Cuidados com o coração | Entrevista 
 
    
 Dr. Adib Domingos Jatene (1924-2014), médico cardiologista reconhecido 
internacionalmente, foi um dos primeiros a realizar a cirurgia cardíaca 
no Brasil.
 Publicado em: 16 de janeiro de 2012
 Revisado em: 18 de outubro de 2019 
     
  
    
      
      
   
Um pequeno deslize no uso diário do coração pode 
acarretar em problemas sérios que poderiam ser evitados com um pouco de 
atenção e cuidado. Veja entrevista sobre cuidados com o coração. 
O 
coração
 é uma bomba que tem a grande responsabilidade de fazer o sangue 
circular por todo o organismo, de levar oxigênio e nutrientes para as 
células e sangue carregado de gás carbônico para os 
pulmões
 a fim de oxigená-lo. Qualquer desajuste nessa bomba que deve funcionar 
com grande precisão pode provocar problemas sérios e, muitas vezes,
 morte súbita, especialmente em homens e mulheres acima dos 40 anos. São raras as pessoas que têm complicações cardíacas antes dessa idade.
Entretanto,
 às vezes, um pequeno deslize no uso diário desse órgão, uma sobrecarga 
que a repetição de determinados erros cometidos dia após dia acabam 
provocando problemas sérios que poderiam ser evitados com um pouco de 
atenção e cuidado. Tratado adequadamente e mantendo alguns cuidados com o
 coração, o órgão funciona melhor, com mais eficiência e dura muito.
IMPORTÂNCIA DE HÁBITOS SAUDÁVEIS
Drauzio – 
Como a pessoa deve portar-se no dia a dia para manter o coração funcionando bem?
Adib Jatene –
 O primeiro cuidado é manter a atividade física. É o cuidado mais 
importante, porque ela previne a atrofia muscular. Ninguém precisa ser 
um atleta. Basta que a pessoa ande 30 minutos ou 40 minutos por dia. Não
 precisa ser de uma vez só. Esse tempo pode ser distribuído em períodos 
mais curtos, mas o ritmo deve possibilitar percorrer 1 km em 10 minutos.
 Tem gente que corre ou anda uma hora. Isso representa um ganho a mais, 
mas é suficiente caminhar durante 30 ou 40 minutos. Pessoas com mais 
idade devem evitar esportes violentos que exijam bom condicionamento e 
preparo físico.
O segundo ponto é controlar o peso. As pessoas 
engordam, porque consomem menos e ingerem mais calorias. O terceiro é 
não fumar e eliminar a ingestão excessiva de doces e refrigerantes, 
alimentos que não trazem benefícios para o organismo. Brinco sempre com 
quem gosta de chope e cerveja que o problema maior para o ganho de peso 
está nos salgadinhos que são servidos como acompanhamento dessas 
bebidas.
Drauzio – 
Atualmente, um assunto palpitante em medicina é o possível benefício que o álcool pode trazer para o coração.
Adib Jatene –
 Essa é uma discussão que tem despertado grande interesse. Hoje, a 
tendência é considerar que está mais protegido quem ingere bebida 
alcoólica moderadamente. Principalmente se a bebida for vinho tinto. 
Existem algumas demonstrações indiretas desse benefício. Por exemplo, os
 franceses ingerem muita gordura, mas bebem vinho e apresentam baixo 
índice de 
infarto.
A
 respeito desse assunto, no Incor, prof. Protásio Lemos da Luz realizou 
um trabalho com coelhos alimentados com dieta hipercolesterolêmica. 
Dividiu-os em dois grupos e somente a um deles deu vinho tinto. Depois, 
observou o que aconteceu na aorta desses animais. Os que não tomaram 
vinho tinham índice de 
aterosclerose muito maior do que os que aqueles que tinham ingerido essa bebida.
Drauzio –
 O que o senhor considera beber moderadamente?
Adib Jatene –
 Beber moderadamente é tomar um copo de vinho no almoço e outro no 
jantar, ou uma ou duas doses de uísque. Se o indivíduo tomar várias 
doses de uísque ou muito vinho, vai ter 
cirrose, 
pressão alta
 e uma série de outros distúrbios que complicarão a qualidade e a 
extensão de sua vida e também terá perdido a oportunidade de usufruir os
 possíveis benefícios do álcool para o coração.
Drauzio – Nesse
 caso, a situação dos médicos é delicada, porque se sabe que, mesmo 
indicando dois copos de vinho por dia, existem pessoas que vão perder o 
controle e beberão exageradamente.
Adib Jatene –
 Esse é um problema que exige a intervenção de psiquiatras e psicólogos.
 No que se refere, porém, aos benefícios e malefícios da bebida para o 
coração, beber moderadamente não é prejudicial.
PRESSÃO ARTERIAL E ESTRESSE
Drauzio – 
Que outras medidas a pessoa deve observar em relação aos cuidados com o coração?
Adib Jatene –
 É preciso medir a pressão arterial com regularidade e aprender a lidar 
com o estresse. Tensão faz parte da vida moderna. As pessoas se 
preocupam demais e gastam o sistema nervoso inutilmente. Fazem 
conjecturas que geralmente não se concretizam.
Todos precisamos 
aprender a reagir aos contratempos de forma equilibrada. De nada adianta
 pedir afastamento do trabalho, se as preocupações vão junto conosco por
 toda parte.
Considero,
 ainda, que alguns vícios de comportamento estão envolvidos no processo 
do estresse. Dr. Dante Pazzanezi sempre se referia a dois sentimentos 
que prejudicam extraordinariamente a vida das pessoas e contribuem para o
 aumento da tensão: inveja e vaidade.
A inveja faz as pessoas 
sofrerem com o sucesso alheio. O carro novo do vizinho é motivo para 
ficarem remoendo porque elas não têm um igual ou melhor. Infelizmente, 
as pessoas são educadas para comportarem-se assim. Eu sempre digo: não é
 preciso ser o melhor. Basta ser bom no meio de gente boa. O importante é
 procurar fazer bem feito tudo o que se faz sem a preocupação de que 
alguém possa fazer melhor, pois sempre existirá alguém mais capaz e mais
 hábil do que nós.
A vaidade é outro sentimento traiçoeiro. A 
preocupação com o que os outros pensam a nosso respeito gera tensão 
brutal e permanente. Portanto, quem conseguir, não digo eliminar, mas 
controlar esses sentimentos, terá atingido o equilíbrio necessário para 
contornar os problemas e reduzir os níveis de estresse.
Drauzio –
 E como o senhor vê o papel do exercício como anti-estressante nesse contexto de cuidados com o coração?
Adib Jatene –
 O exercício também ajuda, mas é um conjunto de medidas que protege o 
coração. No entanto, sempre há a possibilidade de aparecerem alterações 
porque existem fatores desencadeantes das doenças cardíacas que ainda 
não são bem conhecidos. Atualmente, por exemplo, estão identificando 
certas inflamações como um dos fatores na formação das placas de 
ateroma.
COMO VAI SEU CORAÇÃO? 
Drauzio –
 O que pode ser feito para avaliar as condições em que se encontra o coração de uma pessoa?
Adib Jatene –
 Existem alguns exames que facilitam essa avaliação. O 
eletrocardiograma, por exemplo. Embora com o indivíduo em repouso o 
resultado possa ser normal, é preciso verificar se apresenta alterações 
sob esforço.
O teste de esforço pode ser realizado na bicicleta ou
 na esteira ergométrica e deve ser feito anualmente ou a cada dois anos 
depois dos 40 anos de idade. Se o eletrocardiograma sob esforço não se 
altera, é sinal de que há vasodilatação necessária para fornecer mais 
sangue para o coração que, naquele momento, está exigindo quantidade 
maior de nutrientes. Caso contrário, é preciso identificar corretamente o
 tipo de lesão que o paciente apresenta.
Drauzio – Quando uma pessoa que nunca sentiu nada deve começar a fazer esse tipo de avaliação? 
Adib Jatene –
 Depois dos 40 anos, especialmente se tiver histórico familiar de 
doenças cardíacas, estiver com excesso de peso ou apresentar outros 
fatores de risco. Além do teste ergométrico, podemos contar com recursos
 da medicina nuclear. O exame consiste em injetar no paciente uma 
substância radiativa que pode ser detectada pelos colimadores, a fim de 
verificar como ela se distribui pelo coração durante o período de 
repouso e de exercício. Se sob esforço aparecer uma área que capte menos
 essa substância e em repouso ela se apresentar normal, estamos diante 
de um sinal extraordinariamente valioso de que a circulação sanguínea 
está prejudicada nessa região.
Drauzio – 
Esse tipo de teste está disponível pelo SUS?
Adib Jatene –
 Está disponível na rede pública. No Incor, 80% dos exames são 
realizados pela clientela do SUS. Os 20% restantes, em geral, são feitos
 em pessoas que pertencem a convênios médicos.
Drauzio – Que outros exames ajudam no diagnóstico de alterações cardíacas?
Adib Jatene –
 Outro exame importante para detectar alterações cardíacas é o 
ecocardiograma, que possibilita avaliar o funcionamento das válvulas, do
 músculo e a presença de comunicações intercavitárias. No entanto, o 
teste de esforço permite identificar situações que o ecocardiograma não 
registra a não ser que se faça um eco de esforço. Esses exames todos 
fornecem elementos para orientar o diagnóstico e o tratamento que pode 
ser clínico ou cirúrgico.
Além desses, são fundamentais o exame de
 sangue para saber se o indivíduo tem hipercolesterolemia e o exame 
clínico para descobrir se ele é hipertenso ou tem um
 sopro cardíaco. Pode-se recorrer também à ressonância nuclear magnética e à 
tomografia de alta velocidade que mostram as artérias coronárias dispensando a realização de exames mais invasivos.
Quando
 se constatam alterações nesses exames preliminares, o paciente é 
encaminhado para a cinecoronariografia ou cateterismo, ou seja, um 
cateter é introduzido na artéria da perna ou do braço e atinge a raiz da
 aorta. A seguir, canula-se cada artéria coronária isoladamente e 
injeta-se contraste para verificar se existem obstruções. Se houver, 
conforme o caráter, o local e a posição, é possível colocar um 
stent,
 isto é, uma malha metálica que esmaga a placa de ateroma e mantém a 
artéria aberta. É a angioplastia hemodinâmica intervencionista. Lesões 
não adequadas para esse tipo de tratamento recebem indicação cirúrgica.
TRATAMENTOS INDIVIDUALIZADOS
Drauzio –
 Esses métodos para diagnóstico e tratamento são aquisições relativamente recentes no campo da cardiologia?
Adib Jatene –
 Todos esses elementos de auxílio ao diagnóstico apareceram não faz 
muito tempo, como não faz muito tempo que a cirurgia das coronárias era 
feita com circulação extracorpórea. No final da década de 1970, por 
exemplo, surgiu a angioplastia que evoluiu com a criação dos 
stents e hoje representa uma alternativa importante de tratamento.
Por
 outro lado, o desenvolvimento da terapêutica medicamentosa permitiu que
 o doente seja tratado clinicamente. Nossa posição é que o médico 
precisa conhecer bem o tipo de lesão coronária que o paciente apresenta 
para indicar o tratamento adequado e acompanhar a evolução da 
enfermidade. Dessa maneira, ganhamos muito em segurança e em 
possibilidades de solução.
Há quem julgue que tanto avanço 
complicou o tratamento. Eu, ao contrário, acredito que isso representa 
uma vantagem, uma vez que o médico pode escolher o que melhor se adapta 
ao psiquismo do doente e à sua condição socioeconômica. Por exemplo, 
existem dois tipos de válvulas cardíacas: a biológica feita com 
pericárdio de boi ou de porco preservado com glutaraldeído e montada num
 suporte e a mecânica, que hoje é de carvão pirolítico. A válvula 
mecânica pode durar 40/50 anos, mas requer que o paciente tome 
anticoagulante a vida toda. A válvula biológica tem durabilidade menor, 
de 10 a 12 anos em média, todavia não demanda o uso de anticoagulantes.
Considerando
 esses dados, numa criança de 10 ou 12 anos não se deve usar a válvula 
biológica por causa das trocas que se fazem necessárias com o correr dos
 anos. Já se a paciente é uma mulher em idade fértil, não se deve 
indicar a válvula mecânica porque, no caso de uma gravidez, é 
desaconselhado o uso de anticoagulante. Num homem de 50 anos, que more 
na zona rural e tenha dificuldade para tomar a medicação, a colocação da
 válvula mecânica também não é indicada, porque a anticoagulação mal 
controlada é muito pior do que a perspectiva de outra cirurgia.
CARNE VERMELHA FAZ MAL? 
Drauzio – 
Qual é sua posição a respeito da carne vermelha como fator de risco na dieta das pessoas? 
Adib Jatene –
 Certa vez fui convidado para dar uma palestra sobre o consumo de carne 
vermelha em Uberaba, na Sociedade ABCZ e decidi estudar o assunto na 
Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública. Procurei levantar a história 
da alimentação desde que o homem, há 10 mil anos, começou a lidar com a 
agricultura e a domesticar os animais.
Com isso, pretendia 
identificar como surgiu esse conceito de que a carne vermelha faz mal, 
uma vez que ela é vermelha porque contém ferro, um mineral que as 
pessoas precisam ingerir para refazer os glóbulos vermelhos do sangue.
Na
 verdade, o indesejável na ingestão de carne vermelha é a gordura que 
nela existe. Sem essa gordura, seria igual a qualquer outra carne. Se o 
indivíduo não apresenta dislipidemia, seu colesterol e triglicérides 
estão em níveis normais, pode comer carne vermelha sem nenhum problema. 
Precisa de controle e deve evitar o consumo dessa carne quem tem esses 
níveis alterados.
Drauzio –
 Um estudo feito no Japão mostrou que pessoas com colesterol total abaixo de 160 ml correm risco maior de apresentar acidente vascular cerebral, derrames hemorrágicos e alguns tipos de câncer.
Adib Jatene –
 Tudo na vida precisa ser feito com equilíbrio. Ninguém deve comer todos
 os dias uma picanha cheia de gordura, nem deve abolir o churrasco 
definitivamente de sua dieta. Além disso, a carne vermelha não só é 
adequada como é necessária para a alimentação de crianças e jovens em 
fase de crescimento.
Drauzio – Na
 literatura não existe nenhum estudo mostrando que quem come carne 
vermelha está mais sujeito a infartos do miocárdio. Trabalho publicado 
na revista “Science” deixa bem claro que não há respaldo científico para essa afirmação. 
Adib Jatene –
 Não existe mesmo. Procurei na literatura cuidadosamente e nada 
encontrei. Trata-se de uma afirmativa feita sabe-se lá por quem e que 
foi aceita sem muita discussão. Radicalismos são sempre inadequados em 
qualquer atividade ou ramo do conhecimento. Por exemplo, hoje muitas 
cirurgias de pontes de safena estão sendo feitas sem utilizar circulação
 extracorpórea, com o coração batendo, o que representa uma vantagem. No
 entanto, não se trata de uma técnica que pode ser usada em todos os 
doentes. Radicalizar numa situação dessas tem sempre inúmeros 
inconvenientes.