terça-feira, 22 de agosto de 2017

Dívida prescrita: cobrança indevida

Dívida prescrita: cobrança indevida

Dívida bancária que ultrapassou o prazo de 5 anos não pode ser cobrada. Em caso de negativação dos dados pessoais, nasce para o consumidor lesado o direito à indenização por danos morais.

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Roberto Ferreira de Macedo, Advogado
há 3 meses
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É muito comum o consumidor bancário ser lesado em sua moral pela negativação de seus dados nos órgãos de proteção ao crédito. Porém, muitas vezes a negativação é indevida por um motivo muito recorrente: o direito de ação de cobrança do banco prescreveu.
Dvida prescrita cobrana indevida
Ontem recebi em meu escritório um cliente que veio reclamar que estava sendo cobrado por uma dívida atualizada pelo banco no valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais). Um valor muito alto para quem contratou um crédito bancário de R$ 3.000,00 (três mil reais).
O cliente recebeu uma notificação extrajudicial e diversos telefonemas de outra empresa que diz ter sido contratada pelo banco credor para realizar uma “proposta imperdível” de quitar o débito pagando tão somente R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Proposta tentadora se o direito de cobrar do banco não estivesse com a “data de validade vencida”.
A lei civil brasileira determina um prazo para que as instituições bancárias realizem cobranças do crédito delas perante seus clientes.
De acordo com a lei, o banco tem 5 (cinco) anos, a contar do fato gerador da dívida, para realizar cobranças utilizando-se dos meios judicial e extrajudicial (ex. Negativação em órgãos de proteção ao crédito ou protesto junto ao cartório etc...). Observação: o prazo pode variar dependendo da natureza do débito.
Porém, muitas vezes o dispositivo legal não é observado pelas instituições bancárias que, sabendo da prescrição, vendem o crédito para outras empresas (muitas vezes denominadas “recuperadoras de crédito”). Tais empresas compram o crédito do banco por um valor muito menor e a partir daí iniciam uma série de cobranças junto aos consumidores que desavisados pagam a dívida, que apesar de devida, não pode mais ser executada.
É claro que se a consciência do cidadão diz que ele deve pagar, obviamente é o mais correto a se fazer. Porém as empresas não têm o direito de exigir o pagamento da dívida utilizando dos meios coercitivos, como a negativação dos dados no SPC/SERASA, o protesto em cartório e até mesmo processo judicial.
É comum essas empresas ameaçarem os consumidores de ajuizarem demanda judicial caso os mesmos não paguem a dívida. Porém tais ameaças não devem ser levadas em consideração, pois caso essas empresas assim o façam, surge para o consumidor o direito de ingressar com uma ação judicial requerendo indenização por danos morais em razão da cobrança indevida.
Ressalte-se: a cobrança de débito prescrito é ilegal e gera para o consumidor o direito de se ver indenizado pelos danos morais.
Atualmente, os tribunais têm aplicado o entendimento de que a simples negativação dos dados do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito já gera o dever de indenizar. É o chamado dano moral presumido.
Diante disso, o consumidor deve ficar atento ao receber uma “proposta imperdível” para quitar um débito gerado há muitos anos. Certamente esse débito está prescrito.
Você, consumidor que passa por uma situação semelhante, converse com um advogado da sua região e tire suas dúvidas.
Fonte: https://www.meuadvogado.com.br/entenda/divida-prescrita-cobranca-indevida.html
23/05/2016. Enviado por Sra. Sandra Muniz Rodrigues em Consumidor

Lula poderá candidatar-se a Presidência? Poderá exercer seu mandato caso eleito? PEC por diretas já?


Lula poderá candidatar-se a Presidência? Poderá exercer seu mandato caso eleito? PEC por diretas já?


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Leonardo Sarmento, Professor de Direito do Ensino Superior
Publicado por Leonardo Sarmento


Lula poder candidatar-se a Presidncia Poder exercer seu mandato caso eleito PEC por diretas j
Questões que parecem sofrer de parcial carência cognitiva, pouco ou nada articuladas pelos estudiosos do direito, questões nebulosas, que atormentam o imaginário de boa parcela da sociedade, dos leigos aos profissionais do direito, e que por uma senda integrativa resolvemos enfrentá-las de maneira inteligível, antecipando-nos ao pronunciamento que se fará imperioso do Supremo Tribunal Federal, que de sorte nos trará a decisão final que regulará boa parte do complexo questionado no presente.
Um candidato a presidência da República, que seja réu em primeira instância, pode disputar pleito eleitoral e entrar em exercício caso eleito? E se restar condenado em 1ª instância? E para a hipótese de restar condenado também em 2ª instância? Alguma circunstância fática poderá torná-lo inelegível? Estas são algumas das perguntas que iremos responder tomando como exemplo a bradada candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – vulgo Lula. Ao final trataremos do ruído de uma PEC prevendo eleições diretas ainda para 2017.
Importante notar, que utilizaremos do exemplo “Lula” que nos afigura a situação mais palatável de enfrentamento real, pois já é réu e parece estar em franca “campanha política”, mas por óbvio o exemplo não se esgota em “Lula” podendo ser ampliado para qualquer candidato à Presidência da República que guarde situação análoga por ocasião do pleito presidencial.
Legislação aplicável:
A LC 64/90, que estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências, modificada pela lei da Ficha Limpa, LC 135/2010.
Assim, o art. 2º da LC 135/2019 alterou o art. da LC 64/90, e no ponto que nos interessa:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
1. Contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010);
(...)
6. De lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
10. Praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;
Art. 2º Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as argüições de inelegibilidade.
Parágrafo único. A argüição de inelegibilidade será feita perante:
I - o Tribunal Superior Eleitoral, quando se tratar de candidato a Presidente ou Vice-Presidente da República;
(...).
Art. 86 da CF: Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade
(...)
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Fundamentos e hermenêutica jurídica
Conforme a exposição legislativa pertinente que capitulamos, aplica-se a Lei da Ficha Limpa ao caso em tela. Por esta proíbem-se candidaturas de quem já fora condenado por jurisdição em órgão colegiado – 2ª instância. Assim, no caso de Lula, o ex-presidente teria que ser condenado na 1ª instância, e referida condenação restar reafirmada em 2ª instância, nestes termos uma primeira decisão colegiada.
Nesta senda ser réu nos termos da nossa legislação não configura fato impeditivo para a candidatura. O impedimento exsurge com o fato jurídico condenação colegiada, em 2º grau de jurisdição.
Passando adiante, é verdade que um réu não pode ocupar a linha sucessória da Presidência da República? Sim, assim entendeu o Supremo Tribunal Federal. Seguindo este limiar hermenêutico seria conseqüencial imaginar que o candidato a Presidência que restasse eleito por não existir ainda uma condenação em órgão colegiado, em 2ª instância, estaria inobstante impedido de exercer o cargo, e portanto, restaria afastado da Presidência da República pelo fato de ser réu, já que se não pode ocupar a linha sucessória da Presidência, com maior razão não poderia exercer o cargo de Presidente da República.
Colacionamos o art. 86, parágrafo, 4º da Constituição, não à toa. A decisão do Supremo que proíbe o do exercício de cargo de quem esteja na linha sucessória da Presidência da República não se aplicaria justamente ao Presidente da República, justamente porque a Constituição determina que um Presidente da República não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao mandato, na forma do art. 86, parágrafo 4º supra. Não falaríamos portanto em afastamento do presidente do cargo pelo fato de ser réu. Parece paradoxal, parece haver uma antinomia com o próprio sistema constitucional, porém é essa interpretação a que, pelo critério da especialidade, a que deve prevalecer.
A irrazoabilidade do sistema hermenêutico neste caso que ora abordamos não pára por aí. O mesmo parágrafo 4º ao proibir que o Presidente da República seja responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções faz com que processo em curso fique suspenso, paralisado, enquanto durar o seu mandato, até o momento da extinção do seu mandato.
No caminho da conclusão deste, assentamos que “Lula”, nos lindes do ordenamento posto, poderá sim ser candidato a Presidência da República mesmo sendo réu em diversos processo. Que ainda que condenado em 1ª instância não haverá impeditivo para sua candidatura, impeditivo que só apareceria em caso de condenação em 2ª instância antes do fato jurídico eleição de “Lula”. Ainda, caso eleito por ainda não existir condenação em 2ª instância, os processos serão automaticamente suspensos até a extinção do seu mandado. Há uma completa blindagem da figura do Presidente da República por atos que sejam estranhos ao seu mandato em curso, há uma irresponsabilidade temporária – enquanto perdurar o mandato pelos atos ilícitos do passado, que advêm precipuamente do art. 86, parágrafo 4º em comento.
Conforme pudemos perceber, o parágrafo 4º do art. 86 da Constituição da República combinado com a Lei da Ficha Limpa, que exige minimamente uma condenação de 2ª instância – colegiada - permite que o maior cargo eletivo do país possa ser ocupado e exercido por quem seja réu (com denúncia proposta pelo MP e aceita pelo magistrado competente) ou mesmo condenado em 1ª instância (a partir de decisão jurisdicional já exauriente, embora passível de recurso – sem trânsito em julgado).
Assim, no caso “Lula”, cogitar-se-ia de três possibilidades que poderiam causar sua inelegibilidade ou o seu impedimento para o exercício da presidência:
1. Uma decisão condenatória em 2ª instância o impediria de concorrer a Presidência da República – a competência para os processos vindos de Curitiba é do TRF da 4ª Região, sem prazo para ser pautado costuma se alongar por uma média de 11 meses - improvável causa de inexigibilidade pela ausência de tempo hábil, quando conjecturamos com a possibilidade de conveniente pedido de vistas, o que atrasaria ainda mais o termo de um acórdão que promoveria a conseqüência da inelegibilidade para o pleito eleitoral de 2018.
2. A aprovação de uma emenda constitucional antes do pleito eleitoral de 2018, que modificasse o parágrafo 4º do art. 86 da Constituição Federal, que permitisse a continuidade do processo contra o Presidente da República (hoje a eleição acarreta a suspensão) e o afastamento de quem já fosse, por exemplo, condenado em 1ª instância, quando já há um juízo exauriente, do exercício da Presidência da República. Esta hipótese poderia revelar-se casuística e inconstitucional caso utilizada já para as eleições de 2018.
3. Uma alteração na Lei da ficha Limpa, quando não se exigiria mais uma decisão colegiada, bastando, como no item supra, decisão condenatória em 1ª instância, e que já restasse aplicada ao pleito presidencial de 2018. Da mesma forma que a hipótese (2) quando ao casuísmo.
De lege ferenda, importante levarmos em conta que ocupar para ocupar cargos públicos, e com maior razão os cargos políticos Presidente da Câmara do Senado Federal, como o de Presidente da República indispensável deveria ser o critério da moralidade. Assim a comprovação de reputação ilibada como se infere como um dos requisitos para tornar-se ministro do Supremo Tribunal Federal.
A defesa de “Lula” trabalha corretamente no interesse do seu cliente e assim trabalhará até ultimadas as eleições de 2018. O foco é a maior morosidade possível nos processos onde “Lula” figure como réu para que não alcance seu desiderato final em 2ª instância, utilizando de todos os expedientes recursais, de requerimentos de dilações de prazos, de sucessivos pedidos de suspensão e anulação de seus processos. Princípios como o da celeridade processual e da efetividade do processo são inimagináveis para o bem da candidatura presidencial de Lula.
Não iremos adentrar nas possibilidades de renúncia, cassação ou impichamento do atual mandatário Michel Temer, assunto que já tratamos em nosso artigo pretérito. Porém todo o dito neste arrazoado se amolda perfeitamente em caso de término anômalo - a destempo - do mandato do Presidente em exercício. Conforme anunciado, porém, traremos nossas digressões com ares perfunctórios sobre as possibilidades de atendimento das vozes que gritam por “diretas já”.
O pós-positivismo e o neoconstitucionalismo apresentam ideologias muito aproximadas que em boa parcela foram capturadas pela Constituição Federal de 1988. Enquanto o pós-positivismo impõe uma necessária conexão entre o direito e a moral, o neoconstitucionalismo defende ser inviável qualquer tentativa de separação entre os valores éticos e o conteúdo jurídico. Quando percebemos que o nosso ordenamento ainda permite que os princípios morais restem destacados do direito em benefício do sistema posto de poder, saltam aos olhos a necessidade de avançarmos nos termos da Teoria Discursiva da Democracia Habermasiana, com a efetiva participação no procedimento em igualdade de direitos e oportunidades daqueles que serão afetados pelas decisões legislativas como garantia de cidadania e legitimidade.
Finalizamos deixando assente que é esta a hermenêutica que vislumbramos mais provável, mas que a questão dificilmente escapará da seara do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e precipuamente do Supremo Tribunal Federal (STF) conforme aduzido a início, pela sua complexidade, ocasião em que os Tribunais Maiores ofertarão a interpretação que julgarem a mais correta.
Emenda Constitucional prevendo eleições diretas já para 2017?
Temática de certa forma relacionada ao assunto até o momento tratado, mas que recusamo-nos peremptoriamente a flertar cm a ideia, refere-se à hipótese de eleições diretas para o caso do mandato de Temer sofrer solução de continuidade. Não poderíamos flertar com ideários oportunistas, com casuísmos, com o desrespeito a normatividade e estabilidade da Constituição, conforme aduziremos.
Uma emenda constitucional que pretendesse alterar o artigo constitucional que prevê eleições indiretas para os últimos dois anos de mandato presidencial descontinuado representaria indelével casuísmo para resolver interesses de agora, caso utilizado neste momento de crise, de anormalidade, o que denotaria uma ruptura constitucional certamente intolerável. Assim a PEC, caso aprovada, não poderia valer para o próximo pleito, assim a PEC que quer alterar o artigo 81, parágrafo 1º da CRFB para prever eleições indiretas só para o caso de vacância no cargo presidencial no último ano do mandato revelar-se-ia inconstitucional.
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Indo além, o procedimento para a aprovação de uma PEC demanda um período de pelo menos seis meses para cumprimentos dos seus requisitos constitucionais de aprovação, quando os gastos com uma eleição direta para o cumprimento de apenas um ano revelar-se-ia desproporcional. E em que lapso temporal dar-se-ia o período de campanhas eleitorais para eleições diretas?
Desta feita, além da sua inconstitucional aplicação episódica para o caso em tela, esta emenda teria que ser aprovada em tempo recorde ainda neste ano de 2017, sem as necessárias deliberações e participações dialógicas populares neste debate político-constitucional que se revelaria a toque de caixa, e mesmo assim na cumprir-se-ia o período destinado às campanhas eleitorais para que as propostas restassem conhecidas.
E como ignorarmos artigo que o STF entende como cláusula pétrea, que trata do princípio da anualidade eleitoral, que segundo o próprio STF aplica-se também às emendas constitucionais?
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Absolutamente inviável portanto a proposta para este momento, nos revelando mais uma manifestação de oportunistas “palanqueiros” arrebatadores de platéia que trabalham na desconstrução da melhor compreensão de leigos e desavisados.
Há uma PEC, PEC 227/2016, que até o momento do encerramento das razões do presente artigo encontra-se em seus passos iniciais procurando a aprovação pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania - da Câmara dos Deputados.
Não poderíamos deixar de lembrar, que a democracia permite ao povo que participe de nosso processo político em grau razoável, ainda que não em qualidade ideal, mas suficiente para alterarmos histórias, e que nosso Estado Democrático de Direito nos atribui esta responsabilidade maior. Por fim lembramos que a nossa Constituição não pode ser vitimada por maiorias oportunistas de momento, e que só se mostrará efetiva se respeitada sem ludíbrios.

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Licença-paternidade - Mudanças trazidas pela Lei 13.257/2016



Licença-paternidade - Mudanças trazidas pela Lei 13.257/2016

Mudanças trazidas pela Lei 13.257/2016, onde se trata da polêmica questão da Licença-paternidade.

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há 3 meses
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Ainda no governo de Dilma Rousseff foi sancionada a Lei nº 13.257/2016, que foi conhecida como a Lei que estabelece um Marco Legal para a Primeira Infância, período este que compreende os 06 (seis) primeiros anos completos da criança.
A referida Lei trouxe inúmeras alterações, especialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código de Processo Penal e na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), na qual abordaremos adiante em tópicos próprios.

Estatuto da criança e do adolescente

Nesse diploma legal, as alterações foram muitas. Destacaremos, no entanto, duas alterações de maior relevância.
É de bom alvitre salientar que com a Lei 12.357 de 2016, “os registros e certidões necessários à inclusão, a qualquer tempo, do nome do pai no assento de nascimento, são isentos de multas, custas e emolumentos, gozando de absoluta prioridade”.
Seguinte estes passos, trouxe também a seguinte alteração: “são gratuitas a qualquer tempo, a averbação requerida do reconhecimento de paternidade no assento de nascimento e certidão correspondente”.
À quem queira saber, apenas à título de informação, as redações supras estão dispostas nos parágrafos 5º e 6º da referida Lei.

Código de processo penal

Já no Código de Processo Penal, a Lei em comento passou a obrigar os Delegados de Polícia a averiguarem, assim que tiverem conhecimento da prática de infração penal, se a pessoa presa possui filhos e quem é o responsável por seus cuidados, fazendo tal registro no auto de prisão em flagrante.
A lei também acrescentou que da mesma forma deve constar no referido auto de prisão em flagrante, informações sobre as respectivas idades dos filhos, se estes possuem alguma deficiência, e nome e contato de eventual pessoa responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.
A alteração recai, portanto, em nova pergunta de natureza OBRIGATÓRIA a ser formulada pela autoridade competente, no auto de prisão em flagrante ou no interrogatório.
Com efeito, a novidade introduzida pela Lei 13.257/2016, com relação ao Código de Processo Penal, permite que no momento em que a autoridade competente, através destas indagações, conclua que há filhos menores de pessoa presa em situação de risco, estas sejam devidamente encaminhadas para o programa de acolhimento familiar ou institucional.
Outra mudança importante diz respeito à prisão preventiva de gestante, haja vista que anteriormente o Código de Processo Penal só permitia que o Juiz substituísse a prisão preventiva pela domiciliar, no caso de gestantes, quando atingido o sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Com a alteração, essa substituição pode ser feita a qualquer tempo, independente de tempo mínimo de gravidez ou situação de risco, sendo esta, portanto, uma das principais alterações neste diploma legal.

Consolidação das leis trabalhistas e a licença-paternidade

Já no que diz respeito à CLTConsolidação das Leis Trabalhistas, a Lei 13.257/16 acrescentou duas novas hipóteses no rol de situações em que o empregado é autorizado a não trabalhar e mesmo assim receber sua remuneração, quais sejam: a) até dois dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período da gravidez da sua esposa ou companheira; b) um dia por ano para acompanhar filho de até 06 (seis) anos em consulta médica.
Ressalte-se que a grande maioria das pessoas pensam que a tão comentada ampliação do prazo de licença-paternidade, foi uma alteração na CLTConsolidação das Leis Trabalhistas, entretanto, é de bom alvitre salientar que o prazo da referida licença encontra-se disciplinado no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na Constituição Federal, senão vejamos.
O § 1º, do art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispõe o que abaixo segue:
  • 1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. , XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.
Em regra, o prazo da licença-paternidade é de apenas 05 (cinco) dias.
Com o advento da Lei 12.357, houve a possibilidade de ampliação de mais 15 (quinze) dias da licença-paternidade.
Desta forma, a Lei supracitada acabou alterando também a Lei nº 11.770/2008, que ampliava o prazo de licença-maternidade para 180 (cento e oitenta) dias, trazendo a possibilidade de que o prazo da licença-paternidade seja prorrogado nos moldes retrocitados.
Entretanto, é de suma importância salientar que tal ampliação não se dá de forma automática, de forma que o prazo dos 05 (cinco) dias continua a ser a regra, no entanto, comporta algumas exceções.
As exceções trazidas pela Lei 13.257 diz respeito à funcionários da empresa PRIVADA, desde que a referida pessoa jurídica seja cadastrada no Programa Empresa Cidadã, disciplinado pela Lei 11.770/2008 Com este programa, a pessoa jurídica poderá descontar do imposto de renda o valor pago pelos 15 (quinze) dias concedidos a mais ao empregado.
Além disso, o requerimento para a concessão do benefício deve ser feito no prazo de 02 (dois) dias úteis após o parto, sendo que no período de prorrogação da licença (15 dias), o empregado não poderá exercer, de forma alguma, qualquer atividade remunerada, sob pena de perder o seu direito.
Ademais, além dos funcionários de empresas privadas cadastradas no Programa Empresa Cidadã, passaram a ter direito também, os servidores públicos federais, por meio do Decreto Presidencial nº 8.737, de 03 de maio de 2016, em que institui o referido programa de prorrogação de licença-paternidade para os servidores públicos federais regidos pela Lei nº 8.112/1990.
Esse ponto trouxe muitas polêmicas, haja vista que a Lei 13.257/2016 não traz expressa previsão de extensão aos servidores públicos em geral, e o Decreto retro se limita apenas aos servidores públicos federais, regidos pela Lei nº 8.112/1990. No entanto, o entendimento majoritário é que a referida medida de prorrogação da licença-paternidade se revela em um direito social, que não pode beneficiar uma categoria e ignorar outra, o que poderia caracterizar inclusive uma violação constitucional.
Sendo assim, em que pese tratar-se de direito social, para que esta medida seja estendida a todos os servidores, sejam eles federais, estaduais ou municipais, os Chefes do Executivo devem enviar projetos de Lei, com a finalidade de garantir tais direitos a seus servidores.
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domingo, 20 de agosto de 2017

Antônio Fredereico de Castro Alves, - Grande Homem e Genial Poeta


Castro Alves, 1871.
Última entrevista do poeta
da liberdade



Vale a pena lembrar a última entrevista de Castro Alves, concedida ao escritor e professor, Augusto Sérgio Bastos, em 1871, no Palacete do Sodré, em Salvador. Cecéu, como o poeta dos escravos era chamado pelos amigos baianos, morreu às 15:30h do dia 6 de julho de 1871, um mês após haver concedido essa franca e comovente entrevista, onde aborda temas ainda hoje atuais, como a escravidão e a liberdade.


Quem é o poeta Castro Alves?

Sou um homem que escreve e declama seus poemas. Por amor, por compulsão e por herança. Um poeta brasileiro nascido em 14 de março de 1847 lá na fazenda Cabaceiras, sete léguas distante de Curralinho. Um baiano do sertão. Meus pais foram o doutor Antônio José Alves e dona Clélia Brasília da Silva Castro, que também nasceu em um 14 de março.
A família mudou para Salvador quando eu tinha sete anos de idade. Aqui completei o curso primário e fiz o ginasial. Aos 15, em 1862, eu e meu irmão José Antônio fomos morar no Recife para fazer o Curso Anexo, um ano de aulas preparatórias que habilitavam às provas da Faculdade de Direito, onde fiz o 1º e o 2º ano. Lá, ainda em 62, pela primeira vez tive um poema publicado pela imprensa, “A destruição de Jerusalém”, no Jornal do Recife. No ano seguinte saiu no nº 1 de um jornal acadêmico, chamado A Primavera, o meu primeiro poema contra a escravidão: “A canção do africano”. Em 68, fui para São Paulo continuar meus estudos jurídicos. Completei apenas o 3º ano, sem bacharelar-me por conta de problemas relacionados à saúde.
Mas as publicações se sucederam, tanto no Recife como em Salvador, no Rio de Janeiro e São Paulo; muita vez em seqüência às declamações que eu fazia nas ruas, nos saraus e nos teatros, sempre com grande sucesso, diga-se de passagem. Alguns desses versos, junto com muitos inéditos, hoje fazem parte do meu livro Espumas flutuantes, primeiro e único até agora, e que foi lançado em outubro do ano passado, aqui mesmo na Bahia, para onde voltei no final de 69.

Fale um pouco mais sobre sua família e a infância em Salvador

Éramos muitos irmãos: José Antônio, Zezinho, o primogênito, poeta que se suicidou aos 19 anos; eu, Antônio Frederico de Castro Alves, era chamado de Cecéu pelos de casa e pelos amigos; João, que faleceu recém-nascido; Guilherme, o quarto, também poeta; aí vem a primeira mulher, Elisa; depois Adelaide, a Sinhá, minha preferida, mas que ninguém nos ouça; e Amélia, uma bela poetisa. Bem mais tarde, Cassianinho, nascido das segundas núpcias de meu pai.
Papai foi um médico famoso. Estudou na Europa, foi professor da Faculdade de Medicina, homem de talento artístico apreciável, com o que conseguiu grupar em nossa casa uma galeria de pinturas estrangeiras e nacionais de grande fama. Dessa paixão resultou fundar em 56, aqui na Bahia, a Sociedade das Belas-Artes. No lar, essa influência se exerceu na nossa educação artística: todos inclinados à música, ao canto, ao desenho, à pintura, às letras, favorecendo disposições da natureza que seriam consagradas. Mas papai e mamãe tinham pouca saúde. Perdi-os cedo, ela de tuberculose, em 1859, com apenas 34 anos de idade, e papai há cinco anos, aos 48.
Voltemos ao ano de 1854, quando fomos morar na capital, no pequeno sobrado da Rua do Rosário no 1. Essa casa, que marcaria de forma definitiva a minha vida, era cheia de lendas e mistérios: uma linda moça, Júlia Feital, nela foi assassinada pelo noivo que, louco de ciúmes, a fulminou com uma bala de ouro. Eu, menino, imaginava a cena e tinha muito medo. Ainda bem que logo depois nos mudamos.
Assim que chegamos a Salvador, fui estudar no Colégio Sebrão, uma escola tradicional, e depois no Ginásio Baiano, de conceitos pedagógicos avançados para a época: estudávamos várias matérias ao mesmo tempo, não recebíamos castigos físicos e ainda por cima éramos incentivados a participar de torneios literários. Para mim, que já trazia o amor à arte cultivado pela família, foi uma espécie de preliminar, desculpem a imodéstia, para a glória futura. Celebrávamos principalmente as datas cívicas, o que me deixava envaidecido, pois meu avô materno, José Antônio da Silva Castro, foi um dos heróis da independência da Bahia, que só foi conquistada em 2 de Julho de 1823. É que em muitas províncias, como o Senhor sabe, os portugueses não acataram a proclamação do Sete de Setembro e queriam nos manter atados à Coroa lusitana. Na Bahia, meu avô ajudou a derrotar as tropas inimigas, para assim confirmar a independência do Brasil. Ele foi condecorado por bravura no comando de um batalhão de voluntários, por ele mesmo criado. Vou lhe contar uma coisa que pouca gente sabe: foi nesse batalhão que, sob suas ordens, lutou a heroína baiana Maria Quitéria. Ainda vou escrever um poema em homenagem a essa grande mulher.



“O povo – esse condor gigante – sacudindo as longas asas
pairou na ordem social por sobre a realeza,
na ordem científica por sobre a autoridade.”



Como o Senhor vê a poesia nesta segunda metade do séc. XIX?

Olhe bem. A poesia na terra dos Andradas, dos Pedros Ivos, e dos Tiradentes deve ser majestosa como as matas virgens da América; arrojada como seus rios gigantes; livre como os ventos que passam gementes por suas várzeas, e que zurzem os costados pedregosos dos seus gigantes de granito. A poesia enfim deve ser o reflexo desta terra. Isto no que toca à natureza, é claro.
No que toca às idéias desta metade de século, eu diria que a poesia deve ser o arauto da liberdade – esse verbo na redenção moderna – e o brado ardente contra os usurpadores dos direitos do povo.
Quanto a sua forma, a literatura, sendo a expressão da humanidade, libertou-se dos preceitos asfixiadores da escola clássica – essa jaula do pensamento – assim como a humanidade despedaçara o feudalismo – essa jaula da dignidade popular. O povo – esse condor gigante – sacudindo as longas asas pairou na ordem social por sobre a realeza, na ordem científica por sobre a autoridade. O espírito popular tem sido iluminado pelos luzires do cometa da civilização.
Tudo tende a idealizar-se. No entanto, lanço uma censura a dois erros, que em geral permanecem em nossa literatura, e neles eu sei que a minha poesia não está:
Um – a falta de brasileirismo nas composições. O segundo erro, que ainda lavra, especialmente na Bahia, é o classicismo. Deus me livre de maldizer das obras-primas que a antiguidade nos legou. Não. Homero, Dante, Virgílio e outros hão de ser sempre admirados. Mas não queirais, homens da atualidade, mandar, como primor de escultura, uma cabeça de esfinge para a Exposição, nem apresentar nos banquetes de Napoleão III a paródia dos vasos soterrados de Pompéia… passou esse tempo… A poesia hoje é Byron, Barthélemy, Lamartine, Victor Hugo – esses Cristos humanos.




O poeta é às vezes um corcel sem freios…
Eu tenho consciência de que faço alguns poemas
para voz alta, e não para leitura com um chá, no
aconchego das cadeiras de balanço.



De que forma o Senhor situa a sua obra dentro deste contexto?

É muito difícil a um poeta situar sua própria obra no contexto de uma literatura. Talvez possa dizer que segui um caminho que é normal a todo escritor: o de fazer com que a vida e a obra entrem em acordo e possam viver bem juntas.
Olhe bem. Hoje, a palavra da poesia, além de ser íntima, também deve ser cívica. Tenho o sangue militar do meu avô e cheguei até a me alistar no Batalhão Acadêmico de Voluntários que foi à Guerra do Paraguai, mas nunca fui um apologista da guerra. Amo sim a minha pátria, luto pela abolição da escravidão, canto os feitos heróicos, as batalhas vitoriosas contra a opressão e confesso o meu amor em tom vibrante; só em louvor ao Dois de Julho escrevi cinco poemas. Muitos dizem que minha obra está composta de uma parte política e de uma parte lírica. Penso que vigora sempre o mesmo amor à humanidade, sob roupagens diversas: amor coletivo e amor pessoal, e não saberia dizer qual o mais importante.
Acho que o poeta deve falar aos corações. Eu falo. Mas, não é com sussurros que se incendeia o público; é com entusiasmo, dramaticidade, retórica. O poeta é às vezes um corcel sem freios… Eu tenho consciência de que faço alguns poemas para voz alta, e não para leitura com um chá, no aconchego das cadeiras de balanço. Algumas vezes, anoto ao lado do texto: “Não se publica”. Não sei se será publicado, pois tenho a certeza de que o poeta, quando muito, é o dono dos versos, mas não é nunca o dono do destino do poema.
Particularmente, acho exagerado o gosto pelo doentio que os poetas da geração anterior a minha desenvolveram. Eles estavam voltados para eles mesmos, amavam a musa distante, idealizada, intocada e etérea. A minha amada é de carne e osso (o poeta sorri). Eu aposto no amor, na vida; às vezes perco, às vezes ganho… Deixo aos críticos do futuro o julgamento do meu trabalho.

Que figuras exerceram influência na sua formação de escritor?

Tudo o que o escritor vê, vive ou lê o influencia. Assim, sou filho de Horácio, de Byron, Barthélemy, Lamartine, Musset, do grande Hugo principalmente… Aprecio Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Junqueira Freire, mas se tivesse que escolher apenas dois brasileiros, citaria dos contemporâneos, meu amigo Fagundes Varela e dos passados, o Casimiro de Abreu.



Ser chamado de “poeta dos
escravos” é uma honra. Acho,
porém, que não diz tudo; sempre
quis ser “O poeta da Liberdade”.



O Senhor está começando a ser chamado “O poeta dos escravos”. Como se sente?

Eu me orgulho do epíteto. Estou, inclusive, na fase final de negociações para a impressão de meu livro Os escravos, que até o final do ano será publicado. A escravidão é uma das mazelas, talvez a mais horrenda, que devemos combater em prol da liberdade. É certo que, desde 1850, instituíram-se pesadas penas para o tráfico negreiro, já abolido pela legislatura de 31, mas ainda vigente. Há dois anos foi proibida a venda de seres humanos em pregão público e até o fim deste ano – não sei se o Senhor sabe – será votada a Lei do Ventre Livre. Mas é pouco. Muito pouco.
Sempre fui devotado às causas sociais. Fundei, com Rui Barbosa – meu antigo colega do Ginásio Baiano – e outros alunos da Faculdade de Direito, a Sociedade Abolicionista do Recife. Esse pendor abolicionista vem do berço. Lembro de papai a reclamar, sempre, do tratamento cruel que era dado ao negro. O amor que eu tive e tenho pela minha bá, que já se foi, a negra Leopoldina, minha ama de leite, minha segunda mãe, a me contar as histórias de senzalas, mucamas e amores proibidos… O meu tio, o alferes João José, herói da Guerra do Paraguai, brincando comigo de cavalinho, montado em seus joelhos, dizendo-me: “A liberdade, filho, é o maior bem do mundo”. Ah! Como essas coisas ainda me comovem…
Ser chamado de “poeta dos escravos” é uma honra. Acho, porém, que não diz tudo; sempre quis ser “O poeta da Liberdade”. E para mim, Abolição e República são palavras quase irmãs: uma puxa a outra, naturalmente. Tanto que, em paralelo à minha luta pela libertação dos escravos, participei também de alguns comícios republicanos. Lembro-me bem de um deles, dissolvido pela polícia, quando criei de improviso os versos de “O povo ao poder” (nesse momento o poeta abre um sorriso e levanta-se, com esforço, da cadeira de balanço austríaca). A segunda estrofe desse poema começa com dois versos que agitaram a multidão, aos gritos e assobios (o poeta de pé, com a voz já rouca e entrecortada por um pigarro renitente):


A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
(um acesso de tosse interrompe a fala;
ele se senta novamente, e com dificuldade termina a estrofe)

Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…
Deixai a terra ao Anteu.
Desculpe-me, Senhor… Desculpe-me… (aparentemente refeito) Prossiga, prossiga…

Além dos comícios republicanos e da campanha abolicionista, é sabido que o Senhor tem participado de debates sobre a liberdade de imprensa e de muitos outros movimentos civis, como a luta pelo voto feminino. Por outro lado, as discussões literárias também não foram poucas. Fale-nos sobre sua polêmica com o poeta Tobias Barreto.

O Tobias? Isso é coisa do passado, não tem mais importância… Nem sei se vale a pena voltar ao assunto. Mas o que posso dizer?… Vamos ver…
Começamos como amigos – temos, inclusive, poesias dedicadas um ao outro; passamos a colegas, tornamo-nos rivais e acabamos inimigos. Intrigas pessoais e literárias. Discordamos em quase tudo, tanto na poesia quanto no teatro. Olhe que nossos desencontros se acaloraram a partir de 66, quando ele teve o desplante de, em público, dizer que a atriz Adelaide Amaral era superior a minha amada D. Eugênia Câmara, um talento fulgurante que Portugal nos legou; inigualável, como o Brasil jamais tivera oportunidade de assistir.
O Senhor Tobias Barreto é feio, velho, escreve mal e declama pior ainda. Não conhece a língua que fala, o significado das palavras; já o aconselhei a fazer, de quando em quando, uma viagenzinha ao Morais. Nos recitativos fica nervoso, tem um jeito desastrado, não controla a voz. Não possui o domínio cênico que eu tenho, se veste mal. Eu entro no palco vestido de negro, chique, com uma flor na lapela, óleo nos cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó-de-arroz no rosto, para parecer mais pálido. Começo logo com uma das minhas bombas “O século”, “Pedro Ivo”, “Visão dos mortos”…, com resultado previsto e certo: a platéia me ovaciona. Lembro-me de um sarau em São Paulo , organizado pelo Arquivo Jurídico, no Salão Concórdia. Nessa noite todas as honras foram minhas; o entusiasmo tocou ao delírio, quando arrematei a última estrofe de “Visão dos mortos” e, a pedido geral, encetei “O livro e a América”. Se algum dia obtive um triunfo, não foi noutro lugar. Até a senhora do cônsul inglês Richard Burton veio entusiasticamente dizer-me: “Mim gostar muito de sua recitativa” (rindo e imitando um sotaque inglês).
Atualmente não tenho mais debatido com o Tobias Barreto. Como o Senhor sabe, pouco tenho saído de casa. A minha última declamação em público foi, se a memória não me falha, em 10 de fevereiro deste ano, no salão nobre da Associação Comercial da Bahia, quando se realizava ali um meeting em favor das famílias francesas sacrificadas pela guerra franco-prussiana. Eu recitei o poema “No meeting du Comité du Pain”, escrito no dia anterior. Fiz especialmente para a ocasião.

Aproveitando a sua lembrança, o Senhor poderia nos falar da grande atriz D. Eugênia Câmara?

A minha admiração pela atriz D. Eugênia Câmara se confundiu com meu amor pela mulher Eugênia. Quando a vi pela primeira vez, no palco do Teatro Santa Isabel, no Recife, eu tinha 16 anos e ela 26. De minha parte, amor à primeira vista. Ela era a estrela do drama Dalila, de Octave Feuillet. Difícil descrever o impacto que a presença dela exerceu sobre mim. Digo apenas que ela foi a mulher mais importante da minha vida, a musa celeste que me arrastou, como um turbilhão, ao mais profundo fundo dos cafundós do inferno. E ainda mais, o que muitos não sabem: é poetisa. Já tem dois livros publicados.
Escrevi para ela o drama Gonzaga ou A Revolução de Minas, onde falo de liberdade, escravidão, traição, paixões… em suma, de tudo que atormentava ou deliciava minha existência, e se confundia com a própria Eugênia, para quem, é evidente, eu havia reservado o papel principal. Meu sonho era vê-la em cena interpretando meu texto.
O nosso amor foi sempre tumultuado. Em 66, após um longo período de indecisões e recuos, que nunca soube se eram meus ou dela, finalmente consegui arrancá-la do empresário com quem vivia, e levei-a junto com a filha, para morar comigo num subúrbio do Recife. Nosso ninho de amor… Dediquei-lhe muitos poemas… Ah! Bons tempos aqueles…
No ano seguinte, fui para a Bahia, levando minha mulher e uma certeza: iríamos conseguir encenar o Gonzaga em Salvador. O que, de fato, aconteceu no dia 7 de setembro, no Teatro São João, tendo à frente do elenco Eugênia no papel de Maria, a Marília de Dirceu. Foi uma brilhatura como há poucas! Fui chamado à cena depois de cada ato, sob estrondosa ovação. Não satisfeita, a multidão carregou-me em triunfo, sobre os ombros, até minha casa. Tive um triunfo como não consta que alguém tivesse na Bahia. Era a glória, mas era a glória baiana. Até aí a alegria do sucesso e o amor de Eugênia me completavam, mas eu queria a consagração nacional…

A noite encantada ao conhecer sua amada em cena, no Recife.


Eram cada vez mais constantes as nossas desavenças.
Cenas violentas, ciúmes, brigas, precárias reconciliações.
Sopravam-me histórias de adultério.



Foi por isso que o Senhor resolveu ir para São Paulo?

Sim, sim. Foi com essa intenção que decidi continuar os estudos de Direito em São Paulo , interrompidos quando viemos para Salvador. Eugênia foi comigo. Incluí no roteiro de viagem uma visita ao Rio de Janeiro, onde conheci o grande escritor José de Alencar. Chegamos a São Paulo em março de 68, a terra de Azevedo, cidade das névoas e mantilhas, ainda acanhada e provinciana, onde não há senão frio, mas frio da Sibéria; cinismo, mas cinismo da Alemanha, um tédio infinito. Entretanto prefiro São Paulo ao Recife, apesar das péssimas recordações daquele tempo, pois foi lá que o nosso amor chegou ao fim. O meu objetivo era terminar os estudos na Faculdade do Largo de São Francisco e o de D. Eugênia retornar aos palcos. No início retomamos a vida intelectual e boêmia, freqüentando saraus e salões, sempre com muito sucesso. Porém, rapidamente, o nosso relacionamento se deteriorou. Eram cada vez mais constantes as nossas desavenças. Cenas violentas, ciúmes, brigas, precárias reconciliações. Sopravam-me histórias de adultério. No entanto, sei que ela me amou, como sei que, talvez, meu amor tenha sido insuficiente para sua paixão. Não a recrimino. Em determinado momento, largou a carreira para me seguir. Depois, me largou para seguir a si própria. Rompemos em 68 e a última vez que a vi foi no ano seguinte apresentando-se no Teatro Fênix Dramática, no Rio de Janeiro, quando pude lhe oferecer meus derradeiros aplausos. Despedi-me de Eugênia com a poesia “Adeus”, que termina assim (acomodando-se na cadeira):


Quis te odiar, não pude. – Quis na Terra
Encontrar outro amor. – Foi-me impossível.
Então bendisse a Deus que no meu peito
Pôs o germe cruel de um mal terrível.


Sinto que vou morrer! Posso, portanto,A verdade dizer-te santa e nua:
Não quero mais teu amor! Porém minh’alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.
E Eugênia me respondeu com uma outra e que sei de cor. Vou dizer-lhe a primeira e a derradeira das 14 estrofes (a voz um pouco mais baixa):


Adeus, irmão desta alma, digo-te Adeus!
Mas deixa que eu evite esse – jamais! –
Que o céu se compadeça aos rogos meus
E um dia cessarão teus e meus ais!

Adeus! Se um dia o Destino
Nos fizer ainda encontrar
Como irmã ou como amante
Sempre! Sempre me hás de achar.

Como foi seu contato com José de Alencar?

Ah! Esse foi um dia inesquecível: 17 de fevereiro de 1868. Levei uma carta de apresentação do estadista baiano Dr. Joaquim Fernandes da Cunha, amigo de meu pai e padrinho da minha irmã Amélia. Visitei Alencar no Rio, como já lhe disse. Ele residia lá nos cerros da Tijuca. Segundo suas palavras, lugar puro e são, montanha encantadora que a natureza colocou a duas léguas da Corte, como um ninho para as almas cansadas de pousar no chão. E foi lá que o primeiro literato brasileiro provou-me que a ninguém cedia em cavalheirismo e urbanidade.
Sabendo que tocava numa corda sensível do mestre, além de declamar alguns poemas, li para ele o Gonzaga. Meu anfitrião era um obcecado pela construção de um teatro brasileiro, mesmo tendo fracassado na tentativa. Ele pregava um teatro baseado em nossa História – exatamente o que eu fizera, ao invocar em meu drama a Inconfidência Mineira. A receptividade foi muito boa, a ponto de Alencar recomendar-me a outro talento que se firmava na literatura fluminense: o jovem Machado de Assis, que me visitou no domingo de carnaval. O resultado desses encontros se traduziu nas crônicas publicadas no Correio Mercantil, a de Alencar em 22 de fevereiro e a de Machado em 1o de março, ambas muito favoráveis ao Gonzaga. Saiba que ainda guardo comigo esses exemplares do Correio.




Então busquei ajuda médica no Rio de
Janeiro e o diagnóstico foi implacável: teria
que amputar a perna esquerda no seu terço
inferior. Devido ao meu estado debilitado,
a intervenção cirúrgica se daria sem
anestesia, pois a cloroformização seria perigosa.



Quando e por que o Senhor decidiu deixar o sul do país e retornar à Bahia?

Devido a meus problemas de saúde; não ia nada bem. Quando me separei de Eugênia, a minha sorte piorou. Não sai da minha mente o fatídico dia 11 de novembro de 68, em que para espairecer minha solidão dirigi-me ao Brás, onde costumava caçar; era um mato cerrado, animais em abundância. Fui saltar uma pequena valeta e um disparo da espingarda atingiu-me o pé. Como todos sabem, surgiram complicações no ferimento e os antigos padecimentos pulmonares acordavam, impressionantes. Então busquei ajuda médica no Rio de Janeiro e o diagnóstico foi implacável: teria que amputar a perna esquerda no seu terço inferior. Devido ao meu estado debilitado, a intervenção cirúrgica se daria sem anestesia, pois a cloroformização seria perigosa. Se não operasse poderia morrer; então reuni todas as minhas forças e dei a autorização aos médicos, em tom de blague, disfarçando sob o riso, a dor física e moral da mutilação que deveras sentia. Ainda lembro de minhas palavras: “Corte-o, corte-o doutor… ficarei com menos matéria que o resto da humanidade”.
A convalescença foi demorada, agravada pela tísica renitente. Após alguns meses consegui levantar-me com a ajuda de um pé de madeira e apoiado em muletas. Porém , não me entreguei ao infortúnio. Nesse período de recuperação, estive hospedado na casa de meu grande amigo Luís Cornélio, cercado de carinho e atenção. Não deixei de escrever e recitar meus poemas para o pessoal da casa e para as bonitas moças que me visitavam e inspiravam. É… Não foram tão maus aqueles tempos (risos). No entanto, os meus pulmões não iam nada bem; acessos de tosse e febre deixavam-me constrangido. A saudade da minha pátria e a necessidade de cura em outro ambiente me fizeram retornar ao aconchego da família. Em novembro de 69, deixei o Rio de Janeiro. A travessia, transposta a enseada maravilhosa da Guanabara, sugeriu-me, com a saudade e o desengano, a idéia de reunir os meus poemas num volume que denominei Espumas flutuantes. Os meus versos eram as espumas que se formavam, flutuando à volta do navio. Essa lembrança está relatada no Prólogo do meu livro.

Quais são seus planos para o futuro?

Como já lhe disse, estou com Os escravos pronto, deve sair até o final do ano ou, no máximo, no princípio do ano que vem. A cachoeira de Paulo Afonso, livro de poemas, também já está acabado. E quero publicar o texto do meu Gonzaga, que já viajou por todo o Brasil, e, como o Senhor sabe, com grande sucesso de público e de crítica. Infelizmente nos últimos tempos não tenho trabalhado muito, a minha saúde não anda boa, e os médicos e as manas não querem que eu faça esforço. Para dar-lhe esta entrevista, tive que impor a minha autoridade de irmão mais velho (risos).
Mas Deus vai me dar ânimo, pois tenho planos de voltar a declamar em público, no máximo daqui a um mês. Já encomendei até um novo terno preto, bem cortado, pois estou um pouco mais magro e quero me apresentar bem. Se Deus quiser.