaneceu.
O pensamento de Heráclito
Os filósofos de Mileto (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, entre outros) haviam percebido o dinamismo das mudanças que ocorrem na physis, como o nascimento, o crescimento e a morte, mas não chegaram a problematizar a questão.
Heráclito,
inserido no contexto pré-socrático, parte do princípio de que tudo é
movimento, e que nada pode permanecer estático - Panta rei ou "tudo flui", "tudo se move", exceto o próprio movimento.
Mas
este é apenas um pressuposto de uma doutrina que vai mais além. O
devir, a mudança que acontece em todas as coisas é sempre uma
alternância entre contrários: coisas quentes esfriam, coisas frias
esquentam; coisas úmidas secam, coisas secas umedecem etc. A realidade
acontece, então, não em uma das alternativas, posto que ambas são apenas
parte de uma mesma realidade, mas sim na mudança ou, como ele chama, na
guerra entre os opostos. Esta guerra é a realidade, aquilo que podemos dizer que é. "A doença faz da saúde algo agradável e bom";
ou seja, se não houvesse a doença, não haveria por que valorizar-se a
saúde, por exemplo. Ele ainda considera que, nessa harmonia, os opostos
coincidem da mesma forma que o princípio e o fim, em um círculo; ou a
descida e a subida, em um caminho, pois o mesmo caminho é de descida e
de subida; o quente é o mesmo que o frio, pois o frio é o quente quando
muda (ou, dito de outra forma, o quente é o frio depois de mudar, e o
frio, o quente depois de mudar, como se ambos, quente e frio, fossem
"versões" diferentes da mesma coisa).
Panta rei os potamós (do grego πάντα ῥεῖ
), traduzido como "Tudo flui como um rio" é o célebre aforisma no qual a
tradição filosófica subsequente identificou sinteticamente o pensamento
de Heráclito com o tema do devir, em contraposição à filosofia do ser
própria de Parmênides.
Mas, na realidade, o famoso moto panta rei
não é atestado nos fragmentos conhecidos da obra de Heráclito, e pode
ser atribuído ao seu discípulo Crátilo, que desenvolveu o pensamento do
mestre, radicalizando-o. A fórmula léxica panta rei será cunhada e utilizada pela primeira vez somente por Simplício, em seu comentário à Physica Auscultatio, 1313, 11. A expressão deriva de um fragmento do tratado Sobre a natureza:
Não
se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes
uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da
velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai.
|
Tudo
é considerado como um grande fluxo perene no qual nada permanece a
mesma coisa pois tudo se transforma e está em contínua mutação. Por
isso, Heráclito identifica a forma do Ser no Devir pelo qual todas as
coisas são sujeitas ao tempo e à sua relativa transformação.
Heráclito
sustenta que só a mudança e o movimento são reais, e que a identidade
das coisas iguais a si mesmas é ilusória: para Heráclito tudo flui (panta rei).
O panta rei é uma consequência de polemos
(guerra, conflito), que reina sobre tudo. Em consequência, Heráclito de
Éfeso não é o filósofo do "tudo flui" mas do "tudo flui enquanto
resultado da tensão contínua dos opostos em luta".
A doutrina dos contrários
Polemos é pai de todas as coisas, de todas, de todas rei. |
A
doutrina da unidade dos contrários é talvez o aspecto mais original do
pensamento filosófico de Heráclito. A lei secreta do mundo reside na
relação de interdependência entre dois conceitos opostos, em luta
permanente; mas, ao mesmo tempo, um não pode existir sem o outro. Nada
existiria se não existisse, ao mesmo tempo, o seu oposto. Assim, por
exemplo, uma subida pode ser pensada como uma descida por quem está na
parte de cima. Entre os contrários se cria uma espécie de luta
constitutiva do logos indiviso.
Nessa dualidade, que na superfície é uma guerra (polemos), mas no fundo é harmonia entre os contrários, Heráclito viu aquilo que definia como o logos, a lei universal da Natureza.
E
é a própria doutrina dos contrários que faz de Heráclito o fundador de
uma lógica "antidialética", fundada na lei estética do devir da
realidade. Antidialética porque tese e antítese (ser e não ser) são uma
síntese contraditória e permanente na realidade, que só assim pode vir a
ser, através dos seus dois aspectos existenciais ("no mesmo rio,
entramos e não entramos"; "somos e não somos"); oposta à lógica
aristotélica porque oposta ao seu princípio da não-contradição e do
terceiro excluído.
A
teoria de Heráclito é alternativa à ontologia de Parmênides, o filósofo
da unidade e da identidade do Ser, que ensina que é a contínua mudança a
principal característica do não ser .
A partir de seus pressupostos - panta rei e a guerra entre os contrários -, Heráclito definiu uma arché, um princípio que está em todas as coisas desde a sua origem: o fogo. Para ele,"todas
as coisas são uma troca do fogo, e o fogo, uma troca de todas as
coisas, assim como o ouro é uma troca de todas as mercadorias e todas as
mercadorias são uma troca do ouro"; ou seja, todas as coisas transformam-se em fogo, e o fogo transforma-se em todas as coisas.
A cosmologia de Heráclito
Heráclito, em detalhe do afrescopintado por Rafael, A Escola de Atenas
Segundo
Heráclito, o fogo é, pois, o elemento primordial de todas as coisas.
Tudo se origina por rarefação e tudo flui como um rio. Ocosmos é um só e
nasce do fogo e, de novo, é pelo fogo consumido, em períodos
determinados, em ciclos que se repetem pela eternidade.
Em seu livro - Do Céu,
Aristóteles escreve: "Concordam todos em que o mundo foi gerado; mas,
uma vez gerado, alguns afirmam que é eterno e outros que é perecível,
como qualquer outra coisa que por natureza se forma. Outros, ainda, que,
destruindo-se, alternadamente é ora assim, ora de outro modo, como
Empédocles e Heráclito de Éfeso. (…) Também Heráclito assevera que o
universo ora se incendeia, ora de novo se compõe do fogo, segundo
determinados períodos de tempo, na passagem em que diz "acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas."
Para
Heráclito, o fogo, quando condensado, se umidifica e, com mais
consistência, torna-se água; e esta, solidificando-se, transforma-se em
terra; e, a partir daí, nascem todas as coisas do mundo. Este é o
caminho que Heráclito define como sendo "para baixo".
Derretendo-se a terra, obtém-se água. Água transforma-se em vapor, tal como vemos na evaporação do mar. E, rarefazendo-se, o vapor transforma-se novamente em fogo. E este é o caminho "para cima".
Derretendo-se a terra, obtém-se água. Água transforma-se em vapor, tal como vemos na evaporação do mar. E, rarefazendo-se, o vapor transforma-se novamente em fogo. E este é o caminho "para cima".
Nosso
mundo é cercado pelos astros (Sol, Lua e estrelas). Esses nada mais são
do que barcos cujas concavidades estão voltadas para nós, e que
carregam dentro de si chamas brilhantes. A mais brilhante (para nós) é a
chama do Sol e também a mais quente. Os demais astros distam mais da
Terra e é por isso que seu brilho é menos vivo e menos quente, mas a
Lua, que está bem próxima da Terra, não é por isso, mas por não se
encontrar num espaço puro – a escuridão. O Sol, entretanto, está em
região clara e pura.
Os eclipses do Sol e da Lua acontecem quando as concavidades dos barcos se voltam para cima. E as fases da Lua ocorrem quando o barco que a encerra se volta aos poucos em nossa direção.
Os eclipses do Sol e da Lua acontecem quando as concavidades dos barcos se voltam para cima. E as fases da Lua ocorrem quando o barco que a encerra se volta aos poucos em nossa direção.
Dia
e noite, meses e estações, chuvas, ventos e demais fenômenos são
conseqüências de diferentes evaporações. Pois a brilhante evaporação,
inflamando-se no círculo do Sol, produz o dia; e, quando a contrária
prevalece, produz a noite; e, quando da evaporação brilhante nasce o
calor, faz verão; mas, quando da sombra o úmido prevalece, faz-se o
inverno.
O Deus e a alma
Dentro
do pensamento de Heráclito, Deus não tinha a aparência de um homem nem
de outro animal qualquer. Em seu pensamento Deus não era nem criador,
nem onipotente. Heráclito limitava-se a identificá-lo com os opostos, os
quais persistem apesar de suas mudanças e assim são capazes de
compreender sua própria unidade.
"O
Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; mas se
alterna como o fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo
o gosto de cada um."
Nesse
argumento, podemos ver que Heráclito considerava as diversas divindades
da mitologia grega, que eram adoradas pelos homens de seu tempo, como
sendo apenas fogo misturado a diferentes tipos de incensos.
E
a alma consiste apenas de mais uma rarefação do fogo e sofre as mesmas
mudanças que todas as outras coisas também experimentam; e a morte traz a
completa extinção da alma.
"Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma."
Novamente aqui, nesse raciocínio, vemos Heráclito descrever seus caminhos "para baixo" e "para cima".
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