Por Carlos Alberto Pereira de Castro[1] e João Batista Lazzari[2].
1. Introdução
Sabe-se que um dos principais entraves para o efetivo acesso à Justiça no Brasil é a demora na prestação jurisdicional, causada por diversos fatores – excesso de processos em tramitação, falta de uma adequada estrutura nos órgãos do Poder Judiciário, ineficiência de outras formas de solução de conflitos etc.
Quando um dos litigantes é o próprio Poder Público, somam-se a estes aspectos alguns outros, como a concessão legal de prazos diferenciados e o problema da efetivação da decisão judicial, muitas vezes dependente da expedição de precatórios.
A Lei n.º 10.173, de 09.01.2001 – Estatuto do Idoso – alterou o Código de Processo Civil de 1973 para dar prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em que figure como parte pessoa com idade igual ou superior a 65 anos.
Posteriormente, a Lei n.º 12.008, de 29.07.2009, ampliou o benefício ao estabelecer em favor da parte ou interessado com idade igual ou superior a 60 anos, e à pessoa portadora de doença grave e, ainda, aos processos e procedimentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Tal prioridade foi mantida no novo Código de Processo Civil
[3] com a seguinte redação:
Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação em qualquer juízo ou tribunal os procedimentos judiciais:
I – em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6.º, inciso XIV, da Lei n.º 7.713, de 22 de dezembro de 1988
[4];
II – regulados pela Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990
[5].
§ 1.º A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.
§ 2.º Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.
§ 3.º Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite ou companheiro em união estável.
§ 4.º A tramitação prioritária independe de deferimento pelo órgão jurisdicional e deverá ser imediatamente concedida diante da prova da condição de beneficiário.
Essa norma processual tem significativa importância para dar maior celeridade às ações previdenciárias, pois a maioria das pessoas que litigam contra órgãos previdenciários são idosas ou gravemente doentes e, por isso, merecedoras de tratamento diferenciado. Por isso, convém explicitar o tema e sua aplicabilidade nas lides entre beneficiários da norma e os órgãos previdenciários, bem como nas lides acidentárias, o que se constitui no objeto deste estudo.
Deve-se frisar, ainda em caráter introdutório, que a regra, no campo do Direito Previdenciário, atinge situações relacionadas aos benefícios e serviços do Regime Geral de Previdência Social; às prestações da Lei Orgânica da Assistência Social; aos benefícios de Regimes Próprios de Previdência de titulares de cargos efetivos – RPPS; e evidentemente, às demandas envolvendo complementação de aposentadorias, devidas por entidades de Previdência Complementar.
2. Beneficiários da prioridade de tramitação
A norma beneficia todas as ações que são disciplinadas pelo Direito Processual Civil que envolvam interesses:
a) de pessoas idosas, assim consideradas as que tenham idade igual ou superior a 60 anos, homem ou mulher;
b) de pessoas portadoras de doenças graves, catalogadas na Lei 7.713/1988, art. 6.º, inciso XIV – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação e síndrome da imunodeficiência adquirida – independentemente de idade ou sexo;
c) de crianças e adolescentes que sejam parte nos procedimentos regulados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, especialmente (1) a perda ou suspensão do poder familiar; (2) deferimento/destituição da tutela; (3) colocação em família substituta; (4) apuração de ato infracional atribuído a adolescente; (5) apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente; (6) concessão da emancipação, na falta dos pais; (7) processos de adoção e guarda judicial; e (8) cancelamento, retificação ou suprimento dos registros de nascimento e óbito.
Um adendo se faz necessário: a lei processual civil não estendeu o benefício de prioridade de tramitação aos portadores de necessidades especiais – PNE. Curiosamente, a mesma Lei 12.008, que hoje vigora no Direito Processual Civil (o novo CPC somente entrará em vigor em março de 2016), estendeu a prioridade a pessoas portadoras “de deficiência física ou mental” (texto da lei)
nos processos e procedimentos administrativos (art. 69-A da Lei 9.784/1999), mas não em processos judiciais. O novo CPC não modifica a regra em comento, mas também não estende a priorização de trâmite aos PNE.
Disso se extrai uma conclusão interessante sob o enfoque da Prática Processual Previdenciária: em se tratando, por exemplo, de pessoa portadora de necessidade especial que necessite demandar o INSS para obtenção de benefício previdenciário ou assistencial, considerando a prioridade deferida no âmbito dos processos administrativos (e não nos judiciais), por vezes pode ser mais interessante provocar a decisão revisora do indeferimento utilizando-se do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, protocolando o competente recurso à JRPS contra a decisão indeferitória, em vez de ingressar em Juízo – desde que requeira, é claro, a aplicação da regra de tramitação preferencial (art. 69-A da Lei 9.784/1999).
Outra conclusão interessante é a que envolve os processos judiciais perante o Juiz da Infância e Juventude, que também recebem o tratamento diferenciado da lei processual. Muitos destes feitos envolvem direitos que repercutem diretamente no Direito Previdenciário, como por exemplo, os processos de adoção, que geram para os segurados adotantes o direito à licença de 120 dias prevista na Lei 8.213/1991, arts. 71-A a 71-C, com a atual redação conferida pela Lei 12.873/2013, ou aqueles em que se atinge a condição de dependente para fins previdenciários, no caso de reconhecimento de paternidade
post mortem, visando obter a pensão por morte.
3. Prova da condição de beneficiário da norma
Como se observa da regra em discussão, é ônus da parte interessada a comprovação da sua condição de beneficiária da prioridade de tramitação. Quanto ao critério etário, tal prova se faz pelo registro civil ou documento de identificação (RG, CPF) que comprove a idade de 60 anos ou mais. Porém, para a comprovação da doença grave, bastaria um atestado médico prestado por médico particular, ou seria necessária a manifestação de um órgão oficial,
v.g., pertencente ao Sistema Único de Saúde?
A Lei 7.713/1988, ao tratar do tema para fins de isenção do imposto sobre a renda, exige a realização de “perícia médica oficial”. Porém, embora a lei assim prescreva, tal condição não se mostra absoluta, devendo-se ponderar a razoabilidade da exigência legal no caso concreto.
Entende-se que a finalidade da norma que requer “(…)
laudo pericial emitido por serviço médico oficial (…)” é prestigiar a presunção de veracidade conferida aos atos administrativos emanados de agente público.
Contudo, as moléstias descritas no art. 6º da Lei 7.713 podem ser comprovadas na via judicial por outros meios, dado que o magistrado tem liberdade para realizar a valoração jurídica da prova. Nesse sentido, os precedentes do STJ (
AgRg no Ag 1.194.807/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, julgado em 17.06.2010, DJe
01.07.2010; REsp 1.088.379/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe
29.10.2008; e REsp 749.100/PE, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ
28.11.2005; REsp 302.742/PR, 5.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ
02.08.2004).
O diagnóstico também não necessita ser recente, ou contemporâneo, se a doença é notoriamente incurável, ou de difícil cura. Nesse sentido, ainda que aplicando a regra para efeito de isenção do Imposto sobre a Renda:
Reconhecida a neoplasia maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 (TRF da 4.ª Região, 1.ª T., Ap. Cível 5069146-80.2013.404.7100, Rel. João Batista Lazzari, julgado em 04.02.2015).
A prova pode ser realizada a qualquer tempo no curso do processo, de modo que, uma vez feito o requerimento e produzida a prova da condição, deve ser aplicada a preferência na tramitação processual.
Em caso de não ter havido a devida comprovação quando de um primeiro pleito nesse sentido, o eventual indeferimento por tal motivo não acarreta preclusão; ou seja, é possível realizar novo requerimento nos mesmos autos, com a comprovação que havia faltado na primeira postulação.
4. Abrangência nas intervenções de terceiros
O texto de lei, como visto, se refere ao beneficiário como a “parte ou o interessado”. Entretanto, podem surgir dúvidas acerca da abrangência da previsão legal para as situações de intervenção de terceiros. Dado o sentido da norma, não parece cabível a limitação a qualquer situação processual, mesmo na condição de terceiro, como já decidiu o STJ:
Processual civil – Prioridade na tramitação processual (…) – Abrangência do benefício – Intervenção de terceiro – Assistência. 1. O art. 1.211-A do CPC, acrescentado pela Lei n.º 10.173/2001, contemplou, com o benefício da prioridade na tramitação processual, todos os idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos que figurem como parte ou interveniente nos procedimentos judiciais, abrangendo a intervenção de terceiros na forma de assistência, oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide ou chamamento ao processo. 2. Recurso especial provido. (STJ, 2.ª T., REsp 2004/0118684-0, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 28.02.2005, RDDP, vol. 26 p. 216).
5. Procedimento para a concessão
Os atos e diligências a serem realizados nos feitos atingidos pela aludida norma terão prioridade na tramitação em todas as instâncias. Isso significa que até mesmo perante os Tribunais Superiores pode ser requerido – e deve ser deferido – o trâmite prioritário.
O § 1.º do art. 1.048 do novo CPC, repetindo a norma já vigente, indica que “o interessado na obtenção desse benefício, juntando prova de sua condição, pode requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas”. Portanto, a tramitação diferenciada não será concedida de ofício pelo órgão judicial, dependendo de iniciativa da parte interessada.
A nosso ver, nas lides previdenciárias e sobre benefícios assistenciais, considerando a hipossuficiência do beneficiário, a regra poderia avançar para determinar a prioridade independentemente de requerimento da parte.
Há uma aparente contradição entre os §§ 2.º e 4.º do dispositivo aprovado no novo CPC. O primeiro destes dispõe que, “
deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária”; porém o segundo estabelece que “a tramitação prioritária
independe de deferimento do órgão jurisdicional e deverá ser imediatamente concedida diante da prova da condição de beneficiário”.
A conclusão lógica a que se pode chegar é que não cabe à autoridade judiciária indeferir o requerimento de trâmite prioritário, pelo que o “deferimento” se constitui em mero despacho para que sejam tomadas as providências tendentes à identificação do processo como de tramitação preferencial.
Importante frisar que a prioridade de tramitação não cessa com a morte do beneficiário, autor originário da demanda, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira em união estável que prossiga no feito ajuizado por aquele.
6. Extensão da regra aos processos que tramitam na justiça do trabalho
Embora a lei processual civil seja omissa a respeito, desde a vigência do Estatuto do Idoso, que indicava ser a regra de priorização aplicável em todos os órgãos do Poder Judiciário, prevalece o entendimento de que, uma vez requerido pelo interessado, também cabe a tramitação prioritária nas ações de competência da Justiça do Trabalho, em que se incluem, por exemplo, as demandas de indenização por danos acidentários, movidas pelo trabalhador contra seu empregador, ou pelos dependentes daquele, em caso de acidente fatal.
7. Aplicação da regra em casos de litisconsórcio
Dúvidas sobre a aplicação da regra poderiam advir quando de ações nas quais figurem como litisconsortes pessoas que teriam direito à prioridade e outras que não teriam. Seria o caso,
v.g., de pedido de pensão por morte pelo conjunto de dependentes, em que a pessoa viúva seja idosa, mas os demais dependentes (filhos) não sejam protegidos pela regra.
Caso o idoso ou portador de doença grave requeira o benefício, este é cabível, mesmo quando haja litisconsortes que não preencham os requisitos?
A resposta afirmativa é encontrada em julgados do TJSP, como o a seguir ementado:
Tramitação prioritária. Possibilidade. Arts. 1.211-A, CPC, e 71, Estatuto do Idoso. Irrelevante haver no processo litisconsortes com idade inferior à definida na lei. Recurso parcialmente provido (Ap. 0036028-51.2013.8.26.0053, Rel. Marcelo Semer, 10.ª Câmara de Direito Público, publ. 04.03.2015).
Para esta corrente, nem mesmo o fato de o litisconsórcio ser meramente facultativo excluiria a regra: TJRS, AI: 70062998018, Rel. Marcelo Bandeira Pereira, 21.ª Câmara Cível,
DJ 02.03.2015.
Todavia, na Justiça Federal os precedentes são no sentido oposto quando há litisconsórcio facultativo:
Processual civil. Execução de sentença. Idoso. Prioridade de tramitação. 1. O fato de algumas partes terem idade superior a sessenta anos não autoriza a concessão de tramitação prioritária ao feito. 2. Os benefícios da Lei n.º 10.173/2001 somente se aplicam quando todos os demandantes preenchem os requisitos exigidos para gozar da prioridade de tramitação, sob pena de indevida extensão do benefício e distorção dos fins a que se presta o diploma legal. 3. A formação do litisconsórcio é opcional e, sabidamente, enseja maiores dificuldades processuais, que devem ser arcadas pelas partes que assim escolhem (TRF da 4.ª Região, 3.ª Turma, AI 5005257-78.2014.404.0000, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 08.05.2014).
Dessa forma, há controvérsia firme a respeito do assunto, cuja solução precisa de provocação para a devida uniformização.
8. Prioridade no recebimento de valores na fase de cumprimento da decisão judicial
Mais uma indagação relevante pode surgir quando num mesmo processo haja litisconsortes abrangidos pela regra de prioridade e outros não abrangidos: é cabível a prioridade também na satisfação dos créditos, entre uns e outros?
Na Justiça do Trabalho, há precedente em sentido positivo:
Execução. Múltiplos credores trabalhistas. Preferência do exequente idoso quanto ao recebimento de valores decorrentes de aluguel de imóvel da executada. Art. 1.211-A do Código de Processo Civil e art. 71 do Estatuto do Idoso. Interpretação à luz da proteção constitucional conferida ao idoso e da efetividade da prestação jurisdicional. Agravo de petição pretendendo o deferimento de prioridade na ordem de recebimento do crédito em face de outros credores trabalhistas. Sendo o valor recebido a título de aluguel do imóvel da executada, a única fonte de recursos financeiros voltada para a liquidação dos créditos trabalhistas é de se considerar como certa a perspectiva de demora para a respectiva quitação total. Nos termos do art. 71 da Lei 10.741/2003, “é assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância”. A interpretação do texto legal deve se dar à luz da proteção especial que o art. 230 da Constituição da República confere ao idoso, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, e, especialmente, sob o prisma da razoável duração do processo e da efetividade da prestação jurisdicional, de modo a se concluir pela prioridade na execução de atos abrange também o bloqueio e recebimento de créditos futuros. Demonstrado pelo exequente que cumpre o requisito etário posto pela legislação, deve ser dado provimento ao recurso (TRT da 3.ª Região, 7.ª T., Ag. Pet. 0054300-07.2000.5.03.0032, Rel. Marcelo Lamego Pertence, DEJT 02.09.2013).
9. A prioridade aos idosos e portadores de doenças graves nos precatórios
A EC n.º 62, de 11.11.2009, alterou o art. 100 da Constituição Federal e acrescentou o art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Entre as novidades ali estabelecidas está a previsão de que os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei como de pequeno valor (na esfera federal, 60 salários mínimos), admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório (com preferência sobre os créditos comuns).
O STF, no entanto, ao julgar a ADI nº 4.425/DF quanto à aludida EC, julgou-a parcialmente procedente: no tocante ao tema, manteve a regra de prioridade, ou seja, não declarou a inconstitucionalidade da preferência, mas afastou a limitação contida na EC 62, que concedia a benesse apenas a quem tivesse a idade de 60 anos na data da expedição do precatório. O conteúdo da ementa do acórdão relativo à matéria segue abaixo transcrito:
CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA” A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5.º, CAPUT). (…)
2. O pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5.º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional n.º 62/2009.
3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, § 2.º, da CF, com redação dada pela EC n.º 62/2009, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5.º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento. (…) (ADI n.º 4.425/DF, Rel. Min. Ayres Brito, Redator p/ acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 19.12.2013).
Dessa forma, a prioridade no pagamento de precatórios deve ser atendida toda vez que o requerente possua a idade de 60 anos ou seja portador de doença grave, mesmo que tais condições tenham sido adquiridas depois da expedição do precatório, permitido o fracionamento do crédito e o sequestro de valores. É o que vem decidindo o TST:
Conforme orientação jurisprudencial pacífica do Tribunal, resta consagrado, por inúmeros precedentes da Corte, que a Emenda Constitucional n.º 62, de 09.12.2009, por meio da qual se deu nova redação ao art. 100 da Constituição da República, reconheceu prioridade aos créditos de natureza alimentar cujos titulares sejam pessoas idosas ou portadoras de doença grave, na forma da lei. Salienta a Corte naqueles pronunciamentos que “a regra introduzida com o novo § 2.º do referido dispositivo constitucional afirma, de modo inexorável, a supremacia do direito à vida (de que é corolário o direito à saúde) e à dignidade do ser humano, reconhecendo aos grupos ali identificados prioridade na tramitação dos respectivos precatórios alimentares, até o limite de três vezes o montante atribuído às dívidas de pequeno valor. Buscou-se, assim, resguardar idosos e portadores de doenças graves dos efeitos deletérios da demora inerente à tramitação dos precatórios, capaz de comprometer o seu direito a uma vida digna. Haverá hipóteses, entretanto, em que mesmo a tramitação preferencial não será capaz de prevenir danos graves e irreversíveis à dignidade, à saúde e à própria existência de parcela desse grupo especial de credores. Com efeito, aos portadores de doenças graves em estágio tal que se defrontem com o risco de dano irreversível à sua saúde ou mesmo risco de morte, não se pode impor o ônus de aguardar a longa tramitação administrativa do precatório, ainda que processado de forma preferencial. Em tais circunstâncias especiais, e visando a assegurar a máxima efetividade à regra constitucional antes enunciada, justifica-se a exceção à regra dos precatórios, restando autorizado o sequestro do montante necessário à satisfação imediata dos direitos fundamentais do credor. Hipótese em que não se divisa violação do art. 100 da Constituição da República, mas exceção justificada pelos mesmos princípios que informam a regra consagrada no seu § 2.º” (Processo TST-RO-5241-86.1997.5.04.0821, Rel. Min. Lélio Bentes). Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TST, RO 12425-77.2010.5.04.0000, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Órgão Especial, DEJT 21.10.2011).
10. Considerações finais
O fenômeno aqui estudado envolve, é certo, questões muito mais complexas, de cunho estrutural, pois se o Poder Judiciário estivesse devidamente aparelhado para solucionar as demandas que lhe são submetidas em tempo razoável não seria necessária a produção de normas desse gênero, que acarretam não uma solução definitiva, mas apenas um paliativo para o problema da morosidade.
Com certeza, outras pessoas também merecem essa distinção no processo judicial, tais como, as portadoras de deficiência, física ou mental, ou PNEs, que passaram a ter o privilégio na tramitação apenas nos processos administrativos, por força da Lei n.º 12.008/2009. Da mesma forma, poder-se-ia sustentar o cabimento da prioridade para os reconhecidamente pobres, ou desempregados, ou órfãos, quando demandam na busca de Direitos Sociais Fundamentais – verbas que assumem papel primordial na preservação da subsistência do indivíduo e de seus dependentes.
A norma legal não tem como contemplar a todos, pois, se generalizada, poderia não trazer o resultado esperado. Em verdade, necessita-se de um Judiciário mais célere para todos.
No entanto, iniciativas de caráter geral para aproximar a Justiça do cidadão, como a que criou os Juizados Especiais Cíveis na Justiça Federal, desde que dotadas de condições para a solução dos litígios, são um bom exemplo a ser seguido pelos legisladores para melhorar a prestação jurisdicional no Brasil. Enquanto isso não acontece, cumpre a nós conceder a máxima efetividade possível às normas de proteção aos hipossuficientes, reconhecendo-se que atualmente a prioridade aos idosos e portadores de doenças graves é uma delas.
[1] Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor da Escola Nacional da Magistratura Trabalhista. Professor honoris causa da Academia Superior da Advocacia Trabalhista de Santa Catarina. Membro emérito do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Titular da Cadeira n. 17 da Academia Catarinense de Letras Jurídicas. Coautor das obras: Manual de Direito Previdenciário (17. ed., 2015) e Prática Processual Previdenciária (6. ed., 2015), ambas pela Editora Forense.
[2] Juiz Federal Presidente da 3ª Turma Recursal dos JEFs de Santa Catarina. Juiz da Turma Regional de Uniformização dos JEFs da 4ª Região (TRU/4) e da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs (TNU). Mestre e Doutor em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em Regime de tutela/Dupla Titulação com a Universidade de Perugia (Itália). Professor de Direito Previdenciário da Escola Superior da Magistratura Federal e da Magistratura do Trabalho em Santa Catarina. Professor em Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário. Coautor das obras: Manual de Direito Previdenciário (17. ed., 2015) e Prática Processual Previdenciária (6. ed., 2015), ambas pela Editora Forense.
[3] Lei 13.105, de 16 de março de 2015.
[4] A Lei 7.713/1988 altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências, sendo que o art. 6.º indica as hipóteses de isenção deste tributo.
[5] A Lei 8.069/1990 dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.