segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A RESPONSABILIDADE MÉDICA EM RELAÇÃO AOS MAUS TRATOS DE CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A LEGISLAÇÃO MENORISTA

A RESPONSABILIDADE MÉDICA EM RELAÇÃO
AOS MAUS TRATOS DE CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
E A LEGISLAÇÃO MENORISTA



Agradeço para a colaboração da Dra. Ana CINTRA, que forneceu este material, atendendo boa parte do modulo VII do conteúdo programático de pediatria do UFMT.

    Um dos temas que tem proporcionado preocupação constante em relação à criança e ao adolescente refere-se à violência doméstica, ou como designa a lei, a ocorrência de maus tratos.
    Esta situação não é nova e nem fruto da modernidade. Esta assentada em raízes culturais e na condição de criança e adolescente como objetos de direito. Diante desta constatação, o debate sobre o tema sempre é salutar. No presente artigo, a questão será analisada relacionando os maus tratos com a conduta médica em face da suspeita ou confirmação da ocorrência do fenômeno. Muitas vezes os profissionais da área da saúde desconhecem a forma de agir perante a constatação de maus tratos, impedindo uma ação protetiva em face da criança vitimizada. Quando não, tais profissionais ignoram a legislação a respeito, até mesmo no que se relaciona a sua responsabilidade penal e administrativa frente a omissão na denúncia de suspeita ou confirmação de maus tratos.
    Sendo tais profissionais um dos responsáveis pelos bons tratos as crianças e adolescentes, mister se faz detalhar tal assunto com enfoque na legislação menorista.

MAUS TRATOS – CONCEITUAÇÃO
Inicialmente, cabe conceituar maus tratos a fim de que se alcance melhor entendimento acerca do tema.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define a prática de maus tratos em seus artigos 3º e 5º. Conforme os dispositivos referidos, depreende-se que toda ação ou omissão que prejudique o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de dignidade e de liberdade, configura maus tratos. Portanto, a criança e o adolescente não devem ser objeto de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo coibida tanto a prática omissiva quanto a comissiva.
O Código Penal conceitua e incrimina a conduta de maus tratos em seu artigo 136. Segundo este dispositivo, entende-se como maus tratos a exposição a perigo de vida ou saúde de pessoa subordinada ao agente causador, já que está sob sua autoridade, guarda ou vigilância com finalidade de educação, ensino, tratamento ou custódia. Além disso, a conformação desse tipo penal se vincula as condutas de privação absoluta ou relativa de alimentação ou de cuidados indispensáveis;
  • trabalho excessivo ou inadequado;
  • abuso de meios físicos ou morais de correção ou disciplina,
sendo que para a caracterização da infração basta que apenas um desses comportamentos seja praticado pelo agente causador.
Conforme a interpretação do artigo 136 do Código Penal, o perigo a que a vítima for exposta deve ser concreto, ou seja, deve existir a probabilidade do dano.
Pela citada legislação penal, amparada pela legislação civil (Código Civil – art. 1634, VII e 1638, I) à correção ou disciplina por meio de castigos moderados é permitida.

 Na doutrina, o conceito de violência doméstica, englobando maus tratos é mais esclarecedor e aponta todas as causas de sua ocorrência. Conceitua-se tal fenômeno como todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que - sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico a vítima - implica de um lado, numa transgressão do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento . Depreende-se que tanto os maus tratos quanto a violência doméstica podem ser classificados em: físicos, psicológicos (emocionais), sexuais e negligência (omissão). 
Detalhando esta classificação. Os maus tratos:
a) FÍSICOS: manifesta-se pelo uso de força física de forma não acidental, geralmente praticada pelos pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas à criança ou adolescente, com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São ações contundentes, cortantes ou calóricas, podendo ser exemplificadas por murros, tapas, chutes, mordidas, agressões com objetos, espancamentos e queimaduras. Tal conduta pode configurar o delito de lesões corporais, presente no artigo 129 do Código Penal ou até mesmo o homicídio previsto no artigo 121 do citado estatuto penal.
b) PSICOLÓGICOS (emocionais): se apresentam por interferência negativa dos responsáveis pela criança ou adolescente, sendo que não deixa lesões evidentes. Entretanto, prejudicam psicologicamente a criança e o adolescente, formando nas mesmas, sentimento auto-destrutivo, o que influencia em seu caráter e personalidade. Este tipo de maus tratos se configura por rejeições, hostilidade, frieza, agressões verbais, depreciação, desrespeito, discriminação, exigências incompatíveis com a idade da criança ou adolescente, chantagem e etc.
c) SEXUAIS: a criança ou o adolescente é utilizado para gratificação sexual de um adulto, adolescente mais velho ou criança maior. Nesse caso, a prática de maus tratos envolve contato oral-genital, genital-genital, mão-genital, mão-seio, mão-retal, genital-retal, exploração sexual, abusos verbais, prostituição, exibição de pornografia e uso de criança ou adolescente para produção de pornografia. As condutas podem ser realizadas com ou sem violência. A verificação do abuso sexual se dá por meio da percepção de comportamentos exteriorizados pela criança ou adolescente, que fica lesada emocionalmente. Exemplifica-se tais atitudes por choros, insônia, impaciência, tristeza, falta de apetite, introspecção, auto–flagelo e etc. Além disso, em conjunto com as condutas já apresentadas, o profissional pode observar a existência de lacerações, assaduras freqüentes na região genital, vulvovaginites e infecções urinárias sem explicação clínica, edemas, lesões e etc.
Cabe mencionar que o Código Penal coíbe esse tipo de conduta no capítulo que trata dos Crimes contra a liberdade sexual (artigos 213 a 216-A do CP) e o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 244-A (crime de exploração sexual).
d) NEGLIGÊNCIA: ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente, de modo que ele deixa de prover ou não provê adequadamente as necessidades básicas para o perfeito desenvolvimento.  Ocorre nos casos em que a criança ou adolescente não é aprovisionado com os nutrientes adequados, além das situações em que não é oferecida proteção e supervisão adequada. Algumas formas de se verificar o abandono são demonstradas por meio de desnutrição, baixo peso, doenças freqüentes e falta de higiene. A forma extrema de negligência se caracteriza pelo abandono, sendo que este, devido sua reprovabilidade, é tipificado pelo Código Penal nos dispositivos 244, 246 (abandono material e intelectual, respectivamente) e 133 (abandono de incapaz). Cabe ressaltar que o abandono pode acarretar a perda do poder familiar.

RESPONSÁVEIS PELA DENÚNCIA DE MAUS TRATOS E SEUS DESTINATÁRIOS.
A ocorrência dos maus tratos ou mesmo a suspeita de ocorrência implica na necessidade de medidas que levem a proteção da criança ou adolescente vítima.
Em observância do disposto no artigo 13 e 56, I do ECA constata-se que o Conselho Tutelar é mencionado explicitamente como destinatário da denúncia de maus tratos, sendo esta obrigatória. Entretanto, a interpretação extensiva e a finalística mostram-se possíveis e devem ser realizadas, para alcançar o objetivo da norma menorista, consistente em socorrer a criança ou o adolescente vítima da violência, ou até prevenir a ocorrência desta.
Portanto, somar-se-ão ao Conselho Tutelar, como autoridades competentes para recebimento da denúncia de suspeita ou confirmação de maus tratos, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Civil ou Militar.
Deste mesmo entendimento compartilha o Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Roberto João Elias:

"Autoridade competente, no caso, tanto pode ser o Juiz da Infância e da Juventude quanto o Ministério Público e o Conselho Tutelar. É válida, também, a comunicação feita à autoridade policial. Importa, sobre tudo que o atentado à criança ou ao adolescente seja esclarecido, e os responsáveis, devidamente punidos" (ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n-º 8.069, de 13 de julho de 1990. São Paulo/SP: Saraiva, 1994. p. 215).
 Assim, cada órgão competente para recebimento da denúncia de maus tratos deve realizar sua atuação:
  1. o Juiz da Infância e Juventude analisa as situações de risco e aplica as medidas protetivas e o Juiz Criminal (Jecrim e Juízo Comum) julga as infrações penais
  2. o Ministério Público fiscaliza o Conselho Tutelar, tem legitimidade para tomar medidas judiciais com relação a suspensão ou destituição do poder familiar e para aplicação de medidas protetivas à vítima e sua família. Além disso, é incumbido de propor a ação penal pública incondicionada e a condicionada a representação nos casos em que a legislação permite, para punição do agressor. Em síntese, defende os direitos fundamentais da criança e do adolescente (art. 201, VIII do ECA);
  3. a Autoridade Policial investiga a conduta de maus tratos, caso estes tenham resultado em infração a norma penal, preparando elementos para que o Ministério Público possa interpor a ação correspondente;
  4. o Conselho Tutelar aplica medidas de proteção à criança e ao adolescente vítima (art. 136, I c.c. o art. 101 do ECA) bem como medidas aos pais (art. 136, II c.c. o art. 129 do ECA); também comunica ao Ministério Público o fato que constitua infração administrativa ou penal contra criança ou adolescente (art. 136, IV do ECA).
Mas vale ressaltar que o destinatário primeiro da denúncia é o Conselho Tutelar do município onde reside a vítima. Assim, mesmo que esta venha a receber atendimento em outra cidade, a denúncia deve ser realizada na cidade de origem, onde ocorreram os maus tratos.
Esclarecido o ponto atinente ao destinatário da comunicação dos maus tratos, resta explanar acerca dos responsáveis pela denúncia. 
Em primeira análise deve ser observado o artigo 18 do ECA, que determina a todos o dever de resguardar pela dignidade da criança e do adolescente, não sendo permitido que eles sejam tratados de forma desumana, aterrorizante, vexatória ou constrangedora.
Em complementação a este preceito legal, o artigo 4º do referido estatuto relaciona a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público como entes obrigados a garantir que os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária da criança ou adolescente sejam efetivados. Dessa forma, não há dúvida de que todos os que suspeitem ou tenham conhecimento da prática ilícita de violência (maus tratos) contra criança ou adolescente devem denunciá-la.
O artigo 70 do ECA direciona-se no mesmo sentido: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente”.
Não obstante esta determinação geral, o Estatuto da Criança e do Adolescente aponta alguns responsáveis específicos pela notificação dos maus tratos, que assim são listados devido sua atuação perante a sociedade e seu dever profissional de assegurar o tratamento digno a criança e ao adolescente. Assim, o artigo 56, inciso I, aponta aos dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental o dever de informar ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos.
Além do dispositivo supracitado, o artigo 245 do ECA individualiza:
  1. o médico,
  2. o professor
  3. responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche como responsáveis pela denúncia.
Destarte, notificar as autoridades tidas como competentes (Conselho Tutelar, Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia) é exercício de cidadania, sendo incumbido a todos este dever, que decorre da proteção integral, fundamento que embasa todo o ECA.

O MÉDICO E A QUESTÃO DOS MAUS TRATOS.
Como já exposto o médico é um dos incumbidos pela legislação menorista para atuar frente aos maus tratos. Ele possui dever legal, presente no artigo 245 do ECA, de notificar à autoridade competente os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos.
Ao profissional da área médica foi atribuída a obrigação de denunciar os maus tratos em razão de sua profissão e de seu contato específico com o paciente, que evidencia plena capacidade de aferição da suspeita ou da conduta lesiva/ofensiva praticada contra criança ou adolescente. Considerando que o médico possui função social relevante e que em sua profissão preza pela utilização de todos os meios necessários para solucionar a dificuldade que acomete o paciente, não há como negar o seu dever de comunicar a autoridade competente a prática ou a suspeita de violência.
Vale ressaltar o artigo 2º do Código de Ética Médica, que trata dos Princípios Fundamentais:
Art. 2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

Tendo o médico como seu maior alvo a saúde do ser humano, sendo que, para isto, deve oferecer o melhor de sua capacidade profissional, depreende-se que estará cumprindo este princípio fundamental do Código de Ética Médica ao realizar a denúncia à autoridade competente. Assim, zelará pela saúde da criança ou adolescente que sofreu os maus tratos.
Vale enfatizar que apesar do dever legal de notificar os maus tratos, o médico não precisa investigar ou descobrir quem foi o responsável pelo ato, já que não é sua atribuição e nem está preparado para tal. Ao agir desse modo, o profissional poderá dificultar outros procedimentos. Sua atuação deve limitar-se a comunicação do fato à autoridade competente e desenvolver ações para o melhor tratamento da vítima.

CONSEQUÊNCIAS PARA QUEM NÃO DENUNCIA
O Estatuto da Criança e do Adolescente ao estabelecer os responsáveis específicos para a realização da denúncia de maus tratos, cuidou de atribuir conseqüência aos mesmos, no caso de omissão.
Trata-se da infração administrativa prevista no artigo 245, que estabelece pena de multa de 03 a 20 salários referências àqueles que deixam de comunicar a autoridade competente da suspeita ou confirmação de maus tratos.
A referida norma tem como destinatários o médico que atende a criança ou adolescente, professor ou responsável por estabelecimento de atenção a saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche. Estes incorrem na penalidade prevista no ECA ao praticarem a conduta omissiva consistente em “deixar de comunicar,” permanecendo inertes frente a suspeita ou confirmação de maus tratos. Vale ressaltar que a notificação de maus tratos é obrigatória para as pessoas apontadas nesse dispositivo.
Como afirmado, a pena aplicada a quem comete a conduta supracitada é a multa administrativa de 3 a 20 salários referidos, sendo que se o agente for reincidente, esta multa será aplicada em dobro.
Assim, a notificação deve ser realizada o mais rápido possível pelo profissional que suspeita ou tem os maus tratos como confirmados. Inicialmente, a comunicação pode ser efetuada por telefone, sendo que um breve relatório deve ser preparado para que seja encaminhado a autoridade que recebeu a denúncia. 
Ninguém pode impedir o profissional de cumprir esta obrigação, nem mesmo supervisores e/ou o dono do estabelecimento em que presta serviços.
Os hospitais, ao lidarem com casos de suspeita ou confirmação de maus tratos, devem preferencialmente realizar documentação fotográfica, clínica e laboratorial. Havendo suspeita de abuso sexual devem proceder com testes de doenças sexualmente transmissíveis, estudos colposcópicos e genitais.
Em caso de morte deverá realizar autopsia acurada, com averiguação específica de maus tratos. Profissionais em seus consultórios privados, ambulatórios especializados em doenças psiquiátricas, doenças transmissíveis e drogadição também devem tratar com cautela o assunto e seguir o determinado.
Por fim, cabe fazer menção as razões que, geralmente, levam o médico a não denunciar a prática de maus tratos. Estas são bem definidas no comentário ao artigo 245 do ECA realizado por Hélio de Oliveira Santos (Estatuto da Criança e Adolescente Comentado, Munir Cury coord., 1992, pág. 737/738):
  • O profissional médico não faz o diagnóstico, por desconhecimento. Muitos casos de queimaduras, fraturas no crânio ou ossos longos, ferimentos do couro cabeludo, são confundidos com simples acidentes não intencionais.
  • O médico rechaça a hipótese de mau-trato, por razões culturais. A criança chega, às vezes, ao pronto-socorro com sangramento vaginal ou lesão vulvar semelhante a doença venérea e se despreza a possibilidade de um abuso sexual.

  • Falta de consciência social, não aceitando como obrigação profissional sua notificação, escondendo-se atrás dos preceitos éticos do “segredo médico”.

  • Desconhecimento pelo médico da atitude a se tomar.

  • Medo de revanchismo contra bens, família ou contra si próprio.

  • Medo de aparecer na imprensa.

  • Temor de transtornos legais ou acusação de falsa denúncia.

  • Temor de comparecimento ao tribunal, com perda de tempo profissional.
Resumidamente, os fatores de sub-registros estão relacionados ao desconhecimento geral da compulsoriedade legal da notificação, de ordem profissional, cultural ou social. Há necessidade de que tal notificação seja acompanhada de garantia do anonimato. Além de compromisso de todos os profissionais da área da saúde e outros membros da comunidade para essa importante luta em prol da proteção integral à criança
O MÉDICO E A QUESTÃO ÉTICA
Como já explanado, muitos médicos deixam de notificar a suspeita ou confirmação de maus tratos alegando sigilo profissional, também conhecido por “segredo médico”. Esta questão merece uma análise mais detalhada.
Inicialmente, cabe citar o artigo 154 do Código Penal, que trata do delito de violação de segredo profissional:
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa 

Esta infração penal se consuma na ação de revelar, declarar, divulgar segredo oral ou escrito que se tem ciência por meio de sua profissão, função, ofício ou ministério. Desse modo, alegando questões de ética, muitos profissionais da área médica sentem-se acuados e não realizam a denúncia de maus tratos. Entretanto, no preceito legal supracitado encontra-se o elemento normativo “sem justa causa”.
A “justa causa” significa que a revelação do segredo baseada em justificativa que demonstre sua legitimidade e procedência é aceita, sendo que alguns doutrinadores entendem que ela deve estar prevista em lei. Portanto, o médico que realiza a notificação de maus tratos não incorre na violação de segredo profissional, já que apresenta uma justa causa para isto, consistente na proteção da criança e do adolescente, além de estar agindo em conformidade com seu dever legal, segundo o artigo 245 do ECA. Este artigo é a justificativa legal que embasa a conduta do médico, demonstrando com maior precisão que o mesmo não incorre no crime do artigo 154 do Código Penal.
Vale ressaltar que a expressão “possa produzir dano a outrem” significa que deve haver a probabilidade do dano econômico ou moral a terceiro, sendo que para a consumação do delito previsto no artigo supracitado não há necessidade do efetivo prejuízo. Basta que se divulgue o segredo com a possibilidade do dano.
Quem pratica a conduta do artigo 154 do Código Penal incorre em pena consistente em 3 meses a 1 ano de prisão ou multa.
Além disso, faz-se necessário mencionar o artigo 102 do Código de Ética Médica:
É vedado ao médico:
Art. 102 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.
Parágrafo único: Permanece essa proibição: a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido. b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.
Como observado essa norma contém escrito similar à encontrada no Código Penal – “salvo por justa causa”, que, pelos motivos já apreciados, permite que o médico realize a denúncia de maus tratos. Ademais, a expressão “dever legal” demonstra que o médico que age em conformidade com o permitido pela legislação pode revelar fato que tenha conhecido em virtude do exercício de sua função. Assim, o artigo 245 do ECA pode ser utilizado, novamente, como justificativa permissiva da divulgação da suspeita ou confirmação de maus tratos.
Além do ECA como permissivo legal da denúncia de maus tratos  realizada pelo médico, podem ser citadas a Portaria MS/GM  nº 1.968, de 25 de Outubro de 2001 e a Lei Estadual nº 10.498, de 5 de Janeiro de 2000 que dispõem sobre  a notificação, às autoridades competentes, de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos nos órgãos públicos de saúde.
Vale destacar o Parecer n. 76/99 do CREMERJ que se originou de uma consulta encaminhada pelo Ministério Público acerca da posição a ser tomada pelo médico que lida com casos de maus tratos. Este parecer tratou pormenorizadamente o assunto sendo, portanto, cabível citar a ementa do mesmo:
Conclui que o médico tem o dever legal de comunicar à autoridade competente casos de maus tratos e de abuso sexual contra crianças e adolescentes, ainda que haja apenas suspeitas. Afirma, também, que à comunicação à autoridade competente não acarreta infração ética por parte do médico, não se configurando, assim, violação de segredo profissional.
A partir da legislação vigente (Estatuto da Criança e do Adolescente, Código Penal, Código de Ética Médica) os relatores do Parecer n. 78/99 se posicionaram pelo dever legal dos médicos de comunicar a suspeita ou confirmação dos maus tratos, sendo que ao não proceder dessa forma, incorreriam na pena de multa presente no artigo 245 do ECA. Além disso, o médico não cometeria o crime de violação de segredo profissional, presente no artigo 154 do CP. Portanto, ao denunciar os maus tratos o profissional da área médica não estaria praticando conduta antiética perante os mandamentos de sua profissão.
Desta forma, resta evidente que o médico não incorre em violação de sigilo profissional previsto no Código Penal ou Código de Ética Médica, devendo cumprir o preceituado pela legislação menorista, sob pena de incorrer na multa administrativa constante do artigo 245 do ECA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os genitores deveriam oferecer carinho, sustento, amor, educação e proteção aos filhos para que os mesmos se desenvolvam de forma saudável, sem seqüelas psicológicas e físicas. Entretanto, muitas vezes não é isso que ocorre, sendo freqüente a vivência de maus tratos, também intitulado de violência doméstica.
Diante desta situação, a legislação menorista aponta para o papel da sociedade em coibir estes atos, destacando a atuação do médico. Este possui dever legal, atribuído pelos artigos 13 e 245 ECA, de denunciar à autoridade competente os casos que envolvam a suspeita ou efetiva prática de maus tratos. Ao não denunciar a violência doméstica o médico incorre na punição prevista no referido Estatuto.
Assim agindo o médico não viola o sigilo profissional presente no Código Penal e no Código de Ética Médica, já que pressupõe de justa causa consistente em seu dever legal de notificar à autoridade competente.
Considerando que o profissional da área médica tem o contato direto com o paciente/vítima, porque, então, não denunciar os maus tratos praticados contra a criança ou o adolescente, proporcionando os bons tratos que ele merece? A questão não se restringe ao dever imposto pela lei, mas é ponto atinente a função social do médico, englobando a cidadania.
Nesse sentido, compreendendo que cidadania “é responsabilidade perante nós e perante os outros, consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e acção que se pensa." (Jorge Sampaio, in Educar para a Cidadania)
Conclui-se, portanto, que o médico é um dos principais responsáveis pelos bons tratos destinados a crianças e aos adolescentes.
FLUXOGRAMA DA DENÚNCIA.

REFERÊNCIAS:

CÓDIGO PENAL:
Lesão Corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos
Maus Tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
LEI N. 9099/95:
Art. 69 - A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
Art. 77 - Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:
Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.
Art. 129 -  São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do pátrio poder.
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23 e 24.
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RISCO
Considerações iniciais
A família, a comunidade, a sociedade em geral e o Estado têm o dever de assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes relativos à vida, saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar. 

Essa prioridade na proteção dos direitos da criança e do adolescente é imposta a todos e está assegurada pela Constituição Federal (art. 227, caput) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º). Especificamente com relação ao direito à vida e à saúde, os pais, os responsáveis, os médicos, enfim todos os profissionais ligados à saúde ou não, são responsáveis pela garantia de tal direito à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, visando o seu  nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. 

Estabelece ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que essa garantia de prioridade absoluta na efetivação do direito à vida e à saúde, compreende entre outras ações, a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, em respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento (Art. 4º, parágrafo único). Qualquer ação ou omissão ou a negligência, que vier a ferir esses preceitos fundamentais importa na responsabilidade do agente, tanto na esfera penal, como civil e administrativa. 

Os pais são os primeiros responsáveis pela garantia do direito à vida e à saúde das crianças e dos adolescentes. A seguir, pela determinação legal, assumem tal responsabilidade a sociedade e o Poder Público. A responsabilidade dos pais decorre do pátrio-poder (ECA., art. 22). Entretanto, este poder não é absoluto, apresentando certas restrições, todas as vezes que a ação ou omissão dos mesmos venha a colocar a criança ou o adolescente em situação de risco social e pessoal (ECA, art.98, I). Nessa hipótese, assumem a responsabilidade pelo referido direito os demais atores apontados na lei, ou seja, a sociedade, a comunidade em geral  e o Poder público.
Assim, quando os pais não cumprem o seu papel, justifica-se a intervenção na família como forma de garantir o direito à vida e a saúde da criança. O pai que deixa a criança em abandono; pratica atos violentos contra a mesma, como maus tratos ou abuso sexual; não atende as determinações do Juízo; deixa de prestar assistência à saúde do filho ou não atende as orientações médicas referente à saúde da criança, estará colocando a mesma em situação de risco, justificando a citada intervenção na família.
Sob o manto do efetivo exercício do pátrio poder, os hospitais e médicos têm vivenciado uma prática comum e que é apontada como uma das causas de ocorrência de óbitos evitáveis, referente à denominada “alta a pedido”, que se caracteriza quando os pais retiram a criança do hospital, assinando um “termo de responsabilidade”, solicitando sua alta médica, independente de representar o melhor encaminhamento à criança.  

Diante desta situação, como deve agir o médico responsável pelo atendimento da referida criança ou o diretor do hospital frente à atuação dos pais ou responsáveis no lídimo exercício do pátrio poder? Como agir para garantir o direito à vida e à saúde da criança previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente ? 
O problema da alta a pedido.
O alvo de toda atenção do médico é a saúde e a vida do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional (Código de Ética Médica art. 2º), empregando todos meios necessários em favor do paciente (Código de Ética Médica, art. 57). 
Este dever apresenta uma limitação prevista no próprio Código de Ética Médica, já que o médico deve respeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar e sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo no caso de iminente perigo. É o que estabelecem os artigos 48 e 56 do Código de Ética Médica. 
No caso do paciente ser criança ou adolescente, seus responsáveis legais (pais, tutores ou guardiões) é que devem manifestar-se quanto ao tratamento realizado. 

Quando o paciente estiver em iminente perigo, a autoridade do médico é indiscutível, dando o Código de Ética Médica suporte legal para tal atuação.
Neste caso,  o médico não esta obrigado a seguir a vontade do paciente ou de seu responsável, devendo dar continuidade ao tratamento dispensado à criança ou o adolescente que se encontra nessa situação, pois sua conduta  impõe-lhe a responsabilidade de garantir a vida dos mesmos. 
Nas demais hipóteses, ou seja, quando a criança ou o adolescente não estiver em “iminente perigo de vida” à vontade dos responsáveis quanto à “alta a pedido” também deve ser analisada com cautela, já que o pátrio poder não garante o direito absoluto quanto à vida da criança. Nessas hipóteses, deve ser analisado o grau de responsabilidade dos pais ou responsáveis e se a conduta dos mesmos não coloca em risco à vida da criança. Caso se vislumbre a ocorrência de risco, por menor que seja, deve ser negada a alta e comunicado, imediatamente o Conselho Tutelar ou o Juízo da Infância e da Juventude, caso o município não possua o referido Conselho, para as providências pertinentes. 

A alta a pedido, pode ser aceita em casos especiais desde que:
a)  Para encaminhamento a outro centro médico ou outro médico. No caso de não haver  concordância com o tratamento proposto ou, achando o médico  tratar de conduta inadequada por falta de recursos, é seu direito abrir mão do caso, passando formalmente a responsabilidade para outro profissional que esteja disposto a assumi-lo. 

b)  Quando a criança ou o adolescente esteja fora da situação de risco. Caso em que o profissional tem a convicção, segundo seu prognóstico, de que o paciente já se encontra fora de qualquer perigo.

Em conclusão, a alta a pedido, dependerá sempre da situação do paciente, sendo que somente o médico tem competência e condições de avaliar as conseqüências da  mesma, pois referido pedido “pode gerar danos à vida e  à saúde do paciente, no instante que ele interrompe o processo de tratamento”. “Dessa maneira, se após refletir sobre o estado de saúde do recém-nascido o profissional concluir que, efetivamente, a alta agravará  a situação do mesmo, ele deverá recusá-la”. “Vale dizer que, se a saúde do paciente agravar-se em conseqüência da alta a pedido, o profissional que autorizou poderá ser responsabilizado pela prática de seu ato, no caso, por omissão de socorro, imprudência ou negligência”. (Consulta n. 26.574/92 do CREMESP aprovada na 1.586ª RP em 29/03/94).  
O profissional da área da saúde, deverá estar atento a tais situações, sob pena de se comportar de forma negligente que se “caracteriza pela inação, indolência, inércia, passividade”. Como esclarece Miguel Kfouri Neto :

Na lição de Avecone, a negligência é o oposto da diligência, vocábulo  que remete  à sua origem latina, diligere, agir com amor, com cuidado e atenção, evitando quaisquer distrações e falhas. Portanto, na base da diligência está sempre uma omissão dos comportamentos recomendáveis, derivados da comum experiência ou das  exigências particulares da prática médica”. 

Termo de responsabilidade
Apresenta-se como costume dos hospitais ao proceder a “alta a pedido”, a lavratura de um “termo de responsabilidade” devidamente assinado pelo pai ou responsável como forma de se buscar a isenção de qualquer conseqüência do ato. Tal conduta afronta o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, pois o profissional da área da saúde, em especial o médico, também é responsável pela vida e saúde do paciente, no caso, criança ou adolescente, não podendo esquivar-se de sua responsabilidade, diante de um pedido dos pais ou responsáveis. 
Diante de circunstância tal que o profissional seja impedido, pelo doente ou seu responsável, de proceder a seu critério, utilizando os recursos convencionais, ele deve recorrer à Justiça, que lhe dará autorização para proceder dentro de seus princípios técnicos modernos”.

Assim, verificando a necessidade do tratamento, a alta deve ser recusada e o Conselho Tutelar ou o Juizado da Infância e da Juventude (nas cidades que não possuem Conselho Tutelar) devidamente acionado para o encaminhamento do caso.
Deve-se evitar a alta e posterior “termo de responsabilidade”, pois a garantia da vida e da saúde da criança ou do adolescente não se limita apenas a esta atitude passiva de encaminhamento ou entrega aos pais.  

Nesse sentido, o relator Conselheiro Dr. Pedro Paulo Roque Monteleone no citado parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo esclarece:

“... se restarem infrutíferas as tentativas do médico, com o atual Estatuto da Criança e do Adolescente, em face das dúvidas quanto ao tratamento ministrado pela equipe médica e da recusa em fornecer a alta a pedido, a Vara da Infância e da Juventude deverá ser acionada para a resolução do conflito

Mais adiante ao tratar do termo de responsabilidade afirma:

“O termo de responsabilidade só teria valor naqueles casos em que a retirada do recém-nascido do hospital não colocasse em risco a saúde do mesmo. Como a questão foi colocada, tal documento não isenta a equipe médica da responsabilidade; as eventuais complicações que a criança vier a apresentar serão de responsabilidade do profissional que autorizou a alta a pedido. Vale ressaltar, mais uma vez, que o profissional poderá responder por omissão de socorro, negligência e por imprudência, mesmo se lavrado o termo de responsabilidade”.

Nessa mesma linha apresenta-se a Consulta no. 1.665-13/86 do CREMESP cuja relatora Conselheira Maria Cacilda Câmara Lima  assim se manifestou:

“... a validade do “termo de responsabilidade” assinado pelos responsáveis pelos pacientes nos casos de alta, tem sua eficácia condicionada ao estado de saúde do paciente, e essencialmente aos riscos que a alta possa vir a lhe causar, não isentando de responsabilidades, igualmente, os profissionais que atenderam o paciente até a efetiva data da alta”.
A referência do encaminhamento à Justiça, deve ser entendida como a comunicação ao Conselho Tutelar, pois a Justiça da Infância e da Juventude somente será acionada no município que não possuir tal Conselho ou pela provocação do mesmo,  diante da resistência dos pais ou responsável em acatar as suas deliberações. 
Deve-se ainda ter cautela redobrada quando se tratar de pedido de alta formulada por genitores menores de 21 anos de idade que não sejam casados legalmente, pois nesta situação ainda não são plenamente capazes, não obstante possuírem um filho.  
Dos encaminhamentos do Conselho Tutelar
Uma vez verificada a impossibilidade da alta a pedido, o médico ou o hospital deve encaminhar o caso ao Conselho Tutelar, que poderá tomar providências tanto em relação à criança ou adolescente como aos pais. 
Em relação à criança e adolescente, o Conselho Tutelar poderá aplicar uma das medidas de proteção previstas no artigo 101, I a VII do Estatuto da Criança e do Adolescente, como orientação, apoio e acompanhamento temporário; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial e ainda abrigo em entidade. 
Quanto aos pais, o Conselho Tutelar poderá impor as medidas previstas no artigo 129, I a VII do Estatuto da Criança e do Adolescente com especial atenção à obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado. Caso os pais não cumprirem as determinações do Conselho Tutelar ou do Juízo, poderá ser destituído ou suspenso do pátrio poder, pois se deve garantir, com absoluta prioridade, os direitos das crianças e dos adolescentes. 
Assim, caso os pais solicitem alta a pedido e não sendo caso de tal procedimento, o Conselho Tutelar poderá impor aos mesmos a obrigação do tratamento. Diante de eventual resistência, haverá a intervenção do Poder Judiciário e do Ministério Público no sentido de garantir o direito à vida da criança. 

Considerações finais.
Pelo que foi exposto, verifica-se que o interesse do menor deverá sempre sobrelevar ao daqueles que são seus responsáveis. Tanto por parte dos pais, detentores do pátrio-poder; quanto por parte dos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros e até mesmo o hospital. Estes  deverão zelar, acima de tudo pelo bem da criança ou adolescente.
O Conselho Tutelar, o Juiz da Infância e Juventude e o Promotor de Justiça são parceiros necessários nessa luta para garantia da vida da criança e do adolescente, podendo o profissional da área da saúde contar com esta parceria para o bom encaminhamento dos casos. Assim, deverão ser acionados todas as vezes que surgir lesão, ameaça de lesão, ou conflito de interesse que envolva criança ou adolescente, os pais ou responsáveis e os médicos.
O desrespeito a tal normatividade, resulta na responsabilidade criminal, cível e administrativa, sendo que o “termo de responsabilidade” não tem o condão de afastar tal implicação. 


O CONSELHO TUTELAR NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


Considerações iniciais

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é a nova normatização jurídica brasileira que substituiu o nosso 2º Código de Menores, Lei Federal nº 6.697, de 12 de outubro de 1979. A alteração do ‘nome’ do corpo de normas - de Código para Estatuto -, o afastamento do uso do termo  menor, substituído  pelas  categorias  criança  e  adolescente,  o  advento  da Doutrina de Proteção Integral, em substituição à Doutrina da Situação Irregular - consagrando a criança e o adolescente como sujeitos de direitos -, e a inauguração de instrumentos de exeqüibilidade dos princípios constitucionais da descentralização político-administrativa e da participação popular, na formulação das políticas e no controle das ações relativas à área de proteção à infância e à adolescência, como ocorreu com a vinda dos Conselhos de Direitos e com o Conselho Tutelar, são alguns dos assuntos que, rapidamente, mas com a devida atenção, vamos tratar neste artigo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente

A origem do Estatuto da Criança e do Adolescente é uma história importante de ser conhecida. Por ela, vamos melhor entender uma série de confusões que as pessoas - família, sociedade e Poder Público - têm feito a seu respeito. Não é comum se ouvir: “Que o Estatuto só protege!”?; “Que agora não se pode nem mais ‘bater’ nos filhos ou prender os ‘menores’”?; “Que o Estatuto foi feito para o Primeiro Mundo”?

O Estatuto, podemos dizer assim, tem sua vida inspirada no acolhimento da Doutrina de Proteção Integral, que passa a entender a criança e o adolescente – todos, não só aqueles em situação irregular  - como sujeitos de direitos, credores de uma proteção especial, que é devida pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo Estado. Contudo, a Doutrina de Proteção Integral, ao contrário do que  muitos  pensam  e  dizem,  não  é  criação  do  Estatuto  da  Criança  e  do Adolescente, que apenas reafirmou um texto já consagrado na Carta Constitucional de 5 de outubro de 1988 (art. 227, caput). Neste sentido, é bom entendermos como o  Brasil,  antes  de  qualquer  outro  país  no  mundo,  recepcionou,  por  expressiva maioria de seus constituintes , o novo paradigma a respeito dos direitos das crianças e adolescentes, servindo até hoje, a sua legislação, de modelo internacional. 
No ano de 1986, dada a maturidade e o nível de organização de diversos movimentos e instituições sociais, que denunciavam, através dos próprios meninos, a  constante  e  sistemática  violação  de  seus  direitos,  sendo  eles  ainda desconsiderados como pessoas humanas e como cidadãos, a Assembléia Nacional Constituinte  apresentou-se como uma  oportunidade ímpar para se promover um grande debate nacional e se propor uma nova forma de se entender e se tratar a questão relativa à infância e à adolescência do país.
A luta pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros começava  em  se  obter  o  compromisso  político  dos  constituintes,  tendo  papel importante nesta conquista de apoio, a Pastoral do Menor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), a Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes e, principalmente,  a Comissão Nacional Criança  e Constituinte , que  promoveu  um processo de sensibilização, conscientização e mobilização junto aos constituintes e à opinião pública, inclusive através da imprensa, o que conquistou até mesmo o apoio da iniciativa privada.
Resultado  deste  esforço  nacional,  duas  emendas  de  iniciativa  popular  – Criança e Constituinte e Criança: Prioridade Nacional – chegaram à Assembléia Nacional Constituinte, dando origem ao artigo 227, caput, da Constituição Federal, que restou assim definido:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,  ao  respeito,  à  liberdade  e  à  convivência  familiar  e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
e que se constitui no substrato da Doutrina de Proteção Integral, também acolhida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 4º, caput e 5º).

Assim,  temos  que  o  Brasil  antecipou-se  até  mesmo  à  Convenção Internacional  dos  Direitos  da  Criança, aprovada  pela  Organização  das  Nações Unidas somente no dia 20 de novembro de 1989, demonstrando, de certa forma, a veracidade de que temos uma Lei de Primeiro Mundo, diríamos até, a Primeira do Primeiro Mundo.
Mas o interessante é que tenhamos o claro entendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente é decorrente de um longo processo de amadurecimento político e social, tendo sido composto por pessoas que começaram a enxergar com outros olhos os problemas relativos aos menores, percebendo-os claramente como vítimas de uma família, de uma sociedade e de um Estado irregulares, e não como pessoas irregulares em si.
Antes do Estatuto, os adultos entendiam que faziam ‘tudo o  que podiam’ pelos menores, e se eles apresentavam-se em situação irregular, essa surgia por culpa  dos  próprios,  “que  não  querem  estudar,  não  querem  trabalhar,  ficam  nas ruas...”.
Assim, antes, um menino fora da escola estava em situação irregular (art. 2º, I), era considerado um menor, um objeto de “medidas de tratamento, tendentes a eliminar  tal  situação,  entendida  como  estado  de  patologia  social ampla”
Hoje não; um menino fora da escola é uma criança ou um adolescente com seu direito à educação violado, situação de irregularidade dos que devem cumprir o seu direito: sejam os pais que não cumprem seus deveres de encaminhá-la à escola e de acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar, seja a sociedade que não assegura a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, seja o Estado que não garante o acesso à escola pública e gratuita mais próxima de sua residência. E a criança e o adolescente não são mais objetos de tratamento, são sujeitos  de  proteção  do  seu  direito  ameaçado  ou  violado,  algo  que,  em  última instância,  deverá  ser  alcançado  através  de  uma  aplicação  de  medidas administrativas – do Conselho Tutelar – ou judiciais – da autoridade judiciária.
Como dissemos, a forma de se ver a questão mudou. Com o Código de Menores o problema da infância e da adolescência era simplificado em menor pobre, abandonado,  delinqüente,  situação  irregular,  assistencialismo  e  controle  estatal, representado,  este,  pela  figura  do  todo-poderoso  Juiz  de  Menores.  Resumindo:
Menor em situação irregular era assunto do Estado!”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente  trabalha  com  a  responsabilidade  coletiva,  participativa,  complexa, articulada, em que a criança e o adolescente são credores de direitos, que devem ser  assegurados,  com  absoluta  prioridade,  pela  família,  pela  comunidade,  pela sociedade e pelo Poder Público.
O Estatuto propõe a inversão do sistema: na época do Código de Menores, é como se imaginássemos três pessoas - família, comunidade/sociedade e Estado - em círculo, todas voltadas de costas – “nem aí” – para um menor que estava ao centro, maltrapilho, com fome, encolhido, estendendo a mão, pedindo uma ajuda, uma caridade (“Vai uma moedinha aí doutô?”), ou roubando. Agora, a Lei determina que  essas  três  pessoas  estejam  de  frente,  vendo  quais  são  as  suas responsabilidades  e  o  que  ainda  falta  ser  assumido  como  absoluta  prioridade.
Sentem que aquela criança, que aquele adolescente vêm do meio deles e são o centro de tudo. Além disso, a criança e o adolescente estão em pé, com sua Carta de Direitos (ECA) na mão, afirmando-a e exigindo-lhes o cumprimento dos deveres nela assumidos e estabelecidos.
Bem,  desta  forma  podemos  entender  que  o  Estatuto  da  Criança  e  do Adolescente teve sua origem na participação popular, e que a sua proposta é a de mudar radicalmente a história da infância e da juventude em nosso país .
Desde  que  aqui  chegaram  os  nossos  descobridores,  à  criança  e  ao adolescente  sempre  foi  reservada  uma  condição  de  incapaz,  de  tal  sorte  que ficassem  claramente  reconhecidos  como  em  estado  de  inferioridade  diante  dos adultos. Logo, o Estatuto é inovador neste aspecto, instaurando não a igualdade – justiça é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais -, como ocorria antes do descobrimento da infância , mas o respeito à criança e ao adolescente enquanto sujeitos, com desejos e opiniões, cidadãos de direitos. Em  face  dos  avanços  ideológicos,  também  os  legisladores  federais promoveram a substituição do nome Código, dado ao corpo de normas, pelo novo termo  Estatuto,  o  que,  segundo  um  dos  proponentes  da  mudança,  foi  assim explicado:
Aqui consta o título de Código do Menor, mas as pessoas, os líderes, os prelados, os pastores, as assistentes sociais preferem a palavra ‘estatuto’ –  não sou advogado, mas me parece que ‘código’, aqui, no Brasil, tem o sentido de coibir, de colocar proibições, de punir, e ‘estatuto’ representa mais os direitos da criança. Essas entidades, já começam  a  pedir  que,  em  vez  de  código,  se  coloque  a  palavra ‘estatuto’ e se garantam amplos direitos, se apliquem recursos, para que essas crianças sejam, efetivamente, recuperadas, que elas possam ter educação, como as outras crianças têm, que possam não viver só da mendicância e não comecem a perder sua dignidade logo no início de sua infância, quando, atiradas à rua, são submetidas a todo tipo de vexame,  quase  tratadas  como  animais,  certamente  tratadas  de maneira pior do que os animais domésticos da classe média e da classe média-alta brasileira” (Senador Gerson Camata, em sessão de aprovação  do Projeto de  Lei  do  Estatuto  (PLS  nº  193/89),  Diário Oficial da União, Senado Federal, 31 de maio de 1990).
Esse sentido porém, buscado pelo legislador, também foi alvo de críticas de outros órgãos de defesa de direitos, lembrando que o uso da palavra Estatuto em nossas leis, por  tradição, sempre  esteve  reservado  ao  conjunto  de  normas  que regulamentam direitos de indivíduos considerados socialmente vulneráveis, e que a sociedade coloca em situação de inferioridade. Exemplos concretos disso são: o Estatuto do Índio, o Estatuto da Mulher Casada e o Estatuto da Terra.
A Criança e o Adolescente

A utilização das palavras criança e adolescente, que substituíram o termo menor,  conforme  vimos,  foi  outra  inovação  da  Assembléia Nacional Constituinte, que as consagrou em vários textos de redação contidos na Constituição de 1988 Menor, como, com exatidão, diz Edson Sêda:

“Todos somos maiores ou menores de idade para alguma coisa. Mas todos, leitor, desde que possamos formular juízo próprio sobre um assunto, podemos manifestar livremente esse juízo e nossa opinião deve ser levada em conta”
Menores de 35 anos não podem ser senadores nem presidente da República;  menores  de  30  anos  não  podem  ser  governadores; menores de 21 anos não podem livremente alienar seus bens sem assistência  dos  pais;  menores  de  16  anos  não  podem  votar,  se quiserem,  para  senador  ou  presidente;  menores  de  12  anos  não podem ser punidos com medidas sócio-educativas” 

Contudo, mesmo passados dez anos da chegada do Estatuto, não raro hoje, nos surpreende a continuidade da velha utilização do termo menor no seu sentido pejorativo, discriminatório, indigno, como em recente manchete de um jornal que alarmava: “Menor esfaqueia menina de 7 anos”. 
A respeito das dificuldades deste avanço, do enraizamento ainda muito lento do novo paradigma relativo aos direitos das crianças e dos adolescentes, cabe-nos verificar  quais  foram  os  instrumentos  trazidos  pelo  Estatuto  da  Criança  e  do Adolescente  para  que  se  firme  e  se  fixe,  de  um  modo  mais  efetivo,  os  novos princípios da Doutrina de Proteção Integral, onde a criança e o adolescente são a prioridade nacional.
Os Conselhos de Direitos e o Conselho Tutelar 

Em decorrência dos princípios constitucionais da descentralização político- administrativa  e  da  participação  popular, surgem  os  Conselhos  Municipais, Estaduais e Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, órgãos dispostos dentro da política de atendimento, de caráter deliberativo e controladores das ações em  todos  os  níveis,  e  o  Conselho  Tutelar,  no  número  mínimo  de  1  (um)  por município, com a atribuição de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente definidos no Estatuto .
Ambos os órgãos garantem a participação direta da população na definição de suas ações, sendo assegurada, nos Conselhos de Direitos, uma composição paritária entre membros do Governo e de organizações não-governamentais.
Se antes do Estatuto o Governo deliberava e controlava sozinho a política referente à criança e ao adolescente, agora cede espaço à população, que se lança também como Estado sem ser Governo. É a democracia participativa insculpida na Carta de 1988, em que há o estabelecimento de uma nova correlação de forças políticas e sociais, provocando a exigência de uma nova adequação e de um reordenamento, em que está colocado um embate entre o velho e novo jeito de ver, pensar e agir sobre os temas da infância e da juventude.
O  Conselho  Tutelar  também  entra  aqui,  sendo  um  órgão  integralmente composto  por  pessoas  da  sociedade,  autônomo  e  naturalmente  coletivo,  não-jurisdicional, com a função precípua de defender o cumprimento da Lei que define direitos às crianças e aos adolescentes e afirma deveres à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público.
Voltando ao exemplo antes referido, de que ao tempo do Código de Menores, a família, a comunidade/sociedade e o Estado eram três pessoas viradas de costas para o  menor,  e  de  que  agora, as  três  pessoas  estão voltadas  à criança  e  ao adolescente, tendo que assumir suas responsabilidades e cumprir seus deveres em relação ao atendimento prioritário dos direitos deles, podemos dizer que o Conselho Tutelar é aquele que vai zelar para que todas permaneçam de frente à criança e ao adolescente, assegurando-lhes seus direitos. 
O Conselho Tutelar é autônomo exatamente por isto, para que possa exercer com fidelidade seu encargo social de zelar pelo cumprimento dos direitos definidos no Estatuto, combatendo tudo que ameaça e viola os direitos das crianças e dos adolescentes, o que faz através da aplicação de medidas de proteção  e aos pais ou  responsável ,  da  requisição de  serviços  públicos, e  de  representações  ao Ministério Público  e ao Juizado da Infância e da Juventude .
Quanto  à  sua  função,  o  Conselho  Tutelar  não  é  um  pronto-socorro  de atendimento de direitos; o Conselho Tutelar é aquele que em nome da comunidade que o escolheu zela pelo cumprimento dos direitos definidos na Lei, cobrando para que os pronto-socorros de atendimento de direitos existam, sejam efetivos e estejam sempre à disposição das crianças e dos adolescentes. Lembramos: todos devem estar de frente, garantindo direitos com absoluta prioridade, e o Conselho zelará para que todos assim permaneçam.
O Conselho Tutelar não veio para assumir as responsabilidades daqueles que ainda querem permanecer de costas. A família, a comunidade, a sociedade em geral e o Estado são os pronto-socorros de atendimento dos direitos (“É dever da família, da comunidade..”, arts. 227, caput, da CF e 4º do ECA).
Essa é uma das maiores confusões que, invariavelmente, quase todos vêm fazendo  do  papel  do  Conselho  Tutelar, quando  lhe  têm  destinada  a  função  de pronto-socorro de atendimento de direitos. Tal situação, que temos assistido em inúmeros municípios brasileiros, a nós, ocorre, ou por falta de conhecimento do seu verdadeiro papel, ou porque, atuando como os pronto-socorros que não cumprem seus deveres (aqueles que permanecem de costas), – ao que chamamos de agir como um agente de substituição - às vezes, mesmo que praticando  uma ação tipicamente assistencialista  e,  em  geral,  contribuindo  tão-só  paliativamente  para resolver  a  questão,  conseguem  “ajudar”  em  alguns  dos  casos  que  lhe  são encaminhados.
O  que  chamamos  sempre  à  atenção,  é  que  essa  ação  substitutiva possibilita/justifica/assegura  a  manutenção  das  inúmeras  omissões,  o  que  é interesse de todos aqueles que não querem efetivamente priorizar os direitos das crianças e dos adolescentes, sempre renegados. Esse Conselho Tutelar na verdade não protege, porque ao invés de fazer/cobrar com que as pessoas permaneçam voltadas à criança e ao adolescente, tenta ser elas (assumindo poderes, deveres, competências, usurpando funções...) e, virando-se para a criança e o adolescente, ‘atender’ os deveres que lhe são próprios e indelegáveis.
Então, não é raro vermos informações, publicações, dizendo: “Se a criança está sendo espancada, se ela está sem escola, se está mendigando nos semáforos, chamem o Conselho Tutelar”, quando a história não é bem assim. Se uma criança, um adolescente está sendo agredido, precisa da proteção daquele que tem o dever de cumprir o seu direito de segurança e de defesa inerentes a qualquer cidadão, o que é papel das polícias; se alguém está machucado, doente, drogado, precisa da proteção daquele que tem o dever de assegurar o seu direito à vida e à saúde, o que é papel do médico; se alguém está fora da escola, precisa da proteção daqueles que têm os deveres de garantir e acompanhar o direito à educação, o que são papéis do Poder Público e dos pais .
Logo,  poderíamos  dizer  que  as  informações  estariam  melhor  descritas  se estampassem: “Se a criança está sendo espancada, chame a polícia. Se a polícia não  atender  ao  seu  chamado,  ligue  ao  Conselho  Tutelar  para  ele  cobrar  e responsabilizar a polícia a cumprir o seu dever”. Então, o que é preciso fique claro é isso: se for acionado o devedor do cumprimento do direito e houver sua efetiva proteção, restando o direito satisfeito, protegido, não há necessidade do Conselho Tutelar atuar , pois haverá uma justa prática da defendida Proteção Integral, onde não há omissão no cumprimento dos direitos. A Proteção Integral é incondicionada, prescindindo, pois, da ação do Conselho Tutelar, que somente age na hipótese de descumprimento por parte de algum dos devedores.  O Conselho Tutelar não tutela as pessoas, ele tutela os direitos das pessoas, aos quais exige cumprimento. Defender direitos é fazer cumprir a Lei, é não admitir que as pessoas fiquem de costas enquanto o Conselho tenta (em vão) atender tudo aquilo que não está sendo cumprido e priorizado.
O papel do Conselho Tutelar pode ser considerado antipático, se enxergado num primeiro momento; afinal, quem quer ser cobrado a cumprir seu dever? Qual é o pai que quer ouvir que a educação, o respeito, a obediência são funções suas e que é isso que deve ser utilizado quando o filho sai e não quer mais voltar para casa?  Que estabelecimento de educação quer reconhecer que, às vezes, o aluno ‘rebelde’  pode  ser  resultado  de  comportamentos  autoritários (ou, ao  contrário, permissivos) por parte da Direção e dos professores? Que dirigente de abrigo quer ser cobrado a cumprir seus deveres de guardião? Por isso, o mais fácil, sem dúvida, é transferirem suas responsabilidades para o Conselho Tutelar, solicitando que o Conselho  Tutelar  busque  os  “evadidos”,  amedronte  os  filhos,  xingue  os  alunos, dizendo-lhes: “Se não se comportarem, vão (voltar) pra FEBEM!”.
Pesquisa recente desenvolvida junto aos Conselhos Tutelares do Município de  Porto  Alegre/RS  demonstrou  que  87,5%  das  pessoas  que  lhes  encaminham casos  relativos  à  prática  de  ato  infracional  por  criança  desejam  entregar-lhes  a responsabilidade  total  pela  solução  da  questão  ou,  como  diríamos,  continuam agindo como no passado, na época do Código de Menores, em que o problema da infância e da juventude era simplificado na exclusiva ação estatal, agora não mais na mão do antigo juiz de menores, mas na de outra autoridade, não-jurisdicional, que é o Conselho Tutelar .
O Conselho Tutelar proveniente do Estatuto é um órgão que muda hábitos, usos e costumes; que é capaz de fazer valer os direitos contidos na Lei e de torná- los efetivos com absoluta prioridade. 
Porém, em nossa experiência, temos que alertar para inúmeros Conselhos Tutelares que vêm sendo criados com uma outra concepção: a de atender direitos, ou seja, com a função de atuar tecnicamente porque entendem que esse é o seu papel, ou para que possam substituir a carência ou a ineficiência dos devedores dos direitos, se vendo assim, conselheiros tutelares educando os filhos pelos pais que fracassaram, prestando assistência social pelos serviços ainda inexistentes (dando comida, passagem de ônibus, ...), investigando pela inércia da polícia, retornando crianças e adolescentes à escola pelo descompromisso dos pais e do Estado em relação à obrigatoriedade à educação. Este é um Conselho Tutelar que não cumpre seu papel, que não tenciona as estruturas políticas e sociais para assumirem as suas responsabilidades dentro do novo  Sistema  de  Proteção  Integral,  permitindo  a  manutenção  do  status  quo  de ausência de direitos garantidos.
Pela falta de clareza do papel do Conselho Tutelar, atribuindo-lhe funções que são dos pais, dos programas, dos serviços e de outros órgãos, que têm o dever de atender direitos, é que muitos municípios vêm criando diversos Conselhos Tutelares em suas localidades. Pensam que o Conselho Tutelar é um serviço, uma espécie de triagem, para  onde  todas  as  situações  irregulares  são  encaminhadas,  e  que promove  os encaminhamentos  aos recursos,  dentro da  necessidade  constatada. Agem  como  no  passado  e,  cogitando/prevendo  que  todos  estão/continuam  de costas, que vão negar o atendimento dos direitos – ou a Proteção Integral -, nem os procuram,  indo  direto  ao  pronto-socorro  do  Conselho  Tutelar,  burocratizando  o acesso ao direito (que é, frisa-se, incondicional) e criando a entropia do sistema de promoção, garantia e de defesa de direitos. 
Por último, temos a manifestar que o interesse na concepção do Conselho Tutelar  com  a  finalidade  de  atender  direitos,  sendo  composto  por  pessoas  com graduação universitária nas áreas de saúde, educação, serviço social, psicologia e direito, não é algo novo, tendo sido a forma pela qual o Conselho Tutelar sempre esteve previsto nos projetos de lei que tramitaram no Senado Federal  e na Câmara de  Deputados .  O  Conselho  Tutelar  do  Estatuto,  não  atendendo  direitos,  mas zelando por seu cumprimento, não necessariamente técnico, mas essencialmente político,  é  uma  contraposição  aos  Conselhos  dos  projetos,  defendendo  não  o atendimento supletivo, mas a real garantia do atendimento do direito por quem deve, o que é consolidar a Doutrina de Proteção Integral.
MISODOR, 24 JUNHO 2008

domingo, 30 de agosto de 2020

A Minha Rosa de Sant'Ana Morreu!


A Minha Rosa de Sant'Ana Morreu!
 

(evangelhista da silva)
 

A vida tem-me sido sacana.

E a ti menina Ana, haja sacanagem na vida!
Mergulhar em tua mente é fácil e por demais.
O difícil é arrancar o soluçar dos teus versos

  E ouvir como ré confesso os desencantos meus.

Mas quem sabe um dia ou momento,
Quando tu não mais conseguires amargar
A dor e sofrimento, entre contorções de dores

Confessarás em pedido de perdão os teus pecados.
E eu, ao ouvir o teu amargo soluçar se me disporei
Com as mãos a parar as tuas lágrimas...


Perdoar Ana/Menina,

Jamais!

26 min of beautiful Cello of HAUSER

HAUSER - Albinoni Adagio

Villa Lobos - Bachianas Brasileiras n? 5 Filarmônica de Berlim

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Meus Oito Anos


Meus Oito Anos 

(Casimiro de Abreu)

Oh! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida.
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor,
O mar – é lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! Dias da minha infância!
Oh! Meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nem risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar,
Rezava às Ave-Marias
Achava o céu sempre lindo,
E despertava a cantar!
Oh! Que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida.
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

HAUSER - Air on the G String (J. S. Bach)

Cantata N. 56 di J.S. BACH " Arioso "

O menestrel - William Shakespeare

A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?


A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?

Mauro Iasi revisita as teses de Wilhelm Reich sobre a psicologia de massas do fascismo para compreender os impasses políticos do presente.


Por Mauro Luis Iasi.


“o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório
de todas as reações irracionais do caráter do homem médio”
W. Reich
“queriam que eu falasse do agora
mas, o presente que procuro
está preso em um passado
que insiste em ser futuro”
M. Iasi
O psicólogo marxista Wilhelm Reich (1897-1957) escreveu o livro Psicologia de massas do fascismo em 1933 (o estudo se estendeu de 1930 até 1933), no contexto da ascensão do nazismo na Alemanha. O autor se refugiou em Viena, depois Copenhagen e Oslo, onde iniciou seus estudos sobre as couraças e depois do que denominou de “energia vital”, levando-o a teoria do “orgon”. Desde 1926 acumulava divergências com Freud, com o qual trabalhou como assistente clínico, e em 1934 seria expulso da Sociedade Freudiana e da Associação Psicanalítica Internacional, sairia da Noruega em direção aos EUA, onde seria também perseguido com a acusação de “subversão”. Acabou preso em 1957 e morreu no mesmo ano na prisão. Toda sua obra, incluindo livros e material de pesquisa, foram queimados por ordem judicial nos EUA em 1960.

Ainda que possamos questionar as teorias reichianas fundadas na teoria do “orgon” e a relação que esperava estabelecer entre “soma e psiquismo”, temos que ter muito cuidado ao tratar as considerações que esse importante autor tece sobre o fascismo e o caráter das massas analisados na obra citada. Em vários aspectos, considero que as reflexões de Reich sobre o tema podem ser extremamente úteis em nossos tumultuados dias, principalmente pelas questões que levanta, mais do que pelas respostas que encontra.
O autor coloca da seguinte maneira o problema. Se assumirmos que a compreensão da sociedade realizada por Marx esteja correta – isto é, que o desenvolvimento da sociedade capitalista e suas contradições leva à possibilidade de sua superação revolucionária (o que implica a conformação do proletariado como um sujeito consciente de sua tarefa histórica) –, a questão que se coloca é como compreender o comportamento político de amplos setores da classe trabalhadora que efetivamente estão servindo de base para a reação política que emergia com o fascismo.
Chamar atenção aos efeitos da exploração capitalista, como a miséria, a fome e o conjunto das injustiças próprias do sistema capitalista para ativar o “ímpeto revolucionário”, dizia Reich, já não era suficiente. Tampouco acusar o comportamento conservador das massas de “irracional”, de constituir uma “psicose de massas” ou uma “histeria coletiva” – algo que em nada contribui para jogar luz sobre a raiz do problema, a saber, compreender a razão pela qual a classe trabalhadora respaldava o discurso fascista que em última instância atacava exatamente seus próprios interesses.
Na base dessa incompreensão se encontrava um sentimento de espanto. Os marxistas acreditavam que a crise econômica de 1923-1933 era de tal forma brutal que produziria “necessariamente uma orientação ideológica de esquerda nas massas por ela atingidas”. Entretanto o que se presenciou foi, nas palavras do autor, uma “clivagem entre a base econômica, que pendeu para a esquerda, e a ideologia de largas camadas da sociedade que pendeu para a direita”. O autor conclui com a constatação de que a “situação econômica e a situação ideológica das massas não coincidem necessariamente”. (Wilhelm Reich, Psicologia de massas do fascismo, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 7).
Nesse ponto, Reich afirmará que – e a observação dele aqui me parece profundamente pertinente hoje – essa não correspondência não deveria surpreender aos marxistas, uma vez que o materialismo dialético de Marx não compreende a relação entre a situação econômica e a consciência de classe como sendo algo mecânico, ou seja, como se a situação material determinasse esquematicamente sua expressão ideal na consciência dos membros de uma classe social. Somente um “marxismo vulgar” concebe uma antítese na relação entre economia e ideologia, assim como entre a “estrutura” e a “superestrutura”, uma perspectiva precária que não leva em conta o chamado “efeito de volta” da ideologia, isto é, as formas pelas quais a ideologia incide sobre a própria base material que a determina. Presa a essa visão esquemática e pouco dialética, resta a essa modalidade de marxismo vulgar apenas recorrer ao chamamento moral para que os trabalhadores correspondam em sua ação às condições objetivas em que se inserem, clamando pela “consciência revolucionária”, às “necessidades das massas” ou ao “impulso natural” para as greves e a luta (p. 14). Melancolicamente, Reich conclui então que essa versão esquemática do marxismo:
“Tentará, por exemplo, explicar uma situação histórica com base na ‘psicose hitleriana’ ou tentará consolar as massas, persuadindo-as a não perder a fé no marxismo, assegurando-lhes que, apesar de tudo, o processo avança, que a revolução não pode ser esmagada, etc. O marxista comum acaba por descer ao ponto de incutir no povo uma coragem ilusória, sem, no entanto, analisar objetivamente a situação em sem compreender sequer o que se passou. Jamais compreenderá que uma situação difícil nunca é desesperadora para a reação política ou que uma grave crise econômica tanto pode conduzir à barbárie como a liberdade social. Em vez de deixar seus pensamentos e atos partirem da realidade, ele transporta essa realidade para a sua fantasia de modo que ela corresponda aos seus desejos.” (pp. 14-5)
A miséria econômica causada pela crise atualiza a disjuntiva “socialismo ou barbárie”, mas o que faria com que os trabalhadores optem pela alternativa socialista? Reich está convencido de que em uma situação como essas os trabalhadores escolhem em primeiro lugar a barbárie. O marxismo vulgar compreende a ideologia como um conjunto de ideias que se impõe à sociedade e, portanto, aos trabalhadores. Dessa maneira, os partidários desse tipo de perspectiva acreditam que as ideais marxistas ganham força na crise porque desmentem na prática as ideias conservadoras. O que foge à compreensão dessa análise é exatamente o modo de operação da ideologia, muito mais do que a definição escolástica do “que é” ideologia.
Assim, o psicólogo comunista fará a pergunta decisiva: se uma ideologia se transforma em força material quando se apodera das massas, como afirmava Marx, a pergunta é “como é possível que um fator ideológico produza resultado material”, seja na direção de uma política revolucionária ou na direção de uma “psicologia de massas reacionária”? (p. 17)
Se compreendermos a ideologia na chave de ideias dominantes em uma sociedade – isto é, as ideias das classes dominantes que expressam as relações sociais que fazem de uma classe a classe dominante (Marx e Engels, A ideologia alemã, Boitempo, p. 47) –, a pergunta se formula da seguinte maneira: como é que relações sociais se convertem em expressões ideais, valores, juízos e representações interiorizadas pelas pessoas que constituem uma determinada sociedade? A resposta é que isto se dá na vivência de instituições no interior das quais as pessoas formam seu próprio psiquismo, neste caso, fundamentalmente, na família.
É aqui que as relações sociais dadas são apresentadas pela pessoa em formação como “realidade”, onde se desenvolve a transição do “princípio do prazer” para o “princípio da realidade” e se produz um complexo processo de identificação com aquele que representa o limite, a ordem e a norma social a ser imposta, mas, o que é essencial ao nosso tema, que é incorporada pela pessoa como se fosse sua (autocontrole) e não uma imposição oriunda de uma ordem social. O fundamento desse processo de interiorização, na formação daquilo que Freud denominou de “superego”, está a repressão à sexualidade infantil, o seu recalque e a volta como sintoma nos termos de Reich (Materialismo Dialético e Psicanálise. Lisboa: Presença/São Paulo: Martins Fontes, 1977).
É mister lembrar neste momento que o resultado desse processo de interiorização das relações sociais na forma de valores e normas de comportamento implica na identidade com o agende da imposição das normas externas, no caso do complexo de Édipo descrito por Freud na formação de uma identidade com o pai.
Dessa maneira, Reich localizará a base de uma determinada expressão de uma psicologia de massas (a do fascismo) em dois pilares: uma certa forma de família tendo no centro a repressão à sexualidade infantil; e o caráter da “classe média baixa”. Para ele, a repressão à satisfação das necessidades materiais difere da repressão aos impulsos sexuais pelo fato que a primeira leva à revolta enquanto a segunda impede a rebelião, uma vez que o retira do domínio consciente “fixando-o como defesa moral”, fazendo com que o próprio recalque do impulso seja inconsciente, seja visto pela pessoa como uma característica de seu caráter. O resultado disso, segundo Reich, “é o conservadorismo, o medo a liberdade, em resumo, a mentalidade reacionária” (Psicologia de Massas do Fascismo, p. 29).
Os setores médios não são os únicos a viverem esse processo (que é de fato universal para nossa sociedade) mas o vivem de maneira singular. Trata-se de uma classe ou segmento de classe espremido entre o antagonismo das classes fundamentais da sociabilidade burguesa (a burguesia e o proletariado), desenvolvendo o curioso senso de que estão acima das classes e representam a nação. Seus impulsos jogam os setores médios ora para a radicalidade proletária (a luta contra as barreiras da realidade que se levantam contra os impulsos), ora para o apelo à ordem da reação burguesa (a defesa das barreiras sociais impostas como garantia da sobrevivência). Como o indivíduo teme seus impulsos e clama por controle, os segmentos médios temem a quebra da ordem na qual se equilibram precariamente e pedem controle e repressão.
Não é acidente ou casualidade que no campo dos valores reacionários vejamos alinhados à defesa abstrata da “nação” características como o “moralismo” quanto aos costumes (que vem inseparavelmente ligado a preconceitos, a homofobia, etc.) e a defesa da “família”, assim como o chamado “irracionalismo”, a “violência”, o mito da xenofobia e do racismo como constituintes da nação, e o clamor pela “ordem”. A recente cena dantesca de “manifestantes” enrolados na bandeira do Brasil, de joelhos e mãos na cabeça, pedindo uma intervenção militar é a imagem que condensa todos esses elementos. Por incrível que pareça, essa não é uma sociedade “doente”, mas a sociedade “normal” exposta sem os filtros que rotineiramente a oculta.
Os argumentos de Reich estão longe de dar conta da totalidade do fenômeno do fascismo. Ainda que justificada, sua crítica aos marxistas oficiais (em 1931 Reich criou a Sexpol Verlag que aglutina mais de 40 mil membros discutindo uma política sexual e suas relações com a luta revolucionária, o que causou preocupações no Partido Comunista austríaco e redundou na sua expulsão do partido em 1933) não pode dar conta de todos os elementos históricos, políticos, sociais e culturais do tema que foram abordados em inúmeras obras de competentes marxistas (de Gramsci a Adorno e Benjamin, passando por Togliatti, Polantzas e tantos outros). Ele apenas aponta para um aspecto que normalmente é desconsiderado. O que nos parece pertinente é que o comportamento fascista não pode ser reduzido a manipulação e engodo, mas encontra profunda raízes na consciência imediata das massas e seus fundamentos afetivos, seja nos segmentos médios, seja na classe trabalhadora.
O fascismo é, na sua essência, uma expressão política da crise capitalismo em sua fase imperialista e na etapa do domínio dos monopólios, como define Leandro Konder (Introdução ao fascismo, São Paulo, Expressão Popular, 2009). Ele disfarça sob uma máscara modernizadora seu conteúdo conservador, sendo antiliberal, antissocialista, antioperário e, principalmente, antidemocrático. A dificuldade do fascismo reside exatamente em juntar esses dois aspectos contrários em sua síntese – isto é, uma intencionalidade à serviço do grande capital (imperialista, monopolista e financeiro) e uma base de massas que permita apresentar seu programa reacionário como alternativa para a “nação”. Creio que o estudo de Reich nos dá aqui uma pista valiosa. A ideologia fascista conclama à revolta dos impulsos reprimidos (seja das necessidades materiais, seja aqueles relativos à repressão da sexualidade) e depois oferece a ordem como alternativa, dialogando assim diretamente com o fundamental da estrutura do caráter universalizado pela sociabilidade burguesa, principalmente das chamadas classes médias. É, portanto, uma política da pequena burguesia que mobiliza massas trabalhadoras para defender os interesses do grande capital monopolista. Acreditem, realizou-se esta façanha com eficiência e sucesso naquilo que conhecemos por nazifascismo.
Na luta contra o fascismo, a burguesia democrática é sempre a primeira derrotada e junto a ela a pequena burguesia que acredita no seu próprio mito de um Estado acima dos interesses de classe. A única força social capaz de enfrentar o fascismo é a revolução proletária, por isso são os trabalhadores o alvo duplo do fascismo, seja no sentido da cooptação, seja na repressão brutal e direta. Quando a luta de classes se acirra e qualquer conciliação é impossível, a burguesia se inquieta, os segmentos médios entram em pânico e os fascistas vendem seu remédio amargo para a doença que ajudaram a criar. Se nesse momento os trabalhadores se movimentarem com autonomia em direção ao seu projeto societário – o socialismo –, impelidos inicialmente pelos impulsos mais elementares e ainda não conscientes, eles podem colocar toda a sociedade em torno de sua luta e se constituir como alternativa à barbárie do capitalismo em crise. Se, por razões várias, esse segmento não se movimentar com a força necessária, uma longa noite de terror se impõe com seus cadáveres e cortejos fúnebres.
Ainda que tenham particularidades em seu processo de consciência, os trabalhadores não podem escapar ao fato de que são socializados nas instituições de uma ordem burguesa, portanto, que os valores, princípios, representações ideais desta ordem constituam o fundamento de sua consciência imediata. Diante do caos que emerge da crise do capital vive uma contradição entre os impulsos materiais que os impulsionam à luta e à identidade com os opressores que os mantêm presos às correntes da ideologia. Na ausência de uma política revolucionária se somam às “classes médias” conclamando pela ordem e se prestam a ser a base de massas para as aventuras fascistas.
Toda a esperança da psicanálise é tornar possível que o inconsciente emerja, em parte, para que seja compreendido o sintoma. Guardadas as mediações necessárias, a luta de classes torna possível que as determinações ocultas pelos mecanismos da ordem se façam visíveis e que o sintoma se torne exposto. No primeiro assim como no segundo caso isto não significa a resolução do sintoma, mas o início de uma longa luta para enfrentá-lo. O novo que pulsa vigoroso nas entranhas do cadáver moribundo do velho mundo, não pode ser detido a não ser pela violência. Não pode se libertar sem quebrar violentamente a ordem que o aprisiona.
“Veintiuno veintiuno
firmamento del dos mil
en el cielo la paloma
va en la mira del fusil”
Silvio Rodriguez
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

domingo, 23 de agosto de 2020

Covid-19: governo impede Médicos sem Fronteiras de atender indígenas no MS


Covid-19: governo impede Médicos sem Fronteiras de atender indígenas no MS

Homem do povo yanomami é atendido em Alto Alegre, Roraim - Adriano Machado/Reuters
Homem do povo yanomami é atendido em Alto Alegre, Roraim Imagem: Adriano Machado/Reuters
21/08/2020 11h09Atualizada em 21/08/2020 12h13
 
O governo brasileiro não autorizou a organização Médicos sem Fronteiras a prestar atendimento em sete comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul. Os Terenas pediram ajuda à ONG francesa em julho para combater o avanço do coronavírus nas aldeias.
Em um comunicado, a Médicos sem Fronteiras afirmou ter apresentado um projeto de ação nas sete comunidades sul-matogrossenses. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no entanto, negou a autorização ao grupo, dizendo que o plano apresentado pelos médicos não trazia precisões sobre os locais de atendimento, datas e meios a serem empregados.
O órgão dedicado à saúde indígena afirmou ainda ter aceitado a ajuda de um grupo de trabalho da entidade francesa, com um médico, três enfermeiros e um psicólogo, na aldeia Aldeinha, no município de Anastácio (MS). De acordo com o comunicado da Sesai, seria ali a maior taxa de incidência de casos de covid-19.
A Médicos sem Fronteiras, contudo, diz que a comunidade aceita, a menos de 5 km de um grande município e com apenas 500 pessoas, não fazia parte da primeira proposta do grupo.
A ONG afirma já ter apresentado uma nova proposta de atendimento em ações coordenadas com o distrito de saúde local para 11 comunidades indígenas e cerca de 6.000 pessoas. O objetivo será detectar casos suspeitos de covid-19 e prevenir o contágio.

Covid entre indígenas

A pandemia do coronavírus tem atingido duramente as comunidades indígenas brasileiras. De acordo com a contagem feita pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), já são 26.615 casos de indígenas contaminados pelo coronavírus e 70 mortos até esta sexta-feira (21).
Para a Apib, a proibição da entrada do grupo da Médico sem Fronteiras nas comunidades Terena do Mato Grosso do Sul "pode agravar os casos de contaminação na região".
O grupo indígena fez o pedido de autorização para entrada dos médicos voluntários no dia 24 de julho, quando seis indígenas do povo Terena haviam morrido pela covid-19. No dia 19 de agosto, quando saiu a resposta do órgão do Ministério da Saúde, a comunidade já contava 41 mortos pela doença, além de 1.239 contaminados, segundo levantamento feito pelo Conselho Terena e pela Apib.

70% das terras indígenas estão fora do plano federal

Desde o início da pandemia, o governo brasileiro tem sido acusado pelos grupos indígenas de não tomar medidas para proteger essa população mais vulnerável em questão de imunidade. Em julho, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a vetar partes de uma lei que previa medidas de emergência para o cuidado das comunidades indígenas.
A decisão foi alterada mais tarde pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que obrigou o governo a criar barreiras sanitárias e um plano de enfrentamento para a doença aos indígenas.
No entanto, o plano de instalação de barreiras sanitárias para proteger as aldeias feito pelo governo federal deixou de fora 70 % das terras indígenas, de acordo com um documento de grupo de trabalho do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos publicado nesta semana pelo jornal O Globo.
De acordo com o relatório, os indígenas instalaram metade das 274 barreiras sanitárias por conta própria, sem participação do órgão federal responsável pela proteção dessas comunidades, a Funai.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

PARA UM MUNDO MELHOR / FOR A BETTER WORLD (525)

FOR A BETTER WORLD (525)

10 apps to help you go greener

The technology around us helps us get more information and get things done faster than ever, so there's no excuse for not changing some old habits. The importance of being environmentally friendly is becoming increasingly crucial over the years, with some scientists predicting that we only have a few more years to avoid long-term damage to our planet.

Fortunately, today's technology can help us a lot when it comes to being environmentally friendly. Downloading some of the best sustainable apps is a great way to keep our emissions low and live a more responsible lifestyle.

Here is a list of the best sustainable apps, some were made with respect for the environment and others help users to adopt sustainable habits, discouraging unnecessary travel and other activities that generate a lot of carbon.

Think Dirty
There are so many toxins that we don't know about in our personal care products. This can be harmful to the environment and harmful to us as well. With the Think Dirty app, you can scan a product and find out what bad things are hidden in it, and then make more responsible choices by purchasing items suggested by the app.

ThredUp
The fast fashion industry is a big polluter for the environment, so buying secondhand clothes is extremely beneficial - but it can sometimes be quite difficult to find a used goods store. Then, type: ThredUp.

ThredUp is a thrift store in an app - users can add their own clothes and look for new trends. Everything is second-hand and users can earn money by selling their used clothes or compose an entirely new and faultless wardrobe.

HappyCow
Eating vegetarian or vegan food is another great way to help the environment. There are vegetarian restaurants all over the world, finding them is the difficult part. HappyCow makes it easy, with lists of vegan and vegetarian restaurants in cities around the world. It's user-generated content, so not all vegetarian restaurants are there, but it's certainly a great place to start looking for meatless options - and you can also add suggestions!

Tap
Everyone knows the benefits of using less plastic - and the importance of having a reusable bottle instead of buying disposable plastic bottles. However, it can be difficult to find places to fill a bottle of water, which means that when people are away from home, they are more likely to buy disposable water bottles.

This is where Tap comes in. This free app helps users to find places where they can fill their water bottles around the world. Their database shows where they have drinking water sources and companies (like restaurants or cafes) that have been happy to help by filling people's water bottles, even if they don't make a purchase. Using the app, you can find the nearest water station, filter your preferences and get directions that you can follow on foot. You will never need to buy water bottles again!

Forest
It is an application that helps users to “maintain focus and presence”, it turns off the rest of a user's phone for a certain period of time. If you go all the time (usually half an hour to two hours) without turning off the timer, you can “plant a tree”, but if you turn it off first, the tree may die.

So, how does it help the environment? Users can use coins that they earn in the app to plant real trees. Forest works with an organization called “Trees for the Future” to make this possible. So, by staying away from your cell phone and becoming more focused and attentive, you can still help Earth!

DoneGood
Want to support small businesses, but don't know where to start? DoneGood can help! Unfortunately, many famous brands have very dubious business plans - from using factories to products that do nothing to minimize carbon emissions. DoneGood, which was called “The Amazon of Good Brands” by Forbes, facilitates the search for the best deals.

Just search the app and they will recommend a small business that is actively doing things to improve the world. In addition to the application, there is a plug-in that recommends sustainable alternatives to the items a user is looking for and the site offers some exclusive discounts.

Apscape
Holidays are great and everyone needs to take time out from time to time - but taking short trips that we get used to, including flying and staying in a hotel for a night or two, is very damaging to the environment. While nothing can replicate a real holiday, Apscape is working to create interesting experiences using virtual reality. They have great virtual tours to destinations around the world - from Cuba to Botswana - and are always increasing their offerings.

LeoVegas
Flying to certain destinations just to play is incredibly popular - Las Vegas alone received 42.52 million visitors in 2019. While some people are there for a once-in-a-lifetime trip, which is completely understandable - many people fly to Las Vegas often just to play.

Let's be honest, it is better not to play, especially if you think you are at risk of becoming addicted. But if it's just for fun, gambling apps are a good, low-impact alternative.

As discussed, the environmental impacts of flying are enormous - therefore, making short trips should be avoided. Using casino apps like LeoVegas, or other online casinos, are great alternatives for visiting a gaming place.

Olio
Olio is an application for sharing items and food. The idea is that if you have any food you don't need, either because you bought it wrong or because you won't be using it before the expiration date, you can take a photo, put it in the app and wait for people close to you to order the product.

And it is the same procedure for non-food items, if you are cleaning, just put what you no longer need in the application and the people who want that item will send you a message to arrange the withdrawal. No money is exchanged at Olio.

Bla Bla Car
It is not surprising that vehicles cause a lot of emissions, on average it produces 4.6 metric tons of carbon dioxide per year. Public transport is a great sustainable alternative, but what about places where public transport is not accessible or where destinations are really expensive?

Bla Bla Car is a great solution. People who want to share a ride and make money on fuel (note that this is not a taxi service and drivers do not make a profit, but must have their gasoline covered by fees) can post their trips on the app and others can request to join to them. An evaluation system helps to reassure people when they connect with each other.

Conclusion
Currently, there are so many apps that can help us have a healthier lifestyle. From apps that encourage the sharing and reuse of items, to sustainable business professionals and apps that try to reduce unnecessary travel, therefore, this can be very beneficial for creating a greener planet.

Published by EcoDebate on August 18, 2020

(Until next Wednesday, August 26, 2020)

PARA UM MUNDO MELHOR (525)

10 aplicativos para ajudar você a se tornar mais ecológico

A tecnologia à nossa volta nos ajuda a obter mais informações e a fazer as coisas mais rápido do que nunca, portanto, não tem desculpa para não mudar alguns velhos hábitos. A importância de ser ecologicamente correto está se tornando cada vez mais crucial com o passar dos anos, com alguns cientistas prevendo que só temos mais alguns anos para evitar danos a longo prazo em nosso planeta. 

Felizmente, a tecnologia de hoje pode nos ajudar muito quando se trata de ser ecologicamente correto. Baixar alguns dos melhores aplicativos sustentáveis é uma ótima maneira de manter nossas emissões baixas e viver um estilo de vida mais responsável. 

Aqui está uma lista dos melhores aplicativos sustentáveis, alguns foram feitos com o respeito pelo meio ambiente e outros ajudam os usuários a adotar hábitos sustentáveis, desencorajando viagens desnecessárias e outras atividades que geram grande quantidade de carbono.

Think Dirty
Existem tantas toxinas que desconhecemos em nossos produtos de higiene pessoal. Isso pode ser prejudicial ao meio ambiente e prejudicial para nós também. Com o aplicativo Think Dirty, você pode digitalizar um produto e descobrir quais coisas ruins estão escondidas nele e, em seguida, fazer escolhas mais responsáveis comprando itens sugeridos pelo aplicativo.

ThredUp
A indústria da moda rápida é um grande poluidor para o meio ambiente, portanto, a compra de roupas de segunda mão é extremamente benéfica – mas às vezes pode ser bem difícil encontrar uma loja de produtos usados. Então, digite: ThredUp. 

O ThredUp é um brechó em um aplicativo – os usuários podem adicionar suas próprias roupas e procurar novas tendências. Tudo é de segunda mão e os usuários podem ganhar dinheiro vendendo suas roupas usadas ou compor um guarda-roupa totalmente novo e sem culpa.

HappyCow
Comer comida vegetariana ou vegana é outra ótima maneira de ajudar o meio ambiente. Existem restaurantes vegetarianos em todo o mundo, encontrá-los que é a parte difícil. O HappyCow facilita isso, com listas de restaurantes veganos e vegetarianos em cidades do mundo todo. É um conteúdo gerado por usuários, portanto, nem todos os restaurantes vegetarianos estão lá, mas é certamente um ótimo lugar para começar a procurar opções de comida sem carne – e você também pode adicionar sugestões!

Tap
Todo mundo sabe dos benefícios de usar menos plástico – e da importância de ter uma garrafa reutilizável em vez de comprar garrafas de plástico descartáveis. No entanto, pode ser difícil encontrar lugares para encher uma garrafa de água, o que significa que, quando as pessoas estão fora de casa, elas têm mais chances de comprar garrafas de água descartáveis.

É aqui que entra a Tap. Este aplicativo gratuito ajuda os usuários a encontrar lugares onde podem encher suas garrafas de água em todo o mundo. Seu banco de dados mostra onde têm fontes de água potável e empresas (como restaurantes ou cafés) que se mostraram felizes em poder ajudar enchendo as garrafas de água das pessoas, mesmo que não façam uma compra. Usando o aplicativo, você pode encontrar a estação de água mais próxima, filtrar suas preferências e obter direções que você pode seguir a pé. Você nunca precisará comprar garrafas de água novamente!

Forest
É um aplicativo que ajuda os usuários a “manter o foco e a presença”, ele desliga o restante do telefone de um usuário por um determinado período de tempo. Se você passar o tempo todo (normalmente de meia hora a duas horas) sem desligar o cronômetro, poderá “plantar uma árvore”, mas, se você desligar antes, a árvore pode morrer. 

Então, como isso ajuda o meio ambiente? Os usuários podem usar moedas que ganham no aplicativo para plantar árvores reais. A Forest trabalha com uma organização chamada “Trees for the Future” para tornar isso possível. Assim, ao ficar longe do celular e ficar mais concentrado e atento, você ainda pode ajudar a Terra!

DoneGood
Deseja apoiar pequenas empresas, mas não sabe por onde começar? O DoneGood pode ajudar! Infelizmente, muitas marcas famosas têm planos de negócios muito duvidosos – desde o uso de fábricas a produtos que não fazem nada para minimizar as emissões de carbono. DoneGood, que foi chamado de “A Amazon das Boas Marcas” pela Forbes, facilita a busca dos melhores negócios. 

Basta pesquisar no aplicativo e eles recomendarão uma pequena empresa que está fazendo coisas ativamente para melhorar o mundo. Além do aplicativo, existe um plug-in que recomenda alternativas sustentáveis aos itens que um usuário está procurando e o site oferece alguns descontos exclusivos.

Apscape
As férias são ótimas e todo mundo precisa tirar um tempo de vez em quando – mas fazer viagens curtas com as quais nos acostumamos, incluindo voar e ficar em um hotel por uma ou duas noites, é muito prejudicial ao meio ambiente. Embora nada possa replicar um feriado de verdade, o Apscape está trabalhando para criar experiências interessantes usando a realidade virtual. Eles têm ótimos passeios virtuais por destinos em todo o mundo – de Cuba ao Botsuana – e estão sempre aumentando suas ofertas. 

LeoVegas
Voar para determinados destinos apenas para jogar é incrivelmente popular – somente Las Vegas recebeu 42,52 milhões de visitantes em 2019. Enquanto algumas pessoas estão lá para uma viagem única na vida, o que é completamente compreensível – muitas pessoas voam para Las Vegas frequentemente apenas para jogar.

Vamos ser honestos, é melhor não jogar, especialmente se você acha que corre o risco de ficar viciado. Mas se for apenas por diversão, os aplicativos de jogos de azar são uma boa alternativa e de baixo impacto.

Conforme discutido, os impactos ambientais de voar são enormes – portanto, fazer viagens de curta duração devem ser evitadas. O uso de aplicativos de cassino como o LeoVegas, ou outros cassinos on-line, são ótimas alternativas para visitar um lugar de jogos. 

Olio
Olio é um aplicativo de compartilhamento de itens e comida. A ideia é que, se você tiver alguma comida que não precisa, seja porque comprou errado ou porque não vai usar antes do prazo de validade, poderá tirar uma foto, colocá-la no aplicativo e aguardar pessoas próximas a você solicitarem o produto.

E é o mesmo procedimento para itens não alimentares, se você estiver fazendo uma limpeza, basta colocar o que você não precisa mais no aplicativo e as pessoas que quiserem tal item enviarão uma mensagem para você combinando a retirada. Nenhum dinheiro é trocado em Olio.

Bla Bla Car
Não é de surpreender que os veículos causem muitas emissões, na média produz 4,6 toneladas métricas de dióxido de carbono por ano. O transporte público é uma ótima alternativa sustentável, mas e os lugares em que o transporte público não acessa ou onde os destinos são realmente caros? 

Bla Bla Car é uma ótima solução. As pessoas que desejam compartilhar uma carona e ganhar dinheiro com combustível (observe que este não é um serviço de táxi e os motoristas não lucram, mas devem ter sua gasolina coberta pelas taxas) podem postar suas viagens no aplicativo e outros podem solicitar para se juntar a eles. Um sistema de avaliação ajuda a tranquilizar as pessoas ao se conectarem umas com as outras.

Conclusão
Atualmente, existem tantos aplicativos que podem nos ajudar a ter um estilo de vida mais saudável. Desde aplicativos que incentivam o compartilhamento e a reutilização de itens, a profissionais de negócios sustentáveis e aplicativos que tentam reduzir viagens desnecessárias, logo, isso pode ser muito benéfico para a criação de um planeta mais ecológico.

Publicado por EcoDebate em 18 de Agosto, 2020

(Até a próxima Quarta-Feira, 26 de Agosto, 2020)

A música é a linguagem da vida. (evangelhista da silva)


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O que pode ser feito nas redes sociais na pré-campanha?

O que pode ser feito nas redes sociais na pré-campanha?


A reforma eleitoral de 2015 regulamentou de forma mais detalhada as condutas dos pré-candidatos, em relação ao período que antecede a campanha eleitoral, e retirou da legislação alguns limites que restringiram a liberdade de expressão e de comunicação dos cidadãos que pretendem disputar a eleição.
Essas mudanças foram bem significativas no âmbito das redes sociais, onde ficou permitido aos pré-candidatos:
a) mencionar a pré-candidatura ao cargo desejado;
b) exaltar qualidades pessoais do pré-candidato;
c) postar textos, vídeos, fotos ou entrevistas informando a pré-candidatura, assim como o posicionamento do pré-candidato acerca de assuntos políticos (importante lembrar que política não está resumida à eleição, então é permitido discutir temas da administração pública, apresentar críticas, dizer as soluções pensadas e, inclusive, defender porquê o pré-candidato tem as condições pessoais de solucionar eventuais problemas); e
d) comunicar ações já desenvolvidas pelo pré-candidato, assim como as que se pretende desenvolver;
Na divulgação de pré-candidatura, de posição política pessoal e na exaltação das qualidades pessoais, o pré-candidato também poderá pedir apoio político da população ou de determinados setores da sociedade, mas, ressalte-se, continua vedado o pedido explícito de voto.
São exemplos de frases que podem ser usadas nas redes sociais:
a) FULANO DE TAL: pré-candidato a xxx pelo partido xxx;
b) FULANO DE TAL: a favor da construção da quadra (ou qualquer ação política) em xxx;
c) FULANO DE TAL defende a valorização do professor de xxxx;
d) FULANO DE TAL 2016;
e) FULANO DE TAL fez por xxxx (e expor ações políticas já desenvolvidas pelo pré-candidato);
f) FULANO DE TAL fará por xxxx (é permitido dizer o que se pretende fazer);
g) O melhor para xxx: FULANO DE TAL (com essa frase ou imagem é possível exaltar as qualidades pessoais do pré-candidato);
h) FULANO DE TAL quer o apoio político dos agentes de endemias de xxxx.
Em hipótese alguma, o material utilizado em redes sociais pode ser impresso para ser distribuído, muito menos propagado por carros de som, autofalantes e etc.
Também se recomenda evitar a divulgação do número do partido, pois pode ser encarado como uma forma de pedir voto.
QBB Advocacia, Advogado
Escritório de Advocacia
O Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia, sediado em Natal – RN e Brasília – DF, é um escritório que reúne advogados de elevada formação acadêmica, capacitação técnica e experiência, com foco na prestação de serviços jurídicos especializados, notadamente a empresários, agentes políticos, entes e servidores públicos ativos ou inativos, bem como a outros escritórios de advocacia em regime de parceria.

Artemisia Gentileschi, a biografia de uma pintora barroca

Artemisia Gentileschi, a biografia de uma pintora barroca

16 Junho, 2020
Artemisia Gentileschi foi uma grande artista que pintou durante o período Barroco. Filha de pai pintor e com uma relação estreita com Caravaggio, Gentileschi é uma das poucas mulheres das quais se tem registro na história da arte.
Artemisia Gentileschi foi uma pintora barroca do século XVI. Assim como aconteceu com muitas outras mulheres na história da arte, seu nome permaneceu oculto durante muitos anos.
Historiadores e colecionadores atribuíram as obras de Gentileschi a outros artistas homens. Assim, a vida e a obra de Artemisia Gentileschi ilustram o machismo do século XVI.
Na atualidade, Artemisia é reconhecida como uma pintora do início do barroco italiano. Suas obras mostram o caráter e as pinceladas características da época, além de uma profundidade única nos personagens.
Neste artigo, tentaremos nos aproximar dessa mulher esquecida pela história, mas que, sem dúvida, merece um espaço significativo nela.

Infância e juventude de Artemisia Gentileschi

Artemisia Gentileschi nasceu em 8 de julho de 1593 em Roma, na região conhecida como Estados Papais, na Itália. Foi a talentosa primogênita de Prudentia Montone, que faleceu quando Artemisia tinha 12 anos, e Orazio Gentileschi, um conhecido pintor.
Seu pai foi um dos principais seguidores do revolucionário pintor barroco Caravaggio. A artista foi uma importante defensora da segunda geração do dramático realismo de Caravaggio.
Artemisia mostrou rapidamente grandes dotes para a arte e começou a aprender com seu pai. Orazio era amigo de Caravaggio, o provocador e selvagem pintor à frente da cena artística de Roma.
Uma vez, Orazio e Caravaggio foram acusados de escrever um graffiti difamatório nas ruas de Roma sobre outro pintor. Durante o julgamento, Orazio contou história sobre a visita de Caravaggio à sua casa para pedir emprestadas algumas asas de anjo.
Graças a esses dados, sabemos que o grande artista deve ter mantido uma estreita relação com a família Gentileschi, e eles sugerem que a filha mais velha de Orazio, Artemisia, o teria conhecido.
Quadro de Artemisia Gentileschi
Como era pupila de seu pai e do pintor de paisagens Agostino Tassi, os trabalhos de Artemisia são difíceis de distinguir desses pintores. No início, Artemisia Gentileschi pintou em um estilo que não se distingue da interpretação um tanto lírica de seu pai, seguindo Caravaggio.
Sua primeira obra conhecida é Susanna e i vecchioni (em português, Susana e os anciões, 1610), uma obra feita por ela que foi atribuída a seu pai. Também pintou duas versões de uma cena já ensaiada por Caravaggio (mas nunca tentada por seu pai), Judith decapitando a Holofernes (em português, Judith decapitando Holofernes , c. 1612-13; c. 1620).

Artemisia Gentileschi, uma vítima de abuso

Em 1611, Orazio foi contratado para decorar o Palazzo Pallavicini-Rospigliosi em Roma, juntamente com o pintor Agostino Tassi. Com a esperança de ajudar Artemisia, que à época tinha 17 anos, a aperfeiçoar sua técnica de pintura, Orazio contratou Tassi para que a ajudasse.
Tassi teve contato individualmente com Artemisia e, durante uma de suas sessões de orientação, ele a estuprou. Após o estupro, Artemisia começou uma relação com Tassi pensando que ambos iam se casar.
No entanto, pouco depois Tassi se negou a casar com ela. Orazio tomou a incomum decisão de denunciá-lo pela violação, e o julgamento posterior se prolongou durante sete meses.
Artemisia era virgem até o momento do estupro que sofreu e o julgamento revelou outros detalhes escandalosos, como várias acusações de que Tassi havia assassinado sua esposa.
Como parte dos procedimentos judiciais, Artemisia teve que se submeter a exames ginecológicos para comprovar que tinha perdido a virgindade no momento do estupro. Além disso, ela foi obrigada a testemunhar sob tortura, com o objetivo de comprovar a veracidade do seu depoimento.
Para um artista, essa forma de tortura poderia ter sido devastadora, mas Artemisia, felizmente, evitou o dano permanente aos seus dedos.
Seu emocionante testemunho, no qual afirma que poderia ter matado Tassi depois do estupro, dá uma série de pistas sobre seu incomum caráter para a época e sua determinação.
Tassi, por fim, foi considerado culpado e exilado de Roma. A sentença nunca foi cumprida, já que Tassi recebeu proteção do Papa devido a sua habilidade artística.
Muitas das pinturas posteriores de Artemisia Gentileschi mostram cenas de mulheres atacadas por homens ou em posições de poder em busca de vingança.

Gentileschi em Florença sob a proteção dos Médici

Um mês depois de dar por concluído o julgamento, Orazio fez os acordos para que Artemisia se casasse com o artista Pierantonio Stiattesi. Posteriormente, o casal se mudou para a cidade natal de Stiattesi, Florença.
Em Florença, Artemisia recebeu uma de suas primeiras comissões importantes, um afresco na Casa Buonarotti. O sobrinho do pintor havia transformado a casa de Michelangelo em um monumento e museu.
Em 1616, ela se uniu à Academia de Diseño de Florença, transformando-se na primeira mulher a fazer isso. Essa atitude lhe permitiu comprar seus materiais artísticos sem a permissão de seu esposo e assinar seus próprios contratos.
Ela também recebeu o apoio do Grande Duque da Toscana, Cosme II de Médici, de quem recebeu várias comissões lucrativas.
Em Florença, ela começou a desenvolver seu estilo característico. Diferentemente de muitas outras artistas do século XVII, Artemisia Gentileschi se especializou na pintura da história, em vez de natureza morta e retratos.
Em 1618, Artemisia e seu esposo tiveram uma filha, Prudentia, que recebeu o nome da falecida mãe de Artemisia. Aproximadamente nessa época, Artemisia começou um apaixonado romance com um nobre florentino chamado Francesco Maria di Niccolò Maringhi.
A história desse amor está documentada por uma série de cartas de Artemisia para Maringhi, que foram descobertas pelo acadêmico Francesco Solinas em 2011.
De modo pouco convencional, o marido de Artemisia chegou a saber sobre o assunto e usou as cartas de amor de sua esposa para obter dinheiro de Maringhi.
 “Excelência, mostrarei o que uma mulher pode fazer”.
-Artemisia Gentileschi-
O nobre Maringhi foi parcialmente responsável por sustentar o casal financeiramente. As finanças eram uma preocupação frequente para eles devido à má administração do dinheiro por parte de Stiattesi.

Retorno a Roma, retorno a Caravaggio

Os problemas financeiros, sem contar os rumores generalizados sobre o romance de Artemisia, provocaram desentendimentos entre o casal e, em 1621, Artemisia voltou à Roma sem seu marido.
Na cidade, retomou contato com suas influências e as inovações de Caravaggio. Além disso, trabalhou com vários de seus seguidores, incluindo o pintor Simon Vouet.
Não teve tanto sucesso em Roma como havia esperado, e até o final da década passou algum tempo em Veneza, provavelmente em busca de novas comissões.
As cores de Artemisia Gentileschi eram mais brilhantes que as de seu pai. No entanto, continuou fazendo uso do sombrio popularizado por Caravaggio muito depois de seu pai já ter abandonado esse estilo.
Pintura de Artemisia Gentileschi

Na corte inglesa: período tardio

Por volta de 1630, mudou-se para Nápoles, e em 1638 chegou a Londres, onde trabalhou com seu pai para o rei Carlos I.
Pai e filha colaboraram nas pinturas do teto do Grande Salão na Casa da Rainha Henrietta Maria, esposa do Rei Carlos I, em Greenwich. Depois da morte de seu pai em 1639, ela continuou em Londres por mais alguns anos.
Enquanto estava nessa cidade, Artemisia pintou algumas de suas obras mais famosas, incluindo seu Autoritratto come allegoria della Pittura (em português, Autorretrato como alegoria da pintura, 1638).
Segundo seu biógrafo, Baldinucci (que anexou a vida de Artemisia à biografia de seu pai), a artista pintou muitos retratos e superou rapidamente a fama de seu pai.
Mais tarde, por volta de 1640 ou 1641, ela se estabeleceu em Nápoles, onde pintou várias versões da história de David e Betsabé, mas pouco se sabe dos últimos anos de sua vida. A última correspondência data de 1650 e implica que ela ainda estava trabalhando ativamente.
A data de sua morte é incerta. Há algumas evidências que sugerem que ainda trabalhava em Nápoles em 1654. Assim, especulou-se que pode ter morrido como consequência da praga que devastou a cidade em 1656.

O legado de Artemisia Gentileschi

O legado de Artemisia Gentileschi foi controverso e complexo. Embora tenha sido muito respeitada e conhecida durante sua vida, após usa morte foi omitida quase por completo dos relatos históricos da arte da época.
Isso se deve, em parte, ao fato de que seu estilo era frequentemente parecido ao de seu pai. Consequentemente, muitas de suas obras foram atribuídas a Orazio.
O trabalho de Artemisia foi redescoberto no início de 1900 e foi particularmente defendido por Roberto Longhi, estudioso de Caravaggio.
 “Enquanto viver, terei o controle sobre o meu ser”.
-Artemisia Gentileschi-
Os relatos acadêmicos e populares de sua vida e pintura, no entanto, estão marcados por interpretações exageradas e muito sexualizadas. De certo modo, isso se deve à difusão de um romance sensacionalista sobre Artemisia, publicado pela esposa de Longhi, Anna Banti, em 1947.
Nas décadas de 1970 e 1980, algumas historiadoras de arte feministas, como Mary Garrard e Linda Nochlin, defenderam a artista. As historiadoras se focaram em suas importantes conquistas artísticas e sua influência ao longo da história da arte, mais do que em sua biografia.