A história é revoltante, sob todos os aspectos: uma adolescente de 14 anos matou aula para ir na casa de seu namorado. Como os pais sentiram sua falta, ela se sentiu acuada. Supostamente para “não apanhar do pai”, inventou a história de que Alan, de 27 anos, a sequestrou e estuprou.
Alan foi preso e passou cinco dias na cadeia, onde foi humilhado de diversas formas. A matéria abaixo não dá a entender se ele foi estuprado, mas isso muito provavelmente aconteceu:
A vida de Alan está acabada. O que ele sofreu na prisão o destruiu psicologicamente. Ele também não vai mais conseguir emprego.
Observe a crueldade de tudo isso: ele é um trabalhador pobre – logo, alguem com menos alternativas do que uma pessoa abastada – e ninguém ficou ao seu lado.
Originalmente, a esquerda dizia lutar pelos trabalhadores e desfavorecidos, mas justo quando um deles tem sua vida destruída por nada, nada fazem por ele.
Ao estudarmos o surto de falsas acusações de estupro que hoje atinge principalmente os cidadãos pobres, sabemos que sua origem está na esquerda, que utilizam esse tipo de método para implementar jogos devirtue signallingde grupos ligados ao feminismo.
Como resultado, Alan é mais uma vítima da esquerda. É assim que aos poucos a nova esquerda “progressista” vai angariando votos entre as elites universitárias e perdendo espaço na periferia.
Apesar de formarem50,7% da população brasileira, os autodeclarados negros ainda são minoria entre os formados no ensino superior. Na carreira de medicina, apenas 2,66% dos concluintes em 2010 eram pardos ou pretos. O estudo foi feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), a pedido doUOL, com as informações dos alunos que fizeram Enade.
Dos universitários que fizeram Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) em 2010, apenas 6,13% se declaravam pretos ou pardos. Em 2009, o índice foi ainda menor: 5,41%.
PERCENTUAL DE PRETOS E PARDOS ENTRE CONCLUINTES
Medicina
2,66%
Design
3,58%
Odontologia
3,8%
Medicina Veterinária
4,26%
Farmácia
5,02%
Direito
5,03%
Comunicação Social
5,11%
Administração
5,26%
Psicologia
5,38%
Ciências Econômicas
5,5%
Fonte: Dados do Enade 2009 e 2010; Inep
Em 2010, somente 16.418 estudantes concluintes que prestaram o Enade se declararam negros, de um total de 267.823 universitários. No ano de 2009, foram 35.958 alunos concluintes negros entre 663.943 estudantes que prestaram o exame.
"Ainda temos o negro vítima de situações sociais que são resultado de um histórico da escravatura. Dos excluídos nossos, os negros são aqueles que precisam de maior amparo da sociedade", afirma Luiz Cláudio Costa, presidente do Inep.
A pequena presença de estudantes negros no ensino superior é o resultado de diferentes gargalos, que vão da exclusão material, passam pela baixa qualidade do ensino público e chegam à autoexclusão.
"O percentual de estudantes negros que terminam o ensino médio é muito aquém do índice de brancos. A exclusão vem muito antes do ensino superior", comenta o antropólogo Jocélio Teles, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Para ele, não pode ser também descartado o processo de introjeção da exclusão que leva o aluno a não ver a universidade como uma trilha possível para ele. "Chega ao ponto de possíveis estudantes nem se inscreverem no vestibular", pontua.
Segundo Teles, um estudo feito nos anos 2000 mostrava que a maioria dos estudantes de cursos prestigiados, como medicina ou odontologia, em universidades públicas tinham pais com ensino superior incompleto ou completo.
Quando analisado o desempenho dos estudantes no exame nacional, os estudantes negros têm nota 1,7% menor do que os alunos não negros. "O desempenho é muito próximo, mostrando que eles superam as dificuldades que tiveram no ensino básico com muita dedicação", considera Luiz Cláudio.
De acordo com o presidente do Inep, a diferença entre alunos negros e não negros é maior na educação básica, mas tem diminuído. "Isso se explica por uma série de razões. Há uma grande correlação entre alunos negros e escola pública. Às vezes a educação é de baixa qualidade, existe a defasagem idade série, muitas vezes esse estudante tem que trabalhar e estudar", lista o presidente do Inep.
No caso das universidades públicas que adotam cotas, o antropólogo Jocélio Teles salienta que é preciso um trabalho paralelo da instituição para que o estudante possa superar completamente as diferenças em relação a alunos de boas escolas particulares.
"O que as universidades precisam pensar, e parece que poucas pensaram, é o que se chamou de permanência dos estudantes. É preciso que eles tenham cursos de línguas, que haja programa de monitoria e de tutoria para esses estudantes", afirma Teles.
Acesso
O Censo 2010 mostrou que na população de faixa etária entre 15 e 24 anos, 31,1% dos brasileiros brancos frequentavam a universidade. Entre a população parda e preta, os índices são muito menores:13,4% e 12,8%, respectivamente.
Em 2012 foi assinada a Lei de Cotas, que criou areserva de 50% das vagasem universidades federais para estudantes de escolas públicas a partir de 2016. Em respostas aos pedidos de políticas afirmativas raciais, a distribuição das reservas se dará de maneira equivalente à representação demográfica das raças no Estado.
Para o antropólogo, a Lei de Cotas não resolve o problema de acesso dos negros no ensino superior, apenas democratiza o ingresso em universidades públicas. "Ainda estamos falando de selecionar uma pequena parte dos estudantes que têm condições de ingressar na universidade. Há muito mais alunos na escola pública do que essas vagas disponíveis."
FACULDADE DE MEDICINA DA USP '09 – '15 | HARVARD UNIVERSITY '12
Medicina
Há quem diga que nasce sabendo que quer fazer medicina. Há também aqueles que escolhem no último ano de escola. Mas mesmo aqueles que nascem sabendo que serão médicos desconhecem oCurso de Medicinae pouco sabem da realidade do estudante de medicina.
Desde 2009 eu escrevo contando um pouco mais do dia-a-dia de um estudante de medicina, tentando, de certa forma, matar a curiosidade e informar os que estão tentando fazer esse curso, um dos mais concorridos do Ensino Superior no Brasil.
Como faço Medicina na USP (Universidade de São Paulo) acredito que a minha visão de como é o curso é um pouco diferenciada de outras faculdades do país. Contamos com o maior Complexo Hospitalar da América Latina e com o maior pólo de pesquisas universitárias e corpo docente altamente especializado. Mas como isso pouco importa para aqueles que querem primeiro entrar e depois saber um pouco mais da faculdade, vou começar desde o início: o vestibular.
Vestibular
Para ingressar na Universidade de São Paulo é necessário primeiro vencer a Fuvest, o vestibular mais concorrido do país.
No meu tempo, a prova da Fuvest era composta de uma primeira fase com 90 questões objetivas e uma segunda fase com quatro provas discursivas, sendo que para ocurso de medicinaelas eram de português, biologia, química e física, com 10 questões cada. Atualmente a segunda fase mudou, com 3 provas discursivas, sendo elas de português, conhecimentos gerais do Ensino Médio e a última de conhecimentos específicos, como física, química e biologia.
A prova é bem difícil, e, por conta da concorrência alta, tem nota de corte muito alta. A primeira fase acontece no fim de novembro, e a segunda no início de janeiro. A primeira chamada para matrícula é no começo de fevereiro.
Ver o nome na lista é um momento indescritível e inesquecível, e uma semana depois sua vida já muda totalmente.
Matrícula e Semana de Recepção
Na nossa faculdade, temos o costume de receber bem os calouros (e não bixos). Temos aqui a campanha de apadrinhamento, em que os alunos do segundo ano, ou os mais velhos também, escolhem um calouro para ser seu afilhado, dando orientações, materiais, etc., além de levá-lo para conhecer a faculdade e ao Porão, o subsolo da Faculdade, onde é o Centro de Vivência dos alunos.
No porão estão os stands das instituições, como o Centro Acadêmico (CAOC), o Departamento Científico (DC), a Atlética (AAAOC) e outras. Lá, os calouros recebem milhares de papéis e envelopes com informações sobre todas as atividades do curso e podem comprar as tradicionais camisetas da faculdade.
A Semana de Recepção é um monte de eventos que nós alunos organizamos para que os calouros possam conhecer melhor a faculdade e interagirem entre si e com os veteranos. É uma semana muito legal, porque os calouros são mimados dia e noite pelos mais velhos, e tem muitas festas também!
Ciclo Básico
OCurso de Medicinaé dividido em três ciclos: o Básico, composto pelos dois primeiros anos; o Clínico, sendo os terceiro e quarto anos; o Internato, compreendendo os dois últimos anos. A duração de cada ciclo é variável em cada faculdade, mas todas seguem o mesmo esquema.
No Ciclo Básico, temos as matérias mais teóricas de todo o curso. Exemplos como bioquímica, fisiologia e anatomia dão muitas dores de cabeças para os iniciantes na medicina. É aqui que aprendemos como funciona o corpo humano no seu estado normal, sem doenças.
Decorar mil nomes pode ser uma grande dificuldade no início, mas após alguns meses todos já estão habituados a memorizar todos os termos necessários para sobreviver ao Ciclo Básico.
Entremeadas nessas matérias teóricas temos algumas matérias que têm por objetivo humanizar o currículo médico. Discussões de casos e comportamento médico, visitas a postos de saúde e um pouco de antropologia compõem essas tentativas de humanização na medicina.
Ciclo Clínico
No Ciclo Clínico, nós aprendemos a como nos portar na frente de um paciente. Aprendemos mais sobre as doenças e porque elas acontecem, e finalmente, lá pelo fim desse ciclo, descobrimos como tratá-las. Passamos a frequentar mais o hospital e aqui finalmente usamos nossos estetoscópios!
Aqui nós descobrimos as técnicas de exames físicos, as alterações que encontramos em pacientes doentes e os sinais que estes podem apresentar, indicando doenças diversas. Desenvolvemos nossas maneiras de lidar com os pacientes, a conversar com eles e tentar descobrir tudo que interfere na qualidade de vida deles.
O ciclo tem nome clínico, mas nós temos muitas matérias cirúrgicas também, como Técnica Cirúrgia e Propedêutica Cirúrgica. Somos apresentados diretamente às especialidades médicas, mas aprendemos o máximo possível de todas, para então usarmos esse conhecimento no próximo ciclo, o internato.
Internato
O Internato é como se fosse o Estágio dos outros cursos. Passamos o dia todo no hospital, fazemos plantões e escalas em enfermarias de todas as especialidades. Aprendemos muito sobre cirurgia e instrumentamos os cirurgiões frequentemente. Fazemos partos e plantões no pronto-socorro.
A rotina dos Internos é bem puxada, pois, além das aulas, eles têm que atender pacientes, acompanhar a evolução dos internados e fazer os plantões noturnos.
Aqui a medicina é exercida na prática e tudo que aprendemos nos quatro anos anteriores são aplicados tratando e cuidando dos pacientes!
E aí então acaba oCurso de Medicinae todos saem com o título de Médico Generalista! Depois vem a residência, mas isso eu deixo para escrever daqui a uns anos!
Frederico Oliveira, mestre em História Social (FFP-UERJ), autor da dissertação Uma História do “Esquadrão da Morte”: Mitos, símbolos, indícios e violência no Rio de Janeiro (1957-1969), indica 10 obras para uma introdução às temáticas polícia e crime no Brasil.
Por Frederico Oliveira
Os estudos sobre polícia e criminalidade, temáticas comuns desde a década de 1940 a sociólogos, jornalistas, policiais criminalistas, ex-detentos, escritores e antropólogos, somente a partir dos anos 1990 passaram a ter uma maior atenção dos historiadores, até então mais interessados em outros assuntos. Assim, sendo objetos ainda pouco explorados pela pesquisa historiográfica, principalmente na perspectiva do tempo presente, a polícia e o crime representam na atualidade, em face das reiteradas crises envolvendo segurança pública, uma oportunidade desafiadora para o campo da História.
1. BARRETO FILHO,Mello; LIMA, Hermeto. História da polícia do Rio de Janeiro. Aspectos da cidade e da vida carioca. Rio de Janeiro: A Noite. 3 volumes. [Vol. I, 1565/1831. Prefácio de Filinto Müller. 1939. 361p. Vol. II, 1831/1870. Prefácio de Felisberto Batista Teixeira. 1942. 332p. Vol. III, 1870/1889. Prefácio de Pedro Calmon. 1944. 300p.]
A obra de Mello Barreto Filho e Hermeto Lima possivelmente foi, em seu conjunto, até a data de sua publicação, entre 1939 e 1944, o trabalho mais abrangente escrito sobre a polícia da então capital federal, o Rio de Janeiro, e continua até hoje sendo obra incontornável para quem pretende se iniciar no estudo sobre a polícia carioca do século XIX.
2. HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de janeiro. Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
O livro, obra de renomado historiador Thomas H. Holloway, apresenta a evolução histórica da polícia do Rio de Janeiro ao longo do século XIX, procurando compreender aspectos da repressão e da resistência da sociedade da cidade num quadro mais amplo de uma transição do controle do poder através das instituições públicas, quando o poder do Estado passa a preponderar no espaço público.
3. CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e Bandidos em Mato Grosso, 1889-1943. Campo Grande: UFMS, 2006.
O livro, originalmente uma tese de doutorado de Corrêa, aborda o domínio dos coronéis sobre as comunidades locais, sua luta por poder e a ação dos bandidos daquela região, entre 1889 e 1943, procurando compreender os processos históricos que originaram o separatismo mato-grossense que posteriormente resultou no Mato Grosso do Sul.
4. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia na Era Vargas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993.
Originalmente tese de doutoramento da autora, que escreveu também A Cultura do Crime e da Lei, Carandiru: a prisão, o psiquiatra e o preso e organizou o livro História de Violência, Crime e Lei no Brasil, a obra apresenta um estudo sobre o aparato policial do Estado, a vigilância exercida pela polícia sobre a sociedade e a violência durante a denominada Era Vargas, problematizando, dentre várias questões, o ano de 1937 e os desdobramentos do projeto político estadonovista.
5. BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: O exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro, 1907-1930. Tradução de Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
O livro, originalmente tese de doutorado defendida na Open University, do Reino Unido, obra de um historiador que é referência sobre as temáticas, utilizando como fonte privilegiada livros de registros de ocorrências de distritos policiais do Rio de Janeiro, entre 1907 e 1930, aborda sobretudo as relações entre a polícia e o público, além de questões como o processo de institucionalização das polícias, o Estado e sua influência no trabalho policial, o cotidiano policial na sociedade carioca, aspectos do policiamento cotidiano, a burocracia, suas rotinas, o medo da desordem e a insegurança na cidade capital.
6. FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1984.
Obra do historiador veterano, autor também de Trabalho urbano e conflito social: 1890-1920 e O Crime do Restaurante Chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30, o livro procura compreender o mundo da marginalidade, em sua especificidade, como um fenômeno social, e seus contatos com a polícia e o judiciário.
7. BARBOSA, Adriano. Esquadrão da Morte – Um mal necessário? Prefácio de Nélson Rodrigues. Rio de Janeiro: Mandarino, 1971.
Livro-reportagem escrito por conhecido jornalista (autor de Sacopã – Bandeira, Herzog, Delane. No túmulo da cidadania), a obra é a primeira a dar um tratamento mais jornalístico e menos ficcional ao fenômeno “esquadrão da morte”. A obra é leitura obrigatória para quem pretende pesquisar polícia e crime no Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1960.
8. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. Prefácio de Gilberto Freyre. [1ª ed. 1985] São Paulo: A Girafa Editora, 2004.
Obra de historiador (autor também de Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço), o livro questiona várias teses até então aceitas pela historiografia tradicional sobre o cangaço e sua figura mais conhecida, Lampião. É um livro fundamental para se compreender o cangaço, os costumes, as relações de poder e a violência no Nordeste daquele período.
9. AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado. Rio de Janeiro: Record, 1993.
Neste livro, agraciado com o Prêmio Jabuti em 1994 na categoria reportagem e primeiro de uma trilogia composta por CV – PCC: A irmandade do crime e Assalto ao poder: o crime organizado, o jornalista Carlos Amorim aborda com riqueza de detalhes a formação do Comando Vermelho no final da década de 1970 e o impacto da facção criminosa no Rio de Janeiro nas décadas seguintes.
10. FONTES, C. N.; FLÁVIO, S. N.; COSTA, M.; BRETAS, M. L.(Org). História das Prisões no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2009. 2 v.
A obra, dividida em dois volumes, reúne artigos de diversos pesquisadores e procura evidenciar o sentido histórico da prisão no Brasil, representando sua publicação uma substancial contribuição da academia para se pensar e compreender a questão do cárcere e o sistema prisional brasileiro.
Frederico Oliveira é professor, mestre em História Social (FFP-UERJ) e especialista em História das Relações Internacionais (UERJ).
Etienne de La Boétie é o pai dos “99%” – a vasta maioria da sociedade para a qual cabe uma pequenaparcela de um bolo quase todo devorado pelo restante “1%”, para usar expressões vinculadas a um movimento que marcou intensamente o mundo moderno, o “Ocupe Wall Street”.
La Boétie escreveu aos 18 anos, em 1548, um pequeno grande livro chamado “Servidão Voluntária”. Nele, La Boétie sustentava que são as pessoas que dão poder aos tiranos. Por isso elas são mais dignas de desprezo do que os ditadores de ódio.
Por essa ótica, somos nós mesmos os culpados por Temer, Moro, Aécio, Gilmar e outras calamidades do gênero. Podemos incluir nesta conta a mídia que temos, a começar pela Globo.
Foi o primeiro livro francamente libertário. Foi usado pelos protestantes franceses como uma inspiração para reagir à violência dos católicos, expressa tenebrosamente no Massacre de São Bartolomeu, na segunda metade do século XVI. Milhares de protestantes que tinham acorrido a um casamento da família real francesa foram mortos por forças católicas.
Mais tarde, o tratado circulou entre revolucionários em vários momentos da história. Em 1789, por exemplo. Os teóricos do anarquismo foram também fortemente influenciados por la Boétie. O autor avisa, logo no início de “Servidão Voluntária”, que seu objetivo é entender como “tantas pessoas, tantas vilas, tantas cidades, tantas nações sofrem sob um tirano que não tem outro poder senão o que a sociedade lhe concede”.
La Boétie formou-se com louvor advogado pela Universidade de Toulouse, e depois foi um juiz especialmente admirado pela integridade. Arbitrou, por seu caráter libertário e equânime, muitas disputas entre católicos e protestantes.
Morreu aos 33 anos. Deixou todos os seus papéis a um amigo que o imortalizaria num ensaio sublime sobre a amizade: Montaigne. Tinham-se aproximado na juventude, depois que Montaigne leu com encanto uma cópia manuscrita de “Servidão Voluntária”. É com base na amizade entre ele e la Boétie que Montaigne escreveu seu célebre tratado sobre a amizade. “Dois amigos formam uma unidade tão absoluta que é como se fossem dois tecidos em que é impossível ver a costura que os junta”, disse Montaigne.
Montaigne tinha 31 anos quando seu amigo morreu. Ficou arrasado a ponto de se recolher e largar tudo que fazia. A dor da morte de la Boétie acabaria sendo vital para que ele começasse a escrever seus Ensaios.
O livro de La Boétie foi lido durante muito tempo em edições clandestinas por pequenos grupos de gente culta e rebelde. Um editor francês, muito tempo depois da morte de Montaigne, teve a idéia de publicar o tratado de La Boétie como um apêndice dos Ensaios, logo depois do que tratava da amizade e do próprio La Boétie.
Foi então que “Servidão Voluntária” ganhou reconhecimento em grande escala.
Quando os “99%” se insurgem contra a desigualdade em várias partes do mundo, eles podem até não saber – mas estão prestando um tributo a um gênio que ainda na universidade compôs linhas perenes contra a tirania e os tiranos.
Que La Boétie um dia nos inspire: é meu maior desejo neste momento.