terça-feira, 27 de novembro de 2012

MORTE SÚBITA DO CORAÇÃO, - TODOS NÓS ESTAMOS SUJEITOS



Fantástico
Esta quarta-feira é o Dia Nacional de Prevenção da Morte Súbita. Um perigo que pode atingir pessoas aparentemente saudáveis, e até atletas.

Domingo passado, por exemplo, um brasileiro de 58 anos teve morte súbita logo depois de completar a Maratona de Nova York.

Às vezes, a busca pela superação acaba ultrapassando os limites do corpo. E isso pode ser fatal.

A autópsia revelou que o brasileiro morto na Maratona de Nova York teve um enfarte. E que ele já sofria de uma doença cardíaca.

O corredor pode ter ignorado os sinais do corpo. A morte subida muitas vezes manda avisos.

“Vários trabalhos feitos mostraram que, uma semana antes, entre 70% a 80% das pessoas que tiveram morte súbita tiveram tontura, azia, palpitações fora do ritmo cardíaco, cansaço fora do habitual. O corpo avisa. É que as pessoas não dão valor a isso”, explica o cardiologista e médico do esporte, Nabil Ghorayeb.

Correr virou moda, só que muita gente não está tomando os devidos cuidados. Foi o que mostrou uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), obtida com exclusividade pelo Fantástico. Foram ouvidos mais de 7 mil atletas amadores em todo o Brasil. “Cerca de 60% dos atletas que praticam corrida sem supervisão de um técnico especializado”, afirma o ortopedista Rogério Teixeira, da SBOT.

Falta também orientação médica. Provas de rua como as maratonas exigem até três anos de treino, dizem os médicos. “Não é simples como andar no shopping”, alerta Ghorayeb.

O grande problema é que provas como uma maratona despertam nos atletas, sejam eles profissionais ou amadores, exatamente o mesmo espírito de superar os limites. Só que, ao mesmo tempo, desrespeitar os limites do corpo pode ser fatal.

Mas como saber o seu limite?

O Fantástico convidou um atleta profissional e um amador para um teste. O empresário Luciano Silva começou a correr há três anos para perder peso e tomou gosto pelo esporte. “Daqui a pouco, eu vou estar treinando para maratona”, conta o empresário.

Vanderlei Cordeiro de Lima foi medalha de bronze nas Olimpíadas de Atenas, mesmo depois de ser agarrado por um maluco no meio do campinho.

Vanderlei e Luciano passaram por exames cardiológicos e provas de esforço. “Eu arranquei a máscara porque estava faltando ar”, contou Luciano. Já Vanderlei mesmo sem treinar há três meses e prestes a se aposentar completou o teste sem problemas.

Veja os resultados:

- Luciano percorreu 1.170 metros em oito minutos;

- Vanderlei correu mais do que o dobro da distância praticamente no mesmo tempo; atingiu quase que o dobro da velocidade. Chegou a 24kmh enquanto que Luciano não passou de 13kmh.

- O atleta amador chegou a uma freqüência cardíaca máxima de 173 batimentos por minuto, 95% do que ele poderia atingir. Vanderlei foi a 180 batimentos: 99% do nível máximo;

- E quando comparamos o consumo de oxigênio, o atleta profissional também leva vantagem: Luciano teve apenas metade do aproveitamento de Vanderlei.

“O Luciano está abaixo das condições, e precisa melhorar”, ressaltou Ghorayeb.

Embora o teste não tenha diagnosticado problema cardíaco em Luciano, o empresário ficou rapidamente sem fôlego. Foi um sinal importante: falta de ar, tontura, palpitações, são sinais importantes. “Se sentir qualquer coisa durante uma atividade física, pare. Não espere para ver se vai passar”, alerta Ghorayeb.

Durante a atividade física, monitore seus batimentos cardíacos e para saber o seu limite. A conta é simples: diminua sua idade de 195. Por exemplo: se você tem 30 anos, não passe de 165 batimentos cardíacos durante os exercícios.

Beba água de dez em dez minutos.

Nos dias frios, como na Maratona de Nova York, que estava fazendo 6ºC. “O frio pode ser o gatilho de uma situação grave: uma angina ou um infarto”, explica Ghorayeb. O frio provoca uma descarga de adrenalina no corpo. Os vasos sangüíneos se estreitam, a pressão arterial sobe e o coração pode sofrer alterações no ritmo dos batimentos.

Qualquer pessoa, mesmo com acompanhamento médico, pode ter morte súbita? Sim. Mas as chances são muito menores. Por isso, procure um cardiologista antes de começar a correr. “Infarto do miocárdio acontece em pessoas que tinham os chamados fatores de risco não controlados. Um pouquinho de colesterol, um pouquinho de pressão alta traz risco se não for controlado”, orienta Ghorayeb. “Por mais que você esteja preparado fisicamente, eu acho que é importante você saber do seu corpo”, finaliza Vanderlei Cordeiro.

domingo, 25 de novembro de 2012

Paulistanos selvagens

gilberto dimenstein

25/11/2012-09h14min

Paulistanos selvagens


Uma grande parte dos paulistanos ( 43%) aceita, sem problemas, o extermínio de marginais por policiais - o que significa, na prática, que não acredita na Justiça. Esse dado, encontrado pelo Datafolha, mostra nitidamente que a mais importante cidade brasileira vive na selvageria.
Estamos no século 21, depois de décadas de democracia, acreditando na justiça com as próprias mãos - o que estimula comportamentos violentos. Aceita-se, em suma, a ideia de que bandido bom é bandido morto.
A barbárie também é visível em outro dado da pesquisa: só 11% dos paulistanos se sentem muito seguros de andar à noite. Ou seja, é uma população que se sente abandonada.
Sempre houve apoio à barbárie ( aliás, um apoio comum entre determinados meios de comunicação), mas era de se esperar que, com o avanço da democracia, do crescimento econômico, da distribuição de renda e da educação, ficássemos mais civilizados.
Ficamos falando quase sozinhos quando defendemos ideias como a importância da educação pública de qualidade para reduzir de forma sustentável a violência. Sabemos como investir na primeira infância tem efeitos duradouros - além de trabalhos focados na juventude das periferias.
A população, amedrontada, quer sangue. Prefere-se mesmo o assassinato. E assim ficamos tão selvagens como os marginais.
Gilberto DimensteinGilberto Dimenstein ganhou os principais prêmios destinados a jornalistas e escritores. Integra uma incubadora de projetos de Harvard (Advanced Leadership Initiative). Desenvolve o Catraca Livre, eleito o melhor blog de cidadania em língua portuguesa pela Deutsche Welle. É morador da Vila Madalena

Astroteologia: breve introdução


marcelo gleiser

25/11/2012-03h57

Astroteologia: breve introdução


Nós, humanos, somos seres limitados. Criativos e inovadores, conseguimos ampliar em muito a nossa compreensão do mundo por meio da aplicação diligente da razão e, complementarmente, das artes.
Isso porque, se a ciência e as artes têm algo em comum, é justamente a tentativa de estender nossa visão de mundo, de ampliar as fronteiras do conhecimento, revelando aspectos inusitados do real. Um teorema e um poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar sentido à existência.
Talvez seja por isso que o teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu que "o homem é o seu maior problema". Nossas filosofias, ciências e religiões são tentativas de compreender a existência apesar de nossa miopia, isto é, de nossas limitações sobre o que vemos e entendemos.
Nessa busca, não é coincidência que a crença religiosa funcione como uma bússola para tantas pessoas. Como explicar a origem do Universo? Ou da vida? Ou por que temos uma mente capaz de refletir sobre essas questões complexas?
Tais questões são, hoje, parte da pesquisa científica de ponta. Vivemos numa época peculiar, em que o que antes era província exclusiva da religião faz parte do discurso rotineiro da ciência. Porém, por não termos ainda respostas, essas questões continuam nos assombrando.
Talvez um dos dilemas da humanidade seja a angústia de poder contemplar o divino sem sê-lo. Temos a capacidade de imaginar a perfeição, a ausência de dor, a imortalidade; mas, tirando a ficção e a fé, não temos como transcender nossa realidade carnal, os limites temporais e espaciais. Ou será que temos?
Considerando que a ciência moderna tem apenas quatro séculos (marcando seu início com Kepler e Galileu), e percebendo o quanto já fizemos em tão curto prazo, imagine o que nos espera em mil anos?
Ou 10 mil anos, se, claro, não nos destruirmos antes disso. A ciência nos permite já uma manipulação dos genes de criaturas, a ponto de podermos modificar o que comemos e mesmo alcançar curas diversas.
Extrapolando a expansão tecnológica para o futuro, alguns afirmam que, em algumas décadas, chegaremos a um ponto em que nossa hibridização com máquinas será tão profunda que não poderemos mais nos dissociar delas. Caso essas previsões se concretizem -e, a meu ver, já estão ocorrendo-, seremos, como escrevi aqui recentemente, uma nova espécie, além do humano.
Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum canto da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, 1 milhão de anos antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada.
Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar com máquinas. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos energéticos no espaço.
Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades. Poderiam, por exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como parte de um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando, como nós observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas entidades imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam eles deuses, mesmo se não sobrenaturais?
Marcelo GleiserMarcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

Um obituário do estádio do Maracanã



Um obituário do estádio do Maracanã

25/11/2012

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ALVARO COSTA E SILVA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O estádio do Maracanã se impôs como um dos principais símbolos da cultura brasileira no século 20. Recentemente implodido para ser reconstruído para a Copa de 2014, apesar de tombado pelo Patrimônio Histórico, o estádio deixa marcas na memória de uma geração de esportistas, artistas, escritores e jornalistas.
*
O que haverá de sentir aquele --craque ou perna-de-pau-- que marcar o primeiro gol do novo Maracanã? Didi, que fez o gol inaugural do velho estádio, sentiu desconfiança. "Isso vem abaixo", profetizou. Era o dia 17 de junho de 1950, uma semana antes do início da Copa do Mundo, e enfrentavam-se as seleções de novos do Rio e São Paulo, com portões franqueados ao público e 3 a 1 para os paulistas.
Cerca de 200 mil pessoas viram Didi, aos 9 minutos do primeiro tempo, tabelar com Silas, seu companheiro no Fluminense, e, segundo os cronistas esportivos, "meter uma curvazinha na bola, que entrou na forquilha". A multidão explodiu: "Foi um urro, um eco tremendo. O Maracanã balançou e fiquei tonto", relembrou o craque.
Aquela vertigem, nunca mais. A reconstrução por que passa o estádio comporta um sistema de amortecimento que vai acabar com a sensação de que o Maracanã também vibra com os gols.
Fernando Donasci - 12.jul.07/Folhapress
Vista do estádio do Maracanã e do ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Apesar de tombado pelo Patrimônio Histórico, o estádio foi implodido para ser reconstruído para a Copa de 2014
Vista do estádio do Maracanã e do ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Apesar de tombado pelo Patrimônio Histórico, o estádio foi implodido para ser reconstruído para a Copa de 2014
Debaixo da estrutura principal das arquibancadas, os operários construíram um contraforte, camada de sustentação de cinco metros de largura por três de altura que suporta oscilações de até 6Hz (equivalentes as de um show de heavy metal). O curioso é que o sistema foi preenchido com os restos da marquise e das fundações que sobraram do antigo estádio.
O desaparecimento das marquises é um dos pontos mais polêmicos da obra. Desde 2000 o Estádio Mario Filho está inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o que lhe confere o status de único estádio de futebol tombado no Brasil.
Em reunião do conselho consultivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em agosto de 2011, um grupo de conselheiros classificou a reforma como "crime". O projeto havia sido aprovado pelo então superintendente do órgão no Rio, Carlos Fernando Andrade. Em agosto de 2010, timidamente, começaram as obras, com a retirada das cadeiras azuis do anel inferior.
O primeiro a falar no tombamento foi o ex-presidente da Academia Brasileira de Letras Marcos Vinicios Vilaça, em 1983, logo após um empate sem gols entre Brasil e Argentina no qual o lateral canarinho Júnior tropeçou no gramado ruim. Vilaça era secretário de cultura do MEC e propôs não só a preservação do Maracanã, "símbolo sociológico marcante no pluralismo cultural brasileiro", como também a do terreiro de candomblé da Mãe Teté, na Bahia. O terreiro foi tombado no ano seguinte; o estádio, só 17 anos depois.
"Houve muita resistência dentro do Iphan, que só se dobrou mais tarde", diz o imortal. "Não opino sobre a atual reforma, pois não conheço detalhes da planta. Mas acho que deveriam reformar sem alterar. E construir para a Copa um novo estádio na Barra."
Há cinco anos, desde que o Brasil foi escolhido como sede do Mundial de 2014, após a desistência da Colômbia, ficou óbvio que o Maracanã, durante anos o maior e mais famoso estádio de futebol do mundo, seria o cenário da entrega da taça. Era só cumprir com as (não poucas) exigências da Fifa. Acabar com a divisão entre arquibancadas e cadeiras foi a principal, criando um novo grau de inclinação que facilite a visibilidade e deixe o estádio com um único lance de assentos --todos individuais e numerados, com encosto de pelo menos 30 cm de altura.
Na cadeira mais próxima ao gramado, a distância para o campo terá 12 metros. Antes, a distância entre o público e o campo era mediada pelas chamadas gerais que, rebaixadas, ficavam quase ao nível do pé dos jogadores. Serão seis rampas de acesso --quatro novas e duas reformadas-- para que os quase 80 mil torcedores saiam em até oito minutos.
Autor de "Maracanã: Meio Século de Paixão" (DBA), o jornalista João Máximo considera que o estádio não é exatamente um monumento histórico: "Não se trata de uma torre Eiffel ou uma Estátua da Liberdade. O que me incomoda é elitização do espaço esportivo. Por que não poderíamos ter, ao menos, 130 mil lugares?".
"E nada garante que o torcedor verá o jogo melhor depois da reforma", assevera. "Não sou viúva do velho Maracanã. Sou viúva do tempo em que a seleção jogava e ganhava copas no exterior. Não se submetia à ganância da Fifa."
Assim que as obras iniciaram, os cariocas se assustaram com o ritmo da destruição.
"Foi com espanto que, da janela de um avião, me deparei com as ruínas do Maracanã. Protegido pelo Iphan, ele foi demolido para a construção de outro estádio, de mesmo nome e no mesmo lugar", lamenta o escritor João Paulo Cuenca. "Além do desrespeito ao patrimônio da cidade, a operação me parece ter sido feita às pressas e às escondidas. Não deu tempo nem para me despedir."
A pressa continua. No momento, os operários trabalham no processo de instalação dos cabos de aço que vão sustentar a nova cobertura. Os andaimes para apoiá-los estão sendo montados. Os cabos estão sendo erguidos, todos ao mesmo tempo, por 120 macacos hidráulicos.
Confeccionada em fibra de vidro e teflon, a cobertura terá 68,4 metros de comprimento --38,4 metros a mais que a antiga. O campo também começa a ganhar forma. Sua demarcação, terraplanagem e nivelamento já começaram. Segundo o governo no Rio, cerca de 70% do novo Maracanã está pronto. Na reta final, o número de trabalhadores será de 5.200.
A um custo que pode ultrapassar R$ 1 bilhão, a reforma está prevista para acabar em fevereiro, teoricamente podendo receber clássicos do Campeonato Carioca de 2013. O jogo de abertura, talvez em março, deverá ser um amistoso da seleção brasileira. A prova de fogo será a Copa das Confederações, prévia do Mundial, com abertura em 16 de junho do ano que vem.
FICHINHA
Apesar de enorme, a expectativa em torno da obra fica longe da comoção nacional que envolveu a construção do Maracanã para a Copa do Mundo de 1950. Erguê-lo não foi fichinha.
Quando a candidatura do Brasil para sediar a quarto mundial foi aceita, pensou-se logo na construção. A turma do contra reuniu-se em torno de Carlos Lacerda. Vereador, o futuro rival de Getúlio Vargas era partidário de que se fizesse um complexo esportivo em Jacarepaguá, no outro extremo da cidade. Na Câmara Municipal, Lacerda travou inflamados debates com o compositor Ary Barroso.
O maior defensor da construção no terreno do antigo Derby Club --"o centro geométrico da cidade"-- foi o jornalista Mario Filho. Seus artigos publicados no "Jornal dos Sports", a partir de maio de 1947, batizaram o movimento de "A Batalha do Estádio".
O jornal encomendou uma pesquisa, prática pouco comum à época, que ouviu mais de mil pessoas entre o público geral e os aficionados por futebol: 79,2% daqueles disseram-se favoráveis ao estádio; 95% destes aprovaram a construção. Em 20 de janeiro de 1948 lançou-se a pedra fundamental do Estádio Municipal do Maracanã (que só na década de 1960 passou oficialmente a Estádio Mario Filho, mas assim só chamado pelo irmão dele, Nelson Rodrigues).
Em menos de duas horas, mais de 200 operários se apresentaram. Calcula-se que uns 10 mil deles estiveram direta ou indiretamente ligados à obra, revolvendo 500 mil sacos de cimento (dois Pães de Açúcar), 10 milhões de quilos de ferro, três milhões de tijolos e outro tanto de madeira, terra e areia.
O "Gigante do Derby" ocuparia uma área de 200 mil metros quadrados, dos quais 130 mil pelo estádio propriamente dito, em sua ousada forma elíptica (317 metros no eixo maior, 279 no menor e um perímetro de 945) e a marquise sem pilastras internas, desobstruindo a visão do torcedor.
Aos 14 anos, João Máximo morava ali perto, em Vila Isabel, e tinha um programa sagrado aos sábados, no fim da tarde, após a pelada: espiar com os amigos o andamento da obra --hoje, com o estádio em transformação, se faz isso pela internet. "Tínhamos o maior Carnaval do mundo, acreditávamos ter o melhor futebol também", diz Máximo. "A conquista da Copa ia sacramentar essa certeza."
Para ficar quase pronto --há quem diga que jamais ficou--, o Maracanã levou um ano e dez meses, a um custo total de 350 milhões de cruzeiros da época (o equivalente a R$ 283 milhões). A capacidade total declarada era de 183.354 espectadores. Só as arquibancadas pegavam 120 mil; as gerais, 32 mil. (No Maracanã da Fifa caberão 78.639 pessoas.)
"MARACANAZO"
Mais de 200 mil espectadores estiveram na final da Copa de 50 --oficialmente, foram registrados 173.850. Depois de campanha convincente --um 2 a 2 com a Suíça e quatro vitórias, sendo o ponto alto a goleada imposta à Espanha na semifinal (6 a 1), numa tarde em que o público invadiu o estádio, atropelando catracas e parte da muralha externa-- o Brasil chegou à decisão com a vantagem do empate.
Àquela altura, duvidar do título, quem havia de? Pois aconteceu o que se sabe. A trave à direita das tribunas de honra ficou conhecida como Gol do Ghiggia, lembrando o placar adverso de 2 a 1. Cinquenta anos depois, Zizinho, o craque daquele time, reconheceria: "Os uruguaios eram melhores".
O "maracanazo" --que cevou nosso complexo de vira-lata diagnosticado por Nelson Rodrigues-- ganhou minuciosa reconstituição em "Anatomia de uma Derrota", de Paulo Perdigão, no fim da qual o jornalista, como que de mãos amarradas, valeu-se de uma ficção à H. G. Wells para explicar o inexplicável: o conto "O Dia em que o Brasil Perdeu a Copa", narrado pelos olhos de um menino, depois transformado no curta-metragem "Barbosa", por Jorge Furtado.
Expressão perfeita em si mesma, o futebol frequenta pouco a literatura brasileira. Entre os escassos exemplos, um se destaca e elege como tema o Mundial de 50: tragédia dentro da tragédia, o relato "Dia dos Mortos", de Sérgio Faraco, não mostra sequer um lance de bola rolando, nem uma batida de lateral. A ação decorre no entorno do Maracanã, na triste hora da saída: "Os dois jovens iam devagar, como todos, e em silêncio, como quase todos. Quem falava, fazia-o em voz baixa, cautelosa".
"Na Boca do Túnel", de Sérgio Sant'Anna, confere ao futebol e ao Maracanã o merecido tratamento, sofisticado, mas elitista --e que, nas nossas letras, esteve mais presente na pena dos cronistas esportivos: os irmãos Nelson e Mario, sobretudo. O conto flagra a angústia do técnico à beira do campo, impotente diante da goleada sofrida por um time pequeno --o bravo São Cristóvão, campeão de 1926.
Prêmio Casa de las Américas de 1980, "Maracanã, Adeus", de Edilberto Coutinho, é uma "avis rara": um livro de contos inteiramente dedicado ao futebol. São 11 histórias, como os 11 jogadores de um time, a primeira delas chamada "Preliminar". A última, que dá título à antologia, narra a trajetória de um atacante cuja carreira foi interrompida pelo alcoolismo.
Mais atual, impossível: "O sobretudo era porque sentia frio, mas estava servindo também para ocultar a garrafa de cachaça, que havia trocado pelo tico-tico Filó num botequim. O estádio vazio, eta mundão do Maraca. Tudo agora silencioso, cadê a galera gritando meu nome, eu ainda garoto, 19 anos se tanto".
Cantado e adaptado nas arquibancadas, "Samba Rubro-Negro", aquele que diz "Flamengo joga amanhã/ Eu vou pra lá/ Vai haver mais um baile/ No Maracanã", não deu sorte ao autor, Wilson Batista. Pelo menos no primeiro momento.
Numa inédita promoção, Wilson levou o cantor Roberto Silva no meio do campo para o lançamento do disco. Depois, viu seu time perder (2 a 1) o Fla-Flu de 1955.
CRAQUES
Três nomes se impõem na galeria de craques do Maracanã: o de Garrincha, que, embora atuando com a camisa 7 do Botafogo, conseguiu a proeza de levar torcedores de outros clubes ao estádio especialmente para vê-lo entortar joões. O de Zico, maior artilheiro da sua história, com 333 gols marcados em 435 partidas.
E, naturalmente, o de Pelé. Foi ali que, em março de 1961, ao driblar nove adversários antes de chutar para as redes e encarar a torcida do Fluminense que minutos antes o vaiava, surgiu a expressão "gol de placa", ou seja, merecedor de uma placa no estádio.
Também foi ali que o Rei marcou o milésimo gol da sua carreira, na noite de 19 de novembro de 1969, de pênalti, e venceu o goleiro argentino Andrada, do Vasco. No dia em que o número recorde de pagantes (183.342) teria sido registrado, Pelé deixou o dele --de bico-- contra o Paraguai, classificando a Seleção para a Copa de 70.
Se não há dúvida quanto ao gol, há quanto ao público: para o pesquisador Ivan Soter, autor da "Enciclopédia da Seleção", outro Brasil x Paraguai, em 1954, teria sido assistido no estádio por mais gente: 195.514 pessoas.
De acordo com os dados de Soter, foram 104 jogos da seleção no estádio: 75 vitórias, 22 empates e apenas sete derrotas. Estatística tão favorável periga não se repetir em 2014: o Brasil só jogará no Maracanã se chegar à final. Um tropeço nas oitavas, quartas e semifinais, e tchau. Salvo se houver mudanças na tabela, o que está em estudos.
Pelé (sempre ele) marcou mais gols com a camisa canarinho no Maracanã: 29. Depois, Zico (14). Seguem Rivelino, Jairzinho e Tostão (12), Ademir (9), Romário (8).
Mas cada torcedor tem o seu jogo e o seu gol inesquecível. O primeiro tricampeonato rubro-negro conquistado em 1955; os 6 a 2 do Botafogo no Fluminense na final de 1957, com cinco gols de Paulinho Valentim, um deles de bicicleta; a vaia, o gol de raiva e os aplausos para Julinho em 1959.
O último campeonato do América em 1960; o bi mundial do Santos (sem Pelé) em 1962; a vitória do Bangu (3 a 0) sobre o Flamengo no título de 1966, com pancadaria generalizada, que começou com Almir Pernambuquinho dentro de campo; os 6 a 0 do Botafogo em cima do Flamengo em 1972.
E a goleada de volta do Flamengo, pelo mesmo placar, em 1981. "Naquele ano, tive permissão de meus pais para ir sozinho ao Maracanã. E, deitado confortavelmente no duro degrau de cimento, vi Andrade, o camisa seis, marcar o sexto gol. Que forra!", conta o artista plástico Raul Mourão.
A polêmica vitória (3 a 2) do Flamengo sobre a Atlético-MG, na decisão do Campeonato Brasileiro de 1980, é a partida inolvidável do escritor Alberto Mussa: "Marquei com minha turma do Andaraí para ver o jogo. Um dos nossos parceiros de sueca [jogo de cartas], o saudoso Mamão, era bilheteiro e deixava a turma pular a roleta da geral".
"Só que naquele dia a confusão foi tanta que, primeiro, me perdi de todo mundo; depois perdi os chinelos. Nunca havia visto a geral tão cheia", relembra Mussa. "Acabei ficando encostado no ferro em frente ao fosso, torcendo sozinho. Eu estava na exata posição, com um ângulo de visão perfeito, para acompanhar um dos maiores momentos da história do Flamengo: vi todo o lance do gol do Nunes, o terceiro, como se ele estivesse jogando para mim, para aquele espectador descalço e solitário, no meio da massa. Quando o jogo acabou, comecei a chorar. Dois torcedores que estavam do meu lado, vendo minha emoção, me convidaram para tomar com eles a cerveja do título".
Ainda os gols de Rivelino em 1975 (com direito a elástico, drible em que o atacante conduz a bola para um lado e, rapidamente, a leva para o oposto enganando o defensor), de Roberto Dinamite em 1976 (com matada no peito e lençol, quando se passa a bola por cima do adversário, como se o envolvesse num lençol), de Romário em 1993 (com drible de corpo no goleiro uruguaio), de Renato Gaúcho (com a barriga) no Fla-Flu de 1995. Sem falar na invasão corintiana de 1976, nos shows de Frank Sinatra e Paul McCartney, na missa do papa João Paulo 2º. e na chegada do Papai Noel de helicóptero.
O Maracanã, tal como o conhecemos e curtimos, não existe mais. Inês é morta e agora é o futuro. Fica uma enorme saudade. Inclusive do churrasquinho de gato ou cutia, que será proibido na Copa.
"Se não me engano, ainda não chamávamos o Maracanã de Maracanã. Dizíamos, simplesmente, Estádio Municipal. Mais uma oportunidade para meu tio fazer-me torcedor do Vasco. Meu tio devia ter alguma importância porque fomos para a tribuna.
A subida era pelo elevador. Dei de cara com o conjunto do estádio. O que vi mudou minha vida: as cadeiras azuis combinando com o verde do gramado. Imediatamente me apaixonei pelo Maracanã, que passou a ser a minha casa", relembra Ivan Soter.
"Estaria aboletado, no restante da minha infância e juventude, na arquibancada junto à torcida do Flamengo, atrás da baliza, que chamavam, naquele tempo, de Gol do Friaça.
Do outro lado, ficava a torcida do Vasco, onde meu tio se esforçou para que eu ficasse, correspondendo ao Gol do Ghiggia. A minha presença naquele posto era tão indiscutível que eu chegava a marcar encontros no local, mesmo com o estádio apinhado. Todos sabiam onde me achar."

Putin’s Circle: Corruption, Connections, and Adultery?


November 24, 2012

Putin’s Circle: Corruption, Connections, and Adultery?

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Earlier this month, the Russian defense minister Anatoly Serdyukov was fired. The stated cause was allegations of corruption related to his agency, but this may not have been the only, or even the main factor. According to several Russian media reports, there may also have been a woman involved. The minister was reportedly estranged from his wife and had close relations with a female employee.

Adam Gopnik observed recently, in connection with the case of General David Petraeus, that American generals are also human. It shouldn’t be a surprise that the Russian defense minister, even without the benefit of military discipline—Serdyukov’s earlier background is in furniture trade—might also find it hard to resist desire.
But if the Russian and the American dismissals of high-ranking officials have something in common, there are divergences. For one thing, corruption has not been an issue in the Petraeus case. And as adulteries commonly go, Petraeus’s story is mostly about four people: the general, his wife, his mistress, and her husband, along with a supporting cast—the Tampa hostess, the shirtless F.B.I. agent, the e-mailing second general. But the rumor about the Russian minister’s adultery persistently mentions another central character: the minister’s father-in-law.
Serdyukov’s wife is the daughter of a former Prime Minister who used to be a colleague of Vladimir Putin in early nineties when both worked in the Saint Petersburg mayor’s office, and is believed to be a member of Putin’s current inner circle. Serdyukov’s father-in-law was arguably a key driving force in his career. As a Russian observer wrote this week, Serdyukov owes to his marriage “his dashing transformation from an owner of a furniture business to a cabinet minister.” As Putin appointed him in charge of the defense ministry, Serdyukov launched an ambitious reform of the armed forces; the reform encroached on important interests of the military establishment, but staunch support of the President enabled Serdyukov to move on. Serdyukov’s dismissal looked like a most unusual move for Putin, who has a reputation of a leader who “never gives in his own”, corrupt or not. A possible explanation that the Russian rumor mill is suggesting: in the adultery scenario, Putin’s loyalty would have been to the father-in-law.
In Russia we don’t have the American transparency, leaving these rumors only rumors; it’s inconceivable that the minister would make statements apologizing to his family for his “poor judgment,” or that the media would quote flirtatious email exchanges. (Boris Yeltsin’s Russia was much less discreet: in 1999 a state-run national TV network showed a man who “looked a lot like the prosecutor general” frolicking naked with two young women who also happened to be unclad. Nobody had the slightest doubt that it was indeed the prosecutor general, and his career was effectively over after the secretly filmed episode was broadcast.) Unlike the intimate affairs, allegations of corruption, however, can be public and formal; these days the state-controlled television savors stories about the luxurious life styles of arrested officials. One of those currently under prosecution is the same lady who is rumored to be the cause of the abrupt end of Serdyukov’s ministerial career. The Russian audience was informed that Evgenia Vasilieva lives in a 13-room apartment worth about ten million dollars filled with expensive jewelry and art masterpieces. She is currently under house arrest, an unusually soft pre-trial treatment for the Russian legal practices.
Putin didn’t give up on Serdyukov entirely, saying that he dismissed him in order “to ensure necessary conditions for an objective investigation.” But as the investigation unfolded the President strongly suggested that the minister was clean: the investigation, and the courts, “lay no claims on Serdyukov personally,” Putin said. Such statements can be decisive in an environment where the rulings of the judiciary are commonly bent in favor of the more powerful. Prior to the sentencing in the second trial of Mikhail Khodorkovsky, once Russia’s wealthiest tycoon, Putin said, “A thief belongs in jail.” The case against Khodorkovsky had the appearance of an egregious and absurd fabrication, but the judge ruled that he would be locked in a labor camp until 2017.
Corruption may be as human as adultery is, and in Russia it is easily no less common. Corruption is often described to have become the very texture of Russian life. (In 2011, according to the Transparency International Corruption Perceptions Index, Russia ranked a hundred and forty-third out of a hundred and eighty-two countries).
Yet the mechanisms and driving forces of the anti-corruption campaign recently launched by the government (In addition to the defense ministry, several other high-profile investigations of corruption are currently underway.) are hardly more transparent than the love life of the minister of defense.
Anti-corruption campaigns are generally a product of political competition: newly elected leadership come with clean hands to investigate the wrongdoings of their defeated predecessors. Yet in Russia we don’t have either political competition or a new leadership. The same leader in whose tenure graft and kickbacks have reached abominable proportions now sets out to expose corruption. It is speculated that the purpose of the current campaign is to boost Putin’s somewhat eroded popularity or to intimidate his elites into loyalty or both. Since the law-enforcement and the judiciary are under control it is up to the most powerful to decide who will be “sacrificed” so others be kept in fear. The choice of Serdyukov may have a special goal of tempering the discontent over the minister’s reforms caused among the military. And this choice was probably easier to make if the theory of the vengeful father-in-law is true.
But whatever the ultimate goal of the anti-corruption campaign, in the Russian political system built on informal client-patron ties, one should make sure that the investigations do not go in the “wrong ” direction so those who deserve to be covered up would not be affected.
In early November, the police announced a theft related to the development of GLONASS, a Russian-made equivalent of the G.P.S. navigation system; the stolen funds allegedly amounted to six-and-a-half-billion rubles, or over two hundred million dollars. The man who had been in charge of the GLONASS project is Sergey Ivanov, who is broadly seen as very close to Putin. The two men served together in the Soviet foreign intelligence in the nineteen-seventies; during Putin’s leadership Ivanov held a number of high-ranking government offices, and about a year ago he was appointed to the position of Putin’s chief of staff.
A couple of weeks ago, Ivanov was interviewed by a polite and sympathetic TV reporter about the corruption allegations related to GLONASS. Ivanov said that he had “a sense, suspicions that something was not right” as far back as two or three years ago. In the interview he presented himself as a shocked bystander.

“I worked in foreign intelligence most of my life. The worst thing that can happen there is betrayal. It’s the same here. For when you see that people whom you trusted, whom the government trusted after all and allocated huge funds for certain purposes, and they are used, mildly speaking, not for the purpose they were allocated for, well how can you treat such a person? How can you treat such people? But I endured. Endured. I didn’t show it because I understood that if I show it, this would simply drive these people wary and they will try to cover up their tracks.”

Apparently, this explanation was persuasive—at any rate, there are no reports that Sergey Ivanov’s role in GLONASS-related embezzlement is under scrutiny. Just as with the defense minister, the investigation will likely spare the person close to Putin.
Photograph by Platon. Read David Remnick on the resistance to Putin.


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