quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A cura está no doente, diz médico

Não é habitual ouvir um médico respeitável, de uma instituição de saúde modelar, falar sobre o papel da energia do corpo humano e da religião no caminho para a cura. É justamente o caso do cirurgião Paulo de Tarso Lima, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. A medicina integrativa é uma prática em ascensão. Surgida nos Estados Unidos na década de 1970, une a medicina tradicional oriental, com sua abordagem holísitica, e a ocidental, apoiada na produção científica e na tecnologia. A reunião tem revolucionado a busca pela cura de doenças como o câncer. “A ideia não é excluir nada, mas juntar tudo e mostrar que a pessoa é detentora da capacidade de cura da própria doença”, afirma Lima, que estudou a medicina interativa na Universidade do Arizona (EUA) e cursa o primeiro ano da Barbara Brenner School of Healing, na Flórida, onde a cura é perseguida a partir do estudo da energia humana. O médico é também autor do livro Medicina Integrativa – A Cura pelo Equilíbrio (MG Editores, 139 págs., 32,20 reais). Na entrevista a seguir, ele explica os fundamentos da medicina integrativa e aposta que a prática vai se espraiar por aqui por razões econômicas – por ora, apenas alguns hospitais e somente cinco universidades brasileiros se dedicam ao assunto.
Afinal, o que é medicina integrativa?
É um movimento que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970 e que começou a ser organizado com mais rigor na década de 1980, quando entrou para as faculdades de medicina. Hoje, existem 44 universidades americanas ligadas à pratica, que traz uma visão mais holística da pessoa no seu todo: corpo, mente e espírito. O que buscamos é oferecer uma assistência com informação e terapias que vão além da medicina convencional para ajudá-la a se conectar com a promoção de saúde. Eu não tenho a menor dúvida de que a medicina convencional é extremamente efetiva em se tratando de doença, mas saúde não é apenas ausência de doença.
Que terapias são essas?
Sistemas tradicionais como a medicina chinesa e indiana nos oferecem uma gama de alternativas, como acupuntura, reiki, yoga, entre outras, que trabalham a energia do nosso corpo, estimulando uma reação aos sintomas das doenças. A ideia desse movimento não é excluir nada, mas juntar tudo e mostrar que a pessoa é detentora da capacidade de cura da própria doença. Isso é uma mudança de paradigma, porque a possibilidade de voltar ao estado saudável não é algo dado à pessoa, mas é algo inato a ela.
Qual a explicação para só agora a medicina integrativa despertar interesse de médicos convencionais?
Há duas razões: a demanda dos pacientes e a produção acadêmica, que cresce a uma velocidade muito alta. Se entendemos como as coisas funcionam, sabemos que é seguro.
Qual a situação da prática no Brasil?
Estamos em uma situação de dualidade. Os alinhados à prática muitas vezes não usam a medicina convencional de maneira integrada, e os convencionais não usam a medicina integrativa. Temos no Brasil um movimento diferente dos Estados Unidos, menos acadêmico, mas que vem crescendo graças a uma portaria de 2006 que autorizou procedimentos de acupuntura, homeopatia, uso de plantas medicinais e fitoterapias no Sistema Único de Saúde (SUS).
E por que a resistência dos médicos convencionais?
Eu não entendo. Estamos falando de energia e não precisamos ir muito longe para provar que energia corporal existe. A partir do momento que temos uma mitocôndria que produz energia dentro de cada célula, e isso é ensinado no primeiro ano de medicina, não há o que discutir. Temos energia no corpo, e pronto. O curioso é que muitos exames hospitalares rotineiros são baseados em mensuração do campo energético do corpo, como a ressonância magnética, o eletroencefalograma e outros mais sofisticados. Mas se você falar para um neurologista sobre a manipulação da energia do corpo, ele pira.
Por quê?
Porque entramos em um outro ponto da discussão sobre a energia humana, que é a interface com a religião. Estamos vivendo em uma nova fronteira em que se tenta entender essa energia, como ela é produzida, como pode ser manipulada e conduzida. E isso tem um impacto importante na questão da espiritualidade. Por isso, se algum paciente meu acha conforto na religião, se ele se sente bem assim, eu o estimulo a praticá-la.
E como se medem os resultados da medicina integrativa?
Começamos a medir os resultados pelas questões econômicas. A Prefeitura de Campinas, em São Paulo, registrou uma redução substancial de uso de analgésico dentro do SUS ao oferecer terapias ligadas à medicina chinesa focadas na questão ósseo-muscular. Além disso, tem uma série de trabalhos acadêmicos ligados à genética provando que a qualidade de vida produz efeitos na expressão genética da doença. E uma nova fase de trabalho investiga se uma gestante, cujo feto apresenta uma expressão genética de determinada doença, pode ajudar seu bebê se tiver uma gestação muito cuidadosa.
Como isso seria possível?
O homem carrega no seu código genético informações de doenças que podem ser a causa de sua morte. Isso já é provado. Só que você pode ter a característica genética da doença e não desenvolvê-la, ou tê-la precocemente. Isso vai depender da qualidade da sua vida. Comer bem, respirar melhor, praticar atividades físicas, lúdicas e contemplativas são fatores muito importantes ligados à qualidade de vida e que vão provocar um impacto no nosso bem-estar e, consequentemente, na resposta do corpo às doenças já estabelecidas e àquelas que estão programadas para acontecer. O Prêmio Nobel do ano passado de Medicina (dividido entre os pesquisadores Elizabeth H. Blackburn, Carol W. Greider e Jack W. Szostak) mostra que, se há uma importante mudança nutricional e de práticas contemplativas, há uma diminuição da expressão de câncer de próstata em determinados grupos de homens.
As pessoas, em geral, estão mais abertas para as práticas alternativas?
No Brasil, entre 45% e 80% dos pacientes diagnosticadas com câncer utilizam algum tipo terapia “alternativa” em conjunto com o tratamento. Nos Estados Unidos, 13% das crianças e 55% dos adultos saudáveis utilizam tais práticas.
O senhor acredita que essa corrente ganhará espaço no futuro?
Acredito. Não por razões humanitárias, mas por uma questão econômica. Afinal, a forma como a medicina é praticada atualmente implica altos custos. Não posso prever, porém, quanto tempo isso vai demorar, porque o convencimento dos profissionais a respeito do assunto exigirá um longo trabalho.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Que é o filosofar?

Que é o filosofar?


Estamos diante de uma questão muito relevante para quem está dando os seus primeiros passos nos estudos filosóficos. Para a atividade filosófica, saber no que se constitui especificamente o filosofar é tão importante quanto conhecer este ou aquele conceito filosófico. Sendo assim, consideremos então o que seja o ato de filosofar. Neste propósito, a fim de exercitarmos o raciocínio, respondemos esta questão primeiro por via negativa e doravante por via afirmativa:
a) O ato de filosofar não é uma atividade isolada da vida de estudos filosóficos, nem ainda, descolada de nossa crua realidade diária;
b) Filosofar não é um devaneio, isto é, um momento fantasioso em que empregamos nossa imaginação com o fim de se abstrair da realidade que nos cerca;
c) Filosofar não é, também,  “viajar na maionese”, ou seja, não é um delírio no qual o indivíduo (como se tivesse usado drogas ilícitas) tem experiências em outra dimensão, fora do contexto da realidade cotidiana.
Professor, se o ato de filosofar não está separado de nossa realidade diária, se ele não é um momento fantasioso (devaneio) e nem muito menos uma “viagem na maionese”, que vem a ser então o filosofar? É possível apresentar uma resposta a esta questão com três afirmações:
a) Comecemos pelo básico: ‘filosofar’ do ponto de vista da língua portuguesa é um verbo intransitivo. Sabemos que todo verbo implica uma ação ( também: um estado, ou fenômeno natural).  Se todo verbo implica uma ação, que tipo de ação está implícita ao ato de filosofar? Nada mais nada menos que a atividade do pensar, do refletir; entretanto, não é o mero pensar. Não é um pensar fundado no mero achismo, isto é, num simples “eu acho que é isto ou aquilo”. É, sobretudo, pensar de modo crítico, livre e independente, apoiando-se nos princípios lógico-filosóficos registrados na estrutura do pensamento humano, nos textos de filosofia, ou ainda na realidade que nos cerca, pois é dela que também se origina as questões filosóficas;
b) O ato de filosofar caracteriza-se como um pensar por si mesmo, por conta própria, mas só  conseguimos isso apoiando-se na reflexão de outros, isto é, na reflexão dos filósofos e pensadores que escreveram, ou escrevem sobre a filosofia;
c) Filosofar é ainda pensar, refletir e criticar os próprios pensamentos, as próprias ideias preconcebidas acerca de algo ou alguém. Diga-se de passagem: filosofar é colocar nossos preconceitos sob a luz reveladora da crítica. E mais: filosofar é refletir, a partir dos princípios lógicos oferecidos pela filosofia. É pensar sobre nós mesmos, sobre o mundo, sobre as coisas, sobre o outro, etc.. Estar diariamente se pensando, se questionando e pensando acerca da realidade, é estar filosofando.
De certa maneira, o filosofar também nasce da “admiração do mundo”, diria Aristóteles (filósofo grego). Melhor, o ato de filosofar origina-se do admirar/contemplar (refletir) o mundo, as coisas, o outro e a si próprio diariamente. A gênese/origem do filosofar, pensa Aristóteles, opera-se na admiração diária que os filósofos antigos tiveram sobre a realidade. Filosofar é, portanto, a experiência de um pensar constante e diário, uma reflexão que começa com uma admiração ingênua do mundo e se transforma em exercício crítico e rigoroso do pensamento.
Diga-se ainda, é correntemente sabido que somos seres dotados de corpo e pensamento (ou, se assim quiser: corpo e alma), logo não há como não pensarmos: carregamos a inclinação do pensar em nós.
Em outros termos, podemos perceber que enquanto estivermos vivos ainda que queiramos, não podemos deixar de pensar, pois o mero esforço pra parar de pensar já é um leve sinal do pensamento em nós. Pensar é o nosso destino!
“Comum a todos é o pensar”, já dizia Heráclito de Éfeso (filósofo grego). Todavia, sabemos que nem todos pensam legitimamente, do ponto de vista filosófico. Se nem todos pensam legitimamente, ou corretamente, fica claro que se faz necessário o aprender  a pensar. Se precisamos aprender a pensar é porque não nascemos sábios. É para nos ensinar a pensar, legítima  e racionalmente, que existe a filosofia.
Afinal, o pensamento, quando bem exercitado,  é o elemento que nos faz ser mais que meros animais, lançados a mercê dos mistérios da natureza. O pensamento bem exercitado e bem aplicado nos faz ser humanos, nos faz ser gente!
REFERÊNCIAS:
ARISTÓTELES. “Metafísica”. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002.
COMTE-SPONVILLE, André. “Apresentação da filosofia”. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 165 p.
HERÁCLITO. “Sobre a Natureza”. Trad. José Cavalcante. In. ‘Os pre-socráticos’ (Col. Os pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1973.
“MiniAurélio Século XXI Escolar”. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

Sereno...

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ladrão do erário deve perder seus bens

Ladrão do erário deve perder seus bens



(diz Min. Barroso)







Luiz Flávio Gomes, Professor de Direito do Ensino Superior
Publicado por Luiz Flávio Gomes
ano passado
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Quais penas e/ou medidas são mais adequadas contra os larápios que praticam a pilhagem do patrimônio público (ou contra quem é acusado de fazê-lo)? O tema é muito polêmico. Se deixado por conta do clamor popular, da paixão e do prazer da vingança, que é uma festa (Nietzsche), seria a prisão ou a pena de morte. Esta última é proibida pela Constituição brasileira, salvo em caso de guerra externa. Num país subdesenvolvido como o Brasil, com recursos públicos escassos para suas tarefas antimiséria, o ressarcimento dos danos combinado com o máximo empobrecimento (dentro dos limites legais) dos ladrões do erário público se mostra mais adequado. Isso foi dito, em outras palavras, pelo Min. Barroso, ao negar a progressão de regime a réu do mensalão do PT que não quis pagar o valor da multa a que fora condenado (Agravo Regimental na EP 12).
Nosso atraso cultural, no entanto (e disso constitui exemplo o ver a terra como um “vale de lágrimas”, porque desde o pecado original nascemos apenas para a dor e o sofrimento), tem nos conduzido a usar a prisão como panaceia para nossos males, deixando a riqueza do larápio intacta (ou só parcimoniosamente afetada). O ladrão vai para a cadeia (quando vai), mas continua rico. O crime compensaria (eis a triste mensagem). Todavia, especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública – como também nos crimes de colarinho branco em geral –, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária (disse o ministro). Esta, sim, “tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos”.
É preciso sinalizar “para todo o país acerca da severidade [econômica, não necessariamente prisional] com que devem ser tratados os crimes contra o erário”. Em matéria de criminalidade econômica, “a pena de multa há de desempenhar papel proeminente. Mais até do que a pena de prisão – que, nas condições atuais, é relativamente breve e não é capaz de promover a ressocialização –, cabe à multa o papel retributivo e preventivo geral da pena, desestimulando, no próprio infrator ou em infratores potenciais, a conduta estigmatizada pela legislação penal” (Barroso). Para isso, no entanto, é preciso labutar pela certeza do castigo, porque é dela que se pode esperar a prevenção da criminalidade (particularmente do colarinho branco, que se converte em criminalidade cleptocrata quando praticada pelos donos do poder).
Todos os países que conseguiram êxito no controle da corrupção combinaram três coisas: (1) educação da besta humana pouco domesticada (Nietzsche), sobretudo no campo ético, (2) medidas preventivas (rigoroso controle das funções e dos funcionários públicos mais transparência absoluta dos seus atos e contratos) e (3) certeza do castigo (impérioinfalível da lei). Não basta e muitas vezes é até mesmo desnecessário aprovar novas leis penais mais duras; é preciso fazer do “império da lei” uma realidade (o mais possível infalível). O humano sempre julgou necessário “criar uma memória, uma recordação, do que foi feito de errado” (Nietzsche).
No caso dos criminosos do colarinho branco essa memória tem que passar pelo desempossamento sobejante dos bens acumulados ilicitamente (gananciosamente). Seu empobrecimento no grau máximo proporcional possível (conforme o Estado de Direito) é que constitui o seu suplício, o martírio ou mesmo o sacrifício cruento, que cumpre o papel que nos povos mais subdesenvolvidos desempenhavam os “mais espantosos holocaustos e os compromissos mais horríveis (como o sacrifício do primogênito), as mutilações mais repugnantes (como a castração), os rituais mais cruéis de todos os cultos religiosos (porque todas as religiões foram em última análise sistemas de crueldade) (Nietzsche). O empobrecimento do larápio do dinheiro público pode atender aquele instinto que descobriu na dor o auxílio mais poderoso da mnemotécnica. Mas somente o castigo efetivamente cumprido e adequado pode cumprir esse papel preventivo. Não é a intensidade da lei, sim, a certeza do castigo que pode gerar prevenção.

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Luiz Flávio Gomes, Professor de Direito do Ensino Superior
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ] Site: 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O que é Misoginia:

O que é Misoginia:

Misoginia é a repulsa, desprezo ou ódio contra às mulheres. Esta forma de aversão mórbida e patológica ao sexo feminino está diretamente relacionada com a violência que é praticada contra a mulher.Etimologicamente, a palavra "misoginia" surgiu a partir do grego misogynia​, ou seja, a união das partículas miseó, que significa "ódio", e gyné, que se traduz para "mulher". Um indivíduo que pratica a misoginia é considerado misógino
O antônimo de misoginia é conhecido porfiloginia, que é o amor, afeto, apreço e respeito pelo sexo feminino. 
A misoginia é a principal responsável por grande parte dos assassinatos de mulheres, também conhecido por feminicídio, que configura-se como formas de agressões físicas e psicológicas, mutilações, abusos sexuais, torturas, perseguições, entre outras violências relacionadas direta ou indiretamente com o gênero feminino. 
Saiba mais sobre o significado de Feminicídio

Causas

A cultura popular do machismo está intrinsecamente presente em quase todas as sociedades humanas há séculos. O conceito da superioridade de gênero, instituído pelo patriarcado ao longo dos anos, e o sexismo ajudam a alimentar a ideia da desvalorização e preconceito contra às mulheres.
Na contemporaneidade, mesmo após várias conquistas, as mulheres continuam enfrentando inúmeros desafios e barreiras preconceituosas impostas por uma sociedade historicamente machista. 

Misoginia e Misandria

A misoginia é o sentimento extremo de repulsa, desprezo e ódio contra às mulheres, enquanto que a misandria é o nome dado ao sentimento de raiva ou aversão praticado contra o sexo masculino
Etimologicamente, o termo "misandria" surgiu do grego misosandrosia, composto pela junção das partículas misos, que quer dizer "ódio", eandros que significa "homem". 
Existe um debate que questiona o posicionamento da misandria perante a misoginia, devido a importante carga histórica que carrega o preconceito sofrido pelas mulheres ao longo dos séculos. Algumas pessoas acreditam que a misandria surgiu como uma forma de "defesa" das mulheres atacadas por misóginos. 

Misoginia e Misantropia

A misantropia é a repulsa ou aversão ao ser humano ou à humanidade. A princípio, esta pode parecer uma definição muito chocante, mas a misantropia é o conjunto dos vários tipos de discriminações e preconceitos existentes, como a homofobia, xenofobia e misoginia.  
No entanto, a partir de um ponto de vista geral, o misantropo (àquele que pratica misantropia) é alguém que desconfia ou não gosta da humanidade de uma forma geral. 

O que é misantropia? Um exemplo do Livro Vermelho de Jung




domingo, 25 de setembro de 2016

Filosofia e felicidade: O que é ser feliz segundo os grandes filósofos do passado e do presente

O que é felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver responder a esta pergunta apresentará uma resposta própria, pois a felicidade, num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível. Por outro lado, há uma ideia de felicidade que pertence ao senso comum e é compartilhada pela esmagadora maioria das pessoas: felicidade é ter saúde, amor, dinheiro suficiente, etc. Além disso, a ideia de felicidade não é uma coisa recente. Com certeza, ela acompanha o ser humano há muito tempo e faz parte de sua história.
Sendo assim, é possível traçar a evolução histórica dessa ideia, se nos debruçarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas ideias, de modo a defini-las e esclarecê-las: a filosofia. Na verdade, a ideia de felicidade tem grande importância para a origem da filosofia. Ela faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia antiga. Vamos, então, acompanhar a evolução histórica dessa ideia fazendo uma viagem pela história da filosofia.
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Tanto Platão quanto Aristóteles associavam a felicidade à virtude. Para o primeiro, todas as coisas têm sua função: a do olho é ver; a do ouvido, ouvir; a da alma, ser virtuosa. Já o segundo foi o filósofo que estabeleceu a Ética como uma reflexão sobre a felicidade, num livro escrito para seu filho Nicômaco. No quadro "A Escola de Atenas", de Rafael Sanzio, os dois filósofos são vistos ao centro (e aqui também no detalhe), dialogando. Platão, o mais velho, aponta para o céu, o que simboliza seu idealismo. Aristóteles tem a mão voltada para a terra, o que representa seu realismoVEJA MAIS >Imagem: Reprodução

A referência filosófica mais antiga de que se dispõe sobre o tema é um fragmento de um texto de Tales de Mileto, que viveu entre as últimas décadas do século 7 a.C. e a primeira metade do século 6 a.C. Segundo ele, é feliz “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale atentar para a expressão “boa sorte”, pois disso dependia a felicidade na visão dos gregos mais antigos.
Bom demônio
Em grego, felicidade se diz “eudaimonia”, palavra que é composta do prefixo “eu”, que significa “bom”, e de “daimon”, “demônio”, que, para os gregos, é uma espécie de semi-deus ou de gênio, que acompanhava os seres humanos. Ser feliz era dispor de um “bom demônio”, o que estava relacionado à sorte de cada um. Quem tivesse um “mau demônio” era fatalmente infeliz.
Não há dúvida de que, entre os séculos 10 a.C. e 5. a.C, o pensamento grego tende a considerar os maus demônios mais frequentes do que os bons e apresentar uma visão pessimista da existência humana. Não é por acaso que os gregos inventaram a tragédia. Uma expressão radical desse pessimismo nos é fornecido por um velho provérbio grego, segundo o qual “a melhor de todas as coisas é não nascer”.
Foi a filosofia que rompeu com essa visão pessimista e procurou estabelecer orientações para que o homem procurasse a felicidade. Demócrito de Abdera(aprox. 460 a.C./370 a.C.) julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida”. Para atingi-la, o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos e alcançar a serenidade. A filosofia era o instrumento que possibilitava esse processo.
Virtude e justiça
Sócrates (469 a.C./399 a.C.) deu novo rumo à compreensão da ideia de felicidade, postulando que ela não se relacionava apenas à satisfação dos desejos e necessidades do corpo, pois, para ele, o homem não era só o corpo, mas, principalmente, a alma. Assim, a felicidade era o bem da alma que só podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa.
Para Sócrates, sofrer uma injustiça era melhor do que praticá-la e, por isso, certo de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da condenação à morte por um tribunal ateniense. Cercado pelos discípulos, bebeu a taça de veneno que lhe foi imposta e parecia feliz a todos os que o assistiram em seus últimos momentos.
Entre os discípulos de Sócrates, Antístenes (445 a.C./365 a.C.) acrescentou um toque pessoal à ideia de felicidade de seu mestre, considerando que o homem feliz é o homem autossuficiente. A ideia de autossuficiência (que, em grego, se diz “autarquia”,) continuará diretamente vinculada à de felicidade nos setecentos anos seguintes.
Uma função da alma
Mas o maior discípulo de Sócrates, que efetivamente levou a especulação filosófica adiante de onde a deixara seu mestre, foi Platão (427 a.C./347 a.C.), o qual considerava que todas as coisas têm sua função. Assim, como a função do olho é ver e a do ouvido, ouvir, a função da alma é ser virtuosa e justa, de modo que, exercendo a virtude e a justiça, ela obtem a felicidade.
É importante deixar claro que noções como virtude e justiça integram uma vertente do pensamento filosófico chamada Ética, que se dedica à investigação dos costumes, visando a identificar os bons e os maus. Para Platão, a ética não estava limitada aos negócios privados, devendo ser posta em prática também nos negócios públicos. Desse modo, o filósofo entendia que a função do Estado era tornar os homens bons e felizes.
A ligação entre ética e política estará ainda mais definida na obra do mais importante discípulo de Platão, Aristóteles (384 a.C./322 a.C.), o qual dedicou todo um livro à questão da felicidade: a “Ética a Nicômaco” (que é o nome de seu filho, para quem o livro foi escrito). Amigo de Platão, mas, em suas próprias palavras, “mais amigo da verdade”, Aristóteles criticou o idealismo do mestre, reconhecendo a necessidade de elementos básicos, como a boa saúde, a liberdade (em vez da escravidão) e uma boa situação socioeconômica para alguém ser feliz.
Felicidade intelectual
Por outro lado, a partir de uma série de raciocínios que têm como base o fato de o homem ser um animal racional, Aristóteles conclui que a maior virtude de nossa “alma racional” é o exercício do pensamento, pelo quê, segundo ele, a felicidade chega a se identificar com a atividade pensante do filósofo, a qual, inclusive, aproxima o ser humano da divindade.
Sem perder de vista a aplicação prática de suas ideias, Aristóteles considera a política como uma extensão da ética e, nesse sentido, para ele também é uma função do Estado criar condições para o cidadão ser feliz. O Estado que o filósofo tinha em mente, porém, era a “polis” grega, que, naquele momento, estava deixando de existir, com o surgimento do império de Alexandre o Grande.
Depois de Alexandre, no mundo grego ou helênico, desenvolveram-se três escolas filosóficas que vão se estender até o fim do Império romano, as chamadas filosofias helenísticas. Todas elas, por caminhos diferentes, chegam a conclusão de que, para ser feliz, o homem deve ser não só autossuficiente, mas desenvolver uma atitude de indiferença, de impassibilidade, em relação a tudo ao seu redor. A felicidade, para eles, era a “apatia”, palavra que, naquela época, não tinha o sentido patológico que tem hoje.
Prazer e salvação da alma
Entre os filósofos do mundo helênico, pode-se citar Epicuro (341 a.C./271 a.C.), para deixar claro que essa ideia de “apatia” não significa abdicar ao prazer. O prazer era essencial à felicidade para Epicuro, cuja filosofia também é conhecida pelo nome de hedonismo (em grego “hedone” quer dizer “prazer”). Mas ele deixa claro, numa carta a um discípulo, que não se refere ao prazer “dos dissolutos e dos crápulas” e sim ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.
Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a felicidade desapareceu do horizonte da filosofia. Estando relacionada à vida do homem neste mundo, ela não interessou aos filósofos cristãos como Agostinho de Hipona (354 d.C./430 d.C.), Anselmo de Canterbury (1033/1109) ou Tomás de Aquino(1225/1274), todos santos da Igreja católica. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que conta é a salvação da alma.
Os filósofos voltaram a se debruçar sobre o tema na Idade Moderna. John Locke(1632/1704) e Leibniz (1646/1716), na virada dos séculos 17 e 18, identificaram a felicidade com o prazer, um “prazer duradouro”. Alguns décadas depois, o filósofo iluminista Immanuel Kant (1724/1804), na obra “Crítica da razão prática” definiu a felicidade como “a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade”.
Direito do homem
No entanto, para Kant, como a felicidade se coloca no âmbito do prazer e do desejo, ela nada tem a ver com a Ética e, portanto, não é um tema que interesse à investigação filosófica. Sua argumentação foi tão convincente que, a partir dele, a felicidade desapareceu da obra das escolas filosóficas que o sucederam.
Mesmo assim, não se pode deixar de mencionar que, no mundo de língua inglesa, na mesma época de Kant, a ideia de felicidade ganhou lugar de destaque no pensamento político e buscá-la passou a ser considerada um “direito do homem”, como está consignado na Constituição dos Estados Unidos da América, que data de 1787 e foi redigida sob a influência do Iluminismo.
Egocentrismo e infelicidade
É também no âmbito da filosofia anglo-saxônica, no século 20, que se encontra uma nova reflexão sobre nosso assunto. O inglês Bertrand Russell (1872/1970) dedicou a ele a obra “A conquista da felicidade”, usando o método da investigação lógica para concluir que é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e de relações com as coisas e com os outros homens para ser feliz. Para ele, em síntese, a felicidade é a eliminação do egocentrismo.
Mais recentemente, em 1989, o filósofo espanhol Julián Marías também dedicou ao tema um livro notável, “A felicidade humana”, em que estuda a história dessa ideia, da Antiguidade aos nossos dias, ressaltando que a ausência da reflexão filosófica sobre a felicidade no mundo contemporâneo talvez seja um sintoma de como esse mesmo mundo anda muito infeliz.
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Os filósofos que fizeram a cabeça do mundo contemporâneo12 fotos

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Todo conhecimento provém da experiência - Filósofo inglês que influenciou muitos pensadores de seu tempo, John Locke era contrário a qualquer forma de autoritarismo e via na educação um poder transformador. Acreditava que a mente humana ao nascer é como uma folha em branco (no quadro, Sibila com a Tabula Rasa, de Velásquez) que deve ser preenchida pela experiência.VEJA MAIS >Imagem: Página 3/Reprodução
Bibliografia
Abbagnano, Nicola - "Dicionário de Filosofia", Martis Fontes, São Paulo, 2000.
Berti, Enrico - "No princípio era a maravilha", Loyola, São Paulo, 2010.
Marías, Julián - "A felicidade humana", Duas Cidades, São Paulo, 1989.
Antonio Carlos Olivieri é jornalista e escritor.