segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Egungun


Egungun


Brasil

Egungun,[1] espírito ancestral de pessoa importante, homenageado no Culto aos Egungun, esse culto é feito em casas separadas das casas de Orixá.
No Brasil o culto principal à Egungun é praticado na Ilha de Itaparica no Estado daBahia mas existem casas em outros Estados.
Normalmente chamado de Babá (pai) EgunBabá-Egun. Também pode ser referido como Êssa nome dos ancestrais fundadores do Aramefá de Oxóssi(conselho de Oxóssi, composto de seis pessoas). Ou Esa espírito dos adoxu e dignitários do egbe (casa).
  • Informações do Projeto Egungun
Os nagôs, cultuam os espíritos dos mais velhos de diversas formas, de acordo com a hierarquia que tiveram dentro da comunidade e com a sua atuação em pról da preservação e da transmissão dos valores culturais. E só os espíritos especialmente preparados para serem invocados e materializados é que recebem o nome EgunEgungunBabá Egun ou simplesmente Babá (pai), sendo objeto desse culto todo especial.
Porque o objetivo principal do cultos dos Egun é tornar visível os espíritos dosancestrais, agindo como uma ponte, um veículo, um elo entre os vivos e seusantepassados. E ao mesmo tempo que mantém a continuidade entre a vida e amorte, o culto mantém estrito controle das relações entre os vivos e mortos, estabelecendo uma distinção bem clara entre os dois mundos: o dos vivos e o dos mortos (os dois níveis da existência).


Assim, os Babá trazem para seus descendentes e fiéis suas bênçãos e seus conselhos mas não podem ser tocados, e ficam sempre isolados dos vivos. Suas presença é rigorosamente controlada pelos Ojé (sacerdotes do culto) e ninguém pode se aproximar deles.
Os Egungun se materializam, aparecendo para os descendentes e fiéis de uma forma espetacular, em meio a grandes cerimônias e festas, com vestes muito ricas e coloridas, com símbolos característicos que permitem estabelecer sua hierarquia.
Os Babá Egun ou Egun Agbá (os ancestrais mais antigos) se destacam por estar cobertos com uma roupa específica do Egun — chamada de eku na Nigéria ou opána Bahia, são enfeitadas com búziosespelhos e contas e por um conjunto de tiras de pano bordadas e enfeitadas que é chamado Abalá, além de uma espécie de avental chamado Bantê, e por emitirem uma voz característica, gutural ou muito fina.
Os Aparaká são Egun mais jovens: não têm Abalá nem Bantê e nem uma forma definida; e são ainda mudos e sem identidade revelada, pois ainda não se sabe quem foram em vida.
Acredita-se, então, que sob as tiras de pano encontra-se um ancestral conhecido ou, se ele não é reconhecível, qualquer coisa associada à morte. Neste último caso, o Egungun representa ancestrais coletivos que simbolizam conceitos morais e são os mais respeitados e temidos entre todos os Egungun, guardiães que são da éticae da disciplina moral do grupo.
No símbolo "Egungun" está expresso todo o mistério da transformação de um ser deste-mundo num ser-do-além, de sua convocação e de sua presença no Aiyê (o mundo dos vivos). Esse mistério (Awô) constitui o aspecto mais importante do culto.

Culto aos Egungun

 

África

O criador de culto dos ancestrais
Segundo a tradição do culto de Egungun, que é originário da África, região de Oyò. O culto de Egungun, é exclusivo de homens, sendo Alápini o cargo mais elevado dentro do culto tendo como auxiliares os Ojés.
Todo integrante do culto de Egungun é chamado de Mariwô.
Xangô (Sòngó), é o fundador do culto aos Egungun, somente ele tem o poder de controlá-los, como diz um trecho de um Itan:
"Em um dia muito importante, em que os homens estavam prestando culto aosancestrais, com Xangô a frente, as Iyami-Ajé fizeram roupas iguais as de Egungun, vestiram-na e tentaram assustar os homens que participavam do culto, todos correram mas Xangô não o fez, ficou e as enfrentou desafiando os supostosespíritos. As Iyami ficaram furiosas com Xangô e juraram vingança, em um certo momento em que Xangô estava distraido atendendo seus súditos, sua filha brincava alegremente, subiu em um pé de Obi, e foi aí que as Iyami-Ajé atacaram, derrubaram a Adubaiyni filha de Xangô que ele mais adorava. Xangô ficou desesperado, não conseguia mais governar seu reino que até então era muito próspero, foi até Orunmilà, que lhe disse que Iyami é que havia matado sua filha, Xangô quiz saber o que poderia fazer para ver sua filha só mais uma vez, e Orunmilà lhe disse para fazer oferendas ao Orixá Ikú (Oniborun), o guardião da entrada do mundo dos mortos, assim Xangô fez, seguindo a risca os preceitos de Orunmilà.
Xangô conseguiu rever sua filha e pegou para sí o controle absoluto dos Egungun(ancestrais), estando agora sob domínio dos homens este culto e as vestimentas dos Egungun, e se tornando estremamente proibida a participação de mulheres neste culto, provocando a ira de OlorunXangôIkú e os próprios Egungun, este foi o preço que as mulheres tiveram que pagar pela maldade de suas ancestrais as Iyami".

Brasil

Culto aos Egungun é uma das mais importantes instituições, tem por finalidade preservar e assegurar a continuidade do processo civilizatório africano no Brasil, é o culto aos ancestrais masculinos, originário de Oyo, capital do império Nagô, que foi implantado no Brasil no início do século XIX.
O culto principal aos Egungun é praticado na Ilha de Itaparica no Estado da Bahiamas existem casas em outros Estados.
Quanto ao aspecto físico, um terreiro de Egungun ou Egun apresenta basicamente as seguintes unidade:
  • um espaço público, que pode ser freqüentado por qualquer pessoa, e que se localiza numa parte do barracão de festas;
  • uma outra parte desse salão, onde só podem ficar e transitar os iniciadores, e para onde os Egun vêm quando são chamados, para se mostrar publicamente;
  • uma área aberta, situada entre o barracão e o Ilê Igbalé (ou Ilê Awô - a casa do segredo), onde também se encontra um montículo de terra preparado e consagrado, que é o assentamento de Onilé;
  • um espaço privado ao qual só têm acesso os iniciados da mais alta hierarquia, onde fica o Ilê Awô, com os assentamentos coletivo, e onde se guardam todos os instrumentos e paramentos rituais, como os Isan pronuncia-se (ixan), longas varas com as quais os Ojé invocam (batendo no chão) e controlam os Egungun.

História

O Culto à Egun ou Egungun veio da África junto com os Orixás trazidos pelosescravos. Era um culto muito fechado, secreto mesmo, mais que o dos Orixás por cultuarem os mortos.
A primeira referência do Culto de Egun no Brasil segundo Juana Elbein dos Santosforam duas linhas escritas por Nina Rodrigues, refere-se a 1896, mas existem evidências de terreiros de Egun fundados por africanos no começo do século XIX.
Os Terreiros de Egun mais famosos foram:
  • Terreiro de Vera Cruz, fundado +/- 1820 por um africano chamado Tio Serafim, em Vera Cruz, Ilha de Itaparica. Ele trouxe da África o Egun de seu pai, invocado até hoje como Egun Okulelê, faleceu com mais de cem anos.
  • Terreiro de Mocambo, fundado +/- 1830 por um africano chamado Marcos-o-Velho para distingui-lo do seu filho, na plantação de Mocambo, Ilha de Itaparica. Teria comprado sua carta de alforria, anos mais tarde teria voltado àÁfrica junto com seu filho Marcos Teodoro Pimentel conhecido como Tio Marcos, lá permanecendo por muitos anos aperfeiçoando seus conhecimentos litúrgicos, onde também seu filho foi iniciado. Quando voltaram trouxeram com eles o assento do Baba Olukotun, considerado o Olori Egun, o ancestre primordial da nação nagô.
  • Terreiro de Encarnação, fundado +/- 1840 por um filho do Tio Serafim, chamado João-Dois-Metros por causa de sua altura, no povoado de Encarnação. Foi nesse terreiro que se invocou pela primeira vez no Brasil o Egun Baba Agboula, um dos patriarcas do povo Nagô.
  • Terreiro de Tuntun, fundado +/- 1850 pelo filho de Marcos-o-Velho, chamado Tio Marcos, num velho povoado de africanos denominado Tuntun, Ilha de Itaparica. Marcos possuiu o título de AlapiniIpekun Ojé, Sacerdote Supremo do Culto aos Egungun, na tradição histórica Nagô, o Alapini representa os terreiros de Egun ao afin, palácio real.
Tio Marcos, Alapini, faleceu por volta de 1935, e com sua morte desapareceu o terreiro do Tuntun, porém a tradição do culto a Baba Olokotun continuou através de seu sobrinho Arsênio Ferreira dos Santos, que possuia o título de Alagba, este migrou para o Rio de Janeiro levando o assento de Baba Olokotun para o município de São Gonçalo. Depois do falecimento de Arsênio, os assentos dos Baba retornaram para Bahia, através do atual AlapiniDeoscoredes M. dos Santos, conhecido como Mestre Didi Axipá, presidente da Sociedade Cultural e Religiosa Ilê Axipá. Mestre Didi foi iniciado na tradição do culto aos Egungun por Marcos e Arsênio.
  • Terreiro do Corta-Braço, na Estrada das Boiadas, ponto de reunião de praticantes da capoeira, atualmente bairro da Liberdade, cujo chefe era um africano conhecido como Tio Opê. Um dos Ojé, sacerdotes do culto aos Egungun, conhecido como João Boa Fama, iniciou alguns jovens na Ilha de Itaparica, que se juntariam com os descendentes de Tio Serafim e Tio Marcospara fundarem o Ilê Agboulá, no bairro Vermelho, próximo à Ponta de Areia.
Outros terreiros de Egungun foram registrados no final do século XIX, um localizado em Quitandinha do Capim, que cultuava os Egun Olu-Apelê e Olojá Orum, o de Tio Agostinho, em Matatu que se tornou ponto de concentração de vários Ojés de outras casas inclusive o Alapini Tio Marcos, o Terreiro da Preguiça, ao lado da Igreja da Conceição da Praia.
  • Ilê Babá Agboulá, Localizado em Ponta de Areia, na Ilha de Itaparica, o Ilê Agboulá é, hoje, no Brasil, um dos poucos lugares dedicados exclusivamente ao culto dos Egun. Sua fundação remonta ao primeiro quarto do século XX porEduardo Daniel de PaulaTio OpêTio Serafim e Tio Marcos, mas a comunidade que lhe deu origem e que lhe mantém os fundamentos está estabelecida na Ilha, como já vimos há cerca de duzentos anos.

Hierarquia

Nas casas de Egungun a hierarquia é patriarcal, só homens podem ser iniciados no cargo de Ojé ou Babá Ojé como são chamados, essa hierarquia é muito rígida, apesar de existirem cargos femininos para outras funções, uma mulher jamais será iniciada para esse cargo.
Masculinos: Alapini (Sacerdote Supremo, Chefe dos alagbás), Alagbá (Chefe de um terreiro), Atokun (guia de Egum), Ojê agbá (ojê ancião), Ojê (iniciado com ritos completos), Amuixan (iniciado com ritos incompletos), Alagbê (tocador de atabaque). Alguns oiê dos ojê agbá: Baxorun, Ojê ladê, Exorun, Faboun, Ojé labi, Alaran, Ojenira, Akere, Ogogo, Olopondá.
Femininos: Iyalode (responde pelo grupo feminino perante os homens), Iyá egbé (cabeça de todas as mulheres), Iyá monde (comanda as ató e fala com os Babá), Iyá erelu (cabeça das cantadoras), erelu (cantadora), Iyá agan (recruta e ensina as ató), ató (adoradora de Egun). Outros oiê: Iyale alabá, Iyá kekere, Iyá monyoyó, Iyá elemaxó, Iyá moro.

Ritual

Tanto a tradição Nagô como a Jeje e a Congo-Angola cultuam os ancestrais. Para os Nagôs existem no Brasil três formas de cultuar os ancestrais, os Esa, os Egungun e as Iya-mi Agba.
Os terreiros de Candomblé possuem um local apropriado de adoração do espírito de seus mortos ilustres, esse local é denominado de Ilê ibo aku, casa de adoração aos mortos, enfim todos iniciados no culto aos Orixás.
Os Esa são considerados os ancestrais coletivos dos afro-brasileiros. Seu culto se refere à comunidade em geral. O que destaca o Esa é o fato dele ter-se destacado em vida por servir a comunidade e de continuar atuando em outro plano, contribuindo para o bom desenvolvimento do destino dos fiéis e da casa. O Ilê ibo aku onde são assentados e cultuados os Esa é afastado do templo onde são cultuados os Orixás.
Os sacerdotes que são iniciados especialmente para cuidar do Ilê ibo aku não são adoxu, isso é, não manifestam Orixá. Os ancestrais cultuados no Ilê ibo aku são diferentes dos cultuados no Culto aos Egungun, no primeiro são os espíritos dos falecidos da casa de Candomblé e o segundo são os ara-orun em geral e aos espíritos dos Ojé africanos ou brasileiros.
Os Esa são invocados e cultuados em diversas situações, especialmente no padê, e no axexê quando é constituído o assentamento de um adoxu ou dignitário ilustre falecido. O assento de Esa se caracteriza pela representação da existência genérica, e o Egungun pela representação do espírito individualizado, o Egungun se caracteriza pela aparição no aiyê. Os Esa e os Egun são invocados no padê.

Calendário Litúrgico

Calendário Litúrgico do Ilê Agboulá (obtido do Projeto Egungun)
As festas e obrigações obedecem, no Ilê Agboulá, a um bem elaborado calendáriolitúrgico. E durante essas festas podem ocorrer rituais não periódicos e não obrigatoriamente integrados no calendário, como iniciação de novos Amuixan ou de novos Ojé, ou mesmo obrigações e oferendas de outros titulados da comunidade. Mas o calendário, mesmo, obedece ao seguinte:
Janeiro - Em janeiro, por ocasião do Ano Novo, as obrigações transcorrem até o dia nove. Esses rituais começam com uma obrigação para Onilê seguida de outra para Babá Olukotun. Junto com esta são celebradas as cerimônias anuais em homenagem a Babá Alapalá e Babá Ologbojô.
Fevereiro - em fevereiro, começando no dia 2 e se estendendo por duas semanas, ocorre uma festa muito especial, principalmente porque a comunidade de Itaparicavive do mar e para o mar. É a festa de Yemanjá e Oxum, orixás das águas, e deOxalá, o orixá da criação.
Junho - em junho, na época do São João, realiza-se as festas de Babá Erin, que é oEgungun do Sr. Eduardo Daniel de Paula, fundador da Casa. As festas se realizam por ocasião do ciclo de Xangô, que era o orixá do Sr. Eduardo. E atingem grande brilhantismo porque entre a comunidade do Ilê Agboulá, que é descendente do povo de Oyó, a veneração a Xangô é muito forte.
Setembro - De 7 a 17 de setembro ocorrem as festas de Babá Agboulá. Por essa época é que é feita a colheita dos primeiros frutos na Ilha de Itaparica, sob a proteção de Babá. E isto é muito importante pelo fato de até bem pouco tempo a Ilha de Itaparica ter sido o grande fornecedor de frutas para a cidade de Salvador.

Vídeo do YouTube

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Eu assisti uma festa de Eguns em Itaparica


Dany
Depois do Reveillon à base de fome, muitas coisas boas nos aconteceram e abaixo um relato que escrevi logo ao voltar de viagem onde mostra tudo que eu senti, sinto e jamais poderei colocar apenas em palavras:

A volta no tempo na Ilha de Itaparica (06/01/2009)
Ile Axe Tuntum

Acredito que nada seja ao acaso, que lá no fundo alguém (ou algo) nos guia para os caminhos que devemos seguir e nos mostra que nem sempre o que queremos, da forma que queremos, é o melhor para nós…
Dificilmente viajamos na época de reveillon por questões de locais lotados, falta de água, inflação, filas, etc. mas desta vez resolvemos inovar e este relato começa quando nós decidimos fugir do convencional e viajar para Salvador.
Após passarmos um reveillon com amigos que não foi muito feliz, regado a brigas familiares deles e uma virada dormindo e sem ceia, decidimos ficar em um hostel próximo à praia da Barra onde conhecemos pessoas maravilhosas e que foram essenciais para nossa aventura que tenho certeza marcou para sempre nossas vidas.
Ao chegarmos, aproveitamos para conhecer a região e descansar após o stress  da virada, pesquisando quais pontos turísticos iríamos conhecer nos últimos 4 dias de nossa viagem. Na realidade, Marcos iria embora antes, por isso 4 dias juntos, mas para mim ainda seriam 6 dias.
Pesquisando junto ao hostel e na internet, definimos que gostaríamos de conhecer a Praia do Forte, onde tem o projeto Tamar que eu sou apaixonada; a Ilha de Itaparica, com suas praias maravilhosas; algumas feiras locais onde poderíamos comprar itens a ser utilizados em nosso dia-a-dia na religião e a praia da região, pois um de nossos dias estava comprometido com o Candomblé de Oxalá, no Ilê Axé Oxumarê, casa de meu Babalorixá, Babá Pece de Oxumarê.
Após nossas típicas discussões, onde eu queria ir primeiro à Praia do Forte, ver as benditas tartaruguinhas e Marcos querendo ir à Ilha de Itaparica, decidimos ir à Ilha no dia seguinte. Marcamos de acordar 7:30 e sair bem cedo, pois o destino era longe e queríamos aproveitar o máximo.
Por coincidência, no hostel havia uma revista com uma pequena reportagem sobre a Ilha de Itaparica, com uma citação apenas de endereço e telefone de uma casa de Culto à Babá Egun na praia de Ponta de Areia, culto à ancestralidade, presente no candomblé e de fundamental importância.
Sempre tive a curiosidade de conhecer o culto, conhecia através de um documentário a casa de Babá Agboulá, mas uma aura de suspense sempre cercou o fato, onde nunca sabíamos qual informação era correta, o que realmente procedia, e de que forma a coisa acontecia, desta forma, fiquei com a revista, intencionando ligar ou mesmo ir ao endereço no dia seguinte, tentando obter maiores informações corretas sobre o culto.
Mas tudo, que começou errado, tinha uma justificativa e somente agora sei o porquê.
Acordamos tarde, 8:20, estávamos cansados e dormimos mais do que havíamos planejado. Tomamos um banho rápido e café no hostel, aproveitando para pegar as últimas coordenadas de como chegar ao ferry boat, ônibus locais, etc.
Pegamos o ônibus indicado e corremos ao ferry, onde teríamos barcos apenas de hora em hora, tentando assim pegar o das 10h, pois com a travessia, chegaríamos à Ilha apenas as 11:10, mas no caminho percebi que havia esquecido a revista e a oportunidade de conhecer mais de perto o famoso culto ao Babá Egun. Decidi ligar no hostel e pedir que pegassem a revista em meu quarto, assim poderia pegar o endereço e ainda arriscar, estava curiosa e aquilo não me faria desistir facilmente. O atendente pediu que eu ligasse em alguns minutos para que ele me passasse os dados, mas por problemas com outros hóspedes, quando liguei ele ainda não havia conseguido os dados e eu fiquei muito triste.
Como estava com celular, passei uma mensagem sms ao meu pai e à uma amiga, pedindo se eles poderiam pesquisar no google e quem sabe encontrar o endereço para mim. Minha amiga estava de folga e sem acesso à internet, mas meu pai pesquisou e me mandou duas mensagens de volta, uma com o endereço de uma casa na Praia de Amoreiras e outra com o endereço de uma casa no Bairro Barro Branco, mas nenhuma das duas era a que eu tinha pensado em conhecer inicialmente… Fui pensando em como arquitetar a visita e matar a curiosidade que me cercava a tanto tempo.
Chegada à Ilha de ItaparicaFinalmente conseguimos pegar o ferry das 10h e fizemos a travessia com a paz das águas claras que nos cercavam. Ao descer no ferry de Itaparica, tentávamos descobrir como fazer para pegar as peruas que fazem os transportes para as praias no meio da muvuca de mais de 200 pessoas que também sairam do ferry, quando vejo as mesmas e mais muvuca ainda para pegá-las.
Ao chegar perto da perua que nos levaria à praia de Amoreiras, pois era a única que eu reconhecia o nome nas placas, me aproximei tentando entrar e duas pessoas furaram a fila, entrando em minha frente, tomando assim os últimos 2 lugares na perua que ali estava. Fiquei muito chateada pois parecia que só tinham aquelas duas e eu, que estava num local desconhecido, fiquei perdida. Em questão de alguns minutos, um garotinho me perguntou: “Tia, vai pra ponta de areia, amoreira, centro ? Tem uma perua ali que já vai sair!” elá fomos nós correndo afim de não perder mais um transporte e ficar com a mesma cara de cachorro perdido em mudança…
A perua ainda estava vazia e por questão de conforto, resolvi sentar ao lado do motorista, assim poderia pedir maiores informações sobre onde descer etc.
Ao perguntar ao motorista, Pedro, sobre a praia de Amoreiras, ele gentilmente nos informou sobre a localização, qual a melhor parte a ficar e começou a conversar com aquela gentileza baiana que só quem esteve na Bahia sabe do que estou falando.
Neste momento, me lembrei da mensagem enviado por meu pai e perguntei à Pedro sobre o bairro do Barro Branco, onde ficava. Ele com uma feição muito ressabiada, de quem pensa, o que essa branquela vai fazer naquele local, me olhou e perguntou onde eu queria ir naquele bairro. Fiquei sem jeito de falar claramente meu objetivo, pois além do fato de nossa religião, Candomblé de Orixás, ser super discriminada e mal difundida, o Culto de Babá Egun é mais ainda, pois muitos o vêem como o culto ao diabo, aos demônios, à morte. Apenas respondi: “Sei que lá existe uma casa de Culto Africano e tenho curiosidade em conhecer”. Foi o suficiente para aquele negro gentil me abrir um sorriso e contar que aquela casa ao qual estávamos procurando era de seu tio, que seu avô era o herdeiro inicialmente, mas falecido, havia passado o cargo e a responsabilidade à seu tio, Paulo. Ai sim, nos contou de sua vida, que havia morado em SP, que não era do Culto pois não se achava responsável o suficiente e também da quantidade de casas de Candomblé de Orixá e Culto à Baba Egun que existem na Ilha de Itaparica.
Perder o horário, a balsa, a perua anterior, tinham um motivo, cruzar nosso caminho com Pedrinho e seu sorriso simples de um trabalhador honesto.
Ele se propôs à desviar seu caminho após deixar o último passageiro e nos levar até o local onde a esposa de seu tio trabalha na praia vendendo acarajés, afim de nos apresentar, mas ele não estava junto à ela e Pedrinho nos levou até a casa do mesmo.
 Ele havia acabado de chegar e Pedro foi conversar com ele a sós sobre nós e sobre o que nós queríamos.
Paulo era seu nome, que nos acolheu em sua simplicidade sem saber quem éramos ou de que buraco havíamos saído. Nos pegou em seu carro e nos levou até a tão famosa casa de Babá Olokotúm, onde conhecemos o barracão, o terreno da casa e os fundamentos, apenas pela parte de fora, pois somente os ojés podem entrar naquele espaço sagrado. Aquele espaço realmente tinha alguma coisa de diferente, pois a energia do local era perceptível ao mais leigo dos seres humanos.
Após conhecermos o local e conversarmos um pouco com Paulinho, soubemos que a forma de consulta com o Culto à Babá Egum é através de um Osé e que Paulinho se dispôs a fazer para nós caso quisessemos. Combinamos de fazer então no final da tarde, sem saber exatamente o que nos esperava.
Em nossas conversas com Paulinho, contamos que iríamos embora eu no dia 06 e Marcos no dia 05. E ele comentou, já nos convidando, para a Festa de babá Olokotúm, que seria no dia 05 a noite. Ficamos super excitados com a possibilidade de ver de perto um culto assim tão fechado e misterioso.
Fomos para a praia de Amoreiras, passar o dia, conhecer o local e esperar o dia passar até a hora de nossa consulta.
Neste momento conhecemos a esposa de Paulinho, Eliete, moça sorridente que vende acarajés na praia (deliciosos)e que nos acolheu prontamente como amigos de muitos anos.
O trecho da praia que ficamos era bem bonito, mas algo começou a nos irritar profundamente: os carros na beirada da calçada com os porta malas abertos e músicas regionais tocando ao máximo volume possível. Como Marcos não estava vestindo algo que pudesse aproveitar melhor a praia, estávamos com pouco dinheiro e estávamos com fome, resolvemos dar uma volta, procurar algum local pra comer que aceitasse cartão de crédito e tentar comprar uma bermuda mais adequada para ele vestir.
Encontramos bermudas à venda na Padaria (risos) o que nos ajudou na primeira parte do problema, mas o maior era comer com cartão de crédito na Ilha. Após andarmos um pouco, fomos parar em um quiosque que aceitava cartões e finalmente pudemos pedir algo para beber e comer.
Enquanto aguardávamos a comida, falávamos sobre como tudo aconteceu, o que era pra ser uma simples ida à praia, havia se tornado em algo místico e sem palavras. Quando de repente, vimos o cozinheiro do barraca sair correndo para fora da mesma e um barulho de vazamento  muito alto que vinha da área da cozinha.
Todos saímos correndo, pois vimos que era a mangueira do butijão de gás que havia se soltado e o gás escapava, correndo o risco de uma explosão. Foi um susto imenso, largamos mala, sapatos, óculos, tudo sobre a mesa com o medo de algo acontecer.
Quando finalmente o dono do quiosque conseguiu solucionar o problema, disse para o povo “Aí gente, pq tanto medo, foi só uma mangueirinha!”, e depois dessa decidimos ficar sem comer e voltar pra barraca da Eliete, aguardando o horário combinado com Paulinho.
Ele chegou no horário marcado, nos pegou e nos levou de volta ao barracão, onde juntamente com o Ojé Miguel, fizeram com que Marcos preparasse o osé. Enquanto eles levavam o osé para o espaço sagrado, ficamos sentados do lado de fora do barracão, quando não foi nossa surpresa, sermos recepcionados por um Babá Egum que veio conversar conosco em decorrência do osé.
Centro de ItaparicaApós nossa conversa com Babá, que esclareceu que não estávamos ali por acaso, Miguelzinho nos levou de moto para conhecer o restante da Ilha, esperançosos de que Marcos conseguisse trocar a passagem dele e pudéssemos ir à festa.
Éramos pura emoção e sentimento. Ali mesmo ligamos para a cia aérea e solicitamos a troca da passagem dele, para irmos à festa juntos.
Voltamos para Salvador igual duas crianças que acabaram de ganhar o primeiro brinquedo.
Na segunda feira, dia 05, saímos de Salvador à noite, rumo à Ilha, para a Festa. Ao chegarmos no barracão, onde muitas pessoas já estavam aguardando, fomos recepcionados por Paulinho e sua esposa, que nos trataram como se fôssemos amigos de longa data.
E a festa começou, rezas e cântigos, muitos desconhecidos, alguns do meu conhecimento.
Babás no barracão, dançando e conversando com os presentes, Aparakás fazendo travessuras e coisas que se eu não tivesse visto, nunca acreditaria serem possíveis de acontecer. Mas meu foco aqui não é contar nenhum segredo que vi ou ainda esclarecer aquelas dúvidas frequentes de ter ou não ter alguém ali presente, como é possível, e sim, mostrar a alegria que vi em cada um dos rostos ali presentes, o respeito, a dignidade de pessoas que estavam ali,  perdendo uma noite inteira, trancados em um barracão abafado, cantando, batendo palmas e mais que qualquer sentimento, felizes.
Durante a festa propriamente dita, eu não entendia muita coisa, então foquei nas pessoas ali presentes, vendo uma a uma as expressões, a forma de cantar e o respeito pela entidade ali presente.
Ando muito decepcionada com o mundo do Candomblé de Orixás, pois o grande foco foi perdido, a simplicidade, o cultuar orixá,a beleza pelo simples e pelo belo.
Atualmente, nosso povo brilha mais que um orixá na sala, usam roupas que muitas vezes não transmitem a realidade daquela pessoa, fios de conta cada vez maiores para mostrar que são poderosos, torsos enormes que muitas vezes se tornam ridículos de tão grandes… e tudo isso por um motivo apenas: dinheiro e a subversão que ele causa.
Centenas de Babalorixás e Iyalorixás se vendem, inventando coisas desnecessárias, simplesmente para arrecadar dinheiro de pessoas que vêm à sua procura, muitas vezes em situação desesperadora.
Estou cansada de ver pessoas velhas do Santo, que por serem simples no mode de vestir ou agir, acabam sendo massacradas e colocadas nos cantinhos dos barracões (isso quando o são), enquanto os bate-bolas (carinhosamente por nós assim apelidados em decorrência dos bate-bolas cariocas que saem no carnaval desfilando suas fantasias imponentes, sem mostrar quem realmente são) ocupam o lugar de elite, recebendo cadeiras e mimos, apenas por estar com roupas chamativas ou fios de conta gigantescos.
Quantas e quantas vezes não vi estes bate-bolas dançando com um orixá no barracão, sem deixar espaço para que eles pudessem dançar, ou ainda teoricamente acompanhando o orixá o bate-bola se prostra em frente aos atabaques, dançando igual à um festival turco da fertilidade, qdo o coitadinho do santo fica ali espremido, sem poder sequer ser o que ele é, o dono da festa.
Muitas vezes, Babá falava algo e as pessoas em alvoroço que conversavam, eram surpreendidas por qualquer pessoa ali presente solicitando silêncio pois Babá tinha a palavra. E todos se calavam. Ali, ao contrário do que acontece em nossos candomblés de Orixá atualmente, o dono da festa era quem brilhava, quem era reconhecido, valorizado e respeitado.
Ao conversar com as pessoas durante a festa, para tentar entender qual Babá estava na sala, o que cantavam para ele e o porquê, fiquei sabendo que a festa era exatamente naquele dia, pois começando no dia 05 de Janeiro, viraria a noite toda, acabando na manhã do Dia de Reis, 06 de janeiro, única data que babá Olokotúm vem à terra para nos dar o prazer e o axé da ancestralidade ali presente. 
Festa de Babá Olokotúm - Dia de Reis

O dia amanhaceu como uma criança que desperta de um sono calmo e feliz, mas faltava o rei da festa chegar até nós afinal. E para minha surpresa, o final da festa se dá fora do barracão, que até o momento estava fechado afim de evitar o contato das pessoas com as entidades que estavam soltas no terreno, onde todos saímos e as pessoas, cantando felizes, sem se importar se vestiam roupas de richelieu, de chita, se eram brancas ou negras, se tinham um sorriso perfeito ou faltavam-lhe dentes, saiam dançando com ramos de folhas em homenagem aos reis que ali viriam, a festa de reis.
Neste momento, foquei uma moça que o tempo todo estava presente, desde o episódio da praia, pois ela trabalha com Eliete vendendo os acarajés, até aquele momento sublime, pois ela dançava e cantava como se fosse a última coisa que faria em sua vida, diversas vezes me puxou para o meio do povo, e eu tímida, sempre fugia. Esta moça, que durante toda a noite, respondeu a Babá, cantou, rezou, sem nenhuma demonstração de cansaço, me surpreendeu quando em uma conversa fora do barracão disse que, quando sobrasse um dinheiro, iria comprar um par de pargatas(chinelo, alpargatas, havaianas) para o filho parar de andar descalço. Uma mulher trabalhadora, que sobrevive aos trancos e barracos, sem uma sobra de dinheiro para comprar um chinelo ao filho, mas que ali, independente de quaisquer problemas pessoais que ela tivesse, estava feliz a tal ponto, que não sei descrever…
E esta felicidade, fazia parte de cada pessoa ali presente, aquele momento era único e tenho certeza que não fui parar ali por acaso.
Aquelas demonstrações de simplicidade, onde pessoas comuns lutam pra sobreviver, tem seu trabalho, simples como uma pessoa que vende acarajé(Eliete), um moto-táxi (Miguel) ou ainda um taxista (Paulinho, o herdeiro da casa mais velha do Brasil de culto à Babá Egum), mas que vêem no culto à ancestralidade, o significado de porquê estamos aqui e que não é o brilho, o dinheiro, a fama, a soberba, que nos tornará mais felizes.
Eu acredito que Babá Egum existe e que é capaz de transformar a vida de uma pessoa, eu sou a prova viva deste fato, onde tudo começou por acaso e acabou transformando meu coração!
Paulinho, Miguelzinho, Eliete, Pedrinho, à todos vocês, meu respeito sempre.
Que Babá Olokotúm nos tragam sempre esta felicidade, que sai lá do fundo de nossos corações, transpassando nossas almas.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A foto do menino negro que fala de como vemos um menino negro




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Um menino observa os fogos na virada de ano novo em Copacabana. © Fornecido por El Pais Brasil Um menino observa os fogos na virada de ano novo em Copacabana.
Um menino negro, na beira do mar, admira de olho grande e boca aberta os fogos da virada do ano na praia de Copacabana. Está aparentemente sozinho, veste uma bermuda molhada, com os pulsos entrelaçados na altura do umbigo, enquanto em outro plano, na areia, a massa vestida de branco comemora a entrada de 2018. Alguns dão as costas ao menino, ao mar e aos fogos para tirar suas selfies, e outros comemoram absortos o espetáculo. A imagem em preto e branco, tirada pelo fotógrafo Lucas Landau para agência Reuters, está tomando as redes sociais de milhares de brasileiros com infinidade de legendas diferentes. A fotografia fala de um menino negro de nove anos numa praia durante uma festa, mas, vista a repercussão, fala também de como a interpretamos.
Os primeiros compartilhamentos da foto, que originalmente foi enviada em cores à agência, viram nela da “invisibilidade do nosso cotidiano” à “imagem da exclusão social”. Muitos enxergaram um menino perdido, pobre, assustado, sendo ignorado pela massa branca. Viu-se até a imagem das “consequências do golpe” e foi um “soco no estômago” de outros tantos. “Essa é a nossa humanidade hipócrita”, “que essa imagem sirva de reflexão para o que podemos ser em 2018: mais sensíveis, mais tolerantes, mais inclusivos”, “de um lado o encanto. Do outro a indiferença”, legendavam os internautas. Houve também quem, fugindo da interpretação racial, viu a autenticidade de uma criança curtindo o espetáculo enquanto os adultos davam as costas à pirotecnia para tirar seu melhor autorretrato. E também quem aproveitou a imagem e criou memes exaltando pautas da esquerda.
Enquanto a foto viralizava, ativistas do movimento negro lançavam uma outra questão: enxergaríamos essa foto da mesma maneira se o protagonista fosse um menino branco e loiro?
“O problema não é a foto, é a interpretação dela, do seu contexto. As pessoas que olham aquela foto estão pré-condicionadas a entender que a imagem de uma pessoa negra é associada a pobreza e abandono, quando na verdade é só uma criança negra na praia. Essa precondição é racismo estrutural, que vem da má educação do povo brasileiro sobre ele mesmo”, lamenta o escritor Anderson França.
França vê nesta foto o "fetichismo do preto, assim como há fetichismo pelo nazismo, fetichismo pelo oprimido assim como há fetiche pelo opressor". “Usamos o discurso incoerente de que estamos preocupados com a dor dele, mas na verdade nós sentimos prazer. Por isso nós escrevemos embaixo da foto textos enormes elucubrando sobre o abandono daquele menor, quem possivelmente seria o pai ou a mãe, por que ele fugiu, por que ele passa fome... Nós fetichizamos o sujeito. E ainda há quem queira um souvenir: comprar a foto. Mas não estão comprando a foto, estão comprando o que pensam sobre a foto”.
A foto original enviada por Lucas Landau à agência Reuters. © Fornecido por El Pais Brasil A foto original enviada por Lucas Landau à agência Reuters.
Sob o apelo “Parem com os estereótipos de crianças negras”, Mayara Assunção, do Coletivo Kianda, um grupo de mulheres negras que discute maternidade, arte, educação e cultura, escrevia: “Eu vejo uma criança que parou para olhar a queima de fogos no meio de uma festa. Sinceramente, nós temos que parar de achar que todo menino negro e sem camisa está abandonado, triste, sozinho, infeliz e contrastando com a felicidade dos outros. Temos que parar de achar que todo menino sozinho é criança que vive em situação de rua. Temos que parar de achar um monte de coisas. Inclusive, que é legal expor nossas crianças para a branquitude começar o ano com pena e compaixão de nós. Ah, por favor né, a gente tem essa mania horrível de reforçar os estereótipos de nossas crianças: ‘Que pena!’, ‘É o retrato do Brasil!’, ‘Imagem muito impactante, reforça as desigualdades do país’. Parem! Vocês nem sabem quem é aquele menino. E vocês não querem saber também. Para 2018, menos estereótipos para crianças negras por favor.”
Suzane Jardim, educadora e historiadora e cuja reflexão sobre a repercussão da imagem foi compartilhada mais de mil vezes, sustenta que “a questão é perceber como o corpo negro deixa de ser dotado de individualidade para se tornar um símbolo que dialoga com a culpa de pessoas que o percebem como inferior na primeira olhada”. E alerta: “Não há na imagem qualquer indicação de status social, precariedade ou abandono. Há uma criança sem camisa no mar observando fogos de artifícios maravilhada em uma imagem que de fato é bela, mas nada diz sobre questões sóciopolíticas”. Para Jardim “dar a essa imagem esse caráter de 'retrato da desigualdade' é presumir pela corporeidade do sujeito (no caso criança, negra, sem camisa) que ali há precariedade e sofrimento, o que só pode acontecer em uma sociedade que liga a negritude a esses elementos”.
O fotografo, que preferiu não ampliar o debate com a reportagem até encontrar a família da criança, não sabe o nome do menino. Nem se estava sozinho. Nem se era do Rio. Nem se mora num condomínio de luxo ou numa favela. "Eu estava a trabalho fotografando as pessoas assistindo aos fogos em Copacabana. Ele estava lá, como outras pessoas, encantado. Perguntei a idade (9) e o nome, mas não ouvi por causa do barulho. Como ele estava dentro do mar (que estava gelado), acabou ficando distante das pessoas. Não sei se estava sozinho ou com a família”, disse Landau em seu perfil de Facebook. A fotografia, como completou Landau, abre margem para várias interpretações. “Todas legítimas, ao meu ver. Existe uma verdade, mas nem eu sei qual é”. O fotógrafo foi criticado por expor a criança sem o consentimento dos pais e oferecer seu e-mail a quem se interessou em comprar a fotografia. Landau nega: “Nada foi comercializado por mim, e nem será, sem a autorização da criança e dos responsáveis”.

Pessoas virando as costas para a pobreza ou apenas uma criança?

A complexidade do debate que uma única foto alimentou se explica pela situação atual do país, segundo o psicanalista Tales Ab’Saber, autor do livro Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica. “A foto tem uma vida própria. O movimento negro se inquieta com o clichê e a redução do papel do negro e a esquerda branca –e negra– vê nessa imagem o risco da cisão social brasileira, num tempo em que isso está de volta na pauta política. Vê pessoas festejando a vida e virando as costas para a pobreza, para nossa realidade”, explica Ab’Saber. “São duas correntes progressistas diferentes olhando em níveis diferentes, e a imagem fala das duas. As duas questões importam, não são excludentes”.
O fotógrafo e jornalista Fernando Costa Netto, proprietário da Doc Galeria de fotojornalismo e fotografia documental, enxerga o poder da imagem, “a fotografia com capacidade para mudar a vida de uma pessoa”. “É a fotografia derrubando presidentes, denunciando superlotação em hospitais, documentando as barbaridades das guerras ou mostrando o que a gente já sabe, o abismo entre os de branco e o pequeno sem camisa nessa foto do Lucas. Mesmo que a foto aponte outra coisa quando encontrarem o menino, o Brasil está muito bem espelhado pela foto em Copacabana”, avalia Netto. “Nós estamos aqui discutindo a força e o papel da fotografia, preconceito, o réveillon no Rio, a estética, a emoção, o documento, questionando... A fotografia está cumprindo o papel”.

União Estável

União estável e casamento têm mesmo regime de herança, decide STF

A decisão abrange abrange tanto casais heterossexuais quanto homossexuais

São Paulo – Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 10, que as uniões estáveis – de casais heterossexuais e homossexuais – têm o mesmo regime de herança dos casamentos.
Ao julgar dois casos de repercussão geral, os ministros firmaram o entendimento de que é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no Código de Processo Civil.
Para preservar a segurança jurídica, o julgamento não desconstituirá partilhas que já tenham sido julgadas ou acordadas por escritura pública. Um dos processos dizia respeito a uma união homoafetiva que durou quarenta anos. Um motorista de Porto Alegre recorreu ao STF depois de o Tribunal de Justiça gaúcho lhe conceder apenas um terço da herança do companheiro.
Na disputa pela partilha de bens com a mãe do falecido, o motorista pediu que fosse aplicado o previsto para a herança de cônjuges – 50% para o marido e 50% para a mãe, no caso. No entanto, o TJ-RS recorreu a um artigo do Código de Processo Civil referente à herança de uniões estáveis – um dispositivo que foi considerado inconstitucional pelos ministros do STF nesta quarta-feira.
“O artigo 1.790 é, em última análise, inconstitucional porque viola os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Essa é uma questão de segurança jurídica, e não do casamento ser hierarquicamente superior à união estável”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, que abriu a divergência.
Barroso foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e pela presidente do STF, Cármen Lúcia. Em sentido contrário se posicionaram os ministros Ricardo Lewandowski e o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello.
“A Constituição não equaliza regimes que dizem respeito a institutos diferentes. Entender de modo diverso, igualando casamento e união estável, em especial no tocante ao direito sucessório, significa, além do prejuízo para os sucessores, desrespeitar a autonomia do casal, quando da opção entre os institutos, em eleger aquele que melhor atendesse à pretensão do núcleo familiar”, disse Marco Aurélio.
“Não cabe ao Judiciário, após a escolha legítima pelos particulares, sabedores das consequências, suprimir a manifestação de vontade com promoção de equiparações”, completou o ministro.
Família
Mesmo reconhecendo que casamento e união estável são institutos diversos, o ministro Alexandre de Moraes frisou que o centro da questão é a “proteção à família”.
“Não me parece estarmos respeitando nem a igualdade muito menos a solidariedade ao privar um companheiro de aproximadamente 40 anos de convívio, privá-lo do que seria o seu direito, o seu quinhão na herança, tão somente por não ter o papel passado, o casamento por papel”, disse Moraes.
Na sessão plenária desta quarta-feira, os ministros também concluíram um outro julgamento de questão semelhante, mas que girava em torno de um casal heterossexual que manteve uma união estável por nove anos.
Em agosto de 2016, já havia sido formada maioria no STF para que uniões estáveis de casais heterossexuais tivessem a mesma regra de herança de casamentos. Ao concluir o julgamento dos dois casos, o STF estendeu agora o entendimento para as uniões homoafetivas.