Ela transa com quem tem problemas sexuais: "É diferente de prostituição"
Camila
tem 40 anos e cresceu falando "absolutamente tudo sobre sexo" com a
mãe. Desde a adolescência, era uma espécie de conselheira sexual para os
amigos. Casada duas vezes, costumava indicar tudo o que gostava e
queria, incluindo posições sexuais, para os parceiros.
Traçou o destino profissional daí: hoje trabalha com sexualidade e faz as vezes de "mentora": literalmente dá uma mão para quem tem dificuldades de transar. Sob condição de anonimato, "porque é um limiar muito tênue entre o que eu faço e a prostituição", ela conta à Universa a sua história.
Tive que voltar ao Brasil e resolvi amadurecer a ideia de trabalhar com o tema sexo. Além disso, eu já entendia como meu corpo funcionava sexualmente, e tinha curiosidade em saber como o corpo do outro funcionava também. Foi nessa época que assisti, com a minha mãe, o filme "As sessões", (um poeta e escritor tem deficiência física e recebe a ajuda de uma especialista em exercícios de consciência corporal para fazer sexo). Ela olhou para mim e sugeriu: "por que você não vai trabalhar com isso?". Na mesma hora já tinha pensado: "é isso que quero fazer".
Instintivamente, já fazia aquilo, porque eu falava tudo com os meus namorados, explicava como me tocar, o que eu gostava. E, conversando com um terapeuta, comentei, de brincadeira, que poderia cobrar para fazer isso.
Foi aí que propus um trabalho diferente para realizar com o paciente dela. Escrevi a proposta do "sexual mentoring", que é um processo de reeducação sexual, com troca de experiências. Em outros países, quem faz recebe o nome de "terapeuta do sexo". Eu prefiro mentoria sexual. Até hoje só atendo pacientes indicados por terapeutas conhecidos por questão de segurança.
Nos encontramos em um café. Levei quase duas horas para fazer com que ele olhasse para mim, de tão fechado. Foi bem difícil. Ali, expliquei como seria o trabalho e estipulei o número máximo de oito sessões, uma vez por semana, para não criar uma dependência. Procuro marcar num hotel ou motel, e a gente escolhe junto.
Nesse segundo encontro, levei um notebook e próteses dos órgãos sexuais, para dar uma aula, explicar tudo que poderíamos fazer, inclusive como colocar uma camisinha. No início de cada sessão, exijo que se tome banho e escove os dentes. Muita gente não tem a mínima noção de higiene. Fui trabalhando seus medos e inseguranças conforme eles apareciam. Estimulei ainda a aceitação de seu corpo. Ficávamos nus, de frente para o espelho, para trabalhar a autoestima também.
Transamos somente na quinta sessão. Ele já estava mais relaxado. Começamos com toques, eu falando o que iríamos fazer. Em nenhum momento eu me senti constrangida. Depois da oitava sessão, não falamos mais. Eu bloqueio o número. Só sei que ele está bem, que já teve várias namoradas, porque ele faz terapia com a amiga que o indicou.
No segundo encontro, já transamos, mas ele não conseguia manter a ereção. Depois desse episódio, passou a me mandar mensagem, primeiro dizendo que tinha conseguido transar com a mulher, mas que eu não saía da cabeça dele. E me ligou num domingo querendo me ver, achando que eu estava disponível assim. Expliquei que o objetivo do "mentoring" não era esse. Interrompi ali, bloqueei e expliquei o que aconteceu para a terapeuta dele.
Nunca aconteceu de me apaixonar. Eu sinto prazer, tenho orgasmo, mas sei separar bem o sexo do amor.
Também atendi um jovem de 20 anos que nasceu com deficiência. Ele não andava e era virgem. Nesse caso específico, fui até sua casa. Mostrei que ele podia fazer de diversas formas, e na cadeira de rodas mesmo. Ele só precisava verbalizar mais suas vontades. A gente espera muito do outro, que o parceiro vá perceber o que queremos, mas precisamos verbalizar também. Nesse caso foram quatro sessões.
Até hoje atendi seis homens desta maneira, e faria se fosse com mulher. Gostaria de divulgar meu nome e trabalho e atender mais gente, mas não estamos num bom momento no país para isso. Em outros países, já existe essa profissão. Descobri, inclusive, que na Áustria há um lugar onde se dá aula por seis meses sobre educação sexual, só para maiores de idade, e depois os alunos partem para a prática.
“A terapia sexual não é uma profissão regulamentada e pode ser praticada por profissionais de diferentes áreas. Estamos tentando, na Abrasex, criar parâmetros mais claros quanto a quem pode praticar e o que pode ser feito, mas essa discussão sobre o "mentoring" é necessária para sabermos diferenciar o que é terapia e o que é abuso”.
Traçou o destino profissional daí: hoje trabalha com sexualidade e faz as vezes de "mentora": literalmente dá uma mão para quem tem dificuldades de transar. Sob condição de anonimato, "porque é um limiar muito tênue entre o que eu faço e a prostituição", ela conta à Universa a sua história.
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Tive que voltar ao Brasil e resolvi amadurecer a ideia de trabalhar com o tema sexo. Além disso, eu já entendia como meu corpo funcionava sexualmente, e tinha curiosidade em saber como o corpo do outro funcionava também. Foi nessa época que assisti, com a minha mãe, o filme "As sessões", (um poeta e escritor tem deficiência física e recebe a ajuda de uma especialista em exercícios de consciência corporal para fazer sexo). Ela olhou para mim e sugeriu: "por que você não vai trabalhar com isso?". Na mesma hora já tinha pensado: "é isso que quero fazer".
Instintivamente, já fazia aquilo, porque eu falava tudo com os meus namorados, explicava como me tocar, o que eu gostava. E, conversando com um terapeuta, comentei, de brincadeira, que poderia cobrar para fazer isso.
O primeiro paciente
Gosto da diversidade. Em 2016, durante o curso de pós-graduação em educação e terapia sexual, uma amiga, que é psicóloga, me falou que estava atendendo um jovem de 26 anos extremamente tímido e reprimido. Ele não conseguia se aproximar das mulheres e só tinha tido uma namorada até então.Foi aí que propus um trabalho diferente para realizar com o paciente dela. Escrevi a proposta do "sexual mentoring", que é um processo de reeducação sexual, com troca de experiências. Em outros países, quem faz recebe o nome de "terapeuta do sexo". Eu prefiro mentoria sexual. Até hoje só atendo pacientes indicados por terapeutas conhecidos por questão de segurança.
Nos encontramos em um café. Levei quase duas horas para fazer com que ele olhasse para mim, de tão fechado. Foi bem difícil. Ali, expliquei como seria o trabalho e estipulei o número máximo de oito sessões, uma vez por semana, para não criar uma dependência. Procuro marcar num hotel ou motel, e a gente escolhe junto.
Nesse segundo encontro, levei um notebook e próteses dos órgãos sexuais, para dar uma aula, explicar tudo que poderíamos fazer, inclusive como colocar uma camisinha. No início de cada sessão, exijo que se tome banho e escove os dentes. Muita gente não tem a mínima noção de higiene. Fui trabalhando seus medos e inseguranças conforme eles apareciam. Estimulei ainda a aceitação de seu corpo. Ficávamos nus, de frente para o espelho, para trabalhar a autoestima também.
Transamos somente na quinta sessão. Ele já estava mais relaxado. Começamos com toques, eu falando o que iríamos fazer. Em nenhum momento eu me senti constrangida. Depois da oitava sessão, não falamos mais. Eu bloqueio o número. Só sei que ele está bem, que já teve várias namoradas, porque ele faz terapia com a amiga que o indicou.
Quando eles se apaixonam
Esse trabalho foi lindo, mas não é sempre assim. Tem gente que confunde. Teve um homem, de 50 anos, com quem precisei romper na segunda sessão. Ele era casado havia 20 anos, mas tinha dificuldade em manter a ereção e não conseguia mais transar com a mulher depois dela ter se tornado a mãe de seu filho, mas a amava e não queria traí-la.No segundo encontro, já transamos, mas ele não conseguia manter a ereção. Depois desse episódio, passou a me mandar mensagem, primeiro dizendo que tinha conseguido transar com a mulher, mas que eu não saía da cabeça dele. E me ligou num domingo querendo me ver, achando que eu estava disponível assim. Expliquei que o objetivo do "mentoring" não era esse. Interrompi ali, bloqueei e expliquei o que aconteceu para a terapeuta dele.
Nunca aconteceu de me apaixonar. Eu sinto prazer, tenho orgasmo, mas sei separar bem o sexo do amor.
Também atendi um jovem de 20 anos que nasceu com deficiência. Ele não andava e era virgem. Nesse caso específico, fui até sua casa. Mostrei que ele podia fazer de diversas formas, e na cadeira de rodas mesmo. Ele só precisava verbalizar mais suas vontades. A gente espera muito do outro, que o parceiro vá perceber o que queremos, mas precisamos verbalizar também. Nesse caso foram quatro sessões.
O namorado sabe de sua profissão
Minha mãe acha legal o trabalho. Confesso que até fiquei um pouco constrangida em contar para ela, achando que me veria como uma vagabunda, apesar do incentivo inicial. Quando conheci meu atual namorado, contei para ele logo nos primeiros encontros e fiquei surpresa quando ele me apoiou e considerou corajoso da minha parte.Até hoje atendi seis homens desta maneira, e faria se fosse com mulher. Gostaria de divulgar meu nome e trabalho e atender mais gente, mas não estamos num bom momento no país para isso. Em outros países, já existe essa profissão. Descobri, inclusive, que na Áustria há um lugar onde se dá aula por seis meses sobre educação sexual, só para maiores de idade, e depois os alunos partem para a prática.
O preço de uma sessão
Cobro R$ 500 a sessão. A sexualidade virou minha missão de vida. Também atendo como terapeuta sexual. E só faço o "mentoring" se for por indicação de outro terapeuta, até para dar uma filtrada, e não virar sacanagem. Não faço com meus pacientes da terapia, por exemplo. Eles nem sabem. Chegar direto e pedir não adianta. Não é para uma satisfação sexual imediata, é um processo para que a pessoa adquira confiança e autonomia sexual”.A posição oficial da área
O presidente da Abrasex (Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual), Paulo Tessarioli, explica que não existe uma regulamentação para a profissão de terapia sexual. Segundo ele, pessoas de diversas áreas se sentem aptas ao atendimento. Ele frisa que tem se discutido parâmetros e regras quanto ao que se pode ou não se fazer, e ressalta a importância da discussão para que se evite, por exemplo, casos como o do guru espiritual Sri Prem Baba, 52, acusado de abusar de discípulas de sua comunidade de seguidores em São Paulo:“A terapia sexual não é uma profissão regulamentada e pode ser praticada por profissionais de diferentes áreas. Estamos tentando, na Abrasex, criar parâmetros mais claros quanto a quem pode praticar e o que pode ser feito, mas essa discussão sobre o "mentoring" é necessária para sabermos diferenciar o que é terapia e o que é abuso”.
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