terça-feira, 19 de setembro de 2017

Carl Hart: Assim como Doria, o povo de São Paulo ignora os pobres


 

Depois de visitar novamente a região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, o neurocientista norte-americano Carl Hart disse ter a impressão de que o prefeito João Doria (PSDB), assim como parte da população da capital, não se preocupa com os pobres. "Eu não acho que essa administração se preocupe com os pobres. Isso está muito claro. Mas não é só ele. Eu acho que tem muita gente em São Paulo que não liga para os pobres", disse Hart. 
A gestão Doria desativou o programa De Braços Abertos, do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), para implantar um novo projeto na Cracolândia. O programa petista oferecia moradia e trabalho e era baseado em redução de danos. O Redenção, por sua vez, prevê até mesmo a internação compulsória de usuários de drogas.
Relatório apresentado no final de agosto pelos conselhos regionais de Medicina, Psicologia e Enfermagem em parceria com o Ministério Público concluiu que o programa de Doria é ineficaz no que diz respeito à recuperação dos pacientes após o período de internação. A prefeitura promete ajustes.
Referência no debate sobre drogas, pobreza e racismo, Hart defende a oferta de oportunidades que garantam a reinserção social dos usuários como fundamental no combate à dependência química. Em seu livro Um preço muito alto – A jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas (Zahar), Hart desconstrói mitos sobre as drogas e relembra sua trajetória pessoal, desde o contato com o crime e as drogas em um bairro violento de Miami até a carreira como pesquisador e professor titular da Universidade de Columbia, em Nova York.
Em visita a São Paulo na quarta-feira 13, Hart disse que a função da política de drogas em um País de passado escravocrata como Brasil é perpetuar o racismo e a desigualdade social. A entrevista a seguir foi concedida durante evento de lançamento do Movimentos, grupo formado por jovens moradores de favelas e periferias – do Rio de Janeiro, principalmente – para discutir uma política de drogas a partir da perspectiva de quem sofre diariamente as consequências dessa guerra.
Pergunta: Você esteve na Cracolândia hoje [quarta-feira 13]. Quais foram as suas impressões?
Carl Hart: Eu tive muitas impressões. Primeiro, eu odeio esse nome. É um nome horrível. Ali não é a terra do crack. Quando as pessoas usam esse termo, ele é usado para isentar a população de ter que tomar qualquer atitude. Porque o crack não é o problema. Pobreza é o problema. Saúde mental é o problema. O racismo é o problema. Então, quando as pessoas usam o termo Cracolândia, o que elas me dizem é que são estúpidas ou então que não dão a mínima para as pessoas. Então esse é um termo horrível.
Outra impressão foi que... eu já estive ali diversas vezes. E desta vez, que o De Braços Abertos não está mais funcionando, o cheiro estava realmente horrível. As pessoas não têm mais a moradia nos hotéis, então elas têm que ir ao banheiro na rua. A rua cheirava como um imenso vaso sanitário.
Pergunta: Que relação você vê entre as políticas de drogas e o racismo?
CH: Temos que lembrar da escravidão, ambos os países [Brasil e Estados Unidos] tiveram escravidão. Como resultado da escravidão, temos os negros de ambas as sociedades vivendo em desvantagem. Logo, a política de drogas nos permite ignorar o impacto da escravidão.
Nós fingimos que o problema são as drogas, e a política de drogas perpetua a desigualdade entre os grupos, porque as pessoas que são presas por drogas nesta sociedade, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, são majoritariamente negras. Então as políticas de drogas funcionam como outro tipo de escravidão, de certa forma.
As questões nunca são sobre as drogas. É sempre sobre uma forma de subjugar as pessoas. Se o assunto são as drogas, nós não precisaremos falar sobre desemprego, educação precária ou falta de moradia. Nós não precisaremos falar sobre nada disso. Então a função da política de droga é ofuscar as verdadeiras questões.
Pergunta: Três anos atrás você disse que, no Brasil, a política de drogas funciona como uma espécie de apartheid. Você ainda acha isso?
CH: Eu disse que o que acontece no Brasil é um apartheid. Não apenas com a política de drogas. A política de drogas é apenas uma das ferramentas, ela é usada para garantir que o apartheid continue. E existem outras políticas que sustentam a discriminação racial de outras formas.
Mas, sim, quando eu digo que isso me lembra um apartheid eu apenas quero dizer que metade da sua população é africana [54% se diz preto ou pardo, segundo o IBGE]. Mas, quando você pensa em quem está no mercado, quem está trabalhando, quem compõe a classe média, você não vê esses africanos. Isso tem a aparência de um apartheid.
Carl-Hart-Movimentos
Carl Hart na apresentação do coletivo Movimentos no Aparelha Luzia, em São Paulo (Foto: Karina Donaria)
Pergunta: O secretário municipal da Assistência Social, Filipe Sabará, defende a internação compulsória em casos extremos de dependência química. Qual é a sua opinião?
CH: Como adultos, nós temos autonomia e nós podemos decidir o que nós queremos fazer, desde que não machuquemos outras pessoas. Nós somos responsáveis, como adultos, e temos que pagar o preço pelas nossas decisões como adulto. Quando alguém viola a sua autonomia, nós chamamos isso de violação de direitos humanos. Esta pessoa de quem você está falando está violando os direitos humanos. Isso é terrível. Não há como olhar para isso e dizer que é razoável ou racional ou algo que uma sociedade deve fazer.
Se a pessoa não está prejudicando a outra, não há razão para essa internação compulsória. Os adultos têm direitos, eles têm autonomia para tomar as suas próprias decisões. Eu não deveria poder obrigar alguém a fazer alguma coisa. Isso não é certo.
Pergunta: Mesmo que essa pessoa possa morrer por conta de seu próprio comportamento? 
CH: Sim. Por exemplo, quando nós pensamos sobre doenças mentais, quando alguém é um perigo a si mesmo e pode vir a cometer suicídio, nós temos procedimentos para avaliar se essa pessoa precisa de tratamento. Mas, quando nós falamos de drogas, isso é raro. E se eu quiser me matar isso também é uma decisão minha.
Pergunta: Por que há tanto senso comum e tantos mitos na discussão sobre drogas, inclusive relacionados à região que nós chamamos de Cracolândia?
CH: Há muitos mitos sobre drogas, em parte porque muitas pessoas não têm experiência com drogas. Então eu posso lhe dizer algumas besteiras sobre drogas e você vai acreditar em mim. E esse mito irá perdurar porque você não tem experiência alguma. Muitas pessoas na sociedade não sabem quais são os efeitos das drogas e então podem dizer qualquer coisa. É por isso que muitos desses mitos ocorrem.
Quando pensamos sobre o lugar que o De Braços Abertos ocupava e quando olhamos para as pessoas que estão lá, elas são majoritariamente negras. Negras e pobres. Então podemos inventar histórias incríveis sobre aquele lugar, porque a maioria das pessoas desta cidade não vai até lá, não sabe o que está acontece por lá, não conhece aquelas pessoas. Então, se você desconhece, você estará sujeito a acreditar em mentiras. Não é tão complicado.
Pergunta: O que você acha da política de drogas do prefeito de São Paulo, João Doria?
CH: Eu acho que, baseado no comportamento, baseado no que eu vi, eu não acho que a administração dessa prefeitura se preocupe com os pobres. Isso está muito claro. Mas não é só ele. Eu acho que tem muita gente em São Paulo que não liga para os pobres.
Se não, isso não continuaria, porque eu acho que o prefeito tem o apoio da sociedade. Então eu acho que as pessoas não se importam com os pobres. Eu não quero culpar apenas o prefeito, eu acho que a população também deveria compartilhar da culpa. Quando você tem uma desigualdade tão imensa entre ricos e pobres, algo de muito errado está acontecendo nessa sociedade.
Não quero simplesmente culpar São Paulo ou o Brasil, nós temos problemas semelhantes nos Estados Unidos. Nós temos um presidente [Donald Trump] que é apoiado por muitas das pessoas das quais me referi aqui em São Paulo. Então nós temos problemas semelhantes.
Pergunta: Você é a favor da legalização das drogas?
CH: Eu sou a favor da regulamentação das drogas, da mesma forma como lidamos com álcool e tabaco. Eu acho que nós podemos fazer o mesmo com essas outras drogas, cocaína etc.
Eu sou a favor disso por uma série de razões. Isso impedirá que pessoas que apenas usam drogas de forma recreativa sejam presas. Uma boa analogia seria o orgasmo durante o sexo. Quando as pessoas fazem sexo elas buscam o orgasmo. Você consegue imaginar um governo controlando a quantidade de orgasmos que você pode ter? Isso seria absurdo. Mas é basicamente o que estão fazendo com as drogas.
Outra razão que me faz ser a favor é que isso irá melhorar a qualidade das drogas que chegam às pessoas. Porque eu me preocupo com as adulterações e com as impurezas que muitas dessas drogas contêm quando compradas no mercado ilegal. Mas, quando você compra álcool, o governo garante que esse álcool é puro, que não há impurezas. Isso aumenta a segurança. Então eu acredito que se o governo regulamentasse as outras drogas isso traria mais segurança.
Mas, antes de chegar lá, é preciso muita educação. Foi por isso que eu escrevi o meu livro, para tentar ajudar as pessoas a terem acesso a essa educação.
Pergunta: Sua pesquisa fala muito sobre alternativas. Que tipo de alternativas poderiam ser dadas às pessoas que têm problemas com o abuso de drogas aqui em São Paulo? 
CH: A maioria das pessoas que usa drogas não é viciada, apenas uma pequena parcela é. Há muitas pessoas usando drogas e elas trabalham e cuidam das suas famílias. E está tudo bem. 
Quando nós pensamos nas pessoas que são viciadas, em lugares como aquele onde era desenvolvido o De Braços Abertos, nós pensamos em alternativas. Muitas dessas pessoas estão tão doentes que precisam de tratamento, seja tratamento para a saúde mental ou para a saúde física. Elas precisam estar saudáveis para poderem aproveitar as oportunidades.
É preciso ter certeza de que essas pessoas têm oportunidades econômicas, oportunidades de trabalho. Como você, como eu. Aqui neste lugar deve haver muitos usuários de drogas, e as pessoas irão para o trabalho amanhã. Porque elas têm alternativas, têm seus entes queridos, têm bons empregos. E nós devemos fazer o mesmo com as pessoas que estão tendo problemas em nossa sociedade. Não é complicado, é bastante simples.

Tratamento obrigatório para viciados em crack é ação 'ridícula', diz neurocientista americano

Carl HartDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionDrogas em si não são problema, afirma Carl Hart, para quem as mazelas reais são pobreza, desemprego, políticas seletivas de repressão, ignorância e negligência diante de estudos sobre essas substâncias
Internar usuários de drogas à força, como a gestão João Doria (PSDB) solicitou à Justiça, é uma ação "ridícula" que não resolverá o problema da cracolândia em São Paulo, avalia o neurocientista Carl Hart, professor titular da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA).
Para Hart, que estuda drogas há mais de 20 anos, é preciso descobrir quem de fato é viciado entre frequentadores desses espaços e, depois, desenvolver tratamentos individuais para os dependentes químicos.
"Embora usem crack, muitas pessoas não são viciadas e têm outros problemas: psiquiátricos, relacionados à pobreza. Precisamos descobrir exatamente o problema de cada pessoa, e isso demandaria grande comprometimento e mais inteligência na abordagem", afirmou Hart à BBC Brasil.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo não comentou as considerações do professor.
As pesquisas de Hart, autor de Um Preço Muito Alto - A Jornada de Um Neurocientista Que Desafia Nossa Visão Sobre Drogas (editora Zahar), inspiraram programas como o Braços Abertos, programa da gestão Fernando Haddad (PT) extinto pelo governo Doria.
No programa anticrack da gestão petista, dependentes químicos ganhavam moradia em hotéis da cracolândia e R$ 15 por dia se trabalhassem em atividades como varrição e jardinagem.
No último domingo, uma grande operação policial dispersou à força dependentes químicos que se reuniam na cracolândia, fechou comércios e hotéis usados no Braços Abertos. Na terça, três pessoas se feriram durante a demolição de uma pensão pela prefeitura.
Usuário de crackDireito de imagemREPRODUÇÃO
Image captionUsuário de crack; Hart critica políticas nos EUA que nos anos 80 tornaram punições para posse de crack até cem vezes mais duras do que para posse de cocaína
A gestão Doria também pediu à Justiça autorização para realizar internações compulsórias de dependentes de crack, desde que o usuário passe por análise médica e psicológica. Hoje, esse tipo de encaminhamento cabe à Justiça. A prefeitura solicitou ainda autorização para retirar dependentes da cracolândia e enviá-los para avaliação médica contra sua vontade, o que seria uma "última alternativa" para casos graves.
"Minha primeira impressão é que o novo prefeito está colocando a politica à frente das pessoas. Se o objetivo é ajudar outras pessoas da sociedade, é preciso descobrir um modo de incluí-las nessa sociedade", disse Hart, que deverá voltar ao Brasil em setembro para a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro.

Comportamento racional

Professor de Psicologia e Psiquiatria, Hart questiona a visão de que as drogas tenham alto poder viciante e sejam a causa de diferentes mazelas sociais. Ele diz reconhece que há quem abuse delas e sofra efeitos graves no cotidiano, mas diz que concluir que as substâncias sejam o problema - e declarar "guerra" a elas - é um erro.
Criado em um bairro pobre de Miami e traficante de maconha na adolescência, Hart diz que começou a estudar neurociência porque queria ajudar a resolver o problema do vício em drogas. Ele afirma que acreditava na visão predominante nos EUA na segunda metade dos anos 1980, que explicava o crime e a pobreza em certas regiões pela disseminação do crack.
Um primeiro passo em suas pesquisas foi a descoberta, segundo ele, de que drogas como crack não são tão viciantes como se pensa. "Não há droga que vicie em uma dose. Dados mostram claramente que 80%, 90% das pessoas que usam drogas não possuem um 'problema com drogas", afirmou Hart em conferência em 2014.
Alameda Dino BuenoDireito de imagemAFP
Image captionQuadrilátero conhecido como cracolândia esvazia após ação do último domingo
O pesquisador costuma citar o tabaco como a droga mais viciante (33% dos fumantes, ou um em cada três, ficará dependente, diz), seguida por heroína (25%), cocaína e crack (15% a 20%), álcool (15%) e maconha (10%).
"Eu mesmo achava que o problema eram as drogas, mas não é. Há pessoas em São Paulo que têm dinheiro e bens, usam drogas e estão bem. Mas elas tem oportunidades, empregos, todas as coisas. Muitas das pessoas na cracolândia tiveram educação precária, não têm emprego, vem de famílias excluídas da sociedade. Há todos esses problemas sociais, mas é fácil para um político dizer 'vamos livrar a comunidade dessa droga' e não lidar com os problemas dessas pessoas pobres", disse à BBC.
Para estudar o comportamento dos dependentes, ele publicou anúncio em revista à procura de viciados nas ruas de Nova York. Oferecia US$ 950 para que fumassem crack produzido a partir de cocaína de padrão farmacêutico, desde que permanecessem vivendo em um hospital por três semanas durante o experimento.
No começo de cada dia, uma enfermeira colocava uma dose de crack em um cachimbo e oferecia ao usuário - vendado, o dependente não tinha como saber o tamanho da dose. Depois, cada participante recebia novas ofertas para fumar aquela mesma dose, mas também poderiam optar por uma recompensa, que às vezes eram US$ 5 ou um vale-compra do mesmo valor.
Quando a primeira dose era alta, os dependentes normalmente optavam por uma nova dose. Mas, se a primeira havia sido reduzida, era mais provável que abrissem mão da segunda rodada.
Praça Princesa IsabelDireito de imagemAFP
Image captionExpulsos da cracolândia, usuários de drogas se concentram em praça na mesma região
O neurocientista chegou aos mesmos resultados ao repetir o experimento com usuários de metanfetamina. E quando elevava a recompensa alternativa para US$ 20, todos os viciados, de crack e metanfetamina, optavam pelo dinheiro, mesmo sabendo que levariam semanas para embolsar os valores.
Para Hart, isso mostrou que dependentes químicos são capazes de tomar decisões racionais, desmontando a "caricatura" do viciado que não consegue resistir a uma dose.
Daí a ênfase do pesquisador na investigação das causas do vício de cada pessoa antes da "difusão de mitos sobre as explicações" e da "intervenção com soluções prontas". Se alguém está abusando do álcool ou do crack para lidar com algum trauma ou ansiedade, o tratamento efetivo, afirma, deveria se focar no transtorno psicológico.

Empatia e compaixão

Hart afirma que, embora "não fosse perfeito", o programa Braços Abertos era "um passo na direção certa" porque demonstrava, diz ele, "compaixão" com os dependentes.
"Certamente isso não é o que o atual prefeito está fazendo ao chamar a polícia e limpar a área. Isso mostra às pessoas que ele não tem compaixão e que está fazendo politica com pessoas", disse o professor, que vê o Brasil hoje na mesma situação dos EUA nos anos 1980 em relação ao crack, pelo foco que vê como excessivo na repressão.
Ele cita os programas para dependentes de heroína na Suíça, onde o governo fornece duas doses diárias aos inscritos e uma renda básica aos cidadãos, como exemplo de política de drogas de sucesso e "não moralista".
"Claro que a Suíça é uma sociedade homogênea (social e economicamente), praticamente toda branca. É mais fácil para essas pessoas ver esses usuários de drogas como irmãos e irmãs. O Brasil é como os EUA, muito diverso racialmente. Pessoas em lugares como a cracolândia são basicamente afro-brasileiras, negras. As pessoas em sua sociedade não as veem como irmãs, como na Suíça", avalia Hart, que foi o primeiro neurocientista negro a se tornar professor titular em Columbia.
A empatia, diz Hart, é um recurso fundamental para enfrentar a questão da dependência. "Se não lidarmos com essa questão, não resolveremos esse problema. Se isso não é tratado de forma clara, estamos apenas fingindo tratar do problema."

Tratamento médico e educação são saída para Cracolândia, diz Carl Hart

Carl Hart estuda há mais de 20 anos o efeito de drogas no cérebro
Carl Hart estuda há mais de 20 anos o efeito de drogas no cérebroGustavo Basso/13.09.2017/R7

Para neurocientista americano, foco nas drogas ofusca reais problemas 

    Considerado uma das maiores autoridades sobre os efeitos de drogas lícitas e ilícitas no cérebro, o neurocientista americano Carl Hart criticou a proposta de internação compulsória de usuários que frequentam a Cracolândia, em São Paulo. Para ele, a internação compulsória afronta direitos humanos.
    Professor da universidade de Columbia (Nova York) pesquisando o assunto há mais de 20 anos, Hart já visitou seis vezes a Cracolândia. Ele diz que na sua última visita à região, nesta quarta-feira (13), o mau cheiro estava pior do que em outras ocasiões, problema que ele atribui ao fim do programa municipal que oferecia vagas em hotéis para usuários.
    O pesquisador criticou ainda o uso do termo Cracolândia, que para ele, cria um estigma sobre a região e tira o foco sobre os reais problemas do usuários, que são sociais, e não a droga.
    Questionada sobre as críticas do neurocientista, a Prefeitura afirmou que "o secretario [municipal de Assitência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará] tem certeza que se Carl Hart for bem informado, vai aprovar e apoiar o programa atual, que é muito superior ao anterior e bem alinhado com as propostas do professor". A pasta não respondeu diretamente sobre a posição de Hart a respeito da internação compulsória, mas, em relação às condições de higiene da região, afirmou que neste ano foram inaugurados 3 unidades 'Atende', que contribuem tanto com a redução de danos como com a higiene na região (leia a resposta na íntegra).
    O professor conversou com jornalistas antes de um evento promovido pelo coletivo Movimentos, que une jovens de favelas brasileiras para discutir política de drogas a partir de quem sofre com a violência, em uma casa de cultura no centro de São Paulo. Quando o professor de Columbia se posicionou para sua palestra, foi ovacionado pelas mais de cem pessoas que se aglomeravam no pequeno espaço para ouvi-lo.
    Criado em um bairro pobre de Miami, Hart se envolveu com drogas na juventude, até obter o PhD em neurociências pela universidade de Wyoming e passar a pesquisar, há mais de 20 anos, os efeitos do uso de drogas lícitas e ilícitas no cérebro de ratos de laboratório, e mais recentemente, em seres humanos. Em uma pesquisa, ele oferecia crack e metanfetamina a usuários cotidianos de drogas, que podiam escolher entre uma dose ou U$ 20 após uma primeira dose. O resultado, exposto em seu livro Um preço muito alto mostrou que todos optavam pelo dinheiro, que só seria entregue ao final do estudo.
    Leia a entrevista:
    R7 — Você foi para a Cracolândia hoje. Quais foram suas impressões?
    Carl Hart: Eu tive muitas impressões. Primeiro, eu odeio esse termo, é um termo horrível. Lá não é a terra do crack. Quando as pessoas usam esse termo, ele é usado como desculpa para nada ser feito, porque crack não é o problema lá. Pobreza é o problema, doença mental é o problema, racismo é o problema. Quando as pessoas usam o termo Cracolândia, o que estão me dizendo é que são estúpidos, ou que não dão a mínima para as pessoas. É um termo horrível.
    Outra impressão foi… eu estive lá muitas vezes. E agora que De Braços Abertos [Programa de redução de danos criado em 2014 pela gestão Fernando Haddad que oferecia emprego em varrição de ruas e aluguel em hotéis da região a usuários, e encerrado na gestão Doria] não existe mais, o cheiro está realmente terrível, por causa da falta de habitação! As pessoas não têm mais os hotéis, então têm que ir ao banheiro na rua, que acaba ficando com o cheiro de um grande vaso sanitário. O cheiro não estava tão ruim na última vez [Hart visitou a região em 2016].
    R7 — Como um bode expiatório?
    Hart — Sim, é um bode expiatório, está certo.
    R7 — Meses atrás, falamos com o Secretário Municipal de Assistência Social de São Paulo, Filipe Sabará. Na opinião dele, em casos extremos, a internação compulsória não é apenas uma opção, mas um dever do governo. O que você acha disso?
    Hart — Vamos refletir sobre isso: como um adulto, você, eu, nós temos autonomia. Podemos decidir, desde que não machuquemos outras pessoas, o que gostaríamos de fazer. Somos responsáveis como adultos, pagamos o preço por nossas decisões. Quando alguém viola sua autonomia, chamamos isso de violação de direitos humanos. Desse modo, a pessoa com quem você falou está defendendo violar os direitos humanos de certas pessoas. Isso é horrível. Não há nenhuma maneira de olhar para isso de modo razoável, racional, que nossa sociedade deva fazer. Se as pessoas não estão prejudicando os outros, não há nenhuma razão para esta internação compulsória. Isso não está certo. Mesmo para seu próprio bem, não é certo.
    R7 — Mesmo que essa pessoa possa morrer por causa do seu comportamento?
    Hart — Sim... por exemplo, quando você pensa em doença mental, quando alguém é uma ameaça para si mesmo, talvez vir a cometer suicídio, temos procedimentos e locais para avaliar se essa pessoa precisa ou não de tratamento. No entanto, isso é uma raridade. Não é o caso quando tratamos de drogas, quando é ainda mais raro. Se eu escolher me matar, também é a minha decisão.
    Hart veio ao Brasil a convite do coletivo Movimentos, criado por moradores da favela da Maré
    Hart veio ao Brasil a convite do coletivo Movimentos, criado por moradores da favela da MaréGustavo Basso/13.09.2017/R7
    R7 — Que tipo de trabalho poderia ser feito na Cracolândia?
    Hart — Por favor, não use esse termo. É um ponto importante, porque o que você faz é simplesmente ignorar todos os problemas reais e resumi-los ao crack. O problema não é o crack, o problema é que essas pessoas são pobres, não foram educadas, e tem a discriminação racial na sociedade. Em um lugar como São Paulo, você tem tanta riqueza, e tanta pobreza. As pessoas passam a entender que algo está muito errado na nossa sociedade. Pode até mesmo fazer algumas pessoas quererem ferir outras. Essa é uma resposta razoável. Porque algo está muito errado, e a sociedade está agindo como se nada estivesse errado. Eu não defendo que pessoas ataquem outras, mas certamente consigo compreendê-lo.
    R7 — Sua pesquisa fala muito sobre dar alternativas. Que tipo de alternativas podem ser dadas para aquelas pessoas com problemas de dependência de drogas na Cracolândia?
    Hart — Uma coisa que você deve saber é que a maioria das pessoas que usam drogas não são viciadas. Apenas uma pequena percentagem é viciada. Há muitas pessoas que usam drogas e trabalham, cuidam de suas famílias. Agora, quando estamos falando de pessoas que são viciadas, como as que vimos onde atuava o De Braços Abertos, é preciso pensar em alternativas. Muitas dessas pessoas estão tão doentes que precisam de tratamento em primeiro lugar. Tratamento para a saúde mental, para a saúde física. Eles precisam estar saudáveis para poder tirar proveito das alternativas.
    Uma vez feito isso, você tem que ter certeza que eles são educados, para que compreendam como lidar com o mundo em torno deles, como serem incluidos no sistema. Depois disso, você tem que ter certeza que eles têm oportunidades: oportunidades econômicas, de emprego, como você, como eu... Hoje à noite neste lugar, deve haver um monte de usuários de drogas, e essas pessoas vão ao trabalho amanhã, porque elas têm essas alternativas. Elas têm os seus entes queridos, bons empregos, todo este tipo de coisas. Portanto, temos que fornecer o mesmo a outras pessoas que estão tendo problemas em nossa sociedade. Não é tão complicado, é bastante simples.
    R7 — Por que você acha que existem tantos mitos e senso comum sobre as políticas de drogas que estão erradas, de acordo com suas pesquisas?
    Hart — Não há mitos sobre a política de drogas, há mitos sobre drogas. Existem muitos mitos sobre as drogas porque muitas pessoas não têm experiência com drogas. Eu posso te dizer alguma besteira, você vai acreditar em mim, e o mito vai continuar, porque você não tem experiência. E uma grande quantidade de pessoas em nossa sociedade não sabe o que as drogas causam ou não causam. Se pensarmos sobre o lugar onde o De Braços Abertos costumava atuar, e olharmos para as pessoas que estão lá, são pessoas pobres, em grande parte negros. Podemos inventar histórias incríveis sobre esse lugar, porque a maioria das pessoas na cidade não vai lá, não sabe o que está acontecendo por lá, não conhece essas pessoas. Se você não conhece, fica suscetível a acreditar em besteiras.
    R7 — Você é a favor da legalização ou descriminalização das drogas?
    Hart — Eu sou a favor da regulação das drogas, assim como fazemos com álcool e tabaco. Acho que podemos fazer isso com outras drogas, como cocaína. Sou favorável a isso por uma ampla série de motivos:
    Primeiro, parariamos de prender pessoas por simplesmente usar drogas para curtir. Quando pensamos no uso de drogas por diversão, uma boa analogia seria o orgasmo. Quando as pessoas fazem sexo, estão buscando o orgasmo. Você pode imaginar o governo controlando a quantidade de orgasmos que você pode ter? Isso seria um absurdo! Bem, isso é o que eles estão fazendo com drogas, basicamente.
    Outra razão para eu ser favorável é que melhoraria a qualidade das drogas que as pessoas usam.Eu me preocupo com as impurezas ou adulterantes que muitas destas drogas contêm quando compradas no mercado ilícito. Quando você compra álcool, o governo garante que ele é álcool puro e que não existem impurezas, o que aumenta a segurança [do consumidor]. No entanto, antes de alcançarmos isso, é preciso informação, que é essencial para as pessoas. E é por isso que escrevi meu livro: para tentar ajudar as pessoas a obter esta informação.
    Seu livro, Um Preço Muito Alto, recebeu o prêmio da associação PEN America de literatura científica
    Seu livro, Um Preço Muito Alto, recebeu o prêmio da associação PEN America de literatura científicaGustavo Basso/13.09.2017/R7
    R7 — Qual é a principal relação que você vê entre a política de drogas e racismo, tanto no Brasil e nos EUA?
    Hart — Bem, aí temos que voltar à escravidão. Ambos os países tinham escravidão, certo? Como resultado, tínhamos pessoas negras excluídas da sociedade. O que a política de drogas faz é permitir ignorar o impacto da escravidão. Nós fingimos que o problema é a droga, e as políticas de drogas perpetuam a disparidade entre os grupos, porque as pessoas que são presas por drogas, no Brasil e nos EUA, são principalmente negros. Políticas de drogas funcionam como outra forma de escravidão. Os problemas nunca são sobre drogas. São sempre sobre a subjugação das pessoas.
    Temos de falar sobre o fato de não darmos educação a certas pessoas em nossa sociedade. Há um grande número de negros que não recebem educação, que não conseguem participar do mercado. Enquanto falamos de drogas, deixamos de falar sobre empregos, educação ou moradia. As políticas de drogas funcionam para ofuscar o verdadeiro problema.
    R7 — Três anos atrás, você disse que nossa política de drogas parece um apartheid. Você ainda acha isso?
    Hart — Eu disse que o que está acontecendo no Brasil é apartheid. Não apenas com a política de drogas. A política de drogas é apenas uma das ferramentas utilizadas para garantir que o apartheid continue. Há outros tipos de políticas, como discriminação racial, e outras. Simplesmente quero dizer que 50% da população é africana, mas quando você pensa sobre quem está incluído na sociedade, quem está trabalhando, quem está na classe média, você não vê esses africanos. Assim é que parece apartheid.

    sexta-feira, 15 de setembro de 2017

    Sertaneja



    Rosa Adry


    (evangelista da silva)


    Tu és para mim uma prece
    oro curvado aos teus pés
    e rogo-te em nome do Amor
    que embala o nosso viver,
    a eterna fidelidade de Amar.

    E nesta amplitude de querer e possuir,
    triste e desesperado
    ajoelho-me apaixonado
    clamando o teu corpo - alucinado prazer
    envolvido no calor da tua boca e desejo.

    E neste bailar das nossas vidas,
    aninhado ao teu lindo e alucinante corpo,
    Oh doce Nina! Aninha! Nininha do céu
    Rosa Adry dos dias meus
    vem, bela e formosa Menina/Mulher.

    A ti, suplico exaustivamente
    o silêncio de minha dor
    e o desespero da minha paixão.

    E nesta Tempestade de Amor e Tudo, e Nada
    desmaio e morro sobre o teu corpo e encanto, minha Doce Amada.

    E enquanto tu celebras a tua alegria
    Em saudosa sinfonia de Aniversário de Natalício,
    eu, morto e esquecido, vou rasgando um papel
    mofado e amarelado: "um contrato de casamento"
    para construir uma união estável onde possamos Viver e Amar.

    Serena, brava, ousada e cheirosa é a minha Menina.
    Beijo-te e degluto a saliva para me alimentar.

    Desta forma, Minha Nininha, vivemos a transição
    De um mundo tortuoso e cheio de indiferença,
    para mergulharmos no oceano de vida, Amor e Amar.

    O Espírito de Verdade do Haroldo