quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Princípio da Insignificância: o poder/dever de o Delegado de Polícia efetuar a sua análise.

Princípio da Insignificância: o poder/dever de o Delegado de Polícia efetuar a sua análise.


Publicado por Mauro Cesar 

A aplicação do princípio da insignificância pelos nossos Tribunais já vem de longa data, seja em casos que envolvam delitos patrimoniais, ou não. No entanto, a discussão acerca da aplicação deste princípio pelo Delegado de Polícia, apesar de ser quase que entendimento unânime na doutrina, ainda mais após a promulgação da Lei 12.830/13, não vem de muito tempo. Isso porque muitos doutrinadores sempre defenderam a ideia de que o Delegado de Polícia deveria ater-se apenas ao formalismo do texto legal, e não à materialidade do fato ocorrido no caso concreto. Certa vez, me foi apresentado um caso no qual um cidadão havia sido preso em flagrante delito por ter tentado furtar 03 (três) desodorantes em um supermercado. Não concordando com a necessidade de encarceramento do referido cidadão, debrucei-me nos livros para fundamentar a decisão de não lavratura do flagrante. Desta decisão nasceu a vontade de escrever acerca do tema e algumas de suas passagens serão aqui colacionadas.
Tomando como exemplo um delito de furto de algum bem insignificante para o Direito Penal, em uma primeira e rápida análise do fato ocorrido, somos tentados a enxergar crime na conduta do conduzido, pois todos os elementos formais do tipo estariam presentes: todos os atos de execução foram praticados; havia o dolo do agente consistente na vontade livre e consciente de subtrair a res furtiva; o fato amoldou-se formalmente à norma proibitiva do caput do artigo 155 do Código Penal, que incrimina a subtração de coisa alheia móvel, sem a utilização de violência ou grave ameaça por parte do agente; além de o agente ter a posse mansa e pacífica do bem (entendo, na esteira de grande parte da doutrina, que os crimes de roubo e furto se consumam apenas com a posse mansa e pacífica do bem, ao contrário do que vem entendendo o Supremo Tribunal Federal em seus julgados). Assim, teria ocorrido a consumação do crime, na medida em que um suposto autor teria em sua posse mansa e pacífica uma coisa alheia móvel, que fora subtraída sem violência e grave ameaça à pessoa. Não havendo causa excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade a serem aplicadas no caso em tela teríamos, portanto, o ilícito penal consumado, segundo conceito analítico de crime, que engloba o fato típico, antijurídico e culpável.
Porém, basta nos desatrelarmos um pouco do finalismo formal que somos doutrinados em nossas instituições de ensino a aplicar no dia a dia, para verificarmos claramente que o fato praticado pelo conduzido não encontraria enquadramento típico. No direito penal moderno, para termos um fato típico, é necessário, de acordo com a teoria da tipicidade conglobante, além de todos aqueles requisitos formais que aprendemos ao estudar a teoria finalista da ação de Welzel (adotada em nosso Direito Penal, segundo maioria da doutrina), a ocorrência da lesão significativa, ou ameaça real de lesão efetiva, maculando o bem jurídico que a norma proibitiva se propõe a tutelar.
Não podemos olvidar de que a vítima também deverá ser analisada, caso a caso, com razoabilidade, até porque uma lesão patrimonial insignificante para uma vítima pode não o ser para uma outra vítima, a depender de sua condição financeira pessoal. Da mesma forma uma lesão, verbi gratia, à integridade física de uma pessoa. Um arranhão com eventual sangramento pode ter uma consequência para uma pessoa hemofílica diferente de uma pessoa que não possua tal síndrome.
No caso discutido, acaso o bem fosse de ínfimo valor, qual lesão significante ao patrimônio da vítima (um supermercado) a sua subtração, sem a utilização de violência ou grave ameaça à pessoa, poderia causar? Entendemos que nenhuma.
Desta forma, seria, penalmente falando, correto falar em lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (patrimônio da vítima) que justificasse a mobilização de toda máquina persecutória estatal para levar um cidadão ao cárcere, nem que fosse por apenas algumas horas, até a apreciação do caso pelo Magistrado? A resposta negativa é óbvia.
Certa vez, o Professor Luis Flávio Gomes, em excelente artigo publicado na Internet no site do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), criticou a atuação em flagrante delito de uma mulher que furtara uma cebola, defendendo a aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia:
“A prisão em flagrante de Izabel é fruto de um equívoco. Demonstra de outro lado que o ensino jurídico no nosso país (e particularmente o ensino do Direito penal) precisa avançar. O homem já chegou à lua, o mundo se globalizou, o planeta se integrou inteiramente pela Internet e nosso Direito penal continua o mesmo da Segunda Guerra Mundial. O delegado agiu da forma como agiu porque aprendeu na faculdade ser um legalista positivista e napoleônico convicto. Esse modelo de ensino jurídico (e de Direito penal) já morreu. Mas se já morreu, porque o delegado continua lavrando flagrante no caso do furto de uma cebola? A resposta é simples: morreu mas ainda não foi sepultado! O modelo clássico e provecto de Direito penal é como elefante: dar tiros nele é fácil, difícil será sepultar o cadáver.
O delegado, o juiz e o promotor que seguem o velho e ultrapassado modelo de Direito penal (formalista, legalista), no máximo aprenderam o Direito penal do finalismo (que começou a ficar decadente na Europa na década de 60 exatamente por ser puramente formalista). Apesar disso, ainda é o modelo contemplado (em geral) nos manuais brasileiros e é o ensinado nas faculdades de direito." [i]
Neste caso narrado pelo professor, seria evidente que se faria necessária a aplicação do princípio da insignificância, poupando todo aparato policial, ministerial e judicial, já tão assoberbados de ocorrências graves, tais como homicídios, tráfico de entorpecente e roubos, de se movimentar para dar uma resposta penal à sociedade no que tange à conduta do agente.
Isso não quer dizer que o agente não deva responder pelo que cometeu, ou que caso tivesse logrado êxito em seu intento de furtar os bens, estaria o hipotético agente desobrigado a ressarcir a vitima, mas sim que o Direito Penal não deve se ocupar de ocorrências menores, afastando-se, assim, de sua real função, qual seja, a tutela jurídica dos bens mais importantes, que devem estar constitucionalmente previstos, e que porventura venham a ser seriamente maculados pela conduta de alguém. O Direito Penal só deve ser utilizado em casos extremos, ainda mais quando a iniciativa da persecução penal gera de imediato a prisão em flagrante como medida cautelar. Existem outros ramos do Direito que podem se ocupar de tal fato.
Um motivo não menos importante é o fato de os Tribunais Superiores aplicarem o princípio da insignificância nos casos de crimes tributários, tendo sido fixado pela jurisprudência o valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a aplicação de tal princípio, tendo como base o art. 20 da Lei n.º 10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00. Em outros termos, a Lei determina que, até o valor de R$ 10.000,00, os débitos inscritos como Dívida Ativa da União não serão executados, ficando arquivados até que os débitos superem tal valor. Atualmente, tais valores montam R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por força da portaria nº 75, do Ministério da Fazenda, publicada no Diário Oficial da União em 26/03/2012. E a jurisprudência ratifica esse entendimento no campo do Direito Penal, aplicando-o em seus julgados.
Isto porque, segundo a jurisprudência, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-tributário. Nesse caso, o direito penal deixaria de ser a ultima ratio do sistema jurídico.
Frisa-se que parte da doutrina, com a qual nos filiamos, entende ser caso de incidência do princípio da proporcionalidade, e não da insignificância (até porque R$ 20.000,00 não podem ser considerados insignificantes), “visto que, se não é necessária/adequada a intervenção menos grave (civil), tampouco será a mais grave (penal)”.[ii]
Ora, por qual motivo os operadores do direito deveriam aplicar o princípio da insignificância em crimes tributários, cuja grande maioria dos autores de crimes fazem parte da parcela mais alta das classes sociais, segundo Edwin Hardin Sutherland, que pesquisou os autores de “White-collar crime” (Crimes do Colarinho Branco), chegando à essa conclusão já na primeira metade do século passado, e não aos crimes patrimoniais que envolvam bens de pequeno valor, que na grande maioria das vezes são cometidos pelos pobres?
O Direito Penal da modernidade deve deixar de ser seletivo e preconceituoso e passar a ser criterioso em sua aplicação, não importando a classe social, cor ou outra característica do autor, mas sim sua conduta, tornando-se, definitivamente, um Direito Penal do Fato, e não do autor! E o Delegado de Polícia tem obrigação de ser o primeiro realizador desta premissa, haja vista, como já dito, ser ele o primeiro garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Nessa seara, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que, para aplicação do princípio da insignificância, devemos observar os seguintes requisitos:
(a) mínima ofensividade da conduta do agente;
(b) nenhuma periculosidade social da ação;
(c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e
(d) inexpressividade da lesão jurídica provocada
Seguindo-se este raciocínio, há farta jurisprudência acerca da aplicação do princípio da insignificância, considerando a escassa gravidade da conduta aliada ao pequeno valor do bem objeto da subtração, no caso do crime de crimes patrimoniais sem violência ou grave ameaça à pessoa, destacando-se as decisões abaixo colacionadas:
"1. Ação Penal. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de garrafa de vinho estimada em vinte reais. Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Extinção do processo. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituosos, é de ser extinto o processo da ação penal, por atipicidade do comportamento e consequente inexistência de justa causa.
2. Ação Penal. Suspensão condicional do processo. Inadmissibilidade. Ação Penal destituída de justa causa. Conduta atípica. Aplicação do princípio da insignificância. Trancamento da ação em Habeas Corpus. Não se cogita de suspensão condicional do processo, quando, à vista da atipicidade da conduta, a denúncia já devia ter sido rejeitada."(HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO)
"Princípio da insignificância - Furto - Pequeno valor da coisa furtada - atipicidade do fato ante ausência da lesividade ou danosidade social - A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal"(TACRIM-SP - AC - Rel. Márcio Bártoli - RT 733/579)
Como se vê, todos os requisitos estariam presentes no caso hipotético em comento, impondo-se, por conseguinte e obrigatoriamente, a aplicação do referido princípio, também conhecido como crime de bagatela ou infração bagatelar.
Sua aplicação decorreria no sentido de que o direito penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
O professor Nilo Batista, citando autores como Claus Roxin e José Luis Díez Ripollés, preleciona que:
“... O velho princípio ‘mínima non curat Praetor’ serviu de fundamento para o moderno enunciado do princípio da insignificância ou da bagatela, segundo o qual as afetações diminutas do bem jurídico não constituem lesão relevante para os fins da tipicidade objetiva. Foi o princípio criticado como proveniente da velha antijuridicidade material e rechaçado, propondo-se sua substituição pela via da interpretação restritiva ou, de lege ferenda, através do princípio processual da oportunidade. A primeira é insuficiente e o segundo depende de algum critério – seria inaceitável que a oportunidade de propor a ação penal fosse uma decisão arbitrária – que encontra no princípio da insignificância seu melhor conteúdo. Mesmo aqueles autores que o negam reconhecem a necessidade de resolver casos nos quais a afetação irrisória do bem jurídico tornaria iníquo e irracional o exercício do poder punitivo.”[iii]
Por sua vez, Francisco de Assis Toledo, assevera que:
“segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.[iv]
Citamos ainda o Professor Rogério Greco, que nos ensina que:
“se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico; e, como consequência lógica, se não há o fato típico, não haverá crime.”[v]
A insignificância, portanto, tem a natureza jurídica de causa excludente de tipicidade, o que impõe que seja avaliada pelo Delegado de Polícia (assim como deveria ser, acaso levasse à exclusão da antijuridicidade ou ao afastamento da culpabilidade do autor, segundo a Lei 12.830/13). Se o fato é insignificante, não é típico. Se não é típico, é defeso à Autoridade policial lavrar o auto de prisão em flagrante, ou até mesmo iniciar a persecução penal, instaurando-se o Inquérito Policial através de Portaria, o que não impede o controle externo da atividade fim efetuada pela Polícia Civil, a ser exercido pelo Ministério Público (police accountability).
Na hipótese do furto aqui criada, um incauto logo diria ser obrigação da Autoridade Policial lavrar o auto de prisão em flagrante e mandar recolher o conduzido ao cárcere, prendendo-o em flagrante, até que um Juiz de Direito aprecie essa prisão em flagrante, convertendo-a em prisão preventiva, diante de requerimento da Autoridade Policial ou manifestação do Ministério Público, ou concedendo a liberdade provisória, condicionada ou não ao cumprimento de outras medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. Ou então alegaria que o Delegado de Polícia teria a possibilidade de arbitrar fiança no caso em tela, acaso a conduta do agente fosse referente ao tipo penal de furto simples, como era na prática.
Todavia, este não é o comportamento que se deve esperar de um Delegado de Polícia. O Brasil, diferentemente de muitos países do mundo, aplica com muita maestria algumas ideias previstas na Teoria do Garantismo Penal, muito difundida entre nós pelo Professor Luigi Ferrajoli, em relação ao procedimento relativo à prisão em flagrante. Isto porque, em nosso ordenamento jurídico foi instituído, no âmbito da Polícia Judiciária, um cargo dirigente para cujo ingresso se exige Bacharelado em Direito e concurso público de alto grau de dificuldade, em que são cobrados amplos conhecimentos jurídicos, em diversos ramos do direito, qual seja: o de Delegado de Polícia. E este Delegado de Polícia, que antes de exercer tal cargo é um operador do direito, possui independência jurídica para entender, ou não, se aquele fato que lhe foi apresentado é caso de lavratura de auto de prisão em flagrante, privando o suposto autor do fato, antes de qualquer instrução probatória mais robusta, e muitas vezes até mesmo da defesa deste suposto autor, por se negar a falar em sede policial. Frisa-se que, segundo a nossa Constituição Federal, a liberdade é a regra, sendo a prisão exceção, o que ressalta ainda mais a importância do referido cargo, da necessidade de seu ocupante ser Bacharel em Direito e possuir independência para decidir conforme suas convicções jurídicas. Salta aos olhos a importância, portanto, do Delegado de Polícia: A DE SER O PRIMEIRO GARANTIDOR DA CORRETA APLICAÇÃO DA LEI E DA MANUTENÇÃO DA LIBERDADE DOS CIDADÃOS.
Por conseguinte, nossas leis penais obrigam que cada prisão em flagrante efetuada pelos agentes da Autoridade Policial, ou por qualquer pessoa do povo, seja documentada através de um procedimento presidido pela Autoridade Policial, que fará um juízo imediato de sua legalidade, tendo como poder/dever recolher ao cárcere ou colocar o conduzido em liberdade, conforme entenda pela tipicidade ou atipicidade do fato. O Delegado de Polícia deverá, ainda, analisar a caracterização, ou não, do estado flagrancial, a teor do disposto no art. 304, § 1º do CPP.
Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005)
§ 1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.
Tal dispositivo garantista visa instituir um controle de legalidade nos atos dos agentes da Autoridade Policial, bem como no dos populares, em sua maioria desprovidos de conhecimentos jurídicos, a ser feito por um Delegado de Polícia integrante da Polícia Judiciária, que engloba o rol das carreiras jurídicas do Estado, justamente para se evitar abusos que possam vir a ser cometidos pelos demais agentes de polícia, sempre ressaltando que tal controle imediato não afasta a manifestação posterior do Ministério Público, bem como a conversão ou não da prisão em flagrante em prisão preventiva pelo Poder Judiciário.
Desta feita, não pode e não deve o Delegado de Polícia se ater apenas à literalidade da lei (tipicidade formal), no momento no qual lhe apresentarem um cidadão que haja sido preso em flagrante, seja por qual motivo for. Acaso o Delegado de Polícia fosse obrigado a se ater a este formalismo literal da lei, não seria necessária a realização de um concurso público com a exigência de Bacharelado em Direito, bem como sua presença 24 horas por dia nas Delegacias de Polícia; pois ele poderia ser substituído por um computador que indagasse ao policial militar, ou a quem quer que fosse o apresentante da ocorrência, os fatos dela constantes, tipificando-a imediatamente, e determinando o recolhimento ou não do cidadão conduzido ao cárcere, conforme encontrasse ou não adequação da conduta à lei penal. Não fosse necessária a interpretação da lei pelo operador do direito, também não seria necessária a presença de outros atores do processo penal, como o Promotor de Justiça e o Magistrado, na medida em que bastaria, da mesma forma, colocar em um programa de computador o que ocorrera e este programa faria a tipificação jurídica, no caso do oferecimento da denúncia, bem como decidiria o caso e a pena correspondente, através da sentença.
Sorte a da população que o Direito não é uma ciência exata, e que a lei penal tem a possibilidade, e o privilégio, de ser interpretada por operadores do direito conscientes das mazelas sociais, bem como das diversidades cultural, financeira e educacional presentes na população de nosso País (no que pese boa parte dos operadores do direito, muitas das vezes, não atuarem com essa consciência).
Por isso mesmo, pode e deve a Autoridade Policial lançar mão de toda técnica jurídica disponível na doutrina, jurisprudência e interpretação do direito, e acima de tudo, de todo o bom senso que possui, para decidir em primeira mão pela liberdade ou prisão em flagrante de um indivíduo. É isso que a Lei 12.830/13 elenca em seus preceitos. É isso que se espera de um Delegado de Polícia que atue apenas em respeito às leis e à Constituição Federal, livre de quaisquer influências externas. Até porque a Autoridade Policial é a primeira garantidora dos direitos fundamentais dos cidadãos, bem como da legalidade.
No mesmo sentido, colacionamos as palavras do Professor André Nicolitt que, com maestria, nos ensina que:
“Com efeito, quando o Delegado de Polícia se depara com um fato que, aprioristicamente, é insignificante, verificado que a notícia de crime não procede (verifica a improcedência das informações - § 3º do art. do CPP) está autorizado a deixar de lavrar o flagrante ou, simplesmente, deixar de instaurar o inquérito.
Isto ocorre porque a função do Delegado de Polícia é fazer o primeiro juízo (provisório) sobre a tipicidade. A função do Delegado de Polícia não pode resumir-se a um juízo de tipicidade legal ou formal, tendo que ser alargada ao juízo de tipicidade material e, mesmo, conglobante. Entendimento diverso retira o significado e a importância que a Constituição deu à atividade de polícia judiciária, cujas atribuições foram definidas por ela, que exigiu, inclusive, a estruturação em carreira do cargo de Delegado de Polícia.”[vi]
Por lógico, o cidadão que foi levado à nossa presença, cuja decisão inspirou o presente artigo, foi posto imediatamente em liberdade, após oitiva de todos os envolvidos e formalização do ocorrido. Garantindo-se a liberdade e respeitando-se as leis foi feita, assim, a JUSTIÇA que se espera emanar das decisões de um Delegado de Polícia.
Diante do exposto, resta claro e evidente que o princípio da insignificância, amplamente aceito em sede doutrinária e jurisprudencial em nosso ordenamento jurídico, deverá ser analisado pelo Delegado de Polícia, seja para evitar a arbitrariedade de se colocar no cárcere alguém que não violou materialmente a lei penal; seja para que a Polícia Judiciária não se ocupe de questões menos importantes no dia a dia e priorize investigações mais sérias e relevantes para a sociedade; ou seja até mesmo para não assoberbar ainda mais o Poder Judiciário, que poderá se preocupar com questões criminais que afetem seriamente os bens jurídicos mais importantes, que deverão estar previstos constitucionalmente.

[i] GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola. (10/06/2002) www.ibccrim.org.br.
[ii] QUEIROZ, Paulo. Curso de direito Penal – parte geral. Salvador, Editora JusPodivm: 2013, p. 93.
[iii] BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, segundo volume: teoria do delito: introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade. Rio de Janeiro, Editora Revan: 2010, p.228-229.
[iv] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 183.
[v] GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral – 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2006, p. 70.
[vi] NICOLITT, André. O delegado de polícia e o juízo de tipicidade: um olhar sob a ótica da insignificância, in Temas para uma Perspectiva Crítica do Direito: homenagem ao Professor Geraldo Prado. Editora Lumen Juris, 2010, p. 130.
Mauro Cesar
Delegado de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito - FND/UFRJ. Pós Graduando em Ciências Criminais e Criminologia, Segurança Pública e Política Criminal pela Universidade Anhanguera/LFG. Colunista do Canal Carreiras Policiais (Facebook). Professor...

Sim, o advogado deve cobrar consulta

Sim, o advogado deve cobrar consulta

Uma questão de respeito consigo mesmo e com o cliente.


Publicado por Thiago Araújo 


Não conheço ninguém que reclame de pagar a consulta do médico, psicólogo, nutricionista ou de qualquer outro profissional liberal. Só a do advogado.
A análise de uma demanda trazida por um cliente já é trabalho, que pode ou não desencadear em uma ação judicial.
O grande erro de muita gente, aí incluindo advogados, é o pensamento equivocado sobre o que faz um advogado. Parece que muitos não possuem a verdadeira noção do que este profissional faz. A estes deve ser informado que advocacia não é sinônimo de atuar apenas em processos.
Não existe "tirar só uma dúvida". O que permite ao advogado resolver questões jurídicas é o conhecimento acumulado em cinco anos de faculdade, e em diversas especializações, cursos e estudos individuais.

O advogado deve ser um facilitador do Direito. Mas isto tem um preço. Se o advogado tiver que analisar documentos, fatos entre outras coisas para saber se o Direito está ou não ao lado do cliente, terá que investir tempo (em algumas situações dinheiro) e pesquisas (afinal, ninguém é uma biblioteca sobre pernas), isto deve sim ser remunerado.
Advogados não vendem produtos. Apresentam soluções através de orientações ao cliente sobre o que fazer ou deixar de fazer para conseguir isto. Como dito acima, nem tudo na vida "dá processo". E esta análise - remunerada - cabe ao advogado.
A não cobrança de consulta até pode se justificar, por exemplo, se houver contratação de outros serviços posteriormente, se houver contratos de êxito (lembrando que nem todo tipo de causa pode ser feita assim), ou qualquer outra política de relacionamento com o cliente que não implique em aviltamento de honorários ou da dignidade da profissão. Mas ainda assim, são medidas excepcionais.
O pensamento de evitar cobranças de consulta, ou mesmo de valores que sejam justos em quaisquer serviços advocatícios faz uma diferenciação entre dois perfis: pessoas que procuram qualidade e pessoas que procuram baixo preço.
Abaixar o nível para atrair clientes que procurem preços baixos não é garantia de sucesso. Aliás, é quase garantia de fracasso, ainda que em longo prazo. Se o advogado gostar de ser o "doutor baratinho", ele vai trabalhar mais, ter mais despesas, mais estresse, mais acúmulo de trabalho e será trocado por outro que cobrirá a oferta, cedo ou tarde.
Quem é atraído por não ter que "coçar o bolso" não dará a menor importância a qualidade, confiança ou honestidade de seu trabalho. Esta forma de pensar é o que diferencia advogados que se tornam bem sucedidos e por consequência prestam serviços de maior qualidade e realmente gostando do que fazem daqueles que passam a vida a reclamar da profissão e dos ganhos.
Ademais, o conhecimento popular diz que "o barato pode sair caro". Um advogado que oferece o baixo preço como cartão de visitas pode não ter nada melhor a oferecer. Assim, deve ser pensado pelo cliente se é válido confiar algo a quem só possui baixos preços como referência. O que sua experiência de vida te diz sobre isso? Faça uma autorreflexão.
Por isso, via de regra, o bom advogado, aquele que respeita o cliente, que verdadeiramente se empenha, deve cobrar a consulta, salvo as exceções já mencionadas nesse texto.
Thiago Araújo
Advogado e Consultor Jurídico
Advogado inscrito na OAB/RJ sob o nº.: 149.726. Atuante em advocacia contenciosa e consultiva, com ênfase em Direito do Consumidor, Imobiliário, Sucessório e Administrativo. Para mais informações, acessem o site: www.thiagoaraujo.adv.br

O julgamento da desaposentação no Supremo Tribunal Federal - STF

O julgamento da desaposentação no Supremo Tribunal Federal - STF

Publicado por Jose Luiz da Silva Pinto - 2 dias atrás
LEIAM 24 NÃO LEIAM
A desaposentação é a possibilidade de o aposentado que retorna ao trabalho ter uma nova aposentadoria com um valor maior, que inclui as novas contribuições do último período de trabalho. Caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir se a desaposentação será possível ou não.
O julgamento começou no dia 08/10/2014 e foi suspenso no dia seguinte quando o ministro relator Luís Roberto Barroso leu seu voto.
Em síntese, o relator acolheu a desaposentação, sem necessidade de devolução dos valores já recebidos, mas propôs uma nova forma de cálculo do fator previdenciário no caso de desaposentação. O fator previdenciário deverá ser calculado com a idade e a expectativa de vida da época da primeira aposentadoria.
A votação é aguardada por milhares de aposentados e muito preocupa o governo federal, pois haverá impacto sobre o orçamento caso a desaposentação seja permitida.
A desaposentação deve ser feita por meio de ação ordinária na justiça, por meio da qual se pede a renúncia do benefício anterior e, ato contínuo, a concessão de uma nova aposentadoria considerando o novo período de contribuição.
Não se trata de recálculo da renda mensal da aposentadoria, mas de renúncia do benefício anterior para obtenção de um novo benefício mais vantajoso, visto que o aposentado mesmo após sua aposentadoria voltou a contribuir para a previdência social.
Em que pese os argumentos contra a desaposentação, a sua permissão e regulamentação é tida como mais acertada, porque o aposentado que volta a trabalhar tem que contribuir para o INSS, assim como os demais segurados, mas em contrapartida não possui os mesmos benefícios, ou seja, ele participa do custeio da previdência, mas não pode usufruir dos mesmos benefícios dos demais segurados, mesmo que tenha os mesmo riscos como doença, acidente de trabalho, etc.
Por isso que a desaposentação é mais justa para os aposentados. Os princípios da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da contrapartida devem ser respeitados. Portanto, não resta dúvidas que o mais justo é conceder a desaposentação àqueles que voltam a trabalhar após se aposentarem, utilizando o último período de contribuição para incrementar suas aposentadorias.
Post scriptum: como salientou o colega Tiago Solimam, o Min. Roberto Barroso em seu voto prevê um prazo de 180 dias após a publicação da decisão para o legislador poder regulamentar a matéria.
Jose Luiz da Silva Pinto
Advogado Previdenciário
Meu nome é José Luiz da Silva Pinto, sou advogado especializado em Direito Previdenciário e Trabalhista, atuo em São Paulo, site www.advprevidenciário.com.

Criminosos bons de votos

Criminosos bons de votos

Diário do Brazilquistão


Publicado por Luiz Flávio Gomes 


01. De acordo com nosso correspondente no longínquo Brazilquistão, 40% dos três deputados federais mais votados e dos senadores eleitos em 2014 (40 em um grupo de 108) são réus ou estão sendo investigados pela polícia ou Justiça brasileira (Globo 12/10/14: 3). A folha de antecedentes completa (e, desgraçadamente, repleta de ocorrências) de todos os parlamentares eleitos deve sair em breve. Pela pequena amostragem já se pode imaginar a baixa reputação moral do novo Congresso (com as ressalvas de costume). Muitos novatos já estão chegando com a FA cheia, o que confirma que é por meio das democráticas eleições que se busca a suposta (mas quase certa) impunidade. Os crimes ou infrações cometidos por eles vão de desvio de recursos públicos e improbidade administrativa a crimes de tortura e violação da Lei Seca
Carregando...
, passando pelo peculato, lei das licitações, porte ilegal de armas, homicídio, uso indevido de funcionários, apropriação irregular de terras, “farra na publicidade”, crime ambiental, desmatamento ilegal, falsidade ideológica, crime de responsabilidade, lavagem de dinheiro, Lei da Ficha Limpa
Carregando...
, promoção pessoal em jornal púbico, compra de votos, doação irregular de terreno público etc. Transitam pelas leis penais com a mesma desenvoltura com que Einstein cuidava da relatividade.
02. Ninguém sabe se dessa radiografia da política e dos políticos brazilquistaneses (assim como dos seus comparsas doleiros, banqueiros, marqueteiros, empreiteiros, empresários etc.) sairão alguns frutos, como a louvável emenda e correção, ao menos das mais horrendas anomalias da capenga e sempre desvirtuada vida democrática deste País de potencialidade incrível, mas desperdiçada a cada governo, pouco importando seu matiz ideológico (esquerda, centro ou direita), em virtude da má governança assim como da precaríssima qualidade das lideranças que têm em suas mãos os destinos da nação. Nosso correspondente tem dito que, pelos exemplos de jactanciosa temeridade (Lisboa), não ousa criar nenhuma expectativa robusta e consistente, sobretudo nesses tempos líquidos (Bauman) de dúvidas e incertezas atrozes sobre a democracia, a economia, a Justiça e o futuro da nação. Seu consolo, ultimamente, tem sido o de que suas páginas, no mínimo, possam servir de registro e memória dos sombrios tempos presentes, que não constituem nenhuma novidade, no entanto, quando olhamos a história obscurecida pela ganância e pelo parasitismo, os costumes frouxos e as tradições corruptivas dessa Ilha de beleza exuberante e riqueza inigualável, mas perdida nos seus próprios meandros cada vez mais apocalípticos.
03. A descrença do nosso correspondente não está lastreada em pueril leviandade, sim, em levantamentos precedentes, como o realizado pela ONG Transparência Brasil, divulgado pela maior revista da Ilha (em setembro de 2013), que apontou o seguinte: dos 594 parlamentares em exercício, 190 entre deputados e senadores já tinham sido condenados pela Justiça ou tribunais de conta. As sentenças e as decisões dos tribunais decorreram de irregularidades em convênios, contratos e licitações, atingindo 66 parlamentares (11% do Congresso). Em segundo lugar aparecem as condenações da Justiça Eleitoral por irregularidades em contas de campanha, com 57 deputados e senadores encrencados (9,6% do Congresso). Em terceiro estão os atos de improbidade administrativa (como enriquecimento ilícito e dano ao erário), que levaram à condenação 41 congressistas (6,9% do Congresso). Dentre esses parlamentares, 14 foram condenados à pena de prisão. Um deles, um senador de Rondônia, foi condenado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a quatro anos, oito meses e 26 dias de prisão, em regime semiaberto, por fraude em licitações. Na Câmara, 13 deputados federais receberam penas de reclusão, em alguns casos convertida em prestação de serviços e pagamento de multas.
04. Diante dos macabros antecedentes, era de se imaginar que das urnas saísse um novo Congresso Nacional, rejuvenecido e preparado para os hercúleos desafios que o mundo moderno impõe às sociedades complexas. Nada disso. De decepção em decepção o Brazilquistão vai flertando com o pantanoso mundo da ingovernabilidade absoluta (sendo disso conivente, muitas vezes, boa parcela da própria população, que não se constrange em reeleger nem sequer quem já foi publicamente reconhecido como ladrão do dinheiro público).
Luiz Flávio Gomes
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Padre Fábio de Melo - Amar se para amar

Que acontece com este Moço?...


Link permanente da imagem incorporada

45 ESCÂNDALOS DO GOVERNO DO PSDB DE AÉCIO

45 ESCÂNDALOS DO GOVERNO DO PSDB DE AÉCIO




ALGUNS DOS ESCÂNDALOS DO GOVERNO FHC/PSDB/PFL-DEM


[OBS deste blog 'democracia&política': 

Será que o povo tem memória curta? Estamos temerosos que 33% dos eleitores estão esquecidos da tragédia nacional que foi o governo FHC/PSDB. Compreendo em parte o esquecimento. Primeiro, porque a grande mídia brasileira era aliada, como sempre foi apoiadora dos governos de direita, inclusive dos regimes militares. Assim, a mídia logo abafava e enterrava eventuais escândalos que vazassem. A polícia, desaparelhada, pouco investigava. E a Justiça, também tradicional protetora da direita, engavetava e arquivava os processos que aparecessem. Nesse cenário, não é de estranhar que pouca informação negativa aos tucanos tenha aparecido e ainda persista.  

Passarei a relembrar aqui antigas postagens nossas que poderão ajudar a mais bem rememorarmos o que significaria o PSDB novamente no governo.

Começo com uma que aqui fizemos em 4 de março de 2010. Transcrevo]:

O Brasil não esquecerá 

45 escândalos que marcaram o governo FHC/PSDB [Esta lista apenas cita algumas das falcatruas, mas não abrange todos os casos de corrupção dos tucanos]  

O documento "O Brasil não esquecerá - 45 escândalos que marcaram o governo FHC/PSDB", de julho de 2002, é um trabalho da Liderança do PT na Câmara Federal de Deputados. O objetivo do levantamento de ações e omissões dos últimos sete anos e meio do governo FHC/PSDB, segundo o então líder do PT, deputado João Paulo (SP), não é fazer denúncia, chantagem ou ataque. "Estamos fazendo um balanço ético para que a avaliação da sociedade não se restrinja às questões econômicas", argumentou.

Entres os 45 pontos estão os casos Sudam, Sivam, Proer, caixa-dois de campanhas, TRT paulista, calote no Fundef, mudanças na CLT, intervenção na Previ e erros do Banco Central. A intenção da Revista "Consciência.Net" em divulgar tal documento não é apagar ou minimizar os erros do governo que se seguiu, mas urge deixar esse passado obscuro bem registrado. Leia a seguir:

Itinerário de um desastre

Nenhum governo teve mídia tão favorável quanto o de FHC/PSDB, o que não deixa de ser surpreendente, visto que em seus dois mandatos ele realizou uma extraordinária obra de demolição, de fazer inveja a Átila e a Gêngis Khan. Vale a pena relembrar algumas das passagens de um governo que deixará pesada herança para seu sucessor.

A taxa média de crescimento da economia brasileira, ao longo da década tucana, foi a pior da história, em torno de 2,4%. Pior até mesmo que a taxa média da chamada década perdida, os anos 80, que girou em torno de 3,2%. No período, o patrimônio público representado pelas grandes estatais foi liquidado na bacia das almas. No discurso, essa operação serviria para reduzir a dívida pública e para atrair capitais. Na prática, assistimos a um crescimento exponencial da dívida pública. A dívida interna saltou de R$ 60 bilhões para impensáveis R$ 630 bilhões, enquanto a dívida externa teve seu valor dobrado.

Enquanto isso, o esperado afluxo de capitais não se verificou. Pelo contrário, o que vimos no setor elétrico foi exemplar. Uma parceria entre as elétricas privatizadas e o governo gerou aguda crise no setor, provocando longo racionamento. Este ano [2002], para compensar o prejuízo que sua imprevidência deu ao povo, o governo premiou as elétricas com sobretaxas e um esdrúxulo programa de energia emergencial. Ou seja, os capitais internacionais não vieram e a incompetência das privatizadas está sendo financiada pelo povo.

O texto que segue é um itinerário, em 45 pontos, das ações e omissões levadas a efeito pelo governo FHC/PSDB e de relatos sobre tentativas fracassadas de impor medidas do receituário neoliberal. Em alguns casos, a oposição, aproveitando-se de rachas na base governista ou recorrendo aos tribunais, bloqueou iniciativas que teriam causado ainda mais dano aos interesses do povo.

Essa recompilação serve como ajuda à memória e antídoto contra a amnésia. Mostra que a obra de destruição realizada por FHC/PSDB não pode ser fruto do acaso. Ela só pode ser fruto de um planejamento meticuloso [provavelmente feito no Exterior e traduzido].

1 - Conivência com a corrupção 

O governo do PSDB tem sido conivente com a corrupção. Um dos primeiros gestos de FHC ao assumir a Presidência, em 1995, foi extinguir, por decreto, a Comissão Especial de Investigação, instituída no governo Itamar Franco e composta por representantes da sociedade civil, que tinha como objetivo combater a corrupção. Em 2001, para impedir a instalação da CPI da Corrupção, FHC criou a Controladoria-Geral da União, órgão que [naquele governo] se especializou em abafar denúncias.

2 - O escândalo do Sivam

O contrato para execução do projeto Sivam foi marcado por escândalos. A empresa Esca, associada à norte-americana Raytheon, e responsável pelo gerenciamento do projeto, foi extinta por fraudes contra a Previdência. Denúncias de tráfico de influência derrubaram o embaixador Júlio César dos Santos e o ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Mauro Gandra.

3 - A farra do Proer

O Proer demonstrou, já em 1996, como seriam as relações [dadivosas] do governo FHC com o sistema financeiro. Para FHC, o custo do programa ao Tesouro Nacional foi de 1% do PIB. Para os ex-presidentes do BC, Gustavo Loyola e Gustavo Franco, atingiu 3% do PIB. Mas para economistas da Cepal, os gastos chegaram a 12,3% do PIB, ou R$ 111,3 bilhões, incluindo a recapitalização do Banco do Brasil, da CEF e o socorro aos bancos estaduais.

4 - Caixa-dois de campanhas

As campanhas de FHC em 1994 e em 1998 teriam se beneficiado de um esquema de caixa-dois. Em 1994, pelo menos R$ 5 milhões não apareceram na prestação de contas entregue ao TSE. Em 1998, teriam passado pela contabilidade paralela R$ 10,1 milhões [valores não corrigidos].

5 - Propina na privatização

A privatização do sistema Telebras e da Vale do Rio Doce foi marcada pela suspeição. Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-caixa de campanha de FHC e do senador José Serra e ex-diretor da Área Internacional do Banco do Brasil, é acusado de pedir propina de R$ 15 milhões para obter apoio dos fundos de pensão ao consórcio do empresário Benjamin Steinbruch, que levou a Vale, e de ter cobrado R$ 90 milhões para ajudar na montagem do consórcio Telemar.

6 - A emenda da reeleição

O instituto da reeleição foi obtido por FHC/PSDB a preços altos. Gravações revelaram que os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, ganharam R$ 200 mil cada um para votar a favor do projeto. Os deputados foram expulsos do partido e renunciaram aos mandatos. Outros três deputados acusados de vender o voto, Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra, foram absolvidos pelo plenário da Câmara.

7 - Grampos telefônicos

Conversas gravadas de forma ilegal foram um capítulo à parte no governo FHC/PSDB. Durante a privatização do sistema Telebras, grampos no BNDES flagraram conversas de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, então presidente do BNDES, articulando o apoio da Previ para beneficiar o consórcio do banco Opportunity, que tinha como um dos donos o economista Pérsio Arida, amigo de Mendonça de Barros e de Lara Resende. Até FHC entrou na história, autorizando o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.

8 - TRT paulista 

A construção da sede do TRT paulista representou um desvio de R$ 169 milhões aos cofres públicos. A CPI do Judiciário contribuiu para levar o juiz Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal, para a cadeia e para cassar o mandato do Senador Luiz Estevão (PMDB-DF), dois dos principais envolvidos no caso.

9 - Os ralos do DNER 

O DNER foi o principal foco de corrupção no governo de FHC/PSDB. Seu último avanço em matéria de tecnologia da propina atende pelo nome de precatórios. A manobra consiste em furar a fila para o pagamento desses títulos. Estima-se que os beneficiados pela fraude pagavam 25% do valor dos precatórios para a quadrilha que comandava o esquema. O órgão acabou sendo extinto pelo governo.

10 - O "caladão"

O Brasil calou no início de julho de 1999 quando o governo FHC implementou o novo sistema de Discagem Direta a Distância (DDD). Uma pane geral deixou os telefones mudos. As empresas que provocaram o caos no sistema haviam sido recém-privatizadas. O "caladão" provocou prejuízo aos consumidores, às empresas e ao próprio governo. Ficou tudo por isso mesmo.

11 - Desvalorização do real 

FHC se reelegeu em 1998 com um discurso que pregava "ou eu ou o caos". Segurou [erradamente] a quase paridade entre o real e o dólar até passar o pleito. Vencida a eleição, teve de desvalorizar a moeda. Há indícios de vazamento [privilegiado] de informações do Banco Central. O deputado Aloizio Mercadante, do PT, divulgou lista com o nome dos 24 bancos que lucraram muito com a mudança cambial e outros quatro que registraram movimentação especulativa suspeita às vésperas do anúncio das medidas.

12 - O caso Marka/FonteCindam 

Durante a desvalorização do real, os bancos Marka e FonteCindam foram socorridos pelo Banco Central com R$ 1,6 bilhão. O pretexto é que a quebra desses bancos criaria risco sistêmico para a economia. Chico Lopes, ex-presidente do BC, e Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka, estiveram presos, ainda que por um pequeno lapso de tempo. Cacciola retornou à sua Itália natal, onde vive tranquilo.

13 - Base de Alcântara

O governo FHC enfrenta resistências para aprovar o acordo de cooperação internacional que permite aos Estados Unidos usarem a Base de Lançamentos Espaciais de Alcântara (MA). Os termos do acordo são lesivos aos interesses nacionais. Exemplos: áreas de depósitos de material americano serão interditadas a autoridades brasileiras. O acesso brasileiro a novas tecnologias fica bloqueado e o acordo determina ainda com que países o Brasil pode se relacionar nessa área. Diante disso, o PT apresentou emendas ao tratado – todas acatadas na Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

14 - Biopirataria oficial 

Antigamente, os exploradores levavam nosso ouro e pedras preciosas. Hoje, levam nosso patrimônio genético. O governo FHC/PSDB teve de rever o contrato escandaloso assinado entre a Bioamazônia e a Novartis, que possibilitaria a coleta e transferência de 10 mil microorganismos diferentes e o envio de cepas para o exterior, por 4 milhões de dólares. Sem direito ao recebimento de royalties. Como um único fungo pode render bilhões de dólares aos laboratórios farmacêuticos, o contrato não fazia sentido. Apenas oficializava a biopirataria.

15 - O fiasco dos 500 anos 

As festividades dos 500 anos de descobrimento do Brasil, sob coordenação do ex-ministro do Esporte e Turismo, Rafael Greca (PFL-PR), se transformaram num fiasco monumental. Índios e sem-terra apanharam da polícia quando tentaram entrar em Porto Seguro (BA), palco das comemorações. O filho do presidente, Paulo Henrique Cardoso, é um dos denunciados pelo Ministério Público de participação no episódio de superfaturamento da construção do estande brasileiro na Feira de Hannover, em 2000.

16 - Eduardo Jorge, um personagem suspeito 

Eduardo Jorge Caldas, ex-secretário-geral da Presidência, é um dos personagens mais sombrios que frequentou o Palácio do Planalto na era FHC/PSDB. Suspeita-se que ele tenha se envolvido no esquema de liberação de verbas para o TRT paulista e em superfaturamento no Serpro, de montar o caixa-dois para a reeleição de FHC, de ter feito lobby para empresas de informática, e de manipular recursos dos fundos de pensão nas privatizações. Também teria tentado impedir a falência da Encol.

17 - Drible na reforma tributária 

O PT participou de um acordo, do qual faziam parte todas as bancadas com representação no Congresso Nacional, em torno de uma reforma tributária destinada a tornar o sistema mais justo, progressivo e simples. A bancada petista apoiou o substitutivo do relator do projeto na Comissão Especial de Reforma Tributária, deputado Mussa Demes (PFL-PI). Mas o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o Palácio do Planalto impediram a tramitação.

18 - Rombo transamazônico na Sudam 

O rombo causado pelo festival de fraudes transamazônicas na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, a Sudam, no período de 1994 a 1999, ultrapassa R$ 2 bilhões. As denúncias de desvios de recursos na Sudam levaram o ex-presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA) a renunciar ao mandato. Ao invés de acabar com a corrupção que imperava na Sudam e colocar os culpados na cadeia, o presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu extinguir o órgão. O PT ajuizou ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a providência do governo.

19 - Os desvios na Sudene 

Foram apurados desvios de R$ 1,4 bilhão em 653 projetos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene. A fraude consistia na emissão de notas fiscais frias para a comprovação de que os recursos recebidos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) foram aplicados. Como no caso da Sudam, FHC, [em vez de apurar e punir], decidiu extinguir o órgão. O PT também questionou a decisão no Supremo Tribunal Federal.

20 - Calote no Fundef 

O governo FHC/PSDB desrespeita a lei que criou o Fundef. Em 2002, o valor mínimo deveria ser de R$ 655,08 por aluno/ano de 1ª a 4ª séries e de R$ 688,67 por aluno/ano da 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e da educação especial. Mas os valores estabelecidos ficaram abaixo: R$ 418,00 e R$ 438,90, respectivamente. O calote aos estados mais pobres soma R$ 11,1 bilhões desde 1998.

21 - Abuso de MPs 

Enquanto senador [assumiu sem um único voto, como suplente do senador Franco Montoro], FHC combatia com veemência o abuso nas edições e reedições de Medidas Provisórias por parte José Sarney e Fernando Collor. Os dois juntos editaram e reeditaram 298 MPs. Como presidente, FHC cedeu à tentação autoritária. Editou e reeditou, em seus dois mandatos, 5.491 medidas provisórias. O PT participou ativamente das negociações que resultaram na aprovação de emenda constitucional que limita o uso de MPs.

22 - Acidentes na Petrobras 

Por problemas de gestão e falta de investimentos, a Petrobras protagonizou uma série de acidentes ambientais no governo FHC/PSDB que viraram notícia no Brasil e no mundo. A estatal foi responsável pelos maiores desastres ambientais ocorridos no País nos últimos anos. Provocou, entre outros, um grande vazamento de óleo na Baía de Guanabara, no Rio, outro no Rio Iguaçu, no Paraná. Uma das maiores plataformas da empresa, a [bilionária] P-36, afundou na Bacia de Campos, causando a morte de 11 trabalhadores. A Petrobras também ganhou manchetes com os acidentes de trabalho em suas plataformas e refinarias que ceifaram a vida de centenas de empregados.

23 - Apoio a Fujimori 

O presidente FHC apoiou o terceiro mandato consecutivo do corrupto ditador peruano Alberto Fujimori, um sujeito que nunca deu valor à democracia e que fugiu do País para não viver os restos de seus dias na cadeia. Não bastasse isso, concedeu a Fujimori a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, o principal título honorário brasileiro. O Senado, numa atitude correta, acatou sugestão apresentada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) e cassou a homenagem.

24 - Desmatamento na Amazônia

Por meio de decretos e medidas provisórias, o governo FHC/PSDB desmontou a legislação ambiental existente no País. As mudanças na legislação ambiental debilitaram a proteção às florestas e ao cerrado e fizeram crescer o desmatamento e a exploração descontrolada de madeiras na Amazônia. Houve aumento dos focos de queimadas. A Lei de Crimes Ambientais foi modificada para pior.

25 – Os computadores do FUST 

A ideia de equipar todas as escolas públicas de ensino médio com 290 mil computadores se transformou numa grande negociata. Os recursos para a compra viriam do Fundo de Universalização das Telecomunicações, o Fust. Mas o governo ignorou a Lei de Licitações, a Lei nº 8.666. Além disso, fez megacontrato com a Microsoft, que teria, com o Windows, o monopólio do sistema operacional das máquinas, quando há softwares que poderiam ser usados gratuitamente. A Justiça e o Tribunal de Contas da União suspenderam o edital de compra e a negociata está suspensa.

26 - Arapongagem 

O governo FHC/PSDB montou uma verdadeira rede de espionagem para vasculhar a vida de seus adversários e monitorar os passos dos movimentos sociais. Essa máquina de destruir reputações é constituída por ex-agentes do antigo SNI ou por empresas de fachada. Os arapongas tucanos sabiam da invasão dos sem-terra à propriedade do presidente em Buritis-MG, em março deste ano, e o governo nada fez para evitar a operação. Eles foram responsáveis também pela espionagem contra Roseana Sarney [Depois, mandou até o Exército para retirar invasores daquela sua fazenda particular].

27 - O esquema do FAT 

A Fundação Teotônio Vilela, presidida pelo ex-presidente do PSDB, senador alagoano Teotônio Vilela, e que tinha como conselheiro o presidente FHC, foi acusada de envolvimento em desvios de R$ 4,5 milhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Descobriu-se que boa parte do dinheiro, que deveria ser usado para treinamento de 54 mil trabalhadores do Distrito Federal, sumiu. As fraudes no financiamento de programas de formação profissional ocorreram em 17 unidades da federação e estão sob investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público.

28 - Mudanças na CLT 

A maioria governista na Câmara dos Deputados aprovou, contra o voto da bancada do PT, projeto que "flexibiliza" a CLT, ameaçando direitos consagrados dos trabalhadores, como férias, décimo terceiro e licença maternidade. O projeto esvazia o poder de negociação dos sindicatos. No Senado, o governo FHC/PSDB não teve forças para levar adiante essa medida antissocial.

29 - Obras irregulares

Um levantamento do Tribunal de Contas da União, feito em 2001, indicou a existência de 121 obras federais com indícios de irregularidades graves. A maioria dessas obras pertence a órgãos como o extinto DNER, os ministérios da Integração Nacional e dos Transportes e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Uma dessas obras, a hidrelétrica de Serra da Mesa, interior de Goiás, deveria ter custado 1,3 bilhão de dólares. Consumiu o dobro.

30 - Explosão da dívida pública 

Quando FHC/PSDB assumiu a Presidência da República, em janeiro de 1995, a dívida pública interna e externa somava R$ 153,4 bilhões. Entretanto, a política de juros altos de seu governo, que pratica as maiores taxas do planeta, elevou essa dívida para R$ 684,6 bilhões em abril de 2002, um aumento de 346%. Hoje, a dívida já equivale a preocupantes 54,5% do PIB.

31 - Avanço da dengue

A omissão do Ministério da Saúde é apontada como principal causa da epidemia de dengue no Rio de Janeiro. O ex-ministro José Serra demitiu seis mil mata-mosquitos contratados para eliminar focos do mosquito Aedes Aegypti. Em 2001, o Ministério da Saúde gastou R$ 81,3 milhões em propaganda e apenas R$ 3 milhões em campanhas educativas de combate à dengue. Resultado: de janeiro a maio de 2002, só o estado do Rio registrou 207.521 casos de dengue, levando 63 pessoas à morte.

32 – Verbas do BNDES 

Além de vender o patrimônio público a preço de banana, o governo FHC/PSDB, por meio do BNDES, destinou cerca de R$ 10 bilhões para socorrer empresas [a maior parte estrangeiras] que assumiram o controle de ex-estatais privatizadas. Quem mais levou dinheiro do banco público que deveria financiar o desenvolvimento econômico e social do Brasil foram as teles e as empresas de distribuição, geração e transmissão de energia. Em uma das diversas operações, o BNDES injetou R$ 686,8 milhões na Telemar, assumindo 25% do controle acionário da empresa.

33 - Crescimento pífio do PIB 

Na "Era FHC", a média anual de crescimento da economia brasileira estacionou em pífios 2%, incapaz de gerar os empregos que o País necessita e de impulsionar o setor produtivo. Um dos fatores responsáveis por essa quase estagnação é o elevado déficit em conta-corrente, de 23 bilhões de dólares no acumulado dos últimos 12 meses. Ou seja: devido ao baixo nível da poupança interna, para investir em seu desenvolvimento, o Brasil se tornou extremamente dependente de recursos externos, pelos quais paga cada vez mais caro.

34 – Renúncias no Senado 

A disputa política entre o Senador Antônio Carlos Magalhães (PFL[DEM]-BA) e o Senador Jader Barbalho (PMDB-PA), em torno da presidência do Senado expôs publicamente as divergências da base de sustentação do governo. ACM [do DEM] renunciou ao mandato, sob a acusação de violar o painel eletrônico do Senado na votação que cassou o mandato do senador Luiz Estevão (PMDB-DF). Levou consigo seu cúmplice, o líder do governo, senador José Roberto Arruda (PSDB-DF). Jader Barbalho se elegeu presidente do Senado, com apoio ostensivo de José Serra e do PSDB, mas também acabou por renunciar ao mandato, para evitar a cassação. Pesavam contra ele denúncias de desvio de verbas da Sudam.

35 - Racionamento de energia

A imprevidência do governo FHC/PSDB e das empresas do setor elétrico gerou o apagão. O povo se mobilizou para abreviar o racionamento de energia. Mesmo assim, foi punido. Para compensar supostos prejuízos das empresas, o governo baixou Medida Provisória transferindo a conta do racionamento aos consumidores, que são obrigados a pagar duas novas tarifas em sua conta de luz. O pacote de ajuda às empresas soma R$ 22,5 bilhões.

36 - Assalto ao bolso do consumidor

FHC quer que o seu governo seja lembrado como aquele que deu proteção social ao povo brasileiro. Mas seu governo permitiu a elevação das tarifas públicas bem acima da inflação. Desde o início do plano real até agora, o preço das tarifas telefônicas foi reajustado acima de 580%. Os planos de saúde subiram 460%, o gás de cozinha 390%, os combustíveis 165%, a conta de luz 170% e a tarifa de água 135%. Neste período, a inflação acumulada ficou em 80%.

37 – Explosão da violência 

O Brasil é um país cada vez mais violento. E as vítimas, na maioria dos casos, são os jovens. Na última década, o número de assassinatos de jovens de 15 a 24 anos subiu 48%. A Unesco coloca o País em terceiro lugar no ranking dos mais violentos, entre 60 nações pesquisadas. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes, na população geral, cresceu 29%. Cerca de 45 mil pessoas são assassinadas anualmente. FHC/PSDB pouco ou nada fez para dar mais segurança aos brasileiros.

38 – A falácia da Reforma agrária 

O governo FHC/PSDB apresentou ao Brasil e ao mundo números mentirosos sobre a reforma agrária. Na propaganda oficial, espalhou ter assentado 600 mil famílias durante oito anos de reinado. Os números estavam inflados. O governo considerou assentadas famílias que haviam apenas sido inscritas no programa. Alguns assentamentos só existiam no papel. Em vez de reparar a fraude, baixou decreto para oficializar o engodo.

39 - Subserviência internacional 

A timidez marcou a política de comércio exterior do governo FHC. Num gesto unilateral, os Estados Unidos sobretaxaram o aço brasileiro. O governo do PSDB foi acanhado nos protestos e hesitou em recorrer à OMC. Por iniciativa do PT, a Câmara aprovou moção de repúdio às barreiras protecionistas. A subserviência é tanta que, em visita aos EUA, no início deste ano, o ministro Celso Lafer foi obrigado a tirar os sapatos três vezes e se submeter a revistas feitas por seguranças de aeroportos.

40 – Renda em queda e desemprego em alta

Para o emprego e a renda do trabalhador, a Era FHC/PSDB pode ser considerada perdida. O governo tucano fez o desemprego bater recordes no País. Na região metropolitana de São Paulo, o índice de desemprego chegou a 20,4% em abril, o que significa que 1,9 milhão de pessoas estão sem trabalhar. O governo FHC/PSDB promoveu a precarização das condições de trabalho. O rendimento médio dos trabalhadores encolheu nos últimos três anos.

41 - Relações perigosas

Diga-me com quem andas e te direi quem és. Esse ditado revela um pouco as relações suspeitas do presidenciável tucano José Serra com três figuras que estiveram na berlinda nos últimos dias. O economista Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-caixa de campanha de Serra e de FHC, é acusado de exercer tráfico de influência quando era diretor do Banco do Brasil e de ter cobrado propina no processo de privatização. Ricardo Sérgio teria ajudado o empresário espanhol Gregório Marin Preciado a obter perdão de uma dívida de R$ 73 milhões junto ao Banco do Brasil. Preciado, casado com uma prima de Serra, foi doador de recursos para a campanha do senador paulista. Outra ligação perigosa é com Vladimir Antonio Rioli, ex-vice-presidente de operações do Banespa e ex-sócio de Serra em empresa de consultoria. Ele teria facilitado uma operação irregular realizada por Ricardo Sérgio para repatriar US$ 3 milhões depositados em bancos nas Ilhas Cayman - paraíso fiscal do Caribe.

42 – Violação aos direitos humanos 

Massacres como o de Eldorado do Carajás, no sul do Pará, onde 19 sem-terra foram assassinados pela polícia militar do governo do PSDB em 1996, figuram nos relatórios da Anistia Internacional, que recentemente denunciou o governo FHC/PSDB de violação aos direitos humanos. A Anistia critica a impunidade e denuncia que polícias e esquadrões da morte vinculados a forças de segurança cometeram numerosos homicídios de civis, inclusive crianças, durante o ano de 2001. A entidade afirma ainda que as práticas generalizadas e sistemáticas de tortura e maus-tratos prevalecem nas prisões.

43 – Correção da tabela do IR 

Com fome de leão, o governo congelou por seis anos a tabela do Imposto de Renda. O congelamento aumentou a base de arrecadação do imposto, pois com a inflação acumulada, mesmo os que estavam isentos e não tiveram ganhos salariais, passaram a ser taxados. FHC/PSDB só corrigiu a tabela em 17,5% depois de muita pressão da opinião pública e após aprovação de projeto pelo Congresso Nacional. Mesmo assim, após vetar o projeto e editar uma Medida Provisória que incorporava parte do que fora aprovado pelo Congresso, aproveitou a oportunidade e aumentou alíquotas de outros tributos.

44 – Intervenção na Previ 

FHC aproveitou o dia de estréia do Brasil na Copa do Mundo de 2002 para decretar intervenção na Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com patrimônio de R$ 38 bilhões e participação em dezenas de empresas. Com esse gesto, afastou seis diretores, inclusive os três eleitos democraticamente pelos funcionários do BB. O ato truculento ocorreu a pedido do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunitty. Dias antes da intervenção, FHC recebeu Dantas no Palácio Alvorada. O banqueiro, que ameaçou divulgar dossiês comprometedores sobre o processo de privatização, trava queda-de-braço com a Previ para continuar dando as cartas na Brasil Telecom e outras empresas nas quais são sócios.

45 – Barbeiragens do Banco Central 

O Banco Central – e não o crescimento de Lula nas pesquisas – tem sido o principal causador de turbulências no mercado financeiro. Ao antecipar de setembro para junho o ajuste nas regras dos fundos de investimento, que perderam R$ 2 bilhões, o BC deixou o mercado em polvorosa. Outro fator de instabilidade foi a decisão de rolar parte da dívida pública, estimulando a venda de títulos LFT de curto prazo e a compra desses mesmos papéis de longo prazo. Isso fez subir de R$ 17,2 bilhões para R$ 30,4 bilhões a concentração de vencimentos da dívida nos primeiros meses de 2003. O dólar e o risco Brasil dispararam. Combinado com os especuladores e o comando da campanha de José Serra, Armínio Fraga não vacilou em jogar a culpa no PT e nas eleições..."

FONTE: documento "O Brasil não esquecerá - 45 escândalos que marcaram o governo FHC", de julho de 2002, escrito pela Liderança do PT na Câmara de Deputados. Foi republicado em 04/03/2010 no portal "Conversa Afiada", do jornalista Paulo Henrique Amorim.[Título, observação inicial, siglas PSDB ao lado de FHC e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política']