segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

2011: o ano da privataria tucana

dezembro 26, 2011
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Maria Inês Nassif

Maria Inês Nassif
Em 2005, quando começaram a aparecer resultados da política de compensação de renda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva – a melhoria na distribuição de renda e o avanço do eleitorado “lulista” nas populações mais pobres, antes facilmente capturáveis pelo voto conservador –, eles eram mensuráveis. Renda é renda, voto é voto. Isso permitia a antevisão da mudança que se prenunciava. Tinha o rosto de uma política, de pessoas que ascendiam ao mercado de consumo e da decadência das elites políticas tradicionais em redutos de votos “do atraso”. Um balanço do que foi 2011, pela profusão de caminhos e possibilidades que se abriram, torna menos óbvia a sensação de que o mundo caminha, e o Brasil caminha também, e até melhor. O país está andando com relativa desenvoltura. Não que vá chegar ao que era (no passado) o Primeiro Mundo num passe de mágicas, mas com certeza a algo melhor do que as experiências que acumulou ao longo da sua pobre história.

O perfil político do governo Dilma é mais difuso, mas não se pode negar que tenha estilo próprio, e sorte. As ofensivas da mídia tradicional contra o seu ministério permitirão a ela, no próximo ano, fazer um gabinete como credora de praticamente todos os partidos da coalizão governamental. No início do governo, os partidos tinham teoricamente poder sobre ela, uma presidenta que chegou ao Planalto sem fazer vestibular em outras eleições. Na reforma ministerial, ela passa a ter maior poder de impor nomes do que os partidos aliados, inclusive o PT. Do ponto de vista da eficiência da máquina pública – e este é o perfil da presidenta – ela ganha muito num ano em que os partidos estarão mais ocupados com as questões municipais e em que o governo federal precisa agilidade para recuperar o ritmo de crescimento e fazer as obras para a Copa do Mundo. Sorte ou arte, o distanciamento de Dilma das denúncias contra os seus ministros, o fato de não segurar ninguém e, especialmente, seu estilo de manter o pé no acelerador das políticas públicas independentemente se o ministro da pasta é o candidato a ser derrubado pela imprensa, não a contaminaram com os malfeitos atribuídos a subalternos. Prova é a popularidade registrada no último mês do ano.

Mais sorte do que arte, a reforma ministerial começa no momento em que a grande mídia, que derrubou um a um sete ministros de Dilma, se meteu na enrascada de lidar com muito pouca arte no episódio do livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. Passou recibo numa denúncia fundamentada e grave. Envolve venda (ou doação) do patrimônio público, lavagem de dinheiro – e, na prática, a arrogância de um projeto político que, fundamentado na ideia de redução do Estado, incorporou como estratégia a “construção” de uma “burguesia moderna”, escolhida a dedo por uma elite iluminada, e tecida especialmente para redimir o país da velha oligarquia, mas em aliança com ela própria. Os beneficiários foram os salvadores liberais, príncipes da nova era. O livro Cabeças de Planilha, de Luís Nassif, e o de Amaury, são complementares. O ciclo brasileiro do neoliberalismo tucano é desvendado em dois volumes “malditos” pela grande imprensa e provado por muitas novas fortunas. Na teoria. Na prática, isso é apenas a ponta do iceberg, como disse Ribeiro Jr. em recente debate, realizado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, no Sindicato dos Bancários: se o Privataria virar CPI, José Serra, família e amigos serão apenas o começo.

A Privataria tem muito a ver com a conjuntura e com o esporte preferido da imprensa este ano, o “ministro no alvo”. Até a edição do livro, a imprensa mantinha o seu poder de agendamento e derrubava ministros por quilo; Dilma fingia indiferença e dava a cabeça do escolhido. A grande mídia exultou de poder: depois de derrubar um presidente, nos anos 90, passou a definir gabinetes, em 2011, sem ter sido eleito e sem participar do governo de coalizão da mandatária do país. A ideologia conservadora segundo a qual a política é intrinsicamente suja, e a democracia uma obra de ignorantes, resolveu o fato de que a popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizimou a oposição institucional, em 2010, e a criação do PSD jogou as cinzas fora, terceirizando a política: a mídia assumiu, sem constrangimentos, o papel de partido político. No ano de 2011, a única oposição do país foi a mídia tradicional. As pequenas legendas de esquerda sequer fizeram barulho, por falta de condições, inclusive internas (parece que o PSOL levou do PT apenas uma vocação atávica para dissidências internas; e o PT, ao institucionalizar-se, livrou-se um pouco dela – aliás, nem tanto, vide o último capítulo do livro do Amaury Ribeiro Jr.).

Quando a presidenta Dilma Rousseff começar a escolher seus novos ministros, e se fizer isso logo, a grande mídia ainda estará sob o impacto do constrangimento. Dilma ganhou, sem imaginar, um presente de Papai Noel. A imprensa estará muito menos disposta a comprar uma briga durante a CPI da Privataria – quer porque ela começa questionando a lisura de aliados sólidos da mídia hegemônica em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, quer porque esse tema é uma caixinha de surpresas.

Isso não chega a ser uma crise que a democracia não tenha condições de lidar. Na CPI dos Anões do Orçamento, que atingiu o Congresso, os partidos viveram intensamente a crise e, até por instinto de sobrevivência, cortaram na própria carne (em alguns casos, com a ajuda da imprensa, jogaram fora a água da bacia com alguns inocentes junto). A CPI pode ser uma boa chance de o Brasil fazer um acerto com a história de suas elites. E, mais do que isso, um debate sério, de fato, sobre um sistema político que mantém no poder elites decadentes e é facilmente capturado por interesses privados. Pode dar uma boa mão para o debate sobre a transparência do Estado e sobre uma verdadeira separação da política e do poder econômico. 2012 pode ser bom para a reforma política, apesar de ter eleições municipais. Pode ser o ano em que o Brasil começará a discutir a corrupção do seu sistema político como gente grande. Cansou essa brincadeira de o tema da corrupção ser usado apenas como slogan eleitoral. O Brasil já está maduro para discutir e resolver esse sério problema estrutural da vida política brasileira.
(Correio do Bras

O Superendividamento do Consumidor

Arthur Rollo:                                                                                                                                                                                                                       Advogado Especialista em Defesa do Consumidor


Na nossa sociedade atual as pessoas são frequentemente reconhecidas pelo que têm. A aceitação social acaba dependendo do poder aquisitivo o que faz com que muitos, para que sejam aceitos, ostentem uma condição de consumo superior àquela que efetivamente possuem.
Grande parte da frota nacional de veículos é financiada. Existem consumidores que não ganham sequer o suficiente para pagar a mensalidade do financiamento do carro, o que leva inevitavelmente à busca e apreensão do bem pelas financeiras, com todos os constrangimentos que ela acarreta.
Existem aqueles que descontam as amarguras do dia a dia nas compras. O estresse e a infelicidade são atenuados pelo consumo. No entanto, para a grande maioria o dinheiro acaba logo e os prazeres das compras são substituídos pelas dívidas, complicando ainda mais a situação do consumidor que, quanto mais deve, mais infeliz fica.
O mercado de consumo também fomenta as compras. As ofertas e as condições de vendas são tentadoras e o crédito é farto. Temos visto publicidades de financeiras que se propõem a realizar empréstimos a consumidores mesmo que seus nomes estejam negativados e mesmo que eles tenham dívidas de empréstimos anteriores.
Como se percebe, o consumidor que não fica atento se endivida e com essa oferta indiscriminada de crédito é fácil contrair o que se chama atualmente de “superdívidas”.
Não existe milagre. Quem empresta dinheiro obviamente busca ter o retorno financeiro dessa operação e também se cerca dos cuidados para que essa sua atividade seja lucrativa. Existe relação direta entre o risco de inadimplência e o montante dos juros cobrados.
Quanto maior o risco da financeira não receber maiores serão os juros. Por essa razão, os juros praticados pelas administradoras de cartões de crédito e pelos bancos no cheque especial são impagáveis.
Pedir dinheiro emprestado nunca é bom. O melhor é sempre manter uma reserva para o caso de necessidade e economizar o dinheiro com antecedência para poder comprar a vista.
Não obstante isso, a imensa quantidade de ofertas enganosas no mercado leva o consumidor a acreditar que a oferta de empréstimo é imperdível e que a partir desse dinheiro ele poderá satisfazer suas necessidades supérfluas sem maiores complicações. O empréstimo só é bom para as financeiras.
Em casos extremos e para satisfazer necessidades emergenciais, podem ser utilizados os empréstimos consignados que, por acarretarem o desconto diretamente na folha de pagamento ou na aposentadoria, contam com taxas de juros menores. Mesmo esses empréstimos, contudo, devem ser contraídos excepcionalmente.
É difícil mas o consumidor não deve ceder às pressões sociais e do mercado. Somente assim conseguirá se livrar do superendividamento, que hoje compromete o sono e a sadia qualidade de vida de muitos.

domingo, 25 de dezembro de 2011


Descomplicando o Direito
23/12/2011 - 14:30
melhorcarro.com.br
LUIZ FLÁVIO GOMES*
Áurea Maria Ferraz de Sousa**
Suponha que alguém é condenado por homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, CTB) a uma pena de dois anos, sendo que o juiz a substitui por uma pena privativa de liberdade e prestação pecuniária (art. 44, CP). Poderia o juiz aplicar ainda a multa reparatória?
A multa reparatória foi objeto do nosso Descomplicando o Direito de ontem e consiste no pagamento em favor da vítima de quantia estipulada pelo juiz sempre que houver prejuízo material resultante do crime

Sendo assim, de acordo com orientação do Tribunal da Cidadania, não há qualquer incompatibilidade na aplicação cumulativa da multa reparatória e da prestação pecuniária como substitutiva da pena privativa de liberdade.
(…) A pena de prestação pecuniária, espécie de pena restritiva de direitos não se confunde com a pena de multa reparatória do art. 297 do CTB.
REsp 772.721/AC (22.08.06)
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.
**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

sábado, 24 de dezembro de 2011


Artigos do prof. LFG
21/12/2011 - 19:00
LFGFonte da imagem: http://blogelovirtual.blogspot.com/2011/07/50-do-trafico-de-drogas-em-teresina-sao.htmlO Ministro (Min.) Ayres Britto, que tinha posição contrária, acaba de reformular seu entendimento para admitir a retroatividade do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 aos fatos ocorridos no tempo da Lei 6.368/76. Muito lúcido o seu voto. O benefício do § 4º (diminuição da pena) é novo no nosso sistema jurídico. Não existia antes. A norma nova benéfica deve ter retroatividade. 
Síntese dos fatos feita pelo Min. Ayres Britto:
I – L.F.P. (recorrido) foi condenado a 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado, pelo crime de tráfico de drogas, nos termos do art. 12 da Lei 6.368/76;
II – com a superveniência da Lei 11.343/2006, o Juízo da Vara de Execuções Criminais da Comarca de São Paulo deferiu a pretensão da defesa de estender ao acusado a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Pelo que a reprimenda ficou estabelecida em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão;
III – o Tribunal de Justiça paulista acolheu agravo em execução, interposto pelo Ministério Público, tornando prevalecente o patamar fixado na sentença originária (3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão);
IV – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu a ordem de habeas corpusimpetrado pelo recorrido e restabeleceu a decisão do Juízo das Execuções Penais para permitir ao paciente o gozo da nova causa de diminuição da pena, criada pela mais recente Lei de Drogas.
O Recurso Extraordinário (RE) foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o acórdão proferido pelo STJ (HC 101.125/SP) que entendeu que:
1. É imperativa a aplicação retroativa da causa de diminuição de pena contida no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 feita sob a pena cominada na Lei 6.368/1976 (…).
2. Não constitui uma terceira lei a conjugação da Lei 6368/76 com o parágrafo 4º da Lei 11.343/06, não havendo óbice a essa solução, por se tratar de dispositivo benéfico ao réu e dentro do princípio que assegura a retroatividade da norma penal, constituindo-se solução transitória a ser aplicada ao caso concreto. (…)
Do voto do Min. Ayres Britto transcrevemos as seguintes informações:
O MPF entende que a decisão impugnada ofende o inciso XL do art. 5º da CF e alega ofensa ao princípio da separação dos Poderes: “É que ‘não cabe ao Judiciário o papel de legislar (…)’”. O recorrente recorda da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) (Extradição 925, Plenário) no sentido de que a norma em causa não autoriza a “combinação das regras mais benignas de dois sistemas legislativos diversos formando uma terceira lei. (…) A medida correta, em tais situações, é a que pugna pela análise isolada de cada legislação, para que se verifique qual delas se mostra mais favorável ao réu”.
A Defensoria Pública da União sustenta que:
- (…) o acórdão impugnado apenas deu plena efetividade ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu (inciso XL do art. 5º da CF/88);
- o julgador “não está criando nada, mas apenas se utilizando, aplicando ao caso concreto leis federais que seguiram o processo legislativo constitucional e foram aprovadas pelo Congresso Nacional”;
- o magistrado “deve se utilizar do ordenamento jurídico como um todo, uma vez que esse é sistemático e as leis não existem por si só, mas fazem parte desse ordenamento”.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo provimento do RE.
O Min. Ricardo Lewandowski (Relator) votou pelo provimento do recurso, sendo acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia. Divergiram do Relator os Ministros Cezar Peluso e Dias Toffoli.
O Min. Ayres Britto salienta que a discussão envolve o tema do conflito intertemporal de leis penais: a causa de diminuição de pena, instituída pelo § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, pode ser estendida a réus também condenados pelo crime de tráfico de entorpecentes, porém sob a vigência da Lei 6.368/76?
O Min. Ayres Britto transcreve parte do voto do Relator citando doutrina nos dois sentidos.
O STF (no julgamento acima citado – Extradição 925) se filiou à corrente que não aceita a conjugação de lei anterior com discordante legislação posterior, ainda que para beneficiar o réu ou aquele já definitivamente condenado. Foi assim que o Min. Ayres Britto votou, nos autos da Extradição 925, julgada pelo Tribunal Pleno, na Sessão de 10 de agosto de 2005:
“[...] 60. O que há de ser feito, então, ante um conflito de leis no tempo e da impossibilidade da combinação de modelos legais para resolvê-lo é buscar-se, nos parâmetros de cada caso, qual das leis em confronto é de ser aplicada em face da sua condição de maior benignidade. [...]”.
O Min. Ayres Britto comunica que prosseguiu meditando sobre o tema e dá diversos fundamentos (que apresento de forma resumida abaixo) para chegar à sua conclusão:
- “não se pode perder de vista o caráter individual dos direitos subjetivo-constitucionais em matéria penal; sabido que o indivíduo é sempre uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua compostura anímica e biopsíquica de microcosmo ou de um universo à parte”.
- “a norma do inciso XL do art. 5º da Lei das Leis está a merecer (…) uma interpretação mais elástica ou tecnicamente ‘generosa’ (falaria o pranteado Miguel de Seabra Fagundes), na medida em que ela própria dispõe sobre a não-retroação da lei penal, ‘salvo para beneficiar o réu’”.
- “a principal diretriz hermenêutica do cientista e operador do direito é conferir o máximo de eficácia à Constituição, mormente naqueles dispositivos que mais nitidamente revelem a identidade ou os traços fisionômicos dela própria, como é o tópico dos direitos e garantias individuais”.  
- “O Magno Texto, no aludido inciso XL do art. 5º, quando fala de lei penal, está falando, em rigor, de norma penal (a ‘norma penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’, é como se deve ler). (…) É como dizer: se a benignidade está na regra penal, a retroação eficacial está na Constituição mesma”.
- “a prefalada discussão em torno da possibilidade ou da impossibilidade de mesclar leis que antagonicamente se sucedem no tempo (para que dessa combinação se chegue a um terceiro modelo jurídico-positivo) é de se deslocar do campo da lei para o campo da norma. (…) o que a nossa Constituição rechaça é a possibilidade de mistura entre duas normas penais que se contraponham, no tempo, sobre o mesmo instituto ou figura de direito. Situação em que há de se fazer uma escolha, e essa escolha tem que recair é sobre a inteireza da norma comparativamente mais benéfica. Vedando-se, por conseguinte, a fragmentação material do instituto, que não pode ser regulado, em parte, pela regra mais nova e de mais forte compleição benéfica, e, de outra parte, pelo que a regra mais velha contenha de mais benfazejo”.
- “O que proclama a Constituição, portanto, é a retroatividade dessa ou daquela figura de direito que, veiculada por norma penal temporalmente mais nova, se revele ainda mais benfazeja do que a norma igualmente penal até então vigente. Caso contrário, ou seja, se a norma penal mais nova consubstanciar política criminal de maior severidade, o que prospera é a vedação da retroatividade. Equivale a dizer: na hipótese de maior severidade ou endurecimento da norma penal mais nova, ela revoga, sim, a norma penal mais antiga; que, no entanto,mantém íntegros os efeitos que já deflagrou ou ainda esteja a deflagrar na esfera subjetiva de quem protagonizou os fatos por ela descritos como crimes. É o fenômeno da ultra-atividade eficacial da norma que, embora revogada, conserva os seus efeitos penais comparativamente mais benéficos quanto a determinados sujeitos de direitos. Morre a norma antiga, mas sobrevivem os seus efeitos comparativamente mais favorecedores de determinada(s) pessoa(s)”.
- “(…), o tema em debate ganha em clareza cognitiva à luz das figuras constitucionais da ultra-atividade e da retroatividade, não de uma determinada lei penal em sua inteireza, mas de uma particularizada norma penal com seu específico instituto. Isto na acepção de que, ali onde a norma penal mais antiga for também a mais benéfica, o que deve incidir é o fenômeno da ultra-atividade; ou seja, essa norma penal mais antiga decai da sua atividade eficacial, porquanto inoperante para reger casos futuros, mas adquire instantaneamente o atributo da ultra-atividade quanto aos fatos e pessoas por ela regidos ao tempo daquela sua originária atividade eficacial. Mas ali onde a norma penal mais nova se revelar mais favorável, o que toma corpo é o fenômeno da retroatividade do respectivo comando. Com o que ultra-atividade (da velha norma) e retroatividade (da regra mais recente) não podem ocupar o mesmo espaço de incidência. Uma figura é repelente da outra, sob pena de embaralhamento de antagônicos regimes jurídicos de um só e mesmo instituto ou figura de direito”.
Conclusão do Ministro Ayres Britto:
- “o § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 outra coisa não fez senão erigir quatro vetores à categoria de causa de diminuição de pena para favorecer a figura do pequeno traficante. Minorante, essa, não objeto de normação anterior. E que, assim ineditamente positivada, o foi para melhor servir à garantia constitucional da individualização da reprimenda penal (inciso XLVI do art. 5º da CF/88)Mas para melhor servir a essa garantia pelo uso de u’a mais justa proporcionalidade entre o castigo e as circunstâncias do crime de tráfico ilícito de entorpecentes em sua empírica perpetração”.  
- “Alusivamente ao tipo penal ou delito em si do tráfico de entorpecentes, ele já figurava no art. 12 da Lei 6.368/1976. O ineditismo regratório, no que interessa a esta causa, deu-se tão-somente quanto à pena mínima de reclusão, que subiu de 3 (três) para 5 (cinco) anos. Afora pequenas alterações redacionais, tudo o mais se manteve substancialmente intacto (…)”.
- “No plano do agravamento da pena de reclusão, a regra mais nova não tem como retroincidir. Sendo (como de fato é) constitutiva de política criminal mais drástica, a nova regra cede espaço ao comando da norma penal de maior teor de benignidade, que é justamente aquela mais recuada no tempo: o art. 12 da Lei 6.368/1976, a incidir por ultra-atividade”.
- “Não é o que sucede com o novidadeiro instituto da minorante, que, por força mesma do seu ineditismo, não se contrapõe a nenhuma anterior regra penal. (…) Daí poder incidir tão imediata quanto solitariamente, nos exatos termos do inciso XL do art. 5º da Constituição Federal. O que afasta, de plano, qualquer eiva ou mácula de combinação indevida de normas penais para compor uma terceira e imaginária regra penal sobre um mesmo instituto. Afinal, como combinar regra nova com uma inexistente norma velha? Impossível! O que de pronto afasta qualquer ofensa ao princípio da separação dos Poderes, pois não houve, por nenhuma, forma usurpação de competência legislativa pelo Poder Judiciário”.
- “A retroatividade benigna opera por mérito da Constituição mesma (inciso XL do art. 5º), que se coloca, então, como o único fundamento de validade da retroação penal da norma de teor mais favorável. E se a vontade objetiva da Constituição é essa – desde a sua redação originária, acresça-se –, não cabe sequer cogitar de ofensa a esse ou aquele princípio igualmente constitucional”.
O Min. Ayres Britto negou provimento ao Recurso Extraordinário, acompanhando a conclusão do voto proferido pelo Min. Cezar Peluso.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Artigos do prof. LFGNovo CP
23/12/2011 - 19:00
Fonte da imagem: http://www.sempretops.com/diversos/codigo-penal-atualizado/LUIZ FLÁVIO GOMES*
Introdução: Meus amigos: como membro da Comissão de Reforma do CP estou fazendo algumas sugestões de mudança na legislação penal atual. São ideias e nada mais. Sujeitas, claro, aos debates. É com essa finalidade que estamos dando publicidade a tais ideias, coletadas, fundamentalmente, no Projeto de Reforma do CP de 1998. Os temas abaixo são extremamente controvertidos, sobretudo porque envolventes de crenças religiosas (que devem ser respeitadas, nos termos da Constituição vigente). Os textos valem para gerar o debate. No final, se nada disso passar na Comissão ou no Congresso, continuaremos com nosso direito tal como está. Avante!
Aborto
1. Quanto ao art. 128 do CP: Exclusão do crime (não exclusão da ilicitude, porque nem todas as hipóteses do art. 128 retratam uma colisão de bens jurídicos).
2. Não constitui crime o aborto praticado por médico se:
I – não há outro meio de salvar a vida ou preservar a saúde da gestante(ampliação no aspecto da proteção da saúde);
II – a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;
III – comprovada a anencefalia ou quando há fundada probabilidade, atestada, em ambas as situações, por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.
§ 1º. Nos casos dos incisos II e III, e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro;
§ 2º. No caso do inciso III, o aborto depende, também, da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro.
Eutanásia (Homicídio privilegiado):
“§….Se o autor do crime agiu por piedade, a pedido do paciente terminal, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave irreversível, atestada por dois médicos:
Pena – Reclusão, de três a seis anos.”
“Na hipótese do homicídio privilegiado do parágrafo anterior, o juiz poderá deixar de aplicar a pena quando a sanção penal for desnecessária para a reprovação e prevenção do crime”.
Ortotanásia (Exclusão do crime):
“ §…Não constitui crime deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários ou artificiais, quando a morte, previamente atestada por dois médicos, for iminente e inevitável, desde que haja pedido do paciente terminal, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.”

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Artigos do prof. LFG
21/10/2011 - 13:46
LUIZ FLÁVIO GOMES*
A decisão que segue, do juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal dePalmas (TO), não é nova. Mas por sua atualidade, vale a pena nossa reflexão sobre ela. Saul e Hagamenon foram acusados de terem furtado duas melancias. Foram presos. O juiz mandou soltar. Imperdível a sua argumentação. Não deixem de ver. Avante. Lá vai:
DECISÃO
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)…
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.  Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.
Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização europeia…
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás. Intimem-se. Rafael Gonçalves de Paula.
Juiz de Direito.
* LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011


Mauro Batista Rodrigues

Você tem medo de polícia ou de bandido?

Mauro Batista Rodrigues



Estive, por algum tempo, frequentando diariamente a Comunidade dos Coelhos, Recife. Sempre com meu equipamento fotográfico, registrando imagens das palafitas e da população ribeirinha para o meu trabalho de conclusão de curso em Jornalismo, que por sinal defenderei amanhã. Algumas pessoas acham arriscado, perigoso - de fato, é, mas, por lá nunca me aconteceu nada de ruim.Mas quando estive pelas ruas do Recife, de bicicleta, com equipamento na mochila, a registrar imagens da "Veneza Brasileira", logo aparecia uma viatura para encostar o negão e revistá-lo. E olhavam com desconfiança o fato de eu carregar um equipamento fotográfico tão caro. Não fosse o fato de eu levar comigo, no bolso da bermuda, minha identificação de jornalista/repórter fotográfico, iam logo achar que o equipamento não era meu. E ainda dizem que preconceito e racismo não existe mais!
Uma vez, em Brasília, a polícia encostou a mim e meu irmão para uma revista. Era noite e íamos para uma festa. Enquanto nos revistavam, e não achavam nada... quer dizer, acharam, nosso dinheiro nas carteiras, que foi subtraído pelos policiais.
Em Salvador, vinhamos eu e o piloto da moto e logo uma viatura da PM mandou encostar, apontando uma pistola Ponto 40 pra nossa cara. As pessoas que passavam no ônibus, em pleno meio dia, logo pensavam: "Pegaram dois bandidos". O motoqueiro foi contratado por mim para passar o dia me levando aos meus clientes de fotografias, que era só o que tinha na minha bolsa, fotos. Mas eles alegaram que eramos suspeitos porque além de estarmos de moto, ainda com mochila... E logo passou dois branquinhos de moto com duas mochilas enormes. Aí eu ironizei: Vai atrás daqueles, porque podem ser perigosos, pois as mochilas (duas) são maiores que a minha. E ainda me chamaram de engraçadinho.
Em Fortaleza, há muitos anos, estava namorando na praia (beijinhos e abraços apenas - que fique bem explicado), apareceu um vulto que nos assustou. Quando notei que era um policial fiquei tranquilo, podia ser um ladrão! O PM foi logo com grosseria, perguntando se não tínhamos medo de sermos assaltados. Depois mandou eu encostar pra me revistar e apareceu com um pacote na mão dizendo que era meu. Chamei ele de louco: Qual é cara voce vai aprontar essa pra cima de mim?! - O quê, disse ele, vai dizer que num é seu?! Conversa vai e vem o cara sugeriu um pagamento pra me liberar. Mostrei que estava liso, que era fotógrafo e estava em Fortaleza c obrindo o Fortal, o que identifiquei com credencial do evento. Ele aí perguntou se eu tinha acesso ao trio de Ivete e se tinha fotos dela. Eu disse que tinha várias fotos dela não só do Fortal como de outros. Ele então me liberou, mas diante da promessa de que no dia seguinte eu fosse levar umas três pra ele e deixar com um vigia de um restaurante. Claro que ele nunca viu essas fotos!
Diante desses fatos, amigos, não tenho medo de andar dentro de uma comunidade (Favela), e fico indignado com alguns policiais que temos, que ao invés de nos proteger...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Marisa Monte & Cesária Évora - É Doce Morrer no Mar

Cesaria Evora - Partida

CESARIA EVORA "hoje è Natal"

Cesaria Evora - Ingrata

Cesaria Evora - Vento de sueste

Cesária Évora - Saudade

DETALHES ROBERTO CARLOS

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domingo, 18 de dezembro de 2011

Mamonas Assassinas Vira Vira

15 de dezembro de 2011, às 19h

Drogas: baseado e(m) preconceitos?

http://dialogos8b.blogspot.com/2011/11/drogas-estao-sempre-ao-nosso-redor.html
LUIZ FLÁVIO GOMES*


Usuário de drogas: vamos matar todos? (assim pensam alguns fundamentalistas radicais, que gostariam de ver um novo holocausto nazista); internar compulsoriamente todo mundo? Vamos só adotar a política de redução de danos da Europa? Ou seria o caso de liberar geral? (como prega a revista The Economist).
Para discutir essa problemática, que envolve mais de 270 milhões de pessoas (que fazem uso de drogas) no mundo, segundo a ONU, estamos abrindo aqui no nosso Instituto Luiz Flávio Gomes, com o apoio, direção e mediação de Conceição Cinti, pesquisadora e mediadora, um fórum de debates sobre drogas. Nosso objetivo é recolher tudo que há de mais relevante nessa área, para contribuir para a elaboração de uma política pública sobre o tema.   

A sensação que temos hoje é de que o mundo está perdido e não sabe o que fazer com essa tragédia global, que só aumenta de tamanho a cada dia.
Do novo pacote governamental de “guerra contra o crime”, mais especificamente “guerra contra o crack e outras drogas”, faz parte a “internação involuntária” (contra a vontade do usuário de drogas), nas situações de risco de vida. Seria a solução?
Em situações extremas, como essa essa, claro que é legítima a regra jurídica que permite o internamento involuntário. Mas fora dessas hipóteses agudas, qualquer internamento involuntário “forçado” viola a liberdade das pessoas e, ademais, tende a ser infrutífero. É dinheiro jogado fora!
Premissa básica do sucesso de qualquer tratamento consiste na adesão do internado, que tem que ver isso como possibilidade de saída da sua situação crítica de dependente químico.
A preocupação do governo de criar consultórios ambulantes é muito válida. Os usuários devem mesmo merecer total atenção, para que os danos decorrentes do uso da droga sejam minimizados (para o próprio usuário e para a população).
A atenção do governo com os usuários constitui uma medida humanista, antes que de saúde pública (e de polícia). O escopo é recuperar o usuário crônico. Mas se isso não for alcançado, pelo menos que os danos decorrentes do uso de drogas não venham a provocar efeitos altamente nefastos.
A cracolândia, em São Paulo (com cerca de 2 mil usuários de drogas, diariamente), cumpre o papel (sem muito sucesso, é verdade) de delimitar um (único?) território de uso livre da droga. Isso significaria controle, que seria altamente positivo em termos de prevenção da violência. Mas esse é o caminho a ser seguido?
Sabe-se que antes da existência da cracolândia muitos usuários eram vítimas de grupos de extermínio, nas periferias de São Paulo.
Um tema preocupante: quando o usuário de droga não tem “status” (se não tem conhecimento útil incorporado, se não tem capital cultural e econômico, em consequência, social) ele se torna duplamente mortável em razão de um duplo preconceito: primeiro por ser apenas braços, pernas e anatomia (preconceito social, amplamente estendido em nossa sociedade, que torna a pessoa descartável) e, em segundo lugar, por ser usuário de drogas (o que o transforma, na visão preconceituosa,  em lixo humano). Em síntese: lixo descartável.
Seu assassinato, em consequência, não é visto, por grande parcela da população assim como por grande parte dos agentes do estado, como uma injustiça, sim, como uma “limpeza”. Daí a impunidade quase absoluta nessa área. Tudo isso faz parte da nossa guerra civil não declarada, que está dizimando grande parcela da população, sobretudo jovem (foram 51 mil mortes intencionais, só em 2009). A política brasileira está no caminho correto ou continua baseada em preconceitos? Vamos ao debate.


*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.