Por quem os sinos dobram: as lições do melhor livro de Hemingway
A linguagem dos sinos, como aprendi em várias passagens por cidades históricas repletas de igrejas, é cheia de nunces. Um sino pode tocar para marcar o horário de uma missa. Mas também pode fazê-lo para avisar de uma emergência, como um incêndio, chamar para um dia de procissões, avisar de um nascimento ou relatar uma morte. Nos repiques dos sinos há informações que hoje poucos conhecem. Quando os sinos começam uma canção fúnebre é possível saber se quem morreu era homem ou mulher e até a hora que será o velório.
Essa linguagem, cheia de mensagens cifradas, leva a pergunta óbvia, assim que os sinos de uma igreja começam um cântico fúnebre: por quem os sinos dobram? Ou, em outras palavras, quem morreu? O poema de John Donne, ao mostrar a conexão entre tudo que existe, deixa claro que quem morreu foi você.
“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio”. Morremos um pouco a cada morte que presenciamos.
Hemingway não poderia ter escolhido citação melhor para começar seu livro, escrito e publicado no começo da década de 1940. Na obra, que foi listada como um dos 100 melhores livros do século 20 pelo jornal Le Monde, ele conta a história de Robert Jordan, um norte-americano que vive na Espanha durante a Guerra Civil, ocorrida entre 1936 e 1939.
Ele acaba se envolvendo no conflito, do lado dos republicados, e recebe a missão de implodir uma ponte, tarefa considerada fundamental numa batalha contra os nacionalistas, que tinham o apoio do nazifascismo na Itália e na Alemanha. É bom lembrar que pouco depois começou a Segunda Guerra Mundial, conflito em que a Guerra Civil Espanhola se insere e do qual foi praticamente um prelúdio.
Toda a trama se passa ao longo de três dias, enquanto Robert Jordan, um professor que se identifica com os ideais da luta contra o fascismo, aguarda o momento para cumprir sua missão e lida com os desafios para conseguir explodir a ponte, tarefa em que ele conta com a companhia de guerrilheiros, ciganos e camponeses.
Enquanto isso, o personagem testemunha a selvageria, a violência e as mortes dos dois lados do conflito, seja por seus próprios olhos ou pelos relatos das pessoas que ele conhece, como a cigana Pilar, uma espécie de líder do grupo rebelde. Há momentos de extrema violência, com destaque para a execução de soldados fascistas pelas tropas revolucionárias.
Como em outras obras de Hemingway, o personagem principal é uma espécie de alter-ego do escritor, que também participou da Guerra Civil Espanhola, além de ter servido como motorista de ambulância durante a Primeira Guerra Mundial. Uma grande parte da beleza da obra de Hemingway está na mistura de elementos reais com ficcionais, além, claro, na forma usada para narrar os acontecimentos.
Aos 61 anos e numa manhã de julho, Ernest Hemingway acordou cedo, pegou uma arma que ele usava para caçar pombos, colocou na própria boca e atirou. Aos policiais, sua esposa, Mary, que estava dormindo na hora que ouviu o disparo, disse que a morte teria sido acidental – ela acreditava que Hemingway teria dado um tiro sem querer, enquanto limpava a arma. Só meses depois ela conseguiu aceitar que o marido tinha se suicidado.
Em Por Quem os Sinos Dobram, Robert Jordan se desfaz de uma arma que tinha sido de seu avô, que lutara na Guerra Civil Americana, e com a qual seu pai havia se matado. História parecida com a do autor, que recebeu pelo correio, enviada pela mãe, a arma com que seu pai tinha se matado e que antes pertencera a seu avô, que também lutou numa guerra.
Hemingway sempre escreveu sobre a morte e sobre a vida, mas é em Por Quem os Sinos Dobram que aprendemos que cada perda, mesmo que distante, é uma pequena morte para cada um de nós.
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