sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O Amor e O Ódio

(evangelista da silva)


Se se nega o Amor
Nasce a infelicidade de ser!

Se o Amor zomba do ser
Eis que brota do mais profundo
Do mais íntimo dos sentimentos
Um Monstro furioso que ataca e mata!

E em uma explosão de dor que sangra!
Faz-se ver àquilo que foi Amor
Ódio em fúria responder.

E nesse descompasso o pensamento cobra
E a voz do espírito clama e implora por Amor
Mas o Amor é impiedoso, irado e frio.

Nasce a vingança!



quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

José (Carlos Drummond de Andrade)


Carlos Drummond de Andrade


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Soneto 71 - William Shakespeare

Soneto 71 - William Shakespeare

Quando eu morrer não chores mais por mim
Do que hás de ouvir triste sino a dobrar
Dizendo ao mundo que eu fugi enfim
Do mundo vil pra com os vermes morar.

E nem relembres, se estes versos leres,
A mão que os escreveu, pois te amo tanto
Que prefiro ver de mim te esqueceres
Do que o lembrar-me te levar ao pranto.

Se leres estas linhas, eu proclamo,
Quando eu, talvez, ao pó tenha voltado,
Nem tentes relembrar como me chamo:

Que fique o amor, como a vida, acabado.
Para que o sábio, olhando a tua dor,
Do amor não ria, depois que eu me for.

Soneto 73 - William Shakespeare

Soneto 73 - William Shakespeare

Em mim tu vês a época do estio
Na qual as folhas pendem, amarelas,
De ramos que se agitam contra o frio,
Coros onde cantaram aves belas.

Tu me vês no ocaso de um tal dia
Depois que o Sol no poente se enterra,
Quando depois que a noite o esvazia,
O outro eu da morte sela a terra.

Em mim tu vês só o brilho da pira
Que nas cinzas de sua juventude
Como em leito de morte agora expira

Comido pelo que lhe deu saúde.
Visto isso, tens mais força para amar
E amar muito o que em breve vais deixar.

Soneto 107 - William Shakespeare

Soneto 107 - William Shakespeare

Medos, nem alma capaz de prever
Os sonhos de porvir do mundo inteiro,
Podem o meu amor circunscrever,
Nem dar-lhe fado triste por certeiro.

A Lua seu eclipse superou,
Os agourentos de si podem rir,
A incerteza agora se firmou,
A paz proclama olivas no porvir.

Com o orvalho dos tempos refrescado
O meu amor a própria morte prende
E em meus versos vivo consagrado,

Enquanto as tribos mudas ela ofende.
Aqui encontrarás teu monumento,
E o bronze dos tiranos vai com o vento.

Soneto 28 - William Shakespeare

Soneto 28 - William Shakespeare

Como voltar alegre ao meu labor
Se não tenho a vantagem da dormida?
Se o dia tem na noite um opressor,
E a noite pelo dia é oprimida?

Mesmo inimigos ambos se mostrando,
Os dois se unem pra me torturar;
Por meu labor de ti só me afastar.

Que tu brilhas por ele eu digo ao dia,
E o alegras, se o céu fica nublado.
Mas bajulo da noite a tez sombria:

Sem astros, tu lhe dás teu tom dourado.
Mas os dias só trazem dissabores,
E as noites fortalecem minhas dores.

Soneto 59 - William Shakespeare

Soneto 59 - William Shakespeare

Se nada é novo, e o que hoje existe
Sempre foi, por falha a nossa mente
E, se esforçando por criar, insiste,
Parindo o mesmo filho novamente!

Que do passado houvesse uma mensagem,
Já com mais de quinhentas translações,
Mostrando em livro antigo a sua imagem
Quando a escrita mal tinha convenções!

Para eu ver o que então diria o mundo
Da maravilha dessa sua forma;
Se nós ou eles vamos mais ao fundo,

Ou se a revolução nada reforma.
Estou certo que os sábios do passado
A alvo pior tenham louvado.