Camila
tem 40 anos e cresceu falando "absolutamente tudo sobre sexo" com a
mãe. Desde a adolescência, era uma espécie de conselheira sexual para os
amigos. Casada duas vezes, costumava indicar tudo o que gostava e
queria, incluindo posições sexuais, para os parceiros.
Traçou o destino profissional daí: hoje
trabalha com sexualidade e
faz as vezes de "mentora": literalmente dá uma mão para quem tem
dificuldades de transar. Sob condição de anonimato, "porque é um limiar
muito tênue entre o que eu faço e a
prostituição", ela conta à Universa a sua história.
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“Fui
criada pela minha mãe e sempre conversamos abertamente sobre sexo. Lia
muito a respeito. Em 2008, depois de terminar o segundo casamento,
resolvi me jogar no mundo e fui para os EUA. Na época, já estava formada
e trabalhava na área da saúde, mas dei uma pausa e fiz viagens pelo
mundo. Fiz muitos amigos e fiquei impressionada com as dúvidas que eles
tinham sobre
práticas sexuais, questões ligadas ao sexo, e na época eu falava com essas pessoas baseada nas minhas leituras e vivência.
Tive
que voltar ao Brasil e resolvi amadurecer a ideia de trabalhar com o
tema sexo. Além disso, eu já entendia como meu corpo funcionava
sexualmente, e tinha curiosidade em saber como o corpo do outro
funcionava também. Foi nessa época que assisti, com a minha mãe, o filme
"As sessões", (um poeta e escritor tem deficiência física e recebe a
ajuda de uma especialista em exercícios de consciência corporal para
fazer sexo). Ela olhou para mim e sugeriu: "por que você não vai
trabalhar com isso?". Na mesma hora já tinha pensado: "é isso que quero
fazer".
Instintivamente, já fazia aquilo, porque eu falava tudo
com os meus namorados, explicava como me tocar, o que eu gostava. E,
conversando com um terapeuta, comentei, de brincadeira, que poderia
cobrar para fazer isso.
O primeiro paciente
Gosto da
diversidade. Em 2016, durante o curso de pós-graduação em educação e
terapia sexual, uma amiga, que é psicóloga, me falou que estava
atendendo um jovem de 26 anos
extremamente tímido e reprimido. Ele não conseguia se aproximar das mulheres e só tinha tido uma namorada até então.
Foi
aí que propus um trabalho diferente para realizar com o paciente
dela. Escrevi a proposta do "sexual mentoring", que é um processo de
reeducação sexual, com troca de experiências. Em outros países, quem faz
recebe o nome de "terapeuta do sexo". Eu prefiro
mentoria sexual. Até hoje só atendo pacientes indicados por terapeutas conhecidos por questão de segurança.
Nos
encontramos em um café. Levei quase duas horas para fazer com que ele
olhasse para mim, de tão fechado. Foi bem difícil. Ali, expliquei como
seria o trabalho e estipulei o número máximo de oito sessões, uma vez
por semana, para não criar uma dependência. Procuro marcar num hotel ou
motel, e a gente escolhe junto.
Nesse
segundo encontro, levei um notebook e próteses dos órgãos sexuais, para
dar uma aula, explicar tudo que poderíamos fazer, inclusive como
colocar uma camisinha. No início de cada sessão, exijo que se tome banho
e escove os dentes. Muita gente não tem a mínima noção de higiene. Fui
trabalhando seus medos e inseguranças conforme eles apareciam. Estimulei
ainda a aceitação de seu corpo. Ficávamos nus, de frente para o
espelho, para trabalhar a autoestima também.
Transamos somente na
quinta sessão. Ele já estava mais relaxado. Começamos com toques, eu
falando o que iríamos fazer. Em nenhum momento eu me senti constrangida.
Depois da oitava sessão, não falamos mais. Eu bloqueio o número. Só sei
que ele está bem, que já teve várias namoradas, porque ele faz terapia
com a amiga que o indicou.
Quando eles se apaixonam
Esse
trabalho foi lindo, mas não é sempre assim. Tem gente que confunde. Teve
um homem, de 50 anos, com quem precisei romper na segunda sessão. Ele
era casado havia 20 anos, mas tinha dificuldade em manter a ereção e não
conseguia mais transar com a mulher depois dela ter se tornado a
mãe de seu filho, mas a amava e não queria traí-la.
No
segundo encontro, já transamos, mas ele não conseguia manter a ereção.
Depois desse episódio, passou a me mandar mensagem, primeiro dizendo que
tinha conseguido transar com a mulher, mas que eu não saía da cabeça
dele. E me ligou num domingo querendo me ver, achando que eu estava
disponível assim. Expliquei que o objetivo do "mentoring" não era esse.
Interrompi ali, bloqueei e expliquei o que aconteceu para a terapeuta
dele.
Nunca aconteceu de me apaixonar. Eu sinto prazer, tenho orgasmo, mas sei separar bem o sexo do amor.
Também atendi um jovem de 20 anos que nasceu com
deficiência.
Ele não andava e era virgem. Nesse caso específico, fui até sua casa.
Mostrei que ele podia fazer de diversas formas, e na cadeira de rodas
mesmo. Ele só precisava verbalizar mais suas vontades. A gente espera
muito do outro, que o parceiro vá perceber o que queremos, mas
precisamos verbalizar também. Nesse caso foram quatro sessões.
O namorado sabe de sua profissão
Minha
mãe acha legal o trabalho. Confesso que até fiquei um pouco
constrangida em contar para ela, achando que me veria como uma
vagabunda, apesar do incentivo inicial. Quando conheci meu atual
namorado, contei para ele logo nos primeiros encontros e fiquei surpresa
quando ele me apoiou e considerou corajoso da minha parte.
Até
hoje atendi seis homens desta maneira, e faria se fosse com mulher.
Gostaria de divulgar meu nome e trabalho e atender mais gente, mas não
estamos num bom momento no país para isso. Em outros países, já existe
essa profissão. Descobri, inclusive, que na Áustria há um lugar onde se
dá aula por seis meses sobre educação sexual, só para maiores de
idade, e depois os alunos partem para a prática.
O preço de uma sessão
Cobro
R$ 500 a sessão. A sexualidade virou minha missão de vida. Também
atendo como terapeuta sexual. E só faço o "mentoring" se for por
indicação de outro terapeuta, até para dar uma filtrada, e não virar
sacanagem. Não faço com meus pacientes da terapia, por exemplo. Eles nem
sabem. Chegar direto e pedir não adianta. Não é para uma satisfação
sexual imediata, é um processo para que a pessoa adquira confiança e
autonomia sexual”.
A posição oficial da área
O presidente
da Abrasex (Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e
Terapia Sexual), Paulo Tessarioli, explica que não existe uma
regulamentação para a profissão de terapia sexual. Segundo ele, pessoas
de diversas áreas se sentem aptas ao atendimento. Ele frisa que tem se
discutido parâmetros e regras quanto ao que se pode ou não se fazer, e
ressalta a importância da discussão para que se evite, por exemplo,
casos como o do guru espiritual Sri Prem Baba, 52, acusado de abusar de
discípulas de sua comunidade de seguidores em São Paulo:
“A
terapia sexual não é uma profissão regulamentada e pode ser praticada
por profissionais de diferentes áreas. Estamos tentando, na Abrasex,
criar parâmetros mais claros quanto a quem pode praticar e o que pode
ser feito, mas essa discussão sobre o "mentoring" é necessária para
sabermos diferenciar o que é terapia e o que é abuso”.