quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Soneto 71 - William Shakespeare

Soneto 71 - William Shakespeare

Quando eu morrer não chores mais por mim
Do que hás de ouvir triste sino a dobrar
Dizendo ao mundo que eu fugi enfim
Do mundo vil pra com os vermes morar.

E nem relembres, se estes versos leres,
A mão que os escreveu, pois te amo tanto
Que prefiro ver de mim te esqueceres
Do que o lembrar-me te levar ao pranto.

Se leres estas linhas, eu proclamo,
Quando eu, talvez, ao pó tenha voltado,
Nem tentes relembrar como me chamo:

Que fique o amor, como a vida, acabado.
Para que o sábio, olhando a tua dor,
Do amor não ria, depois que eu me for.

Soneto 73 - William Shakespeare

Soneto 73 - William Shakespeare

Em mim tu vês a época do estio
Na qual as folhas pendem, amarelas,
De ramos que se agitam contra o frio,
Coros onde cantaram aves belas.

Tu me vês no ocaso de um tal dia
Depois que o Sol no poente se enterra,
Quando depois que a noite o esvazia,
O outro eu da morte sela a terra.

Em mim tu vês só o brilho da pira
Que nas cinzas de sua juventude
Como em leito de morte agora expira

Comido pelo que lhe deu saúde.
Visto isso, tens mais força para amar
E amar muito o que em breve vais deixar.

Soneto 107 - William Shakespeare

Soneto 107 - William Shakespeare

Medos, nem alma capaz de prever
Os sonhos de porvir do mundo inteiro,
Podem o meu amor circunscrever,
Nem dar-lhe fado triste por certeiro.

A Lua seu eclipse superou,
Os agourentos de si podem rir,
A incerteza agora se firmou,
A paz proclama olivas no porvir.

Com o orvalho dos tempos refrescado
O meu amor a própria morte prende
E em meus versos vivo consagrado,

Enquanto as tribos mudas ela ofende.
Aqui encontrarás teu monumento,
E o bronze dos tiranos vai com o vento.

Soneto 28 - William Shakespeare

Soneto 28 - William Shakespeare

Como voltar alegre ao meu labor
Se não tenho a vantagem da dormida?
Se o dia tem na noite um opressor,
E a noite pelo dia é oprimida?

Mesmo inimigos ambos se mostrando,
Os dois se unem pra me torturar;
Por meu labor de ti só me afastar.

Que tu brilhas por ele eu digo ao dia,
E o alegras, se o céu fica nublado.
Mas bajulo da noite a tez sombria:

Sem astros, tu lhe dás teu tom dourado.
Mas os dias só trazem dissabores,
E as noites fortalecem minhas dores.

Soneto 59 - William Shakespeare

Soneto 59 - William Shakespeare

Se nada é novo, e o que hoje existe
Sempre foi, por falha a nossa mente
E, se esforçando por criar, insiste,
Parindo o mesmo filho novamente!

Que do passado houvesse uma mensagem,
Já com mais de quinhentas translações,
Mostrando em livro antigo a sua imagem
Quando a escrita mal tinha convenções!

Para eu ver o que então diria o mundo
Da maravilha dessa sua forma;
Se nós ou eles vamos mais ao fundo,

Ou se a revolução nada reforma.
Estou certo que os sábios do passado
A alvo pior tenham louvado.

Soneto 130 - William Shakespeare

Soneto 130 - William Shakespeare

Não tem olhos solares, meu amor;
Mais rubro que seus lábios é o coral;
Se neve é branca, é escura a sua cor;
E a cabeleira ao arame é igual.

Vermelha e branca é a rosa adamascada
Mas tal rosa sua face não iguala;
E há fragrância bem mais delicada
Do que a do ar que minha amante exala.

Muito gosto de ouvi-la, mesmo quando
Na música há melhor diapasão;
Nunca vi uma deusa deslizando,

Mas minha amada caminha no chão.
Mas juro que esse amor me é mais caro
Que qualquer outra à qual eu a comparo.

Soneto 137 - William Shakespeare

Soneto 137 - William Shakespeare

Que fazes a meus olhos, tolo Amor,
Que eles olham sem ver o que estão vendo?
Sabem o que é beleza, aonde for,
Mas que o melhor é mal ficam dizendo.

Se os olhos corrompidos pelo afeto
Prendem-se ao baio por todos montado,
Por que fizeste ganchos com mentiras
Aos quais meu pensamento fica atado?

Por que meu coração julga ser seu
O terreno que sabe ser de mil
Ou contesta o que viu o olho meu

Tentando tornar belo o rosto vil?
No certo olhar e coração erraram
E pro que é falso os dois se transportaram.

Soneto 148 - William Shakespeare

Soneto 148 - William Shakespeare

Ai, ai, que olhos pôs-me o amor no rosto,
Que não se ligam com a real visão!
Se ligam, onde foi o juízo posto
Que ao certo lança falsa acusação?

Se o que meu falso olhar ama é bonito
Que meios tem o mundo pra o negar?
E se o não for, pelo amor fica dito
Que o olhar do mundo vence o de se amar.

Como pode do Amor o olhar ser justo
Se entre vigília e pranto ele se verga?
E nem espanta o olhar errar de susto

Se sem céu claro nem o sol enxerga.
Esperto amor, com pranto a me cegar
Pra cobrir erros quando o amor olhar.

Soneto 91 - William Shakespeare

Soneto 91 - William Shakespeare

Alguns cantam seu berço, alguns talento,
Alguns riqueza, alguns seu corpo são,
Alguns as vestes, mesmo de um momento,
Alguns o seu falcão, cavalo ou cão;

Toda emoção traz seu próprio prazer,
Que uma grande alegria neste tem;
Mas não sei desse meu gáudio fazer,
Pois eu supero a todos com um só bem.

Mais que berço pra mim é o teu amor,
Mais rico que a riqueza, que tecido,
Maior do que animal é o teu valor;

Tendo a ti sou por tudo envaidecido:
Sou desgraçado só no tu poderes
Levando tudo, infeliz me fazeres.

Soneto 96 - William Shakespeare

Soneto 96 - William Shakespeare

De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça. Amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera
Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
È astro que norteia a vela errante
Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfanje não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma, para a eternidade.
Se isto é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.

Soneto 35 - William Shakespeare

Soneto 35 - William Shakespeare

Não chores mais o erro cometido;
Na fonte, há lodo; a rosa tem espinho;
O sol no eclipse é sol obscurecido;
Na flor também o inseto faz seu ninho;

Erram todos, eu mesmo errei já tanto,
Que te sobram razões de compensar
Com essas faltas minhas tudo quanto
Não terás tu somente a resgatar;

Os sentidos traíram-te, e meu senso
De parte adversa é mais teu defensor,
Se contra mim te excuso, e me convenço

Na batalha do ódio com o amor:
Vítima e cúmplice do criminoso,
Dou-me ao ladrão amado e amoroso.

Soneto 65 - William Shakespeare

Soneto 65 - William Shakespeare

Se bronze, pedra, terra, mar sem fim
Estão sob o jugo da mortalidade,
Como há de o belo enfrentar fúria assim
Se, como a flor, é só fragilidade?

Como há de o mel do estio respirar
Frente o cerco dos dias, que é implacável,
Se nem rochas o podem enfrentar
Nem porta de aço ao Tempo é impermeável?

Diga-me onde, horrível reflexão,
Pode o belo do Tempo se ocultar?
Seu passo é retardado por que mão?

Quem pode a ruína do belo evitar?
Só se eu este milagre aqui fizer
E a tinta ao meu amor um brilho der.

Soneto 23 - William Shakespeare

Soneto 23 - William Shakespeare

Como no palco o ator que é imperfeito
Faz mal o seu papel só por temor,
Ou quem, por ter repleto de ódio o peito
Vê o coração quebrar-se num tremor,

Em mim, por timidez, fica omitido
O rito mais solene da paixão;
E o meu amor eu vejo enfraquecido,
Vergado pela própria dimensão.

Seja meu livro então minha eloqüência,
Arauto mudo do que diz meu peito,
Que implora amor e busca recompensa
Mais que a língua que mais o tenha feito.
Saiba ler o que escreve o amor calado:
Ouvir com os olhos é do amor o fado.

Soneto 53 - William Shakespeare

Soneto 53 - William Shakespeare

De que substância foste modelado,
Se com mil vultos o teu vulto medes?
Tantas sombras difundes, enfeixado
Num ser que as prende, e a todas sobre excedes;

Adônis mesmo segue o teu modelo
Em vã, esmaecida imitação;
A face helênica onde pousa o belo
Ganhou em ti maior coloração;

A primavera é cópia desta forma,
A plenitude és tu, em que consiste
O ver que toda graça se transforma

No teu reflexo em tudo quanto existe:
Qualquer beleza externa te revela
Que a alma fiel em ti acha mais bela

Soneto 29 - William Shakespeare

Soneto 29 - William Shakespeare

Quando, malquisto da fortuna e do homem,
Comigo a sós lamento o meu estado,
E lanço aos céus os ais que me consomem,
E olhando para mim maldigo o fado;

Vendo outro ser mais rico de esperança,
Invejando seu porte e os seus amigos;
Se invejo de um a arte, outro a bonança,
Descontente dos sonhos mais antigos;

Se, desprezado e cheio de amargura,
Penso um momento em vós logo, feliz,
Como a ave que abre as asas para a altura,

Esqueço a lama que o meu ser maldiz:
Pois tão doce é lembrar o que valeis
Que está sorte eu não troco nem com reis.