Conceito e exemplo prático de desclassificação: A palavra desclassificar, utilizada no Código de Processo penal Brasileiro, tem o sentido de mudar a classificação jurídica do crime, mudar a imputação inicial, operar uma mutatio ou emendatio libelli, que se opera e verifica por vários modos, quer por errônea classificação jurídica do Ministério Público na denúncia, quer por errônea avaliação dos fatos, quer por mudança dos fatos durante a instrução criminal.
Imaginemos o seguinte exemplo. Antonio dos Anzóis foi denunciado por tentativa de homicídio, por desferir várias facadas contra Francisco Nelson Fagundes. No transcorrer da instrução, o magistrado fica convencido que o animus de Antonio não foi o de matar (animus necandi), mas o de lesionar o inimigo (animus laedendi), tendo em vista que as testemunhas ouvidas na instrução criminal declararam que após ter ferido levemente a vítima, o acusado deixou o local sem desferir mais nenhum golpe, embora pudesse ter produzido na vítima o resultado morte. Neste caso, deve o magistrado desclassificar, isto é, mudar a tipificação jurídica dos fatos. Realizada esta primeira operação, deve o magistrado enviar os autos do processo ao juízo competente.
Procedimento e cautela do juiz na desclassificação do crime de competência do Tribunal do Júri: É necessário, no entanto, fazer algumas indagações: a) como o magistrado desclassifica a infração?; b) qual o juízo competente, agora para conhecer do processo?; c) Qual o procedimento a ser seguido no juízo que vai receber os autos do processo?
Respondendo a primeira pergunta, achamos que o juiz deve ser prudente e moderado ao desclassificar a infração penal que não é da competência do Tribunal do Júri, como ocorre com a sentença de pronúncia. E por uma questão muito simples. Imaginemos que ao chegar ao juízo competente, o juiz recipiente suscite um conflito negativo de competência e o Tribunal dê provimento a este conflito, declarando competente o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri. Ou ainda, se o Ministério Público ou a defesa, interpuserem um recurso em sentido estrito, ensejando a retratação do próprio juiz ou a reforma do tribunal. É conveniente que o juiz use a mesma linguagem moderada e prudente da decisão da pronúncia. Em segundo lugar, o magistrado, deve ter muito cuidado ao desclassificar uma infração da competência do Tribunal do Júri, de modo a não privar o acusado do seu juiz natural nos crimes contra a vida. –.(STJ, 5.ᵃ T., REsp 249.604/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 24/09/2002, DJ 21/10/2002). Com efeito, é muito tênue a linha que separa o homicídio teleológico, do latrocínio, da tentativa de homicídio das lesões corporais, do homicídio simples ou qualificado da lesão qualificada pelo resultado morte.
Por fim, qual o juízo competente, agora para conhecer do processo? O juízo se dará de acordo com as regras de organização judiciária, sendo indispensável à redistribuição do processo. Poderá ser uma vara criminal, uma vara especializada em acidentes de trânsito, e até mesmo o Juizado especial criminal. O procedimento adotado pelo magistrado ao receber os autos do processo, não vem descrito na lei processual, mas a doutrina entende, que deve ser o mesmo da mutatio libelli (art. 384 do Código de Processo Penal).
Desclassificações no âmbito do Tribunal do Júri: Temos três tipos diferentes de desclassificação no âmbito do Tribunal do Júri: a) iniciado o processo por um juiz, e este descobrir ser incompetente, remeterá a outro juiz o processo (art. 74, § 2º). Por exemplo: o Juiz que julgando, homicídio doloso, descobre que o crime foi culposo, ao desclassificar a infração penal, envia para o juiz competente. Este tipo de desclassificação não difere de outras desclassificações no juízo comum. Ora, se um magistrado está julgando um delito de trânsito, ou mesmo um crime de incêndio doloso, e descobre que na realidade foi um crime doloso contra a vida, enviará os autos ao juiz competente (no caso o Juiz-Presidente do tribunal do Júri); b) se a desclassificação se opera na fase da preparação do julgamento pelo Juiz da pronúncia, desclassificando crime que não é da alçada do júri, este envia os autos para o juiz competente, reabrindo-se o prazo para a defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se na forma do art. 384 do Código de Processo Penal; c) a desclassificação é feita pelo próprio júri ou jurados: nesta hipótese, temos dois tipos diferentes de desclassificação:
1) desclassificação própria: quando afastada a figura penal, não se decide diante das respostas dos jurados sobre a existência ou não de qualquer outra figura penal, pois o Júri não especifica o nomen juris do tipo penal, alterando a classificação constante na sentença de pronúncia, assumindo o juiz presidente a capacidade decisória, pela manifestação do Conselho de Sentença. Como exemplo sempre citado pela doutrina, temos a desclassificação de tentativa de homicídio pra outro delito cujo nomem juris não é indicado no momento em que os jurados desclassificam a tentativa de homicídio, para outra infração penal. Neste caso, devolve-se ao Juiz Presidente toda a questão referente ao direito e ao fato, uma vez que os jurados não reconheceram a sua competência para julgar o acusado de crime doloso contra a vida. Quando a matéria é transferida para o juiz-presidente, este pode examiná-la e julgá-la como convém, aplicando o princípio do livre convencimento motivado, tendo em vista que o Júri declarou a sua incompetência para julgar o delito. Assim, se o processo tiver um exame pericial, o juiz pode condenar por lesões corporais graves (art. 129 § 1º do CP), por lesão leve (art. 129 do CP), por perigo para vida ou saúde de outrem (art. 132 do CP), ou mesmo absolver o acusado. Se a infração for desclassificada para lesão leve ou culposa, a vítima terá 30 dias para representar nos termos do art 89 da Lei 9099/95. Se o réu for militar, com a desclassificação do crime, seja a desclassificação própria ou imprópria, o processo será enviado à justiça militar. Com a superveniência do julgamento pelo Júri, havendo a desclassificação para lesão corporal e envio dos autos ao juízo competente< resta prejudicada a análise de indigitados vícios na pronúncia. (STJ, 6.ᵃ T., HC 103.878/MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.10/11/2009, DJe 07/12/2009)
2) a desclassificação imprópria, que se opera quando as respostas dos jurados remetem ao juiz presidente a competência para julgar como juiz singular, mas condicionado à definição de um crime fixado pelos jurados, em geral por quesitos da defesa. Por exemplo, os jurados desclassificam o delito doloso para culposo. A competência do Tribunal do Júri encerra-se quando votado quesito que culmine em desclassificação imprópria, devendo o julgamento do feito ser atribuído ao Juiz Presidente. Constatada a desclassificação, a continuidade da votação implica nulidade apenas das respostas dadas pelo Conselho de Sentença para os demais quesitos, não se fazendo necessária a anulação de toda a sessão de julgamento, sob pena de violação do princípio da soberania dos veredictos, já que, em novo julgamento, o Conselho de Sentença poderia, em tese, modificar as respostas conferidas aos quesitos formulados anteriormente à nulidade.
Absolvição dos jurados do crime contra vida e crimes conexos: Se o júri absolve o acusado do crime contra a vida, e em havendo crime conexo, surge na doutrina duas posições: a) cessa a competência do júri para apreciar o crime conexo. Aqui não é hipótese de perpetuatio jurisdicionis, passando a competência para julgar o crime conexo para o juiz presidente; b) a competência é do proprio Tribunal do Júri, por força do artigo 81 do Código de Processo Penal. Esta é a posição do STF, que entende que o júri continua competente para o julgamento das demais questões. HC 93096, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, 1.ª T., julgado em 18/03/2008, DJe-070 DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-04 PP-00887)
Desclassificação própria e crimes conexos: Na desclassificação própria, o juiz é livre pra julgar o réu, bem como os crimes conexos porventura existentes, visto que uma vez que operada a desclassificação própria do delito doloso contra a vida pelo Tribunal do Júri, caberá ao Juiz-Presidente o julgamento dos crime e dos delitos conexos, por inteligência dos arts. 492, § 2º e 74, § 3º, segunda parte, do Código de Processo Penal. (HC 75.292/RJ, rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª T., julgado em 05/06/2008, DJe 30/06/2008) Caso existam crimes conexos que não sejam da competência do júri, cabe ao Juiz presidente também apreciá-lo. Verificada a presença de crimes conexos em relação ao delito doloso contra a vida, o juiz natural da causa - incluindo aí os crimes conexos - será o Tribunal do Júri. Contudo, operada em Plenário a desclassificação própria do delito doloso contra a vida, ao Juiz Presidente competirá julgar tanto o delito desclassificado quanto os demais porventura a ele conexos. (STJ, 5.ᵃ T., HC 62.686/RJ, rel. Min. Felix Fischer. J. 01/03/2007, DJ 09/04/2007)
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