domingo, 20 de abril de 2014

"Teogonia", de Hesíodo

Teogonia, de Hesíodo


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Hesíodo e a Musa, 1891.
INIT Teogonia (lit. "o nascimento dos deuses"), é um poema épico (metro: hexâmetro dactílico) que detalha a origem e genealogia dos deuses gregos. Tradicionalmente atribuído a Hesíodo, a data de composição (c. -700) é tão imprecisa quanto a data em que o poeta deve ter vivido.
A idéia em si não é original, pois já havia sido desenvolvida pelos egípcios (sæc. -XXIV), pelos babilônios (-2000/-1500) e pelos hititas (-1400/-1200) muitos anos antes (ver Supplementa). Hesíodo, no entanto, foi o primeiro a sistematizar os antigos mitos da criação e a organizar os mitos gregos numa sequência lógica. De certa forma, a Teogonia é o mais antigo tratado de mitologia grega que chegou até nós.

Hipótese

Não há nenhuma intenção dramática ou enredo, e sim um plano expositivo. Hesíodo descreve a criação do mundo e a seguir relaciona, cronologicamente, cada uma das gerações divinas. O argumento gira em torno de três temas básicos:
  1. a criação do mundo, ou cosmogonia;
  2. genealogia das gerações divinas, ou teogonia propriamente dita;
  3. a ascensão de Zeus ao poder.
Segundo Timothy Ganz (1993), o poeta pretendia contrastar a "desordem" do cosmo durante o domínio dos deuses primordiais e dos titãs, com a "ordem" cósmica que imperava em seus dias, determinada por Zeus e pelos demais deuses olímpicos. Segundo a cronologia hesiódica, os deuses olímpicos pertenciam à 3ª geração e eram governados por Zeus, cuja história se desenvolve em boa parte do poema. Hesíodo, no entanto, vai além da simples enumeração e habilmente entremeia a árida sucessão de deuses e deusas com raros, curtos mas elucidativos trechos dos antigos mitos.

Resumo do poema

O poema tem 1022 versos hexâmetros e ocupa 39 páginas da edição de Evelyn-White (1920), na qual se baseia o resumo. O narrador é o próprio poeta.
Após uma invocação às Musas, Hesíodo relata como as deusas inspiraram seu canto ao cuidar de ovelhas perto do Monte Hélicon (1-35); a origem das musas, filhas de Zeus, é também contada (36-115).
Segue-se a origem dos primeiros deuses, que personificavam os elementos primordiais do Universo (116-153): Caos, o vazio primitivo; Gaia, a terra; Tártaro, a escuridão primeva; Eros, a atração amorosa. Os descendentes imediatos são também relacionados: Hemêra, o dia; Nix, a noite; Urano, o céu; Ponto, a água primordial.
Os mais notáveis descendentes de Urano e Gaia foram os titãs, como Crono, Oceano, a água doce, Jápeto e o gigantesco Ceos; as titânides, como Têmis, a lei, e Mnemósine, a memória; os ciclopes, que tinham um único olho; e os hecatônquiros, gigantes com cem braços e cinquenta cabeças.
Depois, o poeta descreve como Crono assumiu o poder (154-200) e inadvertidamente deu origem a Afrodite, deusa do amor sensual; relaciona os descendentes de Nix, entre eles Tânato, a morte, Hipno, o sono, e Oneiro, o sonho (211-232); os descendentes de Ponto (233-336), entre eles Nereu, o mais antigo deus do mar e pai das nereidas e Fórcis, progenitor de monstros como as Górgonas, Equidna, com tronco de mulher e cauda de serpente, e a Esfinge; os descendentes de Oceanos (337-403), entre eles os rios e fontes, as ninfas da terra firme, os ventos, Métis, a sabedoria, e Hélio, o sol; os descendentes de Ceos (404-452), especialmente Hécate, a dádiva.
A história de Zeus, filho de Crono, e como conseguiu destronar o pai é contada nos versos 453-506. A lenda de Prometeu, filho de Jápeto, e a criação da primeira mulher são relatadas nos versos 507-616. Nos versos 617-721 é descrita a titanomaquia, luta entre Zeus e os titãs pelo domínio do mundo. Auxiliado entre outros por seus irmãos Hades e Posídon, pelos ciclopes e pelos hecatônquiros, Zeus vence os titãs e os prende no Tártaro, descrito juntamente com o mundo subterrâneo nos versos 722-819.
Vencidos os titãs, Zeus teve ainda de enfrentar e vencer o monstruoso Tífon, filho de Gaia e Tártaro (820-880), mas logo depois consegue se tornar o soberano supremo dos deuses. Algumas de suas aventuras com deusas e mortais são descritas nos versos 881-964, e notável é a lenda da filha de Zeus e Métis, Atena, que ao nascer saiu da cabeça de Zeus. Nos versos 965-1020 são descritos os amores entre as deusas e os mortais.
Os dois últimos versos, 1021-1022, contêm uma nova invocação às Musas e ligam a Teogonia a um poema autônomo perdido, o Catálogo das Mulheres, do qual restam apenas alguns fragmentos. Os especialistas atribuem atualmente essa obra a um poeta anônimo do século -VI, e não a Hesíodo.

Manuscritos, edições, traduções

Numerosos manuscritos completos e diversos fragmentos significantes de papiros chegaram até nós. Os mais importantes manuscritos são o Laurentianus 32.16 (1280) e o Laurentianus conv. soppr. 158 (sæc. XIV), da Biblioteca Laurenciana de Florença; o Parisinus suppl. gr. 663 (c. 1200), da Biblioteca Nacional de Paris; o Casanatensis 356 (sæc. XIII/XIV), da Biblioteca Casanatense de Roma; e o Vaticanus gr. 915 (c. 1300), da Biblioteca do Vaticano.
A edição princeps é a Aldina, de 1495. As principais edicões modernas são as de Gaisford (1814/1820), Koechly e Kinkel (1870), a de Rzach (1902), a de Evelyn-White (1914, rev1936) e a de Mazon (1928). As mais utilizadas atualmente são a de Solmsen (1966) e a de Most (2006).
A primeira tradução completa da Teogonia para o português é a de JAA Torrano (1981, reeditada em 1991). Mais recentemente o texto foi traduzido por Pinheiro e Ferreira (2005) e por Christian Werner (2013).

O que é Política


Nietzche e a Filosofia do Martelo


Matou quatro pessoas e foi absolvido por ser rico



Publicado por Luiz Flávio Gomes - 3 dias atrás


O drama do castigo penal (ora barbaramente excessivo, ora escancaradamente leniente) sugere diariamente incontáveis capítulos novos. Vale a pena refletir sobre o tratamento vergonhosamente favorável dado ao jovem Ethan Couch. Ser absolvido de um crime por ser milionário não constitui nenhuma novidade. Que o diga a história da humanidade e da Justiça criminal. Os ricos (especialmente nos sistemas penais burgueses extremamente desiguais) gozam de muitos privilégios, ideologicamente perpetuados nas respectivas culturas. Eles fazem de tudo para não serem nem sequer processados (muito menos condenados).
Beccaria, já em 1764 (no seu famoso livro Dos delitos e das penas), deplorava esse tipo de tratamento desigual. Na época, em relação aos nobres; ele dizia que, sob pena de grande injustiça, os nobres deveriam ser punidos da mesma maneira que os plebeus. A medida da pena, ele afirmava, deve ser o dano causado à sociedade, não a sensibilidade do réu (sua honra, sua fama, sua carreira etc.).
Ethan Couch, um adolescente norte-americano de 16 anos, no Texas, conduzia seu veículo em estado de embriaguez (três vezes acima do permitido) quando matou quatro pessoas num acidente automobilístico. A prisão que seria a reação natural, sobretudo se se tratasse de um jovem negro e pobre. Sendo Ethan de uma família muito rica, a sentença do juiz foi espetacularmente “humanista”. Fundamentação do juiz: “os pais de Ethan sempre lhe deram tudo o que ele queria, e nunca lhe ensinaram que as ações têm consequências. Ocupados com o seu egoísmo e as suas próprias vidas, deixaram-no crescer entregue a si mesmo, sem lhe incutirem bons princípios - um problema típico desse tipo de famílias, segundo o tribunal. O menino foi desculpado, portanto” (expresso. Sapo. Pt/matou-quatro-pessoas-masojuiz-diz-que-naooprende-por-ser-rico=f846069#ixzz2yaUIvs5r).
No Brasil isso já ocorreu incontáveis vezes em relação aos menores ricos (para que destruir o futuro de uma criança ou de um adolescente do “bem”?). E vai ocorrer com mais intensidade se o legislador brasileiro (irresponsavelmente) não resistir à tentação de reduzir a maioridade penal (quando vamos entender que lugar de menores é na escola, não em presídios?). Já hoje praticamente não se vê nenhum menor rico cumprindo a “medida” de “internação”. A Justiça trata os menores milionários de forma diferente; apenas não costumam ser tão explícitos como foi o juiz norte-americano do caso Ethan.
Quando se trata de um pobre, por mínima que seja a infração, a família dele funciona como agravante - mães solteiras, pais ausentes, alcoolismo, dependência, irresponsabilidade, disfuncionalidade; “o menor pobre nasce para o crime”, é atavicamente mórbido etc. Tudo leva o juiz (“imparcial”) a deixá-lo preso (“internado”) um período, para se acalmar. Nem sempre ocorre o programado, mas o sistema penal burguês foi desenhado para discriminar os pobres e marginalizados. O tratamento não é apenas lenientemente desigual em relação ao rico, sim, é desigual da intensidade das sanções contra o pobre. A mesma infração ora é perdoada, ora é punida severamente: tudo depende quem a praticou (essa distinção, extraordinariamente difusa nos países socioeconomicamente muito desiguais, é que era criticada pela sensibilidade de Beccaria).

Luiz Flávio Gomes
Publicado por Luiz Flávio Gomes
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz...

Quem foi Émile Durkheim


Émile Durkheim

Quem foi Émile Durkheim

Nascido no ano de 1858, Emile Durkheim era descendente de uma família judia e iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris. Embora sua obra versasse muitas vezes a respeito dos fenômenos religiosos (assim como outros fenômenos com a criminalidade e o suicídio) pensados a partir de fatores sociais e não divinos isso não fez com que ele se afastasse da comunidade judaica.
Ainda que formado em filosofia sua obra inteira mostra-se voltada para a Sociologia, área onde de fato tornou-se amplamente reconhecido. A inexistência do ensino regular de Sociologia na França parecia dever-se ao fato de conceberem que a Sociologia era a forma científica do socialismo. Durkheim decide-se então por ir a Alemanha realizar seus estudos nessa área.
Emile Durkheim é um ícone quando o assunto é Sociologia e o próprio pensamento social. Sendo considerado um dos pais da Sociologia Moderna, Durkheim foi pioneiro também em combinar pesquisa empírica e teoria sociológica, fazendo com que seu nome figure também como fundador da escola francesa. Seu reconhecimento é bastante amplo também dado o prestígio adquirido enquanto teórico do conceito de coesão social.

Durkheim, a consciência coletiva e a

Teoria do Fato Social

Seu principal trabalho envolve a teoria de “consciência coletiva” onde ele busca defender que o homem é na verdade um animal selvagem, e que so pode tornar-se humano a partir do momento em que tornou-se social e sociável, aprendendo hábitos e costumes para poder viver coletivamente. Suas reflexões sobre esse processo de socialização resultam ainda naquilo que hoje é conhecido como teoria do “fato social”.

Uma de suas mais reconhecidas teorias parte da afirmação de que “os fatos sociais devem ser tratados como coisas”. Para Durkheim, a partir disso foi possível conceber uma definição do normal e o patológico em cada sociedade em temos de comportamento social. Dentro disso, fica claro que o normal é aquilo que é obrigatório e normatizado pela sociedade, de modo que a sociedade e os próprios padrões morais configuram-se enquanto uma entidade superior ao individuo.
Suas teses mais importantes e reconhecidas até hoje no campo da Sociologia iniciaram-se no doutorado, com escritos como “Da Divisão Social do Trabalho”. Posteriormente obras como “As regras do método sociológico”, “O suicídio” e “As regras elementares da vida religiosa” surgiram também, sempre muito marcadas pela concepção que Durkheim defendia sobre a vida e os fatos sociais e como estes delineavam o comportamento humano.

A importância de Émile Durkheim para a Sociologia

durkheimDurkheim foi ainda um nome importantíssimo para a constituição da Sociologia e para sua regularização enquanto ciência. Seu legado no campo metodológico com a obra “As regras do métodos sociológico” foram elementares nesse sentidos, uma vez que ele percebeu esse campo como uma ciência de fato e atentou-se para a necessidade do desenvolvimento de uma metodologia única e especifica que fosse respeitada pelos estudiosos desse campo. Através da análise de dados estatísticos e observações de diferentes meios e tipos sociais, os escritos de Emile Durkheim constituíram-se de fato como exemplos de como reflexões, trabalho e monografias da área de Sociologia deveriam ser escritos.
Os escritos de Durkheim são até hoje bibliográfica fundamental para estudos das mais diversas áreas das ciências sociais. Suas teorias são ainda muito atuais e importantes e dentro de sua obra podemos ter contato com o a criação e o desenvolvimento de conceitos caríssimos para a área da sociologia como “fato social” ,“anomia”, “solidariedade”, “coerção” e muitos outros.

Durkheim e as Instituições Sociais

Durkheim apresenta ainda interessantíssimas discussões acerca do que ele denomina instituições sociais. Essas instituições são por exemplo a família, escola, governo, policia, etc. Instituições consideradas conservadoras e que agem de forma a fazer forca contra as mudanças. Assim, Durkheim as aponta como instituições pela manutenção da ordem. Apesar dessa característica claramente conservados desse aparelhos da sociedade, Durkheim parte em defesa dos mesmos,  partindo do pressuposto que os homens necessitam sentir-se seguros e respaldados, e isso é oferecido por essas instituições.
O sociólogo faz essa defesa justamente por acreditar que o homem mantém sua humanidade a partir do momento em que torna-se sociável e que essa vida em sociedade só é possível em um ambiente onde existam regras claras, limites e valores. Caso contrario, ele acredita que os homens estariam entregues a um total estado de desespero . E é justamente a preocupação com esse estado de desespero que o leva a estudar temáticas como criminalidade, suicídio e religião.

Conclusão

É possível concluir que, após tamanho legado deixado em forma de teorias que ajudaram (e ajudam) a entender e a mudar o meio social, Émile Durkheim foi um dos principais protagonistas da Sociologia. Fique atento às próximas publicações neste site, iremos esmiuçar algumas das principais teorias elaboradas pelo pensador, além de continuar a fornecer maiores detalhes sobre quem foi este grande pensador.

Émile Durkheim – Teoria do Fato Social e a Teoria do Suicídio

Émile Durkheim – Teoria do Fato Social e a Teoria do Suicídio


Émile Durkheim e suas duas principais teorias

Enquanto sociólogo, Émile Durkheim é responsável pela formulação de inúmeras teorias estudadas até hoje. Dentre essas algumas merecem grande destaque devido a genialidade de suas observações, a validade metodológica das pesquisas e a complexidade das reflexões suscitadas. Dessa forma, destacaremos aqui duas das mais renomadas teorias deste estudioso: a teoria do fato social e a teoria do suicídio, de modo que possamos conhecer minimamente essas obras. Caso queira conhecer um pouco mais sobre este excepcional pensador não deixe de acessar este link antes de continuar a leitura deste artigo.

Durkheim e a Teoria do Fato Social

No que conhecemos hoje enquanto teoria do fato social, Durkheim parte do princípio de que os homens são animais selvagens, igualmente aos demais, e que aquilo que nos difere, dando-nos humanidade é nossa capacidade de tornarmo-nos sociáveis, ou seja, aprender hábitos e costumes capazes de nos inserir no convívio de determinada sociedade. Ele chama esse processo de aprendizado dessocialização, o que formaria nossa consciência coletiva, nos dando orientações em termos de moral e comportamento nessa vida em sociedade. A todas essas informações ele chamou “fatos sociais”, apontando-os como verdadeiros objetos da sociologia. Nosso comportamento, moral, noção de coletividade e sociedade, e tudo aquilo que aprendemos nesse processo de inserção na vida social.
No entanto, nem toda ação humana configura-se num fato social. Para tanto deve atender a três características apontadas pelo sociólogo: generalidade, exterioridade e coercitividade.
  • Generalidade relaciona-se a existência desse fato para o coletivo social, e não apenas ao individuo.
  • Exterioridade refere-se ao fato de esses padrões culturais serem exteriores ao individuo e independentes de sua consciência.
  • Coercitividade trata da força que esses padrões exercem , obrigando seu cumprimento.
Isso tudo então diz respeito a todo comportamento ou ação que independe da vontade do individuo, e que no entanto não lhe fora imposto de maneira particular. Assim, fato social é toda aquela ação que responde a normas sociais externas e muito anteriores a sua individualidade, vontade e consciência individual.
Desse modo, percebemos que as instituições sociais como a igreja, escola, polícia e etc. apenas servem como um aparelho para a constituição dessa consciência coletiva que mantem a ordem da sociedade. Durkheim aborda também essa questão, o papel dessas instituições na propagação das normas sociais e morais que regem o convívio, e inclusive defende suas ações dentro da sociedade uma vez que ele acreditava que de fato os homens necessitam sentir-se seguros, regidos e amparados, quando isso falta a uma sociedade certos fenômenos surgem com maior força, como por exemplo a criminalidade e o suicídio.

Teoria do Suicídio

suicidioamor1Essa inquietação pode ter sido o que impulsionou Émile Durkheim na criação daquilo que ficou conhecido como teoria do suicídio. Aos longo de seus estudos sobre o tema, o sociólogo busca provar a tese de que o que as estatísticas apresentam é insuficiente para compreender a ocorrência e os níveis de suicídio. Para Durkheim tudo que se tem de informações sobre os suicidas é insuficiente. Aquilo que figura no obituário, por exemplo, trata-se na verdade da opinião que se tem sobre o fato, a opinião de uma pessoa aleatória, de modo que não serve enquanto informação palpável para se compreender o fato.
Sua teoria embasa-se inclusive em observações do âmbito religioso, uma vez que ele percebe que o índice de suicídio entre protestantes é maior do que entre o católicos, independente da região do suicida. Assim, surge uma possível teoria de que há então um menor controle sobre os fieis, controle social que para ele é também o papel da igreja e da religião. Dessa forma ele busca demonstrar como a causa dos índices de suicídio podem ser sociais.
No que se refere ao estudo dessas causas o sociólogo a divide essas causas entre três tipos: egoísta, altruísta e anômico.
  • A compreensão dos motivos egoístas passa pela observação da integração dos indivíduos em sociedades religiosas, politicas e domesticas. Percebe-se que a taxa desuicídios varia inversamente ao nível de integração desses grupos, e quando se da essa desintegração os fins próprios do individuo tomam o lugar dos fins sociais. Para homens nessa situação pouco importa o fim de sua vida visto que ele já não se integra ao seu meio social.
  • A causa altruísta refere a insuficiência de individualização, ocorrendo mais frequentemente naquilo que o sociólogo chama sociedades primitivas, onde os indivíduos estão de tal forma sobrepostos pelo coletivo que por vezes tem o dever de se matar e o fazem, sendo imbuído inclusive de certo sentimento de heroísmo. Dentro dessa causa Durkheim estudo o alto índice de suicídio de militares, devido a sua alta integração em seu meio social e busca por esse heroísmo, no entanto isso não ocorre apenas em prol da pátria, dando-se muitas vezes por motivos banais.
  • Por último trata do suicido de causa anômica, se difere dos demais por dar-seno momento em que o individuo não encontra razão de existência em si ou mesmo exterior e nem mesmo as sociedade em seus diversos mecanismos é capaz de controla-lo. É chamado anômico por ocorrer em situações extremamente fora do comum como uma forte crise que toma o individuo e a sociedade. Dentro desse aspecto Durkheim analisa os índices de suicídio em períodos de grave crise econômica e conclui que tal contexto influi nesses números por serem perturbações da ordem social e coletiva e não necessariamente pelas consequências como pobreza, fomes, etc.
E você, o que acha destas duas teorias? Participe com um comentário, a sua opinião vale muito neste portal!

Tortura e Consciência


05/03/2013

Quando um psicanalista como Calligaris lida com pacientes, ele não se diverte. Mas quando ele lida conosco, supostamente sadios, ele Peter SingerPeter Singertem o direito de se divertir. Ele jogou a isca esperando pegar intelectuais. Não deu outra: Marcelo Coelho, Safatle e, agora, Helio Schwartsman vieram com o beiço caído pelo anzol para o balde de Calligaris. Os dois primeiros procuraram invalidar o exemplo-limite de Calligaris, qualificando-o como artificial. Marcelo Coelho usou uma saída válida: se a proposta é cinematográfica, então eu mudo de canal. Safatle tropeçou no marxismo que, enfim, impede muito filósofo de filosofar: desqualificou toda a filosofia moral que trabalha com o que ele chamou de postura “infantil”, o uso da situação-limite (talvez por isso não tenha citado Calligaris!). Por sua vez, Schwartsman tentou fazer diferente e enfrentar o problema, reconhecendo (como eu já havia feito também) que situações extremadas como a evocada por Calligaris não são ilegítimas, elas são posições filosóficas que talvez possam nos ajudar a resolver dramas da vida real (Debate sobre a tortura revela qão pouco sabemos sobre nós mesmos, Folha de S. Paulo, 03/03/2013).
O que Schwartsman fez pode parecer comum e correto, todavia, tem os problemas detectados por Nietzsche em relação ao que este chamou de “sobretudo burguês” em suas Extemporâneas: quando lidamos com filosofia não temos mais posições nossas, como os gregos faziam, e então vestimos erudição histórica como quem veste um capote com o qual se enfrenta o frio da rua – eis nossa saída moderna. Em parte, é assim que a academia tem ensinado que é a filosofia. Ninguém mais pode ser filósofo uma vez que todos viraram professores de filosofia ou “pesquisadores em filosofia”. Em ambos os casos a tarefa cabível não é enfrentar dramas filosóficos, mas expor o que outros disseram. Estes “outros”, em geral mortos ou estrangeiros, são os que ganharam o título de filósofos exatamente porque não quiseram ficar na condição exclusiva de comentadores, mas que são vistos aqui entre nós como contendo um dom a mais, que nós não poderíamos ter (porque falamos o português – é por isso que não somos deuses-filósofos?).
Também mordi a isca de Calligaris. Mas eu não sou Bill Clinton, se eu fumo maconha eu trago e seu eu faço sexo não é só nas coxas. Muito menos sou Fernando Henrique, eu não experimentei coisas na faculdade, tudo que tenho de experimentar eu só experimento depois da faculdade, na vida mesmo. Tenho mais experiências que experimentos! Sendo assim, fiz o meu texto em resposta ao de Calligaris de um modo que outros talvez não possam fazer, ou seja, de modo corajoso. A coragem é uma virtude do filósofo. Não me coloco como professor, mas como filósofo, por isso tive de aceitar o desafio de Calligaris não mordendo a isca, mas engolindo-a. Afinal, a consulta com o Calligaris é cara e, então, já que ele deu de bandeja uma sessão pública gratuita, eu não poderia perder tal oportunidade. Fui para o divã. Deixar de lado uma promoção dessas seria tolice.
Escrevi então, em resposta a Calligaris (Calligaris, eu torturaria), que a questão toda deve começar por diferenciar ética de moral. Moral nós temos, é impossível viver sem uma. Mas ética é diferente, nem sempre podemos, individualmente, seguir com ela. Nem sempre as regras sociais que expressam o ethos de um povo ao qual pertencemos podem comandar todos os nossos atos individuais, mas nem por isso eles não são nossos mores. Todavia, isso não resolve o problema, pois o modo como Calligaris colocou o drama golpeia a ética e a moral. Vejamos.
Nossa ética não tem como admitir a tortura como alguma coisa legítima. A ética comanda a política e as leis. De forma alguma temos como fazer valer eticamente uma lei que permita a tortura, mesmo que tal prática seja permitida somente ao estado e em situações excepcionais, levada adiante debaixo de vários cuidados médicos e jurídicos. Assim, nesse plano, assumimos a posição de Kant. No entanto, se não somos kantianos e, sim, utilitaristas, podemos usar Mill para dizer que em nome de salvar mais pessoas podemos sacrificar menos pessoas. Ou seja, no “dilema da bomba relógio”, mais ou menos o que Calligaris colocou, se temos que penalizar um culpado para salvar um inocente, a qualidade substitui a quantidade. Assim, que a tortura seja feita. Mas isso resolve as coisas? Claro que não!
De uma maneira ou de outra, o dilema posto por Calligaris não deixa saída para a filosofia moral moderna: se somos kantianos somos pegos pela ética e pela moral: não devemos torturar em hipótese alguma, pois não podemos usar o homem sem tomá-lo como um fim em si mesmo; e se somos utilitaristas somos pegos pelo conflito entre ética e moral. Nesse segundo caso, podemos imaginar que, ficando só no campo moral, optaríamos por torturar o sequestrador, mas então, pela mesma regra, logo ficaríamos tentados a ir para o campo da ética e, então, sugeriríamos transformar nosso ato de exceção em uma lei. Deixaríamos o estado, em nome de um maior número, infringir tortura a um menor número, sendo estes os suspeitos? (culpados eles seriam só depois do julgamento, o que não é o caso). Ora, fica fácil ser adepto de Mill, nesse caso, se não somos nós os que estão sendo torturados, postos na prisão por falsa pista ou falsa acusação, o que não é difícil de ocorrer quando se está querendo encontrar culpados para crimes tomados como bárbaros ou para situações onde o tempo corre de modo perverso.
Bem, mas então vamos ou não torturar o sequestrador do garoto para salvar o garoto que está preso em um lugar cujo ar está se extinguindo?
Coelho, Safatle e Schwartsman não entraram no problema. Cada um deles, por questões de método próprio, procurou fugir da filosofia e, consequentemente, do divã. Eu não. Eu disse claramente que minha moral valeria, e que a ética teria de esperar, se fosse alguém de minhas relações íntimas que estivesse no cativeiro. Eu disse que torturaria não só para obter informações! Talvez eu pudesse torturar também depois de salvar a criança, apenas pelo prazer da vingança. Caso fosse o Pitoko o raptado, aí eu torturaria eternamente. Tendo condições eu faria como fez o marido que prendeu o assassino da esposa uma vida toda, no belíssimo filme argentino O segredo de seus olhos (El Secreto de Sus Ojos , Juan José Campanella, 2009).
Depois da tortura, eu olharia no espelho como os nazistas se olhavam? Ou seja, eu teria aquelas justificativas pouco justificadoras? Por exemplo, a de dizer que sou um soldado convocado ou a de bradar que estou apenas exterminando ratos? Ou eu faria como a maioria dos nazistas fazia, não teria justificativa nenhuma porque espelhos não são pessoas e não pedem justificativas?
Sendo filósofo, mesmo que eu estivesse aparentemente tranquilo após ter barbarizado o sequestrador, eu teria comigo o dilema de Sócrates: como viver sob o mesmo teto que abriga um torturador? Afinal, como diz Sócrates no Hipias Maior, e bem notado por Hannah Arendt em A vida do Espírito, o problema todo é voltar para casa e encontrar lá, morando com você, alguém que faz coisas terríveis. Tenho de morar comigo mesmo, o torturador, e, nesse caso, conversar com ele, pedir conselhos, fazer perguntas e seguir suas respostas! Ora, meu interlocutor era uma pessoa sem ações tão selvagens nas costas até então e, agora, tendo se transformado em um terrível torturador, poderia continuar sendo amigo, sendo um conselheiro? Eu não iria me dar mal não? Como ficar com tal pessoa em casa, inclusive na mesma cama? (no mesmo corpo!). Eu poderia não ser vítima da facada literal desse torturador, mas será que seus conselhos, daí por diante, não me poriam numa fria?
Há duas observações aqui, que valem a pena ser retomadas. Uma é a do Coringa representado por Heath Ledger no Batman, o Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, Christopher Nolan, 2008), e que é mais ou menos a mesma do meu amigo também já falecido, o filósofo norte-americano Richard Rorty: as pessoas são solidárias enquanto estão em bonança e calmaria, mas em situações difíceis viram bestas que se devoram, poupando outras somente segundo um grau decrescente em uma onda circular indo do centro para a periferia. Desse modo, eu até poderia não usar da tortura caso a criança presa não fosse “um dos nossos”, considerando aí o “nossos” segundo círculos de proximidade: filhos e esposa, família, amigos, compatriotas, terrestres etc. Mas sendo o sequestrado “um dos nossos”, o que determinaria mesmo a opção minha pela tortura viria da consideração do círculo. O círculo chamado “filhos e esposa” ou mesmo “família” seria, certamente, aquele pelo qual não somente eu, nessa nossa sociedade, torturaria alguém.
Haveria chance de salvar aqueles filósofos que louvaram a natureza humana (1) como sendo próxima da dos anjos, mesmo quando estamos em um clima de alta pressão? Para um filósofo pragmatista, em geral adepto de éticas consequencialistas, posso pensar de modo semelhante ao que o filósofo Peter Singer fez com o “caso do terrorista”. Em uma palestra em Michigan, ele foi perguntado por um estudante sobre se poderíamos ou não torturar, com alguma legitimidade, um terrorista que teria colocado uma bomba em Manhattan, tentando assim descobrir o local da bomba e desarmá-la. Resumindo ao máximo, sua resposta foi a seguinte: temos de separar ficção de realidade, temos leis que proíbem a tortura porque se não for assim haverá certamente danos a inocentes sem que ninguém seja responsabilizado por isso, mas, se a situação ficcional é a real mesmo, como filósofo ou professor de filosofia eu direi a você para quebrar as regras, torturar o terrorista e salvar Manhattan, mas deve fazer tudo isso sabendo muito bem das consequências. Caso a informação sobre a bomba seja verídica você será um herói e a questão da tortura não será evocada ou, se evocada, não o levará a receber punições. No entanto, caso seja falsa, você terá de arcar com responsabilidades que surgirão e várias pessoas, inclusive as da lei, irão querer punir você.
Creio que posso pensar como Singer, principalmente se eu acrescento o modo como Rorty dissertou sobre os círculos segundo os quais alguém pode ser tomado ou não como “um dos nossos”. Creio que essa posição pode não definir, logo de início, uma ética, mas define uma moral, sem a qual viveríamos, realmente, amedrontados por aquele homem que assombrava Sócrates, aquele que, tendo se transformado em uma pessoa terrível, ainda iria morar na casa dele.
Como é a costura que faço então, entre Singer, Rorty e os meus propósitos?
Em Pragmatismo e política (Martins, 2005), há textos de Richard Rorty que traduzi e que me ajudam a resolver o meu medo que, enfim, se aproxima ao de Sócrates, uma vez que eu sei que posso torturar alguém. Trata-se da ideia de não definir o que é moral e eticamente legítimo ou não, definindo então a justiça, como alguma coisa “menos ou mais racional”. A ideia básica é não criar uma contraposição estanque entre a justiça (as regras éticas que podem ser “leis para todos”, sendo assim, expressão da razão) e a lealdade (as regras morais que dizem que temos de proteger primeiro “os nossos”, e que podem ser tomadas não como expressão da razão, mas dos sentimentos). O que digo é que, assim pensando, levo em conta o que me é caro, a moral da lealdade. Afinal, para todos nós essa moral é cara. Ficamos com ela em situação de pressão. Mas não precisamos tomar essa lealdade como o que negaria a justiça. Pois, enfim, poderíamos pensar como “nossos” não só a criança sequestrada, ou a população de Manhanttan. Temos a capacidade de ir ampliando os círculos de lealdade e, mesmo sob pressão, imaginarmos círculos bastante amplos que incluam até mesmo o próprio sequestrador. De certo modo é isso que fazemos quando nos damos conta de que dificilmente poderemos ter certeza de que não estamos torturando um inocente. Fazemos isso quando a ficção criada não é a posta por Calligaris, motivada pelo filme A hora mais escura (Zero Dark Thirty, Cathrin Bigelow, 2012), mas aquela de O suspeito (Rendition, Gavin Hood, 2007).
Esse filme, também baseado em fatos reais, mostra uma esposa americana, casada com um homem de nome árabe, desesperada ao ver seu marido desaparecer na volta de uma conferência na África. No filme, ao final o inocente é solto por meio de uma decisão pessoal de um agente da CIA, que resolve bancar o feito contra a própria organização e a partir de suas conjecturas. Em um determinado momento, o agente da CIA, interpretado por Jake Gyllenhaal, começa a ampliar o seu círculo de “nossos”, ao se imiscuir na vida do prisioneiro torturado. Também nós que estamos vendo o filme tendemos a nos deslocar em favor do torturado não só pela sua dor e inocência, mas pela maneira como o enredo nos mostra que ele é muito mais “um dos nossos” do que poderíamos imaginar ao vermos a peregrinação da esposa. À medida que a esposa bate de frente com pessoas do governo que se dizem defensores da justiça e do “interesse de todos”, vamos ficando sozinhos na cadeira do cinema como ela está sozinha em sua procura, se sentindo abandonada por todos aqueles que ela pensava ser “um dos nossos”, as autoridades americanas. Sua lealdade para com todos os americanos, e inclusive para com a questão da segurança da nação, não diminui, mas ela (e nós) percebe que ou o círculo dos “nossos” se amplia ou não se terá nenhuma justiça. Enfim, a justiça não pode ser outra coisa senão a ampliação dos círculos de lealdade, até caber aquele que é torturado. Não há nenhuma regra kantiana aí. Nem há utilitarismo. Mas há um tipo de consequencialismo citado por Singer e definido por Rorty. A justiça, a regra para a nação, mesmo em situações extremas, não precisa se opor à lealdade que temos para com “os nossos”. O problema todo é o de ver como que a justiça pertence ao espectro da lealdade, não sendo um elemento de oposição a ele.
Volto então ao drama da bomba relógio, de Calligaris, ou melhor, ao drama da criança que vai morrer asfixiada enquanto eu tenho, nas mãos, o sequestrador. Devo ou não torturá-lo? Dado que Marcelo Coelho, Safatle e até mesmo Schwartsman correram para casa, dizendo que o sequestro não era problema deles, tudo sobrou em minhas mãos. Estou somente eu e o sequestrador, e ele está amarrado em minha frente, disponível. Ora, posso imaginar que ele seja inocente e vê-lo, assim, no círculo que cabe “um dos nossos”. Posso ter certeza de que ele é o sequestrador, mas ainda assim, vê-lo como “dos nossos”, pois não é difícil imaginá-lo como uma boa pessoa em sua cidade, alguém que também tem filhos e que os ama, e que tais filhos o estão esperando. Posso apelar verbalmente a ele, de modo que ele também pense empaticamente, mesmo que um de seus filhos tenha sido morto pelo meu povo. Mesmo sob a pressão do tempo, isso poderia fazer efeito, tanto quanto a tortura – é uma incógnita a essa altura da situação saber, de antemão, “o que faz efeito”. Caso nada surta efeito, e eu vá decidir pela tortura porque o tempo está se acabando, devo saber que isso não anulará da minha consciência, mesmo depois, a consequência: darei um passo sem volta, dali para diante serei um torturador, sendo ou não herói, depois, aos olhos de muitos. Em outras palavras: minha vitória será a minha derrota, pois, ao final, tornar-me-ei senão um covarde, ao menos uma pessoa que se aproveitou da fraqueza do outro. Caso isso não pese, pesará sobre mim a questão de saber se não terei ali adquirido o que disse, aqui mesmo, já possuir: o desejo de torturar o sequestrador mesmo depois de salvar a criança, principalmente se o sequestrado for o Pitoko (meu cachorro, que é meu filho). É o peso dessas consequências, bem medidos, que me dará as chances de ver a lealdade se abrir menos ou mais de modo que a justiça possa ser vista como alguma coisa que não lhe é oposta.
© 2013 Paulo Ghiraldelli Jr. filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
(1) A expressão “natureza humana” é tomada aqui como peça do linguajar comum, e não como uma expressão de quem não compartilha a posição de que não vale a pena uma teoria sobre a natureza humana. Nesse caso específico, explicado isso, o leitor não deve estranhar vê-la na boca de um pragmatista.