sexta-feira, 11 de abril de 2014

'Brincadeira do desmaio' alarma pais e escolas no Rio

Brincadeira do desmaio’ alarma pais e escolas no Rio

  • Aluno do colégio Liceu Franco-Brasileiro, em Laranjeiras, bateu a cabeça e sofreu escoriações após perder consciência
  • No YouTube, proliferam vídeos em que crianças e adolescentes usam métodos diferentes para desmaiar
MARINA COHEN (EMAIL)
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A fachada do Liceu Franco-Brasileiro, que registrou um caso de desmaio em que um aluno bateu com a cabeça e sofreu escoriações
Foto: Marcelo Piu
A fachada do Liceu Franco-Brasileiro, que registrou um caso de desmaio em que um aluno bateu com a cabeça e sofreu escoriações Marcelo Piu
RIO - Um jogo perigoso está ganhando popularidade nas escolas do Rio com a divulgação de vídeos na internet. A “brincadeira (ou jogo) do desmaio” consiste em provocar a perda da consciência por meio de asfixia, o que pode ser feito com estrangulamento ou pressão no peito — “método” mais utilizado nos colégios —, sempre com a ajuda de outros colegas. No Rio, um episódio ocorrido no Liceu Franco-Brasileiro fez o colégio distribuir, esta semana, um folheto que alerta os alunos sobre o perigo da prática. Entre as possíveis consequências, segundo médicos, estão hematomas, parada cardíaca, lesões cerebrais, coma e até a morte.
Mês passado, na escola do bairro carioca das Laranjeiras, um aluno do 1º ano do ensino médio desmaiou em pleno pátio, na hora do recreio, durante a o jogo. Ainda tonto, ao tentar se levantar ele bateu com a cabeça num banco, sofrendo escoriações. O estudante de 14 anos foi encaminhado para casa, e seus pais foram chamados à coordenação. Ele e mais três alunos que participavam da “brincadeira” foram suspensos por um dia.
— Eu não sabia o que estava fazendo. Como outros meninos estavam brincando, resolvi tentar. Mas, quando fiquei tonto e percebi que ia apagar, me dei conta de que foi uma péssima ideia — afirma o garoto.
Alguns alunos relataram ter visto “sangue e convulsões”, mas, segundo o estudante, o desmaio durou poucos segundos:
— Acordei sem me lembrar de nada. Detestei a sensação. Sei que poderia ter acontecido algo grave. Pelo menos eu aprendi.
De acordo com ele, outros alunos já haviam tentado desmaiar antes no colégio, sem sucesso.
— É uma brincadeira estúpida, e, depois do que aconteceu, ninguém quis fazer mais — comentou uma das alunas do primeiro ano que testemunharam o incidente.
A decisão de suspender os alunos, segundo o coordenador pedagógico do Liceu Franco-Brasileiro, foi tomada como uma forma de reprimir o comportamento de risco.
— Não podemos de forma alguma estimular brincadeiras que comprometam a integridade física e psicológica dos alunos — ressaltou Luciano Moraes, coordenador pedagógico no Liceu. — Também nos reunimos com os pais e professores para alertá-los. Eles devem ficar atentos.
Psicólogos relatam ‘muitos casos’
O colégio ainda promoverá, na segunda-feira, uma palestra para os alunos sobre os benefícios e os riscos do conteúdo disponível na internet. A ideia de tentar o “jogo” surgiu depois que alguns deles assistiram a demonstrações em sites de compartilhamento de vídeos.
— Nem sempre os adolescentes sabem avaliar o perigo do que veem. Por isso é importante que os pais monitorem a navegação deles pela web, por mais que não gostem, e também conversem sobre os riscos — alertou Moraes.
Cardiologista do hospital Pró-Cardíaco, no Rio, Claudio Tinoco explica que as consequências da “brincadeira” podem ser graves, principalmente se o aluno tiver um problema cardíaco desconhecido.
— A brincadeira causa queda de pressão, falta de oxigenação no sangue e a síncope, conhecida como desmaio. A falta de oxigenação pode levar a uma parada cardíaca ou a uma lesão no cérebro, com sequelas permanentes. A área da memória é a primeira a ser danificada, mas o adolescente pode ainda ter parte da visão afetada. Em casos mais sérios, pode haver coma e morte cerebral — explica Tinoco. — É uma prática muito arriscada que eu não recomendo de forma alguma.
Muitos jovens têm relatado experiências com a brincadeira mortal em seu consultório, afirma o psiquiatra Fábio Barbirato, especialista em transtornos na infância e adolescência da Santa Casa da Misericórdia do Rio.
— Um menino precisou ir para o hospital recentemente porque perdeu a consciência. Os colegas não conseguiram acordá-lo — relata Barbirato, que atribui a brincadeira a duas razões. — É uma espécie de demonstração de força típica dessa fase de formação de grupo, quando os jovens fazem de tudo para serem aceitos pelos outros, expondo-se a consequências graves. Por outro lado, há relatos de que a asfixia dá uma sensação de euforia e prazer, mas não existe nenhuma comprovação médica disso.
A psicóloga Fernanda Reis, especialista no tratamento de crianças e adolescentes, é outra a ter ouvido relatos da prática no seu consultório.
— Os adolescentes buscam se destacar por meio desses desafios. Mas há riscos com os quais eles não têm capacidade para lidar. O que você vai fazer se o seu amigo tiver uma parada cardíaca ou entrar em coma? — questiona.
Mortes nos EUA e na França
Fora do Brasil, o “jogo do desmaio” já deu origem a manchetes trágicas. Na França, as terríveis consequências da prática levaram à criação de uma associação de pais de vítimas desse jogo de estrangulamento, a Apeas. Segundo a organização, dez mortes são registradas anualmente, em média, no país europeu desde 2000 devido à perigosa prática.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), pelo menos 82 crianças e adolescentes com idades entre 9 e 16 anos morreram no país por causa da brincadeira, entre 1995 e 2007. Como as mortes geralmente são registradas como suicídio, pois acontecem mais comumente quando os adolescentes se arriscam sozinhos, é difícil computar números. Mas um caso famoso deu mais visibilidade ao problema. Em 2006, o campeão mundial de surfe Shaun Tomson perdeu o filho, Matthew, enquanto o menino de 15 anos brincava do “jogo do desmaio”. O surfista sul-africano escreveu um livro, “The code” (O código), direcionado a adolescentes, em que pede aos jovens para pensarem duas vezes antes de correr esse risco. A esperança é que relatos com o seu consigam influenciar mais os jovens do que os muitos vídeos com cenas de simulação de estrangulamento espalhadas pela internet. sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brincadeira-do-desmaio-alarma-pais-escolas-no-rio-12161827#ixzz2ycbr032g 
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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Lítio e Tratamento Psiquiátrico

Lítio e Tratamento Psiquiátrico

Indubitavelmente, o Lítio para o tratamento do Transtorno Bipolar ainda é uma indicação reconhecida.
| Farmacologia | Tratamentos |

Embora o Lítio tenha sido utilizado no tratamento de várias condições neuropsiquiátricas nas últimas três décadas, é particularmente benéfico para o tratamento agudo da mania e, normalmente, para a profilaxia e tratamento da depressão nos pacientes bipolares. Os textos seguintes foram resumidos e compilados do Journal of Clinical Psychiatry 2000, 61 - suplemento 9, objetivando a atualização sobre a neurobiologia e a psicofarmacoterapia do Lítio.
A especificidade e resposta satisfatória do Lítio no Transtorno Bipolar do Humor pode ser útil na elucidação da fisiopatologia desse transtorno e, muito possivelmente, levar ao desenvolvimento futuro de drogas mais eficientes. Com base em revisão bibliográfica os autores participantes do Journal of Clinical Psychiatry 2000, 61 - suplemento 9*, atestam que o Lítio é, ainda hoje, a droga mais eficaz para o tratamento do Transtorno Bipolar.

O diagnóstico diferencial do Transtorno Bipolar de início na juventude pode ser complicado pela sintomatologia freqüentemente superposta ao Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. Charles L. Bowden demonstra que o Lítio revolucionou tanto o tratamento quanto o estudo fenomenológico do Transtorno Bipolar e mostra também, que o Lítio é cada vez mais utilizado em regimes combinados de tratamento, freqüentemente permitindo doses menores e mais bem toleradas, aliadas aos benefícios complementares de drogas com diferentes perfis de ação. As fases depressivas do Transtorno Bipolar podem ser bastante incapacitante, com significativa comorbidade e associadas a elevado risco de suicídio, prejuízo funcional e redução da qualidade de vida. O autor e seu colega, Michael T. Compton, revisam as evidências atuais para manejo da Depressão Bipolar mais efetiva com lítio.
A depressão unipolar é uma grave doença recorrente, com elevada morbidade ao longo da vida e elevada mortalidade precoce devido ao suicídio. De acordo com Alec Coppen, vários ensaios duplo-cegos e controlados por placebo demonstram que o Lítio é eficaz na redução de recidivas das crises agudas em pacientes com depressão unipolar quando utilizado como terapia de manutenção.
Efeitos colaterais do Lítio são comuns, porém, geralmente benignos, reporta David L. Dunner. Esse autor divide os efeitos colaterais do Lítio em aqueles que;
– ocorrem precocemente no tratamento,
- aparecem tardiamente,
- são relacionados a interações com outras drogas e
- são devidos à sua toxicidade.
O reconhecimento e tratamento precoces dos efeitos colaterais são aspectos importantes da farmacoterapia com Lítio. Husseini K. Manji e colaboradores notaram que avanços recentes no conhecimento da biologia celular e molecular resultaram na identificação de dois recentes alvos de ação do Lítio. Essas descobertas podem exercer grandes impactos sobre o uso futuro deste cátion na biologia e medicina. Sugerem o uso do Lítio como agente neurotrópico e neuroprotetor no tratanento em longo prazo de transtornos do humor.
Em situações clínicas, uma avaliação do risco de suicídio deve preceder qualquer tentativa de tratar doenças psiquiátricas, adverte Kay Redfield Lamison. Ela discute outros fatores de risco para o suicídio e atesta que, com exceção do Lítio, pouco se sabe sobre contribuições específicas de tratamentos que possam reduzir as taxas de mortalidade em pessoas com graves Transtornos do Humor e, em particular, na Depressão Bipolar.
Como o risco de suicídio associa-se, preferentemente, a episódios depressivos ou bipolares mistos, Leonardo Tondo e Ross J. Baldessarini afirmam que a melhor proteção contra a Depressão Bipolar será a chave para reduzir o comportamento suicida no Distúrbio Bipolar. Sua revisão de 22 estudos, entre 1974 e 1998, mostra taxas de suicídio sete vezes menor em pacientes sob tratanento com Lítio, em longo prazo, do que nos pacientes que não estavam recebendo esse tratamento ou após a sua suspensão.
A eficácia do Lítio no tratamento da mania e da Depressão Bipolar e na reversão do quadro em pacientes não responsivos a antidepressivos está claramente bem estabelecida. Embora o perfil de tolerabilidade à droga não seja o ideal, há poucas dúvidas de que o Lítio tenha sido literalmente um salva-vidas para milhares de pacientes.
A Especificidade Psicofarmacológica do Íon LítioDe 1949, quando foi introduzido no arsenal terapêutico da psiquiatria até hoje, o Lítio foi avaliado no tratamento de várias condições neuropsiquiátricas mas, indubitavelmente, é no tratamento do Transtorno Bipolar que se tornou mais eficaz e indicado. Isso sugere que ele possua especificidade para o tratamento desse transtorno.
Os achados em pesquisas que atestam a eficácia do Lítio são muito relevantes, visto que a compreensão de seu mecanismo de ação no Transtorno Bipolar possa ser a chave para a elucidação de sua fisiopatologia e para o desenvolvimento de tratamentos mais modernos e eficazes. Os autores revisam os dados publicados sobre a eficácia do Lítio no Transtorno Bipolar e em várias outras condições neuropsiquiátricas e também os dados disponíveis sobre anticonvulsivantes e agentes terapêuticos mais modernos no tratamento desta condição.
O Lítio é, em geral, a droga mais eficaz para o tratamento da Mania Aguda, produzindo melhora em cerca de 70 a 80% dos pacientes. As taxas de resposta variam em diferentes tipos de Transtorno Bipolar. Nos estados maníacos puros e típicos o Lítio é muito eficaz, enquanto nas manias de tipo mista, atípica e/ou secundária ou reativa, as taxas de resposta tendem a ser mais baixas, com descrições de valores entre 29 e 42%. Em conclusão, o Lítio é a droga mais eficaz nos quadros típicos, sugerindo especificidade nessa condição.
Muitos estudos, tanto abertos quanto controlados, têm documentado a eficácia do tratamento com Lítio na profilaxia das fases maníaca e depressiva do Transtorno Bipolar. As características clínicas de estados maníacos clássicos e mania seguida de eutimia ou depressão predizem um bom prognóstico para a profilaxia com Lítio. A presença de história familiar de transtornos de humor também é um fator positivo de resposta. Porém, estados mistos, quadros disfóricos, cicladores rápidos, grande número de episódios anteriores e mania secundária a comorbidades podem indicar resposta pobre ao Lítio. Desse modo, o Lítio pode ser considerado altamente eficaz nos Transtornos Bipolares de tipos I e II (DSM.IV).
Na depressão por Transtorno Bipolar, o Lítio apresenta bons resultados, porém não é tão eficaz quanto antidepressivos. Pode ser usado em combinação com antidepressivos além de ser mantido em manutenção para profilaxia de novos surtos. Na Depressão Unipolar, é menos efetivo do que na bipolar, porém é a droga mais utilizada na potencialização dos antidepressivos, nos casos de depressão resistente.
No Transtorno Esquizoafetivo, quanto mais proeminente o componente afetivo, mais evidente é o benefício do Lítio. Na Esquizofrenia, o Lítio parece ser um bom coadjuvante nos casos de aceleração psicomotora e de periodicidade.
O Lítio mostra efeitos benéficos nos casos de agressividade, em particular, na agressividade cíclica. Nos abusos de álcool e drogas ilícitas, há relatos em estudos abertos de algum benefício, embora não sejam dados controlados. O mesmo pode ser referido em relação aos transtornos alimentares, compulsividade e estados de hipersonia.
Outros agentes terapêuticos têm sido descritos no tratamento do Transtorno Bipolar: entre eles, os anticonvulsivantes, tais como a carbamazepina, o valproato, lamotrigina e gabapentina, os bloqueadores de canal de cálcio (verapamil e nimodipina) e os antipsicóticos haloperidol, risperidona, olanzapina, aripipazol.
Quaisquer desses agentes descritos podem ser associados ao Lítio, existindo base científica sugerindo benefício adicional, porém, ensaios clínicos mais sistemáticos são necessários para o desenvolvimento de uma terapia combinada mais racional.
O Transtorno Bipolar e o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade em Crianças e AdolescentesA relação entre Transtorno Bipolar e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) em crianças e adolescentes, recentemente, foi um dos tópicos mais intensamente debatidos na literatura sobre psiquiatria infantil. O centro do problema é saber se um grande número de crianças com Transtorno Bipolar não está sendo reconhecido ou está sendo erradamente diagnosticado.
O diagnóstico diferencial do Transtorno Bipolar de início na juventude pode ser complicado por muitos fatores. Mas os dilemas clínicos mais comuns parecem surgir da superposição da sintomatologia com TDAH e as diferentes estratégias de tratamento que esses diagnósticos implicam. Há semelhanças e diferenças entre esses transtornos no que diz respeito à fenomenologia, epidemiologia, história familiar, exames de imagem cerebral e resposta ao tratamento.
Uma série de estudos de Harvard indica que a freqüência do Transtorno Bipolar em jovens pode ser muito maior do que previamente publicado. Com base em questionários administrados na clínica de diagnóstico e acompanhamento de TDAH, 22% dos pacientes preencheram critérios para Transtorno Bipolar, elevando-se para 30% se os pacientes tivessem o TDAH com comorbidade com Transtorno de Desafio e Oposição.
Os critérios diagnósticos pela DSM-IV para Transtorno Bipolar e TDAH sobrepostos com sintomas, tais como loquacidade, distração e agitação psicomotora podem ser difíceis de serem discernidos clinicamente, assim como também a "reduzida necessidade de sono", encontrada tanto no Transtorno Bipolar como em muitos casos de TDAH. A mesma dificuldade de diagnóstico aparece quando consideramos o fenômeno da "fuga de idéias", indício de pensamento acelerado presente tanto no Transtorno Bipolar como no TDAH e traduzido como "dificuldade em manter a atenção".
Confusão pode ainda surgir ao analisarmos o "excessivo envolvimento em atividades agradáveis com elevado potencial de conseqüências dolorosas", comum no Transtorno Bipolar, contra a "impulsividade" no TDAH. Outras características desses transornos que se superpõem são os prejuízos nos relacionamentos sociais e familiares, no desempenho escolar e na auto-estima.
No entanto, apesar da considerável sobreposição de sintomas entre essas duas patologias, alguns critérios revelam um bom poder de discriminação entre elas. No maior estudo bem-controlado existente até o momento, Geller e colaboradores examinaram 60 crianças com Transtorno Bipolar e 60 com TDAH e verificaram que a elevação do humor ocorreu em 87% das crianças com Transtorno Bipolar e em apenas 5% daquelas com TDAH. O sentimento de grandiosidade ocorreu em 85% das crianças com Transorno Bipolar versus 7% das com TDAH. Diminuição da necessidade de sono, fuga de pensamentos e hiper-sexualidade também foram relatados como sendo muito mais comuns no Transtorno Bipolar do que no TDAH.
Mas, mesmo com essas observações, as distinções clínicas são bastante complicadas pelo fato de que, tanto o Transtorno Bipolar quanto o TDAH, são altamente comórbidos com outras alterações, tais como o Transtorno de Desafio e Oposição ou os Transtornos de Conduta. Além disso, o TDAH é bastante comum em jovens com Transtorno Bipolar.
O seguimento desses pacientes, a história familiar bem detalhada (ambos são transtornos hereditários) e a presença ou ausência de episódios discretos de mania são pontos-chave na definição diagnóstica. O TDAH é o mais comum na infância, ocorrendo em 3 a 5% dessa população e, ao contrário, somente 20% dos adultos com Transtorno Bipolar iniciam seus sintomas antes dos 19 anos e, em apenas 0,5% deles, antes dos 10 anos. Se 22% das crianças que têm TDAH evoluem com Transtorno Bipolar, isso significa 0,88% de prevalência, ou seja quase a totalidade deste quadro (a prevalência do Transtorno Bipolar é, em média, 1 %).
Nos exames por imagem do cérebro, embora haja alguma sobreposição de comprometimento, tais como em áreas do cerebelo e gânglios basais, os achados são divergentes, especialmente nas regiões temporal e medial, as quais estão alteradas no Transtorno Bipolar e normais no TDAH.
Em termos de tratamento, o Lítio, a carbamazepina e o valproato são largamente utilizados como estabilizadores de humor na esfera pediátrica, embora só o primeiro tenha aprovação pelo FDA para o Transtorno Bipolar em crianças e adolescentes acima dos 12 anos, com suporte de poucos estudos clínicos existentes. Para o TDAH, o uso de estimulantes, tais como o metilfenidato, a dextroanfetamina e a associação dessa com a anfetamina são as drogas mais usadas, com eficácia elevada. Respostas ausentes ou atípicas devem suscitar uma reavaliação diagnóstica.
A Eficácia do Lítio na Mania e na Terapia de Manutenção do Transtorno BipolarO Lítio foi introduzido em 1949, como tratamento para a mania, sendo essa, ainda, a mais forte evidência de sua eficácia. Alcançou resultados consistentemente melhores no tratamento da mania do que os neurolépticos e a carbamazepina e resultados equivalentes aos do divalproato de sódio. Sua eficácia na Depressão Bipolar permanece estudada de forma limitada. O Lítio fornece, também, benefícios na profilaxia.
Evidências convergentes de estudos clínicos e em animais indicam que um dos principais efeitos comportamentais do Lítio é a redução da atividade motora. O Lítio está sendo cada vez mais utilizado em regimes combinados de tratamento, permitindo assim, o uso de doses menores e mais bem toleradas, e com benefícios adicionais. A evidência mais forte da eficácia do Lítio ocorre no tratamento da Mania Aguda.
Diversos estudos controlados por placebo foram positivos. 0 Lítio foi comparado a antipsicóticos e anticonvulsivantes no tratamento da Mania e considerado consistentemente superior às drogas antipsicóticas em ensaios randomizados e duplo-cegos. No maior estudo controlado sobre o uso do Lítio na mania, e o único com grupo paralelo, o Lítio foi comparado ao anticonvulsivante divalproex e ambas as drogas foram significativamente superiores ao placebo. Esses resultados são particularmente dignos de nota, tendo em vista que os pacientes estavam gravemente doentes, com mais de um terço deles apresentando sintomas psicóticos. Nenhum neuroléptico foi permitido, e apenas lorazepam ou hidrato de cloral puderam ser associados durante os primeiros dez dias do estudo.
Em outra comparação randomizada cega do Lítio com o valproato, as drogas foram igualmente eficazes, com melhora moderadamente maior, ainda que não significativa, entre os pacientes tratados com Lítio. No pequeno número de comparações com a carbamazepina, o Lítio foi superior ou, no mínimo, igualmente eficaz. Esses estudos não foram controlados com placebo. O Lítio foi considerado superior ao bloqueador de canais de cálcio verapanil, no único estudo comparativo randomizado.
A resposta dos quadros agudos ao Lítio parece ser do tipo tudo ou nada, ou seja, a maioria dos pacientes responsivos apresenta grande controle do quadro, enquanto os não-responsivos pouco se modificam. Os fatores associados com boa resposta são o uso prévio positivo, a sintomatologia maníaca pura e de gravidade leve a moderada, poucos episódios polares, a ausência de cursos de ciclos rápidos, de sintomatologia psicótica, de abuso de drogas e de comorbidades.
As evidências da eficácia do Lítio no tratamento de manutenção do Transtorno Bipolar também são fortes. Diversos estudos controlados por placebo foram positivos. O Lítio foi comparado a antipsicóticos e anticonvulsivantes e considerado consistentemente superior ou, no mínimo, igual às drogas antipsicóticas, em ensaios randomizados e duplo-cegos.
Em estudos controlados, o Lítio foi comparável ao anticonvulsivante divalproato de sódio, em termos de eficácia, porém com taxa de descontinuação superior. No pequeno número de comparações com a carbamazepina, o Lítio foi superior ou, no mínimo, igualmente eficaz. Análises longitudinais também falam a favor da eficácia do Lítio na profilaxia do Transtorno Bipolar.
Os fatores associados com boa resposta ao uso crônico são uso prévio positivo, sintomatologia maníaca pura e de gravidade leve a moderada, poucos episódios polares, litemias maiores ou iguais a 0,8 mEq/L, ausência de cursos de ciclos rápidos, de sintomatologia psicótica, de abuso de drogas e de comorbidades.
Em termos de ação sobre suicídio, o Lítio, em metanálise dos diversos ensaios clínicos, mostrou redução de cerca de sete vezes na ocorrência desse quadro, com alto significado estatístico. Nenhum outro fármaco demonstrou essa ação, até a atualidade.
0 Lítio tem uma dose tóxica superior a 3,0 mEq/L, enquanto que a dose terapêutica situa-se entre 0,8 e 1 ,2 mEq/L, e isso traz algum cuidado no manuseio. A incidência de descontinuação precoce tem se mostrado elevado, em decorrência da tolerabilidade, o que tem sido observado em ensaios abertos. Alterações cognitivas, dificuldades motoras, tremores, ganho de peso e anormalidades gastrintestinais são os efeitos mais comuns. As estratégias mais utilizadas, nesses casos, são modificar a formulação, reduzir a dosagem, associar com outras drogas ou modificar para outro agente terapêutico.
O Lítio na Depressão Unipolar e na Prevenção do SuicídioA depressão unipolar é uma grave doença recorrente, com elevada morbidade, ao longo da vida e mortalidade prematura por suicídio. Após um episódio de depressão que respondeu ao tratamento, os pacientes necessitam de continuidade do tratamento por um período considerável de tempo para prevenir recidivas.
A maioria dos autores, em consenso, recomenda um período de cerca de seis meses de tratamento, após a recuperação clínica, mas muitos já estão optando por um ano ou mais. Enfatizam, também, que esse período é arbitrário e que o final do período de manutenção necessário pode apenas ser determinado por tentativa e erro, isto é, pela interrupção do tratamento e observação do paciente para ver se há recidiva.
As declarações de consenso reconhecem atualmente que, se os pacientes tiverem apresentado dois ou três episódios prévios, as chances de nova recidiva são tão grandes que o tratamento de manutenção deve se estender por prazo mais prolongado ou, quiçá, pela vida toda.
Numerosos ensaios duplo-cegos, controlados por placebo, demonstraram que o Lítio é muito eficaz na redução das recidivas, quando administrado como terapia de manutenção. Ele é também muito eficaz quando administrado como terapia de manutenção, após a eletroconvulsoterapia. Pode ser administrado uma vez por dia, à noite, e ensaios controlados mostraram um nível plasmático de Lítio em 12 horas entre 0,5 e 0,7 mmol/L, como sendo o mais eficaz, com poucos efeitos colaterais.
A redução da morbidade afetiva e da hospitalização em pacientes com litemias < 0,79 mEq/L foi de 34,2% ( p < ,05 ). Estudos de longa duração sobre tratamento de manutenção com Lítio mostram baixa freqüência de suicídios: 1,3 suicídios por 1.000 pacientes/ano. Esse número é muito menor que o de estudos comparativos de longa duração, da depressão não tratada, que mostram cerca de 5,4 suicídios por 1.000 pacientes/ano.
Lítio no Tratamento da Depressão BipolarOs transtornos bipolares tipos I e II afetam, aproximadamente, 0,8% e 0,5% da população adulta, ao longo da vida. O termo Depressão Bipolar refere-se a um Episódio de Depressão Maior que ocorre num paciente que preenche critérios para Transtorno Bipolar tipos I ou II. Nesses quadros, tais episódios são freqüentemente caracterizados por períodos de duração mais breve, quando comparado àqueles da depressão, seja unipolar ou bipolar, e podem envolver início mais rápido, anergia, lentificação psicomotora e sintomas neurovegetativos reversos (hipersonia e hiperfagia).
A história familiar de Transtorno Bipolar e Episódios Depressivos de início precoce são indicadores de que o paciente com depressão possa estar sob risco de Transtorno Bipolar, incluindo hipomania ou mania induzida por antidepressivos.
As fases depressivas do Transtorno Bipolar podem ser muito incapacitantes. Com base em um seguimento de 18 meses, Keller e colaboradores notaram que a probabilidade do paciente permanecer doente por um ano ou mais foi de 7% para pacientes com Mania, comparado com 22% para pacientes com Depressão.
Ampla gama de estudos mostra que 25 a 50% dos pacientes bipolares tentam o suicídio, pelo menos, uma vez. Em uma revisão de estudos de seguimento, 15% dos pacientes cometeram suicídio. Esta taxa é pelo menos 30 vezes superior à taxa encontrada na população geral.
Embora não seja tangível nem ético conduzir estudos duplo-cegos sobre a redução de suicídios, a evidência maciça mostra redução na morbidade no tratamento com Lítio e sugere o tratamento sistemático em longo prazo com Lítio na Depressão Unipolar, a fim de reduzir consideravelmente a taxa de suicídio. Os psiquiatras devem ser treinados para serem capazes de prolongar ao máximo o período de uso do Lítio, pois o seu benefício vale a pena.
O tratamento da Depressão Bipolar representa uma área relativamente pouco estudada na psiquiatria clínica. Os autores revisaram as evidências atuais para o manejo da Depressão Bipolar. As referências para essa revisão foram obtidas através de pesquisas pela MEDLINE da literatura médica em relação a assuntos pertinentes ao tratamento da Depressão Bipolar. Os termos de pesquisa incluíram Depressão Bipolar, antidepressivo e Transtorno Bipolar. Apenas publicações em inglês foram revisadas.
O Lítio pode ainda ser apropriado para o tratamento inicial para a fase depressiva do Transtorno Bipolar, obtendo-se respostas ao redor de 79%. Outros estabilizadores do humor demonstraram também eficácia em pesquisas preliminares. Os anticonvulsivantes também têm sido pesquisados com esse intuito, como por exemplo, a Carbamazepina cujo efeito antidepressivo é algo inferior ao Lítio, podendo ser potencializada por esse; o Valproato de Sódio (ou Ácido Valproico), que parece ser mais eficaz no tratamento da Mania do que no da Depressão, com um efeito antidepressivo fraco a moderado; a Lamotrigina, que apresenta resultados preliminares promissores e a Gabapentina, que poderá vir a ser uma opção de segunda linha para essa indicação.
Dentre os antidepressivos, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina podem estar associados ao Lítio com menor risco de indução de hipomania, mania e ciclagem rápida, em comparação aos antidepressivos tricíclico. Os inibidores da monoaminoxidase devem ser considerados como escolha em pacientes com Depressão Bipolar Anérgica.
A terapia eletroconvulsiva mostrou ser muito eficaz em pacientes com quadros graves e com risco de suicídio ou alterações psicóticas. As demais formas de tratamento, incluindo psicoterapia, privação de sono, fototerapia e drogas mais modernas, necessitam ainda de pesquisas adicionais.
Embora o tratamento da Depressão Bipolar possa ser uma tarefa clínica difícil, os esquemas de tratamento estão se tornando mais numerosos e adequados. Pesquisas adicionais, especialmente sob forma de ensaios randomizados controlados, são necessárias.
O Lítio parece diminuir a chance de demência
Tem sido cada vez mais cogitado que o lítio teria capacidade neuroprotetora, reduzindo assim o risco de desenvolvimento de demência na senilidade. Algumas conclusões puderam ser extraídas de um estudo de comparação entre todos os pacientes que receberam lítio em tratamento psiquiátrico na Dinamarca entre janeiro de 1995 e dezembro de 2005 (10 anos) e uma amostra aleatória da população geral.
Tal estudo avaliou 16.238 pacientes que compraram lítio nas farmácias da Dinamarca em comparação com 1.487.177 pessoas da população geral que não compraram essa substância.
As pessoas que continuaram comprando o lítio, indicativo de que continuaram o tratamento à base dessa substância, a taxa de demência de Alzheimer diminuiu até ao nível da população geral. O mesmo não se observou com compradores de anticonvulsivantes. O trabalho concluiu que a taxa de demência manteve-se a mesma da população geral em pessoas com tratamento continuado com lítio.
Outros estudos mostraram que o lítio pode ser útil no tratamento da Doença de Alzheimer. Investigações experimentais mostraram que o lítio é capaz de induzir maior produção de uma proteína neurotrófica protetora, BDNF, a qual se encontra diminuída em portadores da Doença de Alzheimer.
Esse estudo acompanhou variações nos níveis de BDNF durante 10 semanas. Pacientes com Alzheimer e tratados com lítio tiveram um aumento nos níveis de BDNF e melhora na cognição. O aumento de BDNF teria um efeito neuroprotetor, melhorando assim o déficit cognitivo próprio dessa doença.


Texto baseado na Resenha de Neuropsiquiatria, resumo dos artigos da revista Journal Clin Psychiatry, 2000: 61 (sup 9) dos autores: Alec Coppen, Charles B. Nemeroff, Charles L. Bowden, Jai N. Giedd, Jair C. Soares e Samuel Gershon, Kay R. Jamison, Michael T. Compton, Robert H. Lenox
Farmácia

para referir:
Ballone GJ, Moura EC - Lítio e Litioterapia, in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2008.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Rosa Adry


Rosa Adry


Tu és para mim uma prece!...
Oro curvado aos teus pés
E rogo-te em nome do Amor
Que embala o nosso viver,
A eterna fidelidade de Amar!...

E nesta amplitude de querer e possuir,
Triste e desesperado,
Ajoelho-me apaixonado,
Clamando o teu corpo - alucinado prazer...
Envolvido no calor da tua boca e desejo.

E neste bailar das nossas vidas,
Aninhado ao teu lindo e alucinante corpo,
Oh doce Nina!... Aninha!... Nininha do céu...
Rosa Adry dos dias meus...
Vem, bela e formosa Menina/Mulher!...

A ti, suplico exaustivamente
O silêncio de minha dor,
E o desespero da minha paixão...
E nesta Tempestade de Amor e Tudo, e Nada,
Desmaio e morro sobre o teu corpo e encanto, minha Doce Amada...

E enquanto tu celebras a tua alegria
Em saudosa sinfonia de Aniversário de Natalício,
Eu, morto e esquecido, vou rasgando um papel
Mofado e amarelado: "um contrato de casamento",
Para construir uma união estável onde possamos Viver e Amar.

Serena, brava, ousada e cheirosa é a minha Menina...
Beijo-te e degluto a saliva para me alimentar...
Desta forma, Minha Nininha, vivemos a transição
De um mundo tortuoso e cheio de indiferença,
Para mergulharmos no oceano de vida, Amor e Amar...

Poema do Silêncio




Poema do Silêncio

(José Régio)*

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

*José Régio, in As Encruzilhadas de Deus(poeta português).

quinta-feira, 27 de março de 2014

A Morte Não Manda Recado…

21 de março de 2014
 

(evangelista da silva)

 

Amanhecera…


Meu pai… eu não estou passando bem.
Pronto Tiago, vamos ao médico, agora.


Respondera-me que não. Estava sentindo-se melhor.
Como que melhor?… Vamos ao médico…
Insistira em dizer não. Não precisa.


Troquei de roupa. Desisti de tudo. Vamos…
Não. Não precisa. Estou melhorando.


Embora distante mil metros… muito perto.
A minha insistência de nada valera.
Deveria não acreditar e ter ido ao seu encontro…


Preocupado eu insistia em saber como estava.
Perdi contato. Senti telefone ocupado. Fiquei menos preocupado.
Estava falando com alguém…


Eis que de repente liga o irmão: - painho, sobe correndo que Tiago desmaiara. Senti a realidade. Fiquei Descontrolado e trêmulo. Louco. Não sabia agir. Saí correndo. Eu sabia!…


Ao primeiro aviso teria ido sem desculpas de melhora.
Errei. Não entendo o meu comportamento…
Estava morto. Que arrependimento…
A culpa corroi a minh’alma…


E à tarde começara vazia, triste e abandonada…


Estou em desgraça…
Sentindo-me culpado…
Só…

  • Bahia, 26/03/2014.

Hei, Menina!!!

Linda...

Hei!!!

Poético

Cochila Amor...

O que falar para alguém que está prestes a morrer?


  

20out
Interrompi meus posts usuais para responder a esse e-mail que me chegou hoje cedo.
Nós achamos que estamos longe disso!
“Olá Fred,
Já que a Dona M. tomou coragem e confessou que nunca amou o marido de 30 anos eu tomei a liberdade de mandar esse e-mail.
Enviei logo cedo após receber meus remédios para que você pudesse ler logo que acordasse. Espero que não se importe.
Estou há uma semana internado num bom hospital e entre um mal-estar e outro tenho lido seu blog. Logo que me internei um amigo me disse: acho que agora é hora de pensar sobre a vida. Sou viciado em tecnologia, peguei meu iPad (foi a única coisa que pedi que os médicos não me tirassem) e digitei no Google “sobre a vida”. Surgiu seu blog e confesso que pensei “mais um blog de merda falando blábláblá”. Não dei confiança, mas depois de não achar nada muito interessante voltei ali.
Tenho 28 anos, minha barba cultivada com gosto para que eu aparente mais idade está caindo, isso me aborrece.
A questão que me intriga é que vou morrer e não sei o que fazer diante da morte. Vou morrer em breve, talvez eu não receba sua resposta. Claro que não estou pendente disso para morrer (isso está infelizmente fora de minhas mãos), mas filhadaputamente o padre que veio me visitar e não gostei do que ouvi. Sei que ele trouxe palavras bondosas, mas tão vazias de real sentido para mim que aproveitei que eu estava vomitando que nem um desgraçado para enxotar aquele velho de batina. Minha doença me consome rapidamente e não acredito em nada para além desta vida, nem preciso acreditar. Sou ateu (o máximo de fé que tenho é fazer figuinhas, pois mamãe me ensinou e lembro dela quando faço) e sinceramente não me culpo por isso.
Tive uma vida cheia de acontecimentos, aproveitei tudo mesmo, sem exageros ou excentricidades. Minha doença é um tipo de problema genético, raro e fatal. Os médicos não afirmam nada (eles sempre estão um pouco emburrados), mas já pesquisei na internet e realmente acho que vou bater as botas mais rápido do que eu queria.
Fiquei pensando o que você, como psicólogo, teria a dizer para alguém que tem algunas horas ou dias de vida ainda pela frente? Se eu não conseguir ler a resposta espero que ajude alguém nas mesmas condições ou que ajude qualquer um.
Abraço,
R.”
Caro R.
Acho que não estou em posição de aconselhar alguém que está em uma condição única e porque não dizer privilegiada como a sua. Sim, privilegiada. Estar diante do próprio fim e fazer a pergunta certa não é tão simples.
Já que você digitou no Google SOBRE A VIDA, vou falar algumas coisas que penso sobre a vida. Espero que sirvam.
Na vida eu finjo que não tenho medo da morte faz muito tempo. Eu tenho construído um castelo de certezas, de virtudes e de sentido para simplesmente negar o fato de que vou morrer, assim como você.
Na vida vi que todas as amizades que tenho são para me deixar menos sozinho comigo mesmo. Além disso evitar saber que tudo irá acabar de um momento para o outro. Mas elas dão um colorido diferente para o passar dos anos. Algumas valem a pena cultivar, outras são passageiras e deixam uma marca, algumas temos o dever moral de levar para a vida inteira.
Na vida não tenho certeza de nada e noto que a maior parte das pessoas não tem. Mas não perdemos a irresístivel atração em fingir que sabemos de tudo. Antes eu ouvia os bons conselhos, agora duvido deles. Sempre me parecem demasiado polidos ou conservadores. Como aquelas tias velhas que tem medo de atravessar a rua e recomendam que você não faça o mesmo.
Com as críticas ainda tenho dificuldades, confesso que quando me dizem que sou metido a sabichão ainda fico meio doído. Acho que é pelo fato de que a pessoa ainda não me conheceu de verdade e me julga pelas minhas defesas. A prepotência que me resta é só um jeito falsamente forte que encontrei para que eu não seja inundado pelo mar de amor que sinto, mas me fragiliza.
Pelo visto você é uma pessoa que foi agraciada pelo bem estar financeiro. Isso é excelente, com o tempo aprendi que o dinheiro pode ser um grande amigo de boas realizações. Que ele é a chave mestra que reflete o fruto do meu trabalho e que me abre portas para conhecer coisas que eu nunca poderia sem ele. O dinheiro não é meu inimigo e nem meu amigo, apenas um cúmplice daquilo que quero ser. O meu dinheiro sou eu em forma de notas. O dinheiro de cada um reflete o que a pessoa é.
Também me parece que você é muito amado pelas pessoas. Essencialmente cercado de pessoas boas que te recomendam no momento mais difícil que pense sobre a vida. Isso parece que é a grande fórmula para viver e morrer feliz. Nos cercamos de muitas pessoas que nos fazem mal, nos colocam para baixo e subestimam nossa capacidade. Elas querem nos ajudar de um jeito que reforça nossa infantilidade e passividade na vida. Com o tempo procurei selecionar as pessoas do meu convívio. Conheci amigos maravilhosos, terminei relacionamentos que me faziam mal e cultivei bons hábitos como me encontrar sempre que possível com as pessoas que eu amo. Meus livros que eu tanto adorava ler com exclusividade absoluta agora estão um pouco de lado. Ainda os amo, mas livros sem pessoas são apenas folhas sem sentido. O verdadeiro livro que sempre quis escrever já está sendo escrito no longo dos meus dias. Acho que o seu livro não-publicado deve ter excelentes páginas e narrativas memoráveis. Deixe que isso te alegre, inclusive agora.
Com o tempo eu percebi que a cereja do bolo da minha vida não foi composta de grandes eventos ou celebrações. Mas foi no tecido invisível dos minutos discretos que ninguém reparava. Eu sempre soube que aqueles pequenos gestos de gentileza é que realmente fazem a diferença. Acordar um pouco mais cedo para dar a mão para uma pessoa. Levantar da cama antes e pegar o copo d’água. Consolar uma lágrima que não foi anunciada. Pequenas coisas pelas quais você não vai ganhar nenhum prêmio ou recompensa e ainda assim devem ser feitas.
Meu caro R. tenho medo, muito medo de tudo. Medo de falhar, fracassar, decepcionar, fraquejar, deprimir até parar com tudo e ficar maluco, as vezes enfrento dias difíceis (na minha cabeça) que penso que não vou aguentar. Mas administro esse medo da seguinte maneira, sei que são apenas medos, nada além disso. Um jeito meio menino de fantasiar as coisas maiores do que realmente são só para que depois eu brinque de super-homem. Afinal quanto maior meu obstáculo, mais eu acho que fui invencível na superação.
Hoje tenho rido muito mais de mim, sou um desastrado. Não sei cortar uma melancia sem sujar toda a pia e ela ficar parecida com um leque torto e feio. Me perco no transito, mesmo com GPS. Falo coisas fora de hora. Confesso meu amor antes do tempo. Tolero coisas intoleráveis por mais tempo que devia. Sou um bobo incorrigível. Mas, afinal, essa é a versão improvisada de mim mesmo, sei que com o tempo esse eu de hoje será uma lembrança pálida no eu de amanhã. Então rir de mim me ajudou a não me magoar tanto ou me levar tão à sério), afinal todos somos rascunhos da vida. Perdidos como ratos pelados.
Lidar com pessoas sempre foi um desafio para mim. Sou sensível ao extremo, um sorriso me levanta e um olhar de desaprovação me derruba. Comecei a entender, a duras penas que não posso ter controle do que os outros sentem por mim. Se você me odeia problema seu, se me ama também. Pode parecer uma visão radical ou uma fala grosseira. Mas se pudesse me ouvir agora dizendo isso seria com uma voz doce e com sorriso nos olhos. O ódio que sente por mim é responsabilidade sua, o amor que sente também. O máximo que posso fazer é dançar em volta do seu coração até que seu ódio se acalme e me veja humano (com o que tenho de bom incluído) e seu amor se consolide e me veja humano (com o que tenho de pior incluído).
Acho que o mais difícil de morrer deve ser imaginar que não veremos mais aqueles que amamos. Quando trabalhei com pessoas com câncer (doença nem sempre rápida e fatal) aprendi que a melhor despedida acontece com as relações que foram mais completas e sem falsidades. Se tivemos uma relação truncada, conflituosa e cheia de pendências o luto é mais difícil. Nesse momento tente diminuir as suas pendências e diga o que vem no fundo do seu coração para os outros. Não hesite, você não tem mais nada a perder. Literalmente.
Posso dizer que o amor e o trabalho sempre me guiaram. Mas sei que o amor é um enigma. Hoje me parece muito mais um grande campo em que muitos eventos acontecem por ali. Toda a vez que tentei cercar demais a pessoa amada ela se foi, deixar ela pra lá em demasia também não funcionou. A melhor garantia que posso oferecer hoje é que onde eu estiver estarei ali.
Já fique muito preso ao passado e tudo o que não funcionou ali. Também já fiquei afoito para que o futuro chegasse logo e ele nunca chegou quando eu queria. Então decidi colocar o rabo no meio das pernas e viver aquilo que eu consigo hoje. As vezes minha cabeça me engana e tenta me sequestrar para frente ou para trás. Então eu digo para minha mente “ei, dá uma olhadinha nesse momento entediante, podemos fazer algo com isso, que tal?” e numa fração de segundos a minha mente faceira corre para brincar comigo no presente de novo.
Sou tão jovem quanto você, então não encare como presunção tudo o que eu disse. Posso garantir que existem vidas muito mais interessantes que a minha para você tomar por exemplo. Minhas grandes vivências aconteceram mais no fundo do meu coração do que na vida concreta. No entanto, foi a vida que me coube viver e que me satisfez até agora. A sua vida é a melhor que você pode viver, olhe com compaixão por ela, nada acrescente nela e muito menos mutile. Tudo ali é do tamanho que devia ter. Até sua barba que se despediu de você.
Quando olhamos uma vela temos a ilusão de que ela irá apagar quando a cera chegar ao fim. As vezes acaba antes, outras a luz continua depois. No seu caso, sua vela está te surpreendendo, em alguns minutos. A minha pode me surpreender, assim com todas as pessoas que amamos. Estamos no mesmo barco.
Minha curiosidade (mal que não quero tirar de mim) vai me dizer para que dê um retorno caso tenha conseguido ler. Sei que os leitores do blog vão pedir o mesmo. Então se puder, mande um sinal de fumaça. Sei que esse texto vai ajudar mais quem ficará vivo (ou finge que está vivo como eu) por um pouco mais de tempo que você. Mas se te ajudar em algo, já fico mais que satisfeito.
Ah, se eu pudesse falar uma última coisa seria morra o mais vivo que puder
Um abraço meu caro, longa vida enquanto ela existir!
_____________________
Vou fazer o update do que aconteceu no dia de hoje:
Meu irmão pediu que eu enviasse esse e-mail para você assim que falecesse. Ele me mostrou o texto do seu blog emocionado e falou coisas muito bonitas sobre o amor que sentia por todos nós e se desculpava se nem sempre estava tão presente quanto gostaria. Acrescento que ele partiu essa madrugada de sexta-feira tranquilamente e sem dor, abraçado com papai e seu iPad (inseparável, aposto que vai procurar o Steve Jobs). Sentiremos muito a falta daquele menino que sempre tinha uma palavra carinhosa e um sorriso pronto nos lábios.
Querido Fred

Fiquei comovido com a honestidade em revelar aspectos da sua vida de um jeito tão afetuoso, gentil e claro. Eu também não sei cortar melancia direito. Achei de extremo carinho você não tentar me convencer de nada como fez o padre.
Nas suas palavras vi que a maior expressão do espiritual é a própria vida e as pessoas à nossa volta: o amor que me une à minha família e os meus amigos. Pensando assim, o meu quarto estava absurdamente lotado de coisas espirituais agora à pouco e pedi que todos me deixassem à sós por minutos para poder escrever essa mensagem. Prefiro que ela seja entregue à você quando eu morrer. Agora posso falar sem peso sobre a morte, pois sei que deixarei meu legado com todos: minha memória.
Meus amigos trouxeram um violão e me cantaram músicas que eu gosto (uma delas http://www.youtube.com/watch?v=L3eiOMQVUqs). Meu pai fez bolo de laranja com suco de cajú de dar lombriga. Minha irmã recitou um poema de Vinícius de Moraes que me emociona. Minha namorada só chora e me beija (energia feminina pura) – bem que eu podia durar mais uns dias ;). Meu primo trouxe um pendrive com imagens do meu cachorro latindo para a camera. Mamãe já falecida, me veio fortemente na memória. Não tenho a pretensão de reencontrá-la, pois no meu coração ela nunca partiu. Estou meio sensível hoje! heheheh
Obrigado pela rapidez e prontidão em me responder, nem esperava um post para mim (mentira) e senti o carinho dos seus leitores. Se puder crie uma nota de falecimento no Facebook e peça a eles que compartilhem seu texto com todo mundo (quero ser um morto virtual famoso rsrsr). As pessoas à sua volta tem sorte em tê-lo em suas vidas, pena não ter sido seu paciente ou amigo. Fucei na internet (sou stalker) e vi que fará 31 anos em breve, parabéns psicólogo!
Após cremado, quando as cinzas forem atiradas ao mar digam: aqui nada um homem feliz! :)
Seguirei seu conselho: quero estar bem vivo quando eu morrer!
Um abraço e longa vida a você também…
Do amigo que parte, R.”
Hoje meu amor fica sem palavras e como foi pedido por R. se quiser compartilhe essa nota de falecimento.

É Lindo de se Ver...