Qual é a misteriosa arma que a Rússia está testando no Ártico?
Cinco especialistas nucleares morreram durante um teste de um foguete após uma explosão, o que desencadeou o aumento dos níveis de radiação na região.
12 ago 2019
17h24
A explosão de um foguete em meio a um teste feito pela
Rússia no Ártico, que deixou cinco mortos, e os poucos esclarecimentos
dados por autoridades do país sobre o incidente fizeram o mundo se
questionar: o que Moscou está fazendo exatamente ali?
O incidente ocorreu na quinta-feira (08) em Sarov,
cidade a 373 km de Moscou, onde são fabricadas ogivas nucleares. Cinco
engenheiros nucleares russos morreram e outros três ficaram feridos.
A Rosatom, agência nuclear estatal russa, disse que os
especialistas testavam um motor movido a energia nuclear em uma
plataforma em alto-mar no Ártico. A explosão foi seguida por um pico de
radiação na região.
Sabe-se, por exemplo, que o país vem testando um míssil
nuclear, o Burevestnik, mas não é possível afirmar que este armamento
estava envolvido no incidente.
Especialistas em Rússia dizem que o teste provavelmente
estava ligado ao 9M730 Burevestnik, que significa "petrel", um tipo de
ave marinha. O presidente russo, Vladimir Putin, descreveu o míssil como
"invencível" ao discursar no Parlamento em março de 2018.
Mark Galeotti, analista e pesquisador líder do Royal
United Services Institute (Rusi), um centro de estudos de defesa e
segurança do Reino Unido, diz que a propulsão nuclear envolve enormes
desafios técnicos.
"Há a questão da velocidade versus o peso do sistema e o
risco de um míssil que expele material radioativo por seu escapamento",
disse ele à BBC.
"Esses novos sistemas têm sua origem nos tempos soviéticos - eles foram retirados do mercado e receberam novos investimentos."
A propulsão nuclear do Burevestnik, segundo Putin, daria
ao míssil um alcance "ilimitado". Mas a explosão poderia ter envolvido
uma arma diferente, igualmente capaz de carregar uma ogiva nuclear.
Por exemplo, um novo míssil de longo alcance antinavios
chamado Zircon, que é hipersônico - pode voar a até oito vezes a
velocidade do som, segundo o Exército russo.
Outra possibilidade é um novo drone subaquático de longo alcance, lançado de um submarino, chamado Poseidon.
O que se sabe sobre a explosão?
Os cinco engenheiros nucleares mortos eram
"especialistas de elite" e "heróis" que sabiam dos riscos e haviam
realizado testes anteriores em "condições extraordinariamente difíceis",
disse o diretor do centro nuclear de Sarov, Valentin Kostyukov.
Este centro era uma instalação secreta na época da Guerra Fria, responsável pelo arsenal de bombas de hidrogênio da Rússia.
Inicialmente, o Ministério da Defesa disse que a
explosão em 8 de agosto envolveu um motor de foguete de combustível
líquido e informou que havia dois mortos, sem especificar as vítimas.
Mais tarde, a Rosatom afirmou que o teste envolveu
"propulsores à base de isótopos de rádio" e que havia sido realizado em
uma plataforma em alto-mar.
Os engenheiros completaram os testes, mas houve um
incêndio repentino e o motor explodiu, jogando os homens no oceano,
disse a Rosatom.
Logo após a explosão, a Prefeitura de Severodvinsk,
cidade a 40 km a leste do campo de testes Nyonoksa, perto do mar Branco,
relatou um aumento nos níveis de radiação na cidade por 40 minutos.
Autoridades locais disseram que o nível de radiação
chegou a 2 microsieverts por hora, antes de cair para os 0,11
microsieverts normais. Ambos os níveis são pequenos demais para causar
alguma doença.
As
notícias disso levaram os moradores a comprar nas farmácias da cidade
pílulas de iodo, que oferecem alguma proteção contra radiação - houve
uma enorme demanda por elas durante o desastre de Chernobyl, em 1986,
por exemplo.
Antes do experimento, o Ministério da Defesa criou uma
zona de exclusão em Dvina Bay - as águas ao norte do campo de testes de
Nyonoksa. Esta zona permanecerá fechada até o início de setembro.
Um site de notícias norueguês do Ártico, o Barents
Observer, informou que um navio de carga nuclear russo, o Serebryanka,
estava dentro da zona de exclusão em 9 de agosto.
Há especulações de que o navio é encarregado de recolher
quaisquer detritos radioativos no caso de falha de algum teste, e
poderia estar fazendo naquele momento.
Mas o estabelecimento da zona de exclusão também pode
ser uma precaução contra qualquer vazamento de combustível de foguete
tóxico para o mar, onde os habitantes locais vão pescar.
O míssil movido a energia nuclear é um divisor de águas?
Mark Galeotti, da Rusi, diz que "há muito ceticismo
sobre se o Burevestnik será finalizado algum dia". Ele observa que outro
míssil russo de última geração, o Bulava, "passou por muitos anos de
testes fracassados".
Os projetos Zircon e Poseidon estão em estágio mais
avançado. O drone subaquático Poseidon já existe como protótipo, mas,
assim como o Burevestnik, parece ser uma arma "apocalíptica", diz
Galeotti - impraticável para qualquer coisa além da guerra nuclear
total.
O Rossiiskaya Gazeta, jornal do governo russo, descreveu
o Burevestnik no mês passado como "uma arma de vingança". Essa também
foi a frase usada pelos nazistas para descrever os foguetes disparados
contra o Reino Unido no final da Segunda Guerra Mundial.
O jornal disse que o Burevestnik - capaz de voar por
longas distâncias e evitar defesas aéreas - teria como alvo qualquer
infraestrutura vital remanescente após os mísseis balísticos
intercontinentais russos já terem atingido o território inimigo.
Galeotti destaca que o incidente ocorre em meio ao
recente colapso do Tratado das Forças Nucleares de Alcance
Intermediário, firmado entre Estados Unidos e Rússia em 1987 para banir o
uso de mísseis de curto e médio alcance pelos dois países.
Washington vinha acusando Moscou de descumprir o tratado
e desenvolver mísseis nucleares e se retirou dele no início deste ano.
Logo depois, os russos - que negam as acusações de violação do acordo -
anunciaram que fariam o mesmo.
Os americanos agora se concentrarão mais em "desenvolver
esse tipo de armas, algo próximo de um cenário de guerra total", disse
Galeotti. "Os militares russos também querem ter essa capacidade, porque
eles também estão preocupados com a China."
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