A RESPONSABILIDADE MÉDICA EM RELAÇÃO 
AOS MAUS TRATOS DE CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
E A LEGISLAÇÃO MENORISTA
AOS MAUS TRATOS DE CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
E A LEGISLAÇÃO MENORISTA
Agradeço para a colaboração da Dra. Ana CINTRA, que forneceu este material, atendendo boa parte do modulo VII do conteúdo programático de pediatria do UFMT.
Um dos temas que tem proporcionado preocupação constante em relação à criança e ao adolescente refere-se à violência doméstica, ou como designa a lei, a ocorrência de maus tratos.
Esta situação não é nova e nem fruto da modernidade. Esta assentada em raízes culturais e na condição de criança e adolescente como objetos de direito. Diante desta constatação, o debate sobre o tema sempre é salutar. No presente artigo, a questão será analisada relacionando os maus tratos com a conduta médica em face da suspeita ou confirmação da ocorrência do fenômeno. Muitas vezes os profissionais da área da saúde desconhecem a forma de agir perante a constatação de maus tratos, impedindo uma ação protetiva em face da criança vitimizada. Quando não, tais profissionais ignoram a legislação a respeito, até mesmo no que se relaciona a sua responsabilidade penal e administrativa frente a omissão na denúncia de suspeita ou confirmação de maus tratos.
Sendo tais profissionais um dos responsáveis pelos bons tratos as crianças e adolescentes, mister se faz detalhar tal assunto com enfoque na legislação menorista.
MAUS TRATOS – CONCEITUAÇÃO
Inicialmente, cabe conceituar maus tratos a fim de que se alcance melhor entendimento acerca do tema.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define a prática de maus tratos em seus artigos 3º e 5º. Conforme os dispositivos referidos, depreende-se que toda ação ou omissão que prejudique o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de dignidade e de liberdade, configura maus tratos. Portanto, a criança e o adolescente não devem ser objeto de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo coibida tanto a prática omissiva quanto a comissiva.
O Código Penal conceitua e incrimina a conduta de maus tratos em seu artigo 136. Segundo este dispositivo, entende-se como maus tratos a exposição a perigo de vida ou saúde de pessoa subordinada ao agente causador, já que está sob sua autoridade, guarda ou vigilância com finalidade de educação, ensino, tratamento ou custódia. Além disso, a conformação desse tipo penal se vincula as condutas de privação absoluta ou relativa de alimentação ou de cuidados indispensáveis;
- trabalho excessivo ou inadequado;
 - abuso de meios físicos ou morais de correção ou disciplina,
 sendo que para a caracterização da infração basta que apenas um desses comportamentos seja praticado pelo agente causador.
Conforme a interpretação do artigo 136 do Código Penal, o perigo a que a vítima for exposta deve ser concreto, ou seja, deve existir a probabilidade do dano.
Pela citada legislação penal, amparada pela legislação civil (Código Civil – art. 1634, VII e 1638, I) à correção ou disciplina por meio de castigos moderados é permitida.
Na doutrina, o conceito de violência doméstica, englobando maus tratos é mais esclarecedor e aponta todas as causas de sua ocorrência. Conceitua-se tal fenômeno como todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que - sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico a vítima - implica de um lado, numa transgressão do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento . Depreende-se que tanto os maus tratos quanto a violência doméstica podem ser classificados em: físicos, psicológicos (emocionais), sexuais e negligência (omissão).
Detalhando esta classificação. Os maus tratos:a) FÍSICOS: manifesta-se pelo uso de força física de forma não acidental, geralmente praticada pelos pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas à criança ou adolescente, com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São ações contundentes, cortantes ou calóricas, podendo ser exemplificadas por murros, tapas, chutes, mordidas, agressões com objetos, espancamentos e queimaduras. Tal conduta pode configurar o delito de lesões corporais, presente no artigo 129 do Código Penal ou até mesmo o homicídio previsto no artigo 121 do citado estatuto penal.
b) PSICOLÓGICOS (emocionais): se apresentam por interferência negativa dos responsáveis pela criança ou adolescente, sendo que não deixa lesões evidentes. Entretanto, prejudicam psicologicamente a criança e o adolescente, formando nas mesmas, sentimento auto-destrutivo, o que influencia em seu caráter e personalidade. Este tipo de maus tratos se configura por rejeições, hostilidade, frieza, agressões verbais, depreciação, desrespeito, discriminação, exigências incompatíveis com a idade da criança ou adolescente, chantagem e etc.c) SEXUAIS: a criança ou o adolescente é utilizado para gratificação sexual de um adulto, adolescente mais velho ou criança maior. Nesse caso, a prática de maus tratos envolve contato oral-genital, genital-genital, mão-genital, mão-seio, mão-retal, genital-retal, exploração sexual, abusos verbais, prostituição, exibição de pornografia e uso de criança ou adolescente para produção de pornografia. As condutas podem ser realizadas com ou sem violência. A verificação do abuso sexual se dá por meio da percepção de comportamentos exteriorizados pela criança ou adolescente, que fica lesada emocionalmente. Exemplifica-se tais atitudes por choros, insônia, impaciência, tristeza, falta de apetite, introspecção, auto–flagelo e etc. Além disso, em conjunto com as condutas já apresentadas, o profissional pode observar a existência de lacerações, assaduras freqüentes na região genital, vulvovaginites e infecções urinárias sem explicação clínica, edemas, lesões e etc.
Cabe mencionar que o Código Penal coíbe esse tipo de conduta no capítulo que trata dos Crimes contra a liberdade sexual (artigos 213 a 216-A do CP) e o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 244-A (crime de exploração sexual).
d) NEGLIGÊNCIA: ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente, de modo que ele deixa de prover ou não provê adequadamente as necessidades básicas para o perfeito desenvolvimento. Ocorre nos casos em que a criança ou adolescente não é aprovisionado com os nutrientes adequados, além das situações em que não é oferecida proteção e supervisão adequada. Algumas formas de se verificar o abandono são demonstradas por meio de desnutrição, baixo peso, doenças freqüentes e falta de higiene. A forma extrema de negligência se caracteriza pelo abandono, sendo que este, devido sua reprovabilidade, é tipificado pelo Código Penal nos dispositivos 244, 246 (abandono material e intelectual, respectivamente) e 133 (abandono de incapaz). Cabe ressaltar que o abandono pode acarretar a perda do poder familiar.
RESPONSÁVEIS PELA DENÚNCIA DE MAUS TRATOS E SEUS DESTINATÁRIOS.A ocorrência dos maus tratos ou mesmo a suspeita de ocorrência implica na necessidade de medidas que levem a proteção da criança ou adolescente vítima.
Em observância do disposto no artigo 13 e 56, I do ECA constata-se que o Conselho Tutelar é mencionado explicitamente como destinatário da denúncia de maus tratos, sendo esta obrigatória. Entretanto, a interpretação extensiva e a finalística mostram-se possíveis e devem ser realizadas, para alcançar o objetivo da norma menorista, consistente em socorrer a criança ou o adolescente vítima da violência, ou até prevenir a ocorrência desta.Portanto, somar-se-ão ao Conselho Tutelar, como autoridades competentes para recebimento da denúncia de suspeita ou confirmação de maus tratos, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Civil ou Militar.
Deste mesmo entendimento compartilha o Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Roberto João Elias:
"Autoridade competente, no caso, tanto pode ser o Juiz da Infância e da Juventude quanto o Ministério Público e o Conselho Tutelar. É válida, também, a comunicação feita à autoridade policial. Importa, sobre tudo que o atentado à criança ou ao adolescente seja esclarecido, e os responsáveis, devidamente punidos" (ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n-º 8.069, de 13 de julho de 1990. São Paulo/SP: Saraiva, 1994. p. 215).
Assim, cada órgão competente para recebimento da denúncia de maus tratos deve realizar sua atuação:
- 
    
o Juiz da Infância e Juventude analisa as situações de risco e aplica as medidas protetivas e o Juiz Criminal (Jecrim e Juízo Comum) julga as infrações penais;
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o Ministério Público fiscaliza o Conselho Tutelar, tem legitimidade para tomar medidas judiciais com relação a suspensão ou destituição do poder familiar e para aplicação de medidas protetivas à vítima e sua família. Além disso, é incumbido de propor a ação penal pública incondicionada e a condicionada a representação nos casos em que a legislação permite, para punição do agressor. Em síntese, defende os direitos fundamentais da criança e do adolescente (art. 201, VIII do ECA);
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a Autoridade Policial investiga a conduta de maus tratos, caso estes tenham resultado em infração a norma penal, preparando elementos para que o Ministério Público possa interpor a ação correspondente;
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o Conselho Tutelar aplica medidas de proteção à criança e ao adolescente vítima (art. 136, I c.c. o art. 101 do ECA) bem como medidas aos pais (art. 136, II c.c. o art. 129 do ECA); também comunica ao Ministério Público o fato que constitua infração administrativa ou penal contra criança ou adolescente (art. 136, IV do ECA).
 
Mas vale ressaltar que o destinatário primeiro da denúncia é o Conselho Tutelar do município onde reside a vítima. Assim, mesmo que esta venha a receber atendimento em outra cidade, a denúncia deve ser realizada na cidade de origem, onde ocorreram os maus tratos.
Esclarecido o ponto atinente ao destinatário da comunicação dos maus tratos, resta explanar acerca dos responsáveis pela denúncia.
Em primeira análise deve ser observado o artigo 18 do ECA, que determina a todos o dever de resguardar pela dignidade da criança e do adolescente, não sendo permitido que eles sejam tratados de forma desumana, aterrorizante, vexatória ou constrangedora.Em complementação a este preceito legal, o artigo 4º do referido estatuto relaciona a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público como entes obrigados a garantir que os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária da criança ou adolescente sejam efetivados. Dessa forma, não há dúvida de que todos os que suspeitem ou tenham conhecimento da prática ilícita de violência (maus tratos) contra criança ou adolescente devem denunciá-la.
O artigo 70 do ECA direciona-se no mesmo sentido: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente”.
Não obstante esta determinação geral, o Estatuto da Criança e do Adolescente aponta alguns responsáveis específicos pela notificação dos maus tratos, que assim são listados devido sua atuação perante a sociedade e seu dever profissional de assegurar o tratamento digno a criança e ao adolescente. Assim, o artigo 56, inciso I, aponta aos dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental o dever de informar ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos.Além do dispositivo supracitado, o artigo 245 do ECA individualiza:
- o médico,
 - o professor
 - responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche como responsáveis pela denúncia.
 
Destarte, notificar as autoridades tidas como competentes (Conselho Tutelar, Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia) é exercício de cidadania, sendo incumbido a todos este dever, que decorre da proteção integral, fundamento que embasa todo o ECA.
O MÉDICO E A QUESTÃO DOS MAUS TRATOS.
Como já exposto o médico é um dos incumbidos pela legislação menorista para atuar frente aos maus tratos. Ele possui dever legal, presente no artigo 245 do ECA, de notificar à autoridade competente os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos.
Ao profissional da área médica foi atribuída a obrigação de denunciar os maus tratos em razão de sua profissão e de seu contato específico com o paciente, que evidencia plena capacidade de aferição da suspeita ou da conduta lesiva/ofensiva praticada contra criança ou adolescente. Considerando que o médico possui função social relevante e que em sua profissão preza pela utilização de todos os meios necessários para solucionar a dificuldade que acomete o paciente, não há como negar o seu dever de comunicar a autoridade competente a prática ou a suspeita de violência.
Vale ressaltar o artigo 2º do Código de Ética Médica, que trata dos Princípios Fundamentais:
Art. 2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Tendo o médico como seu maior alvo a saúde do ser humano, sendo que, para isto, deve oferecer o melhor de sua capacidade profissional, depreende-se que estará cumprindo este princípio fundamental do Código de Ética Médica ao realizar a denúncia à autoridade competente. Assim, zelará pela saúde da criança ou adolescente que sofreu os maus tratos.
Vale enfatizar que apesar do dever legal de notificar os maus tratos, o médico não precisa investigar ou descobrir quem foi o responsável pelo ato, já que não é sua atribuição e nem está preparado para tal. Ao agir desse modo, o profissional poderá dificultar outros procedimentos. Sua atuação deve limitar-se a comunicação do fato à autoridade competente e desenvolver ações para o melhor tratamento da vítima.
CONSEQUÊNCIAS PARA QUEM NÃO DENUNCIA
O Estatuto da Criança e do Adolescente ao estabelecer os responsáveis específicos para a realização da denúncia de maus tratos, cuidou de atribuir conseqüência aos mesmos, no caso de omissão.
Trata-se da infração administrativa prevista no artigo 245, que estabelece pena de multa de 03 a 20 salários referências àqueles que deixam de comunicar a autoridade competente da suspeita ou confirmação de maus tratos.
A referida norma tem como destinatários o médico que atende a criança ou adolescente, professor ou responsável por estabelecimento de atenção a saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche. Estes incorrem na penalidade prevista no ECA ao praticarem a conduta omissiva consistente em “deixar de comunicar,” permanecendo inertes frente a suspeita ou confirmação de maus tratos. Vale ressaltar que a notificação de maus tratos é obrigatória para as pessoas apontadas nesse dispositivo.
Como afirmado, a pena aplicada a quem comete a conduta supracitada é a multa administrativa de 3 a 20 salários referidos, sendo que se o agente for reincidente, esta multa será aplicada em dobro.
Assim, a notificação deve ser realizada o mais rápido possível pelo profissional que suspeita ou tem os maus tratos como confirmados. Inicialmente, a comunicação pode ser efetuada por telefone, sendo que um breve relatório deve ser preparado para que seja encaminhado a autoridade que recebeu a denúncia.Ninguém pode impedir o profissional de cumprir esta obrigação, nem mesmo supervisores e/ou o dono do estabelecimento em que presta serviços.
Os hospitais, ao lidarem com casos de suspeita ou confirmação de maus tratos, devem preferencialmente realizar documentação fotográfica, clínica e laboratorial. Havendo suspeita de abuso sexual devem proceder com testes de doenças sexualmente transmissíveis, estudos colposcópicos e genitais.Em caso de morte deverá realizar autopsia acurada, com averiguação específica de maus tratos. Profissionais em seus consultórios privados, ambulatórios especializados em doenças psiquiátricas, doenças transmissíveis e drogadição também devem tratar com cautela o assunto e seguir o determinado.
Por fim, cabe fazer menção as razões que, geralmente, levam o médico a não denunciar a prática de maus tratos. Estas são bem definidas no comentário ao artigo 245 do ECA realizado por Hélio de Oliveira Santos (Estatuto da Criança e Adolescente Comentado, Munir Cury coord., 1992, pág. 737/738):
- 
      
O profissional médico não faz o diagnóstico, por desconhecimento. Muitos casos de queimaduras, fraturas no crânio ou ossos longos, ferimentos do couro cabeludo, são confundidos com simples acidentes não intencionais.
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O médico rechaça a hipótese de mau-trato, por razões culturais. A criança chega, às vezes, ao pronto-socorro com sangramento vaginal ou lesão vulvar semelhante a doença venérea e se despreza a possibilidade de um abuso sexual.
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Falta de consciência social, não aceitando como obrigação profissional sua notificação, escondendo-se atrás dos preceitos éticos do “segredo médico”.
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Desconhecimento pelo médico da atitude a se tomar.
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Medo de revanchismo contra bens, família ou contra si próprio.
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Medo de aparecer na imprensa.
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Temor de transtornos legais ou acusação de falsa denúncia.
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Temor de comparecimento ao tribunal, com perda de tempo profissional.
 
Resumidamente, os fatores de sub-registros estão 
relacionados ao  desconhecimento geral da compulsoriedade legal da 
notificação, de ordem  profissional, cultural ou social. Há necessidade 
de que tal notificação seja  acompanhada de garantia do anonimato. Além 
de compromisso de todos os  profissionais da área da saúde e outros 
membros da comunidade para essa  importante luta em prol da proteção 
integral à criança 
  O MÉDICO E A QUESTÃO ÉTICA
  
Como já explanado, muitos médicos deixam de 
notificar a suspeita ou confirmação  de maus tratos alegando sigilo 
profissional, também conhecido por “segredo  médico”. Esta questão 
merece uma análise mais detalhada.
  
Inicialmente, cabe citar o artigo 154 do Código Penal, que trata do delito  de violação de segredo profissional: 
  
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa
Esta infração penal se consuma na ação de revelar, 
declarar, divulgar  segredo oral ou escrito que se tem ciência por meio 
de sua profissão, função,  ofício ou ministério. Desse modo, alegando 
questões de ética, muitos  profissionais da área médica sentem-se 
acuados e não realizam a denúncia de  maus tratos. Entretanto, no 
preceito legal supracitado encontra-se o elemento  normativo “sem justa 
causa”.
    
A “justa causa” significa
 que a revelação do segredo baseada em  justificativa que demonstre sua 
legitimidade e procedência é aceita, sendo que  alguns doutrinadores 
entendem que ela deve estar prevista em lei. Portanto, o  médico que realiza a notificação de maus tratos não incorre na violação de  segredo profissional,
 já que apresenta uma justa causa para isto, consistente  na proteção da
 criança e do adolescente, além de estar agindo em conformidade  com seu
 dever legal, segundo o artigo 245 do ECA. Este artigo é a justificativa
  legal que embasa a conduta do médico, demonstrando com maior precisão 
que o  mesmo não incorre no crime do artigo 154 do Código Penal.
    
Vale ressaltar que a expressão “possa produzir dano a outrem”
 significa que  deve haver a probabilidade do dano econômico ou moral a 
terceiro, sendo que  para a consumação do delito previsto no artigo 
supracitado não há necessidade  do efetivo prejuízo. Basta que se 
divulgue o segredo com a possibilidade do  dano.
Quem pratica a conduta do artigo 154 do Código Penal incorre em pena consistente em 3 meses a 1 ano de prisão ou multa.
Além disso, faz-se necessário mencionar o artigo 102 do Código de Ética Médica:
É vedado ao médico:
    
Quem pratica a conduta do artigo 154 do Código Penal incorre em pena consistente em 3 meses a 1 ano de prisão ou multa.
Além disso, faz-se necessário mencionar o artigo 102 do Código de Ética Médica:
É vedado ao médico:
Art. 102 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.
Parágrafo único: Permanece essa proibição: a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido. b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.
Como observado essa norma contém escrito similar à encontrada no Código  Penal – “salvo por justa causa”, que, pelos motivos já apreciados, permite que  o médico realize a denúncia de maus tratos. Ademais, a expressão “dever legal”
  demonstra que o médico que age em conformidade com o permitido pela 
legislação  pode revelar fato que tenha conhecido em virtude do 
exercício de sua função.  Assim, o artigo 245 do ECA pode ser utilizado,
 novamente, como justificativa  permissiva da divulgação da suspeita ou 
confirmação de maus tratos.
Além do ECA como permissivo legal da denúncia de maus tratos realizada pelo médico, podem ser citadas a Portaria MS/GM nº 1.968, de 25 de Outubro de 2001 e a Lei Estadual nº 10.498, de 5 de Janeiro de 2000 que dispõem sobre a notificação, às autoridades competentes, de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos nos órgãos públicos de saúde.
Vale destacar o Parecer n. 76/99 do CREMERJ que se originou de uma consulta encaminhada pelo Ministério Público acerca da posição a ser tomada pelo médico que lida com casos de maus tratos. Este parecer tratou pormenorizadamente o assunto sendo, portanto, cabível citar a ementa do mesmo:
    
Além do ECA como permissivo legal da denúncia de maus tratos realizada pelo médico, podem ser citadas a Portaria MS/GM nº 1.968, de 25 de Outubro de 2001 e a Lei Estadual nº 10.498, de 5 de Janeiro de 2000 que dispõem sobre a notificação, às autoridades competentes, de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos nos órgãos públicos de saúde.
Vale destacar o Parecer n. 76/99 do CREMERJ que se originou de uma consulta encaminhada pelo Ministério Público acerca da posição a ser tomada pelo médico que lida com casos de maus tratos. Este parecer tratou pormenorizadamente o assunto sendo, portanto, cabível citar a ementa do mesmo:
Conclui que o médico tem o 
dever legal de comunicar à autoridade competente  casos de maus tratos e
 de abuso sexual contra crianças e adolescentes, ainda  que haja 
apenas suspeitas. Afirma, também, que à comunicação à autoridade  
competente não acarreta infração ética por parte do médico, não se  
configurando, assim, violação de segredo profissional. 
    
A partir da legislação vigente (Estatuto da Criança e do Adolescente,  Código Penal, Código de Ética Médica)
 os relatores do Parecer n. 78/99 se posicionaram  pelo dever legal dos 
médicos de comunicar a suspeita ou confirmação dos maus  tratos, sendo 
que ao não proceder dessa forma, incorreriam na pena de multa  presente no artigo 245 do ECA.
 Além disso, o médico não cometeria o crime de  violação de segredo 
profissional, presente no artigo 154 do CP. Portanto, ao  denunciar os 
maus tratos o profissional da área médica não estaria praticando  
conduta antiética perante os mandamentos de sua profissão.
Desta forma, resta evidente que o médico não incorre em violação de sigilo profissional previsto no Código Penal ou Código de Ética Médica, devendo cumprir o preceituado pela legislação menorista, sob pena de incorrer na multa administrativa constante do artigo 245 do ECA.
    
CONSIDERAÇÕES FINAIS
    
Desta forma, resta evidente que o médico não incorre em violação de sigilo profissional previsto no Código Penal ou Código de Ética Médica, devendo cumprir o preceituado pela legislação menorista, sob pena de incorrer na multa administrativa constante do artigo 245 do ECA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os genitores deveriam oferecer carinho, sustento, 
amor, educação e proteção aos  filhos para que os mesmos se desenvolvam 
de forma saudável, sem seqüelas  psicológicas e físicas. Entretanto, 
muitas vezes não é isso que ocorre, sendo  freqüente a vivência de maus 
tratos, também intitulado de violência doméstica. 
Diante desta situação, a legislação menorista aponta para o papel da sociedade em coibir estes atos, destacando a atuação do médico. Este possui dever legal, atribuído pelos artigos 13 e 245 ECA, de denunciar à autoridade competente os casos que envolvam a suspeita ou efetiva prática de maus tratos. Ao não denunciar a violência doméstica o médico incorre na punição prevista no referido Estatuto.
Assim agindo o médico não viola o sigilo profissional presente no Código Penal e no Código de Ética Médica, já que pressupõe de justa causa consistente em seu dever legal de notificar à autoridade competente.
Considerando que o profissional da área médica tem o contato direto com o paciente/vítima, porque, então, não denunciar os maus tratos praticados contra a criança ou o adolescente, proporcionando os bons tratos que ele merece? A questão não se restringe ao dever imposto pela lei, mas é ponto atinente a função social do médico, englobando a cidadania.
Nesse sentido, compreendendo que cidadania “é responsabilidade perante nós e perante os outros, consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e acção que se pensa." (Jorge Sampaio, in Educar para a Cidadania)
Conclui-se, portanto, que o médico é um dos principais responsáveis pelos bons tratos destinados a crianças e aos adolescentes.
Diante desta situação, a legislação menorista aponta para o papel da sociedade em coibir estes atos, destacando a atuação do médico. Este possui dever legal, atribuído pelos artigos 13 e 245 ECA, de denunciar à autoridade competente os casos que envolvam a suspeita ou efetiva prática de maus tratos. Ao não denunciar a violência doméstica o médico incorre na punição prevista no referido Estatuto.
Assim agindo o médico não viola o sigilo profissional presente no Código Penal e no Código de Ética Médica, já que pressupõe de justa causa consistente em seu dever legal de notificar à autoridade competente.
Considerando que o profissional da área médica tem o contato direto com o paciente/vítima, porque, então, não denunciar os maus tratos praticados contra a criança ou o adolescente, proporcionando os bons tratos que ele merece? A questão não se restringe ao dever imposto pela lei, mas é ponto atinente a função social do médico, englobando a cidadania.
Nesse sentido, compreendendo que cidadania “é responsabilidade perante nós e perante os outros, consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e acção que se pensa." (Jorge Sampaio, in Educar para a Cidadania)
Conclui-se, portanto, que o médico é um dos principais responsáveis pelos bons tratos destinados a crianças e aos adolescentes.
FLUXOGRAMA DA DENÚNCIA.
    
  
REFERÊNCIAS:
    
CÓDIGO PENAL:
  
CÓDIGO PENAL:
Lesão Corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
  
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
  
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos
  
Maus Tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
LEI N. 9099/95:
    
Art. 69 - A autoridade policial que tomar 
conhecimento da ocorrência lavrará  termo circunstanciado e o 
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do  fato e a vítima, 
providenciando-se as requisições dos exames periciais  necessários
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
Art. 77 - Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
Art. 77 - Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:
  
Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou 
circunstâncias do tipo legal  fatos que, por si mesmos, constituem 
crimes, cabe ação pública em relação  àquele, desde que, em relação a 
qualquer destes, se deva proceder por  iniciativa do Ministério Público.
  
Art. 129 -  São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
  
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do pátrio poder.
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas
 nos incisos IX e X deste  artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23
 e 24.
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
  
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
CRIANÇA E ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE   RISCO
  
Considerações iniciais
    
A família, a comunidade, a sociedade em geral e o Estado têm o dever de 
    assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos fundamentais das  crianças e 
    adolescentes relativos à vida, saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,  ao lazer, à 
    profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a  convivência 
    familiar.  
    
Essa prioridade na proteção dos direitos da criança e do adolescente é imposta a todos e está assegurada pela Constituição Federal (art. 227, caput) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º). Especificamente com relação ao direito à vida e à saúde, os pais, os responsáveis, os médicos, enfim todos os profissionais ligados à saúde ou não, são responsáveis pela garantia de tal direito à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, visando o seu nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
    
Estabelece ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que essa garantia de prioridade absoluta na efetivação do direito à vida e à saúde, compreende entre outras ações, a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, em respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento (Art. 4º, parágrafo único). Qualquer ação ou omissão ou a negligência, que vier a ferir esses preceitos fundamentais importa na responsabilidade do agente, tanto na esfera penal, como civil e administrativa.
    
Os pais são os primeiros responsáveis pela garantia do direito à vida e à saúde das crianças e dos adolescentes. A seguir, pela determinação legal, assumem tal responsabilidade a sociedade e o Poder Público. A responsabilidade dos pais decorre do pátrio-poder (ECA., art. 22). Entretanto, este poder não é absoluto, apresentando certas restrições, todas as vezes que a ação ou omissão dos mesmos venha a colocar a criança ou o adolescente em situação de risco social e pessoal (ECA, art.98, I). Nessa hipótese, assumem a responsabilidade pelo referido direito os demais atores apontados na lei, ou seja, a sociedade, a comunidade em geral e o Poder público.
Essa prioridade na proteção dos direitos da criança e do adolescente é imposta a todos e está assegurada pela Constituição Federal (art. 227, caput) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º). Especificamente com relação ao direito à vida e à saúde, os pais, os responsáveis, os médicos, enfim todos os profissionais ligados à saúde ou não, são responsáveis pela garantia de tal direito à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, visando o seu nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Estabelece ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que essa garantia de prioridade absoluta na efetivação do direito à vida e à saúde, compreende entre outras ações, a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, em respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento (Art. 4º, parágrafo único). Qualquer ação ou omissão ou a negligência, que vier a ferir esses preceitos fundamentais importa na responsabilidade do agente, tanto na esfera penal, como civil e administrativa.
Os pais são os primeiros responsáveis pela garantia do direito à vida e à saúde das crianças e dos adolescentes. A seguir, pela determinação legal, assumem tal responsabilidade a sociedade e o Poder Público. A responsabilidade dos pais decorre do pátrio-poder (ECA., art. 22). Entretanto, este poder não é absoluto, apresentando certas restrições, todas as vezes que a ação ou omissão dos mesmos venha a colocar a criança ou o adolescente em situação de risco social e pessoal (ECA, art.98, I). Nessa hipótese, assumem a responsabilidade pelo referido direito os demais atores apontados na lei, ou seja, a sociedade, a comunidade em geral e o Poder público.
Assim, quando os pais não cumprem o seu papel, justifica-se  a intervenção na 
    família como forma de garantir o direito à vida e a saúde da  criança. O pai que deixa a 
    criança em abandono; pratica atos violentos contra a mesma,  como maus tratos ou abuso 
    sexual; não atende as determinações do Juízo; deixa de  prestar assistência à saúde do 
    filho ou não atende as orientações médicas referente à saúde  da criança, estará 
    colocando a mesma em situação de risco, justificando a  citada intervenção na família. 
Sob o manto do efetivo exercício do pátrio poder, os  hospitais e médicos têm 
    vivenciado uma prática comum e que é apontada como uma das  causas de ocorrência de 
    óbitos evitáveis, referente à denominada “alta a pedido”,  que se caracteriza quando os 
    pais retiram a criança do hospital, assinando um “termo de  responsabilidade”, 
    solicitando sua alta médica, independente de representar o  melhor encaminhamento à 
    criança.   
    
Diante desta situação, como deve agir o médico responsável pelo atendimento da referida criança ou o diretor do hospital frente à atuação dos pais ou responsáveis no lídimo exercício do pátrio poder? Como agir para garantir o direito à vida e à saúde da criança previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente ?
Diante desta situação, como deve agir o médico responsável pelo atendimento da referida criança ou o diretor do hospital frente à atuação dos pais ou responsáveis no lídimo exercício do pátrio poder? Como agir para garantir o direito à vida e à saúde da criança previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente ?
O problema da  alta a pedido. 
    
O alvo de toda atenção do médico é a saúde e a vida do ser  humano, em 
    benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o  melhor de sua capacidade 
      profissional (Código de Ética Médica art. 2º), empregando  todos meios necessários em 
    favor do paciente (Código de Ética Médica, art. 57).  
    
Este dever apresenta uma limitação prevista no próprio  Código de Ética Médica, 
    já que o médico deve respeitar o direito do paciente de  decidir livremente sobre sua 
      pessoa ou seu bem estar e sobre a execução de práticas  diagnósticas ou terapêuticas, 
      salvo no caso de iminente perigo. É o que estabelecem os  artigos 48 e 56 do Código de 
    Ética Médica.  
    
No caso do paciente ser criança ou adolescente, seus  responsáveis legais (pais, 
    tutores ou guardiões) é que devem manifestar-se quanto ao  tratamento realizado.  
    
Quando o paciente estiver em iminente perigo, a autoridade do médico é indiscutível, dando o Código de Ética Médica suporte legal para tal atuação.
Quando o paciente estiver em iminente perigo, a autoridade do médico é indiscutível, dando o Código de Ética Médica suporte legal para tal atuação.
Neste caso,  
    o médico não esta obrigado a seguir a vontade do paciente ou  de seu responsável, 
    devendo dar continuidade ao tratamento dispensado à criança  ou o adolescente que se 
    encontra nessa situação, pois sua conduta  impõe-lhe a responsabilidade de garantir a 
    vida dos mesmos.  
  
Nas demais  hipóteses, ou seja, quando a criança ou o adolescente não estiver em 
    “iminente perigo de vida” à vontade dos responsáveis quanto  à “alta a pedido” também 
    deve ser analisada com cautela, já que o pátrio poder não  garante o direito absoluto 
    quanto à vida da criança. Nessas hipóteses, deve ser  analisado o grau de 
    responsabilidade dos pais ou responsáveis e se a conduta dos  mesmos não coloca em 
    risco à vida da criança. Caso se vislumbre a ocorrência de  risco, por menor que seja, 
    deve ser negada a alta e comunicado, imediatamente o  Conselho Tutelar ou o Juízo da 
    Infância e da Juventude, caso o município não possua o  referido Conselho, para as 
    providências pertinentes.  
    
A alta a pedido, pode ser aceita em casos especiais desde que:
    
A alta a pedido, pode ser aceita em casos especiais desde que:
a)  Para  encaminhamento a outro centro médico ou outro médico. No caso de não 
    haver  concordância  com o tratamento proposto ou, achando o médico   tratar de 
    conduta inadequada por falta de recursos, é seu direito abrir  mão do caso, 
    passando formalmente a responsabilidade para outro  profissional que esteja 
    disposto a assumi-lo.  
    
b) Quando a criança ou o adolescente esteja fora da situação de risco. Caso em que o profissional tem a convicção, segundo seu prognóstico, de que o paciente já se encontra fora de qualquer perigo.
    
Em conclusão, a alta a pedido, dependerá sempre da situação do paciente, sendo que somente o médico tem competência e condições de avaliar as conseqüências da mesma, pois referido pedido “pode gerar danos à vida e à saúde do paciente, no instante que ele interrompe o processo de tratamento”. “Dessa maneira, se após refletir sobre o estado de saúde do recém-nascido o profissional concluir que, efetivamente, a alta agravará a situação do mesmo, ele deverá recusá-la”. “Vale dizer que, se a saúde do paciente agravar-se em conseqüência da alta a pedido, o profissional que autorizou poderá ser responsabilizado pela prática de seu ato, no caso, por omissão de socorro, imprudência ou negligência”. (Consulta n. 26.574/92 do CREMESP aprovada na 1.586ª RP em 29/03/94).
b) Quando a criança ou o adolescente esteja fora da situação de risco. Caso em que o profissional tem a convicção, segundo seu prognóstico, de que o paciente já se encontra fora de qualquer perigo.
Em conclusão, a alta a pedido, dependerá sempre da situação do paciente, sendo que somente o médico tem competência e condições de avaliar as conseqüências da mesma, pois referido pedido “pode gerar danos à vida e à saúde do paciente, no instante que ele interrompe o processo de tratamento”. “Dessa maneira, se após refletir sobre o estado de saúde do recém-nascido o profissional concluir que, efetivamente, a alta agravará a situação do mesmo, ele deverá recusá-la”. “Vale dizer que, se a saúde do paciente agravar-se em conseqüência da alta a pedido, o profissional que autorizou poderá ser responsabilizado pela prática de seu ato, no caso, por omissão de socorro, imprudência ou negligência”. (Consulta n. 26.574/92 do CREMESP aprovada na 1.586ª RP em 29/03/94).
O profissional da  área da saúde, deverá estar atento a tais situações, sob pena de 
    se comportar de forma negligente que se “caracteriza pela  inação, indolência, inércia, 
    passividade”. Como esclarece Miguel Kfouri Neto : 
    
“Na lição de Avecone, a negligência é o oposto da diligência, vocábulo que remete à sua origem latina, diligere, agir com amor, com cuidado e atenção, evitando quaisquer distrações e falhas. Portanto, na base da diligência está sempre uma omissão dos comportamentos recomendáveis, derivados da comum experiência ou das exigências particulares da prática médica”.
    
Termo de responsabilidade
    
“Na lição de Avecone, a negligência é o oposto da diligência, vocábulo que remete à sua origem latina, diligere, agir com amor, com cuidado e atenção, evitando quaisquer distrações e falhas. Portanto, na base da diligência está sempre uma omissão dos comportamentos recomendáveis, derivados da comum experiência ou das exigências particulares da prática médica”.
Termo de responsabilidade
Apresenta-se como costume dos hospitais ao proceder
 a “alta  a pedido”, a 
    lavratura de um “termo de responsabilidade” devidamente  assinado 
pelo pai ou 
    responsável como forma de se buscar a isenção de qualquer  
conseqüência do ato. Tal conduta afronta  o que estabelece o Estatuto da
 Criança e do Adolescente, 
    pois o profissional da área da saúde, em especial o médico,  também é
 responsável pela 
    vida e saúde do paciente, no caso, criança ou adolescente,  não 
podendo esquivar-se de 
    sua responsabilidade, diante de um pedido dos pais ou  
responsáveis.  
    
“Diante de circunstância tal que o profissional seja impedido, pelo doente ou seu responsável, de proceder a seu critério, utilizando os recursos convencionais, ele deve recorrer à Justiça, que lhe dará autorização para proceder dentro de seus princípios técnicos modernos”.
Assim, verificando a  necessidade do tratamento, a alta deve ser recusada e o 
        Conselho Tutelar ou o Juizado da Infância e da Juventude  (nas cidades que não possuem 
        Conselho Tutelar) devidamente acionado para o encaminhamento  do caso. 
Deve-se 
      evitar a alta e posterior “termo de responsabilidade”, pois  a garantia da vida e da saúde 
      da criança ou do adolescente não se limita apenas a esta  atitude passiva de 
      encaminhamento ou entrega aos pais.   
    
Nesse sentido, o relator Conselheiro Dr. Pedro Paulo Roque Monteleone no citado parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo esclarece:
    
    
Nesse sentido, o relator Conselheiro Dr. Pedro Paulo Roque Monteleone no citado parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo esclarece:
“... se restarem infrutíferas as tentativas do médico, com o atual Estatuto da Criança e do Adolescente, em face das dúvidas quanto ao tratamento ministrado pela equipe médica e da recusa em fornecer a alta a pedido, a Vara da Infância e da Juventude deverá ser acionada para a resolução do conflito”
Mais adiante ao  tratar do termo de responsabilidade afirma: 
    
“O termo de responsabilidade só teria valor naqueles casos em que a retirada do recém-nascido do hospital não colocasse em risco a saúde do mesmo. Como a questão foi colocada, tal documento não isenta a equipe médica da responsabilidade; as eventuais complicações que a criança vier a apresentar serão de responsabilidade do profissional que autorizou a alta a pedido. Vale ressaltar, mais uma vez, que o profissional poderá responder por omissão de socorro, negligência e por imprudência, mesmo se lavrado o termo de responsabilidade”.
    
Nessa mesma linha apresenta-se a Consulta no. 1.665-13/86 do CREMESP cuja relatora Conselheira Maria Cacilda Câmara Lima assim se manifestou:
    
“... a validade do “termo de responsabilidade” assinado pelos responsáveis pelos pacientes nos casos de alta, tem sua eficácia condicionada ao estado de saúde do paciente, e essencialmente aos riscos que a alta possa vir a lhe causar, não isentando de responsabilidades, igualmente, os profissionais que atenderam o paciente até a efetiva data da alta”.
“O termo de responsabilidade só teria valor naqueles casos em que a retirada do recém-nascido do hospital não colocasse em risco a saúde do mesmo. Como a questão foi colocada, tal documento não isenta a equipe médica da responsabilidade; as eventuais complicações que a criança vier a apresentar serão de responsabilidade do profissional que autorizou a alta a pedido. Vale ressaltar, mais uma vez, que o profissional poderá responder por omissão de socorro, negligência e por imprudência, mesmo se lavrado o termo de responsabilidade”.
Nessa mesma linha apresenta-se a Consulta no. 1.665-13/86 do CREMESP cuja relatora Conselheira Maria Cacilda Câmara Lima assim se manifestou:
“... a validade do “termo de responsabilidade” assinado pelos responsáveis pelos pacientes nos casos de alta, tem sua eficácia condicionada ao estado de saúde do paciente, e essencialmente aos riscos que a alta possa vir a lhe causar, não isentando de responsabilidades, igualmente, os profissionais que atenderam o paciente até a efetiva data da alta”.
A referência do  encaminhamento à Justiça, deve ser entendida como a 
    comunicação ao Conselho Tutelar, pois a Justiça da Infância  e da Juventude somente 
    será acionada no município que não possuir tal Conselho ou  pela provocação do mesmo,  
    diante da resistência dos pais ou responsável em acatar as  suas deliberações.  
  
Deve-se ainda ter  cautela redobrada quando se tratar de pedido de alta formulada 
    por genitores menores de 21 anos de idade que não sejam  casados legalmente, pois 
    nesta situação ainda não são plenamente capazes, não  obstante possuírem um filho.   
  
Dos  encaminhamentos do Conselho Tutelar
    
Uma vez verificada a  impossibilidade da alta a pedido, o médico ou o hospital
    deve encaminhar o caso ao Conselho Tutelar, que poderá tomar  providências tanto em 
    relação à criança ou adolescente como aos pais.  
    
Em relação à criança e adolescente, o Conselho Tutelar  poderá aplicar uma das 
    medidas de proteção previstas no artigo 101, I a VII do  Estatuto da Criança e do 
    Adolescente, como orientação, apoio e acompanhamento  temporário; inclusão em 
    programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à  criança e ao adolescente; 
    requisição de tratamento médico, psicológico ou  psiquiátrico, em regime hospitalar ou 
    ambulatorial e ainda abrigo em entidade.  
    
Quanto aos pais, o Conselho Tutelar poderá impor as medidas  previstas no artigo 
    129, I a VII do Estatuto da Criança e do Adolescente com  especial atenção à obrigação 
    de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento  especializado. Caso os pais não cumprirem as determinações do Conselho  Tutelar ou do Juízo, 
      poderá ser destituído ou suspenso do pátrio poder, pois se  deve garantir, com absoluta 
      prioridade, os direitos das crianças e dos  adolescentes.  
    
Assim, caso os pais  solicitem alta a pedido e não sendo caso de tal 
    procedimento, o Conselho Tutelar poderá impor aos mesmos a  obrigação do tratamento. 
    Diante de eventual resistência, haverá a intervenção do  Poder Judiciário e do Ministério 
      Público no sentido de garantir o direito à vida da  criança.  
    
Considerações finais.
    
Considerações finais.
Pelo que foi exposto, verifica-se que o interesse do menor  deverá sempre
    sobrelevar ao daqueles que são seus responsáveis. Tanto por  parte dos pais, detentores 
    do pátrio-poder; quanto por parte dos profissionais de  saúde, como médicos, 
    enfermeiros e até mesmo o hospital. Estes  deverão zelar, acima de tudo pelo bem da 
    criança ou adolescente. 
O Conselho Tutelar, o Juiz da Infância e Juventude e o Promotor de Justiça são parceiros necessários nessa luta para garantia da vida da criança e do adolescente, podendo o profissional da área da saúde contar com esta parceria para o bom encaminhamento dos casos. Assim, deverão ser acionados todas as vezes que surgir lesão, ameaça de lesão, ou conflito de interesse que envolva criança ou adolescente, os pais ou responsáveis e os médicos.
O Conselho Tutelar, o Juiz da Infância e Juventude e o Promotor de Justiça são parceiros necessários nessa luta para garantia da vida da criança e do adolescente, podendo o profissional da área da saúde contar com esta parceria para o bom encaminhamento dos casos. Assim, deverão ser acionados todas as vezes que surgir lesão, ameaça de lesão, ou conflito de interesse que envolva criança ou adolescente, os pais ou responsáveis e os médicos.
O desrespeito a tal normatividade, resulta na  responsabilidade criminal, cível e 
    administrativa, sendo que o “termo de responsabilidade” não tem  o condão de afastar tal 
    implicação.  
    
  
O CONSELHO TUTELAR NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 
    
  
Considerações iniciais
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é a nova normatização jurídica brasileira que substituiu o nosso 2º Código de Menores, Lei Federal nº 6.697, de 12 de outubro de 1979. A alteração do ‘nome’ do corpo de normas - de Código para Estatuto -, o afastamento do uso do termo menor, substituído pelas categorias criança e adolescente, o advento da Doutrina de Proteção Integral, em substituição à Doutrina da Situação Irregular - consagrando a criança e o adolescente como sujeitos de direitos -, e a inauguração de instrumentos de exeqüibilidade dos princípios constitucionais da descentralização político-administrativa e da participação popular, na formulação das políticas e no controle das ações relativas à área de proteção à infância e à adolescência, como ocorreu com a vinda dos Conselhos de Direitos e com o Conselho Tutelar, são alguns dos assuntos que, rapidamente, mas com a devida atenção, vamos tratar neste artigo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente 
    
A origem do Estatuto da Criança e do Adolescente é uma história importante de ser conhecida. Por ela, vamos melhor entender uma série de confusões que as pessoas - família, sociedade e Poder Público - têm feito a seu respeito. Não é comum se ouvir: “Que o Estatuto só protege!”?; “Que agora não se pode nem mais ‘bater’ nos filhos ou prender os ‘menores’”?; “Que o Estatuto foi feito para o Primeiro Mundo”?
    
O Estatuto, podemos dizer assim, tem sua vida inspirada no acolhimento da Doutrina de Proteção Integral, que passa a entender a criança e o adolescente – todos, não só aqueles em situação irregular - como sujeitos de direitos, credores de uma proteção especial, que é devida pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo Estado. Contudo, a Doutrina de Proteção Integral, ao contrário do que muitos pensam e dizem, não é criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que apenas reafirmou um texto já consagrado na Carta Constitucional de 5 de outubro de 1988 (art. 227, caput). Neste sentido, é bom entendermos como o Brasil, antes de qualquer outro país no mundo, recepcionou, por expressiva maioria de seus constituintes , o novo paradigma a respeito dos direitos das crianças e adolescentes, servindo até hoje, a sua legislação, de modelo internacional.
A origem do Estatuto da Criança e do Adolescente é uma história importante de ser conhecida. Por ela, vamos melhor entender uma série de confusões que as pessoas - família, sociedade e Poder Público - têm feito a seu respeito. Não é comum se ouvir: “Que o Estatuto só protege!”?; “Que agora não se pode nem mais ‘bater’ nos filhos ou prender os ‘menores’”?; “Que o Estatuto foi feito para o Primeiro Mundo”?
O Estatuto, podemos dizer assim, tem sua vida inspirada no acolhimento da Doutrina de Proteção Integral, que passa a entender a criança e o adolescente – todos, não só aqueles em situação irregular - como sujeitos de direitos, credores de uma proteção especial, que é devida pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo Estado. Contudo, a Doutrina de Proteção Integral, ao contrário do que muitos pensam e dizem, não é criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que apenas reafirmou um texto já consagrado na Carta Constitucional de 5 de outubro de 1988 (art. 227, caput). Neste sentido, é bom entendermos como o Brasil, antes de qualquer outro país no mundo, recepcionou, por expressiva maioria de seus constituintes , o novo paradigma a respeito dos direitos das crianças e adolescentes, servindo até hoje, a sua legislação, de modelo internacional.
No ano de 1986, dada a maturidade e o nível de organização  de diversos 
    movimentos e instituições sociais, que denunciavam, através  dos próprios meninos,
    a  constante  e   sistemática  violação  de   seus  direitos,  sendo   eles  ainda 
    desconsiderados como pessoas humanas e como cidadãos, a  Assembléia Nacional 
    Constituinte   apresentou-se como uma   oportunidade ímpar para se promover um 
    grande debate nacional e se propor uma nova forma de se  entender e se tratar a 
    questão relativa à infância e à adolescência do país. 
A luta pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros começava em se obter o compromisso político dos constituintes, tendo papel importante nesta conquista de apoio, a Pastoral do Menor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), a Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes e, principalmente, a Comissão Nacional Criança e Constituinte , que promoveu um processo de sensibilização, conscientização e mobilização junto aos constituintes e à opinião pública, inclusive através da imprensa, o que conquistou até mesmo o apoio da iniciativa privada.
Resultado deste esforço nacional, duas emendas de iniciativa popular – Criança e Constituinte e Criança: Prioridade Nacional – chegaram à Assembléia Nacional Constituinte, dando origem ao artigo 227, caput, da Constituição Federal, que restou assim definido:
A luta pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros começava em se obter o compromisso político dos constituintes, tendo papel importante nesta conquista de apoio, a Pastoral do Menor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), a Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes e, principalmente, a Comissão Nacional Criança e Constituinte , que promoveu um processo de sensibilização, conscientização e mobilização junto aos constituintes e à opinião pública, inclusive através da imprensa, o que conquistou até mesmo o apoio da iniciativa privada.
Resultado deste esforço nacional, duas emendas de iniciativa popular – Criança e Constituinte e Criança: Prioridade Nacional – chegaram à Assembléia Nacional Constituinte, dando origem ao artigo 227, caput, da Constituição Federal, que restou assim definido:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à  criança e 
    ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à  saúde, à 
    alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à  cultura, à 
    dignidade,  ao  respeito,   à  liberdade  e   à  convivência  familiar   e 
    comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de  negligência, 
    discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” 
e que se constitui no substrato da Doutrina de Proteção Integral, também  acolhida 
    pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 4º, caput e  5º). 
    
Assim, temos que o Brasil antecipou-se até mesmo à Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas somente no dia 20 de novembro de 1989, demonstrando, de certa forma, a veracidade de que temos uma Lei de Primeiro Mundo, diríamos até, a Primeira do Primeiro Mundo.
Mas o interessante é que tenhamos o claro entendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente é decorrente de um longo processo de amadurecimento político e social, tendo sido composto por pessoas que começaram a enxergar com outros olhos os problemas relativos aos menores, percebendo-os claramente como vítimas de uma família, de uma sociedade e de um Estado irregulares, e não como pessoas irregulares em si.
    
Assim, temos que o Brasil antecipou-se até mesmo à Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas somente no dia 20 de novembro de 1989, demonstrando, de certa forma, a veracidade de que temos uma Lei de Primeiro Mundo, diríamos até, a Primeira do Primeiro Mundo.
Mas o interessante é que tenhamos o claro entendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente é decorrente de um longo processo de amadurecimento político e social, tendo sido composto por pessoas que começaram a enxergar com outros olhos os problemas relativos aos menores, percebendo-os claramente como vítimas de uma família, de uma sociedade e de um Estado irregulares, e não como pessoas irregulares em si.
Antes do Estatuto, os adultos entendiam que faziam ‘tudo  o  que podiam’ 
    pelos menores, e se eles apresentavam-se em situação  irregular, essa surgia por 
    culpa  dos  próprios,   “que  não  querem   estudar,  não  querem   trabalhar,  ficam  nas 
    ruas...”. 
Assim, antes, um menino fora da escola estava em  situação irregular (art. 
    2º, I), era considerado um menor, um objeto de “medidas de  tratamento, tendentes a 
    eliminar  tal  situação,   entendida  como  estado   de  patologia  social  ampla”    
Hoje não; um menino  fora da escola é uma criança ou um adolescente com 
    seu direito à educação violado, situação de irregularidade  dos que devem cumprir o 
      seu direito: sejam os pais que não cumprem seus deveres de  encaminhá-la à escola 
    e de acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar,  seja a sociedade que 
    não assegura a igualdade de condições para o acesso e  permanência na escola, 
    seja o Estado que não garante o acesso à escola pública e  gratuita mais próxima de 
    sua residência. E a criança e o adolescente não são mais  objetos de tratamento, são 
      sujeitos  de  proteção   do  seu  direito   ameaçado  ou  violado,   algo  que,  em   última 
    instância,   deverá  ser  alcançado   através  de  uma   aplicação  de  medidas 
    administrativas – do Conselho Tutelar – ou judiciais – da  autoridade judiciária.
    
Como dissemos, a forma de se ver a questão mudou. Com o  Código de 
    Menores o problema da infância e da adolescência era  simplificado em menor pobre, 
    abandonado,   delinqüente,  situação  irregular,   assistencialismo  e  controle   estatal, 
    representado,  este,  pela   figura  do  todo-poderoso   Juiz  de  Menores.   Resumindo: 
 “Menor em situação irregular era assunto do Estado!”. 
O  Estatuto da Criança e do 
    Adolescente   trabalha  com  a   responsabilidade  coletiva,  participativa,  complexa, 
    articulada, em que a criança e o adolescente são credores de  direitos, que devem 
    ser  assegurados,  com   absoluta  prioridade,  pela   família,  pela  comunidade,   pela 
    sociedade e pelo Poder Público. 
O Estatuto propõe a inversão do sistema: na época do Código de Menores, é como se imaginássemos três pessoas - família, comunidade/sociedade e Estado - em círculo, todas voltadas de costas – “nem aí” – para um menor que estava ao centro, maltrapilho, com fome, encolhido, estendendo a mão, pedindo uma ajuda, uma caridade (“Vai uma moedinha aí doutô?”), ou roubando. Agora, a Lei determina que essas três pessoas estejam de frente, vendo quais são as suas responsabilidades e o que ainda falta ser assumido como absoluta prioridade.
Sentem que aquela criança, que aquele adolescente vêm do meio deles e são o centro de tudo. Além disso, a criança e o adolescente estão em pé, com sua Carta de Direitos (ECA) na mão, afirmando-a e exigindo-lhes o cumprimento dos deveres nela assumidos e estabelecidos.
Bem, desta forma podemos entender que o Estatuto da Criança e do Adolescente teve sua origem na participação popular, e que a sua proposta é a de mudar radicalmente a história da infância e da juventude em nosso país .
Desde que aqui chegaram os nossos descobridores, à criança e ao adolescente sempre foi reservada uma condição de incapaz, de tal sorte que ficassem claramente reconhecidos como em estado de inferioridade diante dos adultos. Logo, o Estatuto é inovador neste aspecto, instaurando não a igualdade – justiça é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais -, como ocorria antes do descobrimento da infância , mas o respeito à criança e ao adolescente enquanto sujeitos, com desejos e opiniões, cidadãos de direitos. Em face dos avanços ideológicos, também os legisladores federais promoveram a substituição do nome Código, dado ao corpo de normas, pelo novo termo Estatuto, o que, segundo um dos proponentes da mudança, foi assim explicado:
“Aqui consta o título de Código do Menor, mas as pessoas, os líderes, os prelados, os pastores, as assistentes sociais preferem a palavra ‘estatuto’ – não sou advogado, mas me parece que ‘código’, aqui, no Brasil, tem o sentido de coibir, de colocar proibições, de punir, e ‘estatuto’ representa mais os direitos da criança. Essas entidades, já começam a pedir que, em vez de código, se coloque a palavra ‘estatuto’ e se garantam amplos direitos, se apliquem recursos, para que essas crianças sejam, efetivamente, recuperadas, que elas possam ter educação, como as outras crianças têm, que possam não viver só da mendicância e não comecem a perder sua dignidade logo no início de sua infância, quando, atiradas à rua, são submetidas a todo tipo de vexame, quase tratadas como animais, certamente tratadas de maneira pior do que os animais domésticos da classe média e da classe média-alta brasileira” (Senador Gerson Camata, em sessão de aprovação do Projeto de Lei do Estatuto (PLS nº 193/89), Diário Oficial da União, Senado Federal, 31 de maio de 1990).
O Estatuto propõe a inversão do sistema: na época do Código de Menores, é como se imaginássemos três pessoas - família, comunidade/sociedade e Estado - em círculo, todas voltadas de costas – “nem aí” – para um menor que estava ao centro, maltrapilho, com fome, encolhido, estendendo a mão, pedindo uma ajuda, uma caridade (“Vai uma moedinha aí doutô?”), ou roubando. Agora, a Lei determina que essas três pessoas estejam de frente, vendo quais são as suas responsabilidades e o que ainda falta ser assumido como absoluta prioridade.
Sentem que aquela criança, que aquele adolescente vêm do meio deles e são o centro de tudo. Além disso, a criança e o adolescente estão em pé, com sua Carta de Direitos (ECA) na mão, afirmando-a e exigindo-lhes o cumprimento dos deveres nela assumidos e estabelecidos.
Bem, desta forma podemos entender que o Estatuto da Criança e do Adolescente teve sua origem na participação popular, e que a sua proposta é a de mudar radicalmente a história da infância e da juventude em nosso país .
Desde que aqui chegaram os nossos descobridores, à criança e ao adolescente sempre foi reservada uma condição de incapaz, de tal sorte que ficassem claramente reconhecidos como em estado de inferioridade diante dos adultos. Logo, o Estatuto é inovador neste aspecto, instaurando não a igualdade – justiça é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais -, como ocorria antes do descobrimento da infância , mas o respeito à criança e ao adolescente enquanto sujeitos, com desejos e opiniões, cidadãos de direitos. Em face dos avanços ideológicos, também os legisladores federais promoveram a substituição do nome Código, dado ao corpo de normas, pelo novo termo Estatuto, o que, segundo um dos proponentes da mudança, foi assim explicado:
“Aqui consta o título de Código do Menor, mas as pessoas, os líderes, os prelados, os pastores, as assistentes sociais preferem a palavra ‘estatuto’ – não sou advogado, mas me parece que ‘código’, aqui, no Brasil, tem o sentido de coibir, de colocar proibições, de punir, e ‘estatuto’ representa mais os direitos da criança. Essas entidades, já começam a pedir que, em vez de código, se coloque a palavra ‘estatuto’ e se garantam amplos direitos, se apliquem recursos, para que essas crianças sejam, efetivamente, recuperadas, que elas possam ter educação, como as outras crianças têm, que possam não viver só da mendicância e não comecem a perder sua dignidade logo no início de sua infância, quando, atiradas à rua, são submetidas a todo tipo de vexame, quase tratadas como animais, certamente tratadas de maneira pior do que os animais domésticos da classe média e da classe média-alta brasileira” (Senador Gerson Camata, em sessão de aprovação do Projeto de Lei do Estatuto (PLS nº 193/89), Diário Oficial da União, Senado Federal, 31 de maio de 1990).
Esse sentido porém, buscado pelo legislador, também foi alvo  de críticas de 
    outros órgãos de defesa de direitos, lembrando que o uso da  palavra Estatuto em 
    nossas leis, por   tradição, sempre  esteve  reservado   ao  conjunto  de   normas  que 
    regulamentam direitos de indivíduos considerados socialmente  vulneráveis, e que a 
    sociedade coloca em situação de inferioridade. Exemplos  concretos disso são: o 
    Estatuto do Índio, o Estatuto da Mulher Casada e o Estatuto  da Terra.
A Criança e o Adolescente
    
A utilização das palavras criança e adolescente, que substituíram o termo menor, conforme vimos, foi outra inovação da Assembléia Nacional Constituinte, que as consagrou em vários textos de redação contidos na Constituição de 1988 Menor, como, com exatidão, diz Edson Sêda:
    
“Todos somos maiores ou menores de idade para alguma coisa. Mas todos, leitor, desde que possamos formular juízo próprio sobre um assunto, podemos manifestar livremente esse juízo e nossa opinião deve ser levada em conta”
    
A utilização das palavras criança e adolescente, que substituíram o termo menor, conforme vimos, foi outra inovação da Assembléia Nacional Constituinte, que as consagrou em vários textos de redação contidos na Constituição de 1988 Menor, como, com exatidão, diz Edson Sêda:
“Todos somos maiores ou menores de idade para alguma coisa. Mas todos, leitor, desde que possamos formular juízo próprio sobre um assunto, podemos manifestar livremente esse juízo e nossa opinião deve ser levada em conta”
“Menores de 35 anos não podem ser senadores nem presidente  da 
      República;   menores  de  30   anos  não  podem   ser  governadores; 
      menores de 21 anos não podem livremente alienar seus bens  sem 
      assistência  dos  pais;   menores  de  16   anos  não  podem   votar,  se 
      quiserem,  para  senador   ou  presidente;  menores   de  12  anos   não 
      podem ser punidos com medidas sócio-educativas”  
    
Contudo, mesmo passados dez anos da chegada do Estatuto, não raro hoje, nos surpreende a continuidade da velha utilização do termo menor no seu sentido pejorativo, discriminatório, indigno, como em recente manchete de um jornal que alarmava: “Menor esfaqueia menina de 7 anos”.
A respeito das dificuldades deste avanço, do enraizamento ainda muito lento do novo paradigma relativo aos direitos das crianças e dos adolescentes, cabe-nos verificar quais foram os instrumentos trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para que se firme e se fixe, de um modo mais efetivo, os novos princípios da Doutrina de Proteção Integral, onde a criança e o adolescente são a prioridade nacional.
Contudo, mesmo passados dez anos da chegada do Estatuto, não raro hoje, nos surpreende a continuidade da velha utilização do termo menor no seu sentido pejorativo, discriminatório, indigno, como em recente manchete de um jornal que alarmava: “Menor esfaqueia menina de 7 anos”.
A respeito das dificuldades deste avanço, do enraizamento ainda muito lento do novo paradigma relativo aos direitos das crianças e dos adolescentes, cabe-nos verificar quais foram os instrumentos trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para que se firme e se fixe, de um modo mais efetivo, os novos princípios da Doutrina de Proteção Integral, onde a criança e o adolescente são a prioridade nacional.
Os Conselhos de Direitos e o Conselho Tutelar  
    
Em decorrência dos princípios constitucionais da descentralização político- administrativa e da participação popular, surgem os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, órgãos dispostos dentro da política de atendimento, de caráter deliberativo e controladores das ações em todos os níveis, e o Conselho Tutelar, no número mínimo de 1 (um) por município, com a atribuição de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente definidos no Estatuto .
Em decorrência dos princípios constitucionais da descentralização político- administrativa e da participação popular, surgem os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, órgãos dispostos dentro da política de atendimento, de caráter deliberativo e controladores das ações em todos os níveis, e o Conselho Tutelar, no número mínimo de 1 (um) por município, com a atribuição de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente definidos no Estatuto .
Ambos os órgãos garantem a participação direta da população  na definição 
    de suas ações, sendo assegurada, nos Conselhos de Direitos,  uma composição 
    paritária entre membros do Governo e de organizações  não-governamentais. 
Se 
    antes do Estatuto o Governo deliberava e controlava sozinho  a política referente à 
    criança e ao adolescente, agora cede espaço à população, que  se lança também 
    como Estado sem ser Governo. É a democracia participativa  insculpida na Carta de 
    1988, em que há o estabelecimento de uma nova correlação de  forças políticas e 
    sociais, provocando a exigência de uma nova adequação e de  um reordenamento, 
    em que está colocado um embate entre o velho e novo jeito de  ver, pensar e agir 
    sobre os temas da infância e da juventude.
O  Conselho  Tutelar   também  entra  aqui,   sendo  um  órgão   integralmente 
    composto  por  pessoas   da  sociedade,  autônomo   e  naturalmente  coletivo,   não-jurisdicional, com a função precípua de defender o  cumprimento da Lei que define 
      direitos às crianças e aos adolescentes e afirma deveres à  família, à comunidade, à 
    sociedade e ao Poder Público.
Voltando ao exemplo antes referido, de que ao tempo do  Código de Menores, 
    a família, a comunidade/sociedade e o Estado eram três  pessoas viradas de costas 
    para o  menor,  e   de  que  agora, as   três  pessoas  estão voltadas  à criança   e  ao 
    adolescente, tendo que assumir suas responsabilidades e  cumprir seus deveres em 
    relação ao atendimento prioritário dos direitos deles,  podemos dizer que o Conselho 
      Tutelar é aquele que vai zelar para que todas permaneçam de  frente à criança e ao 
      adolescente, assegurando-lhes seus direitos.  
O Conselho Tutelar é autônomo exatamente por isto, para que  possa exercer 
    com fidelidade seu encargo social de zelar pelo cumprimento  dos direitos definidos 
    no Estatuto, combatendo tudo que ameaça e viola os direitos  das crianças e dos 
    adolescentes, o que faz através da aplicação de medidas de  proteção  e aos pais 
    ou  responsável ,  da   requisição de  serviços   públicos, e  de   representações  ao 
    Ministério Público  e  ao Juizado da Infância e da Juventude . 
Quanto  à  sua   função,  o  Conselho   Tutelar  não  é   um  pronto-socorro  de 
    atendimento de direitos; o Conselho Tutelar é aquele que em  nome da comunidade 
    que o escolheu zela pelo cumprimento dos direitos definidos  na Lei, cobrando para 
    que os pronto-socorros de atendimento de direitos existam,  sejam efetivos e estejam 
    sempre à disposição das crianças e dos adolescentes.  Lembramos: todos devem 
      estar de frente, garantindo direitos com absoluta  prioridade, e o Conselho zelará 
      para que todos assim permaneçam.
O Conselho Tutelar não veio para assumir as  responsabilidades daqueles que 
    ainda querem permanecer de costas. A família, a comunidade,  a sociedade em geral 
    e o Estado são os pronto-socorros de atendimento dos  direitos (“É dever da família, 
      da comunidade..”, arts. 227, caput, da CF e 4º do ECA).
Essa é uma das maiores confusões que, invariavelmente, quase  todos vêm 
    fazendo  do  papel   do  Conselho  Tutelar,  quando  lhe  têm   destinada  a  função   de 
    pronto-socorro de atendimento de direitos. Tal situação, que  temos assistido em 
    inúmeros municípios brasileiros, a nós, ocorre, ou por falta  de conhecimento do seu 
    verdadeiro papel, ou porque, atuando como os pronto-socorros  que não cumprem 
    seus deveres (aqueles que permanecem de costas), – ao que  chamamos de agir 
    como um agente de substituição - às vezes, mesmo que  praticando  uma ação 
    tipicamente assistencialista  e,  em   geral,  contribuindo  tão-só   paliativamente  para 
    resolver  a  questão,   conseguem  “ajudar”  em   alguns  dos  casos   que  lhe  são 
    encaminhados.
O  que  chamamos   sempre  à  atenção,   é  que  essa   ação  substitutiva 
    possibilita/justifica/assegura  a   manutenção  das  inúmeras   omissões,  o  que  é 
    interesse de todos aqueles que não querem efetivamente  priorizar os direitos das 
    crianças e dos adolescentes, sempre renegados. Esse Conselho  Tutelar na verdade 
    não protege, porque ao invés de fazer/cobrar com que as  pessoas permaneçam 
    voltadas à criança e ao adolescente, tenta ser elas  (assumindo poderes, deveres, 
    competências, usurpando funções...) e, virando-se para a  criança e o adolescente, 
    ‘atender’ os deveres que lhe são próprios e indelegáveis. 
Então, não é raro vermos informações, publicações, dizendo: “Se a criança está sendo espancada, se ela está sem escola, se está mendigando nos semáforos, chamem o Conselho Tutelar”, quando a história não é bem assim. Se uma criança, um adolescente está sendo agredido, precisa da proteção daquele que tem o dever de cumprir o seu direito de segurança e de defesa inerentes a qualquer cidadão, o que é papel das polícias; se alguém está machucado, doente, drogado, precisa da proteção daquele que tem o dever de assegurar o seu direito à vida e à saúde, o que é papel do médico; se alguém está fora da escola, precisa da proteção daqueles que têm os deveres de garantir e acompanhar o direito à educação, o que são papéis do Poder Público e dos pais .
Então, não é raro vermos informações, publicações, dizendo: “Se a criança está sendo espancada, se ela está sem escola, se está mendigando nos semáforos, chamem o Conselho Tutelar”, quando a história não é bem assim. Se uma criança, um adolescente está sendo agredido, precisa da proteção daquele que tem o dever de cumprir o seu direito de segurança e de defesa inerentes a qualquer cidadão, o que é papel das polícias; se alguém está machucado, doente, drogado, precisa da proteção daquele que tem o dever de assegurar o seu direito à vida e à saúde, o que é papel do médico; se alguém está fora da escola, precisa da proteção daqueles que têm os deveres de garantir e acompanhar o direito à educação, o que são papéis do Poder Público e dos pais .
Logo,  poderíamos  dizer   que  as  informações   estariam  melhor  descritas   se 
    estampassem: “Se a criança está sendo espancada, chame a  polícia. Se a polícia 
    não  atender  ao   seu  chamado,  ligue   ao  Conselho  Tutelar   para  ele  cobrar   e 
      responsabilizar a polícia a cumprir o seu dever”. Então, o 
 que é preciso fique claro é 
    isso: se for acionado o devedor do cumprimento do direito e  houver 
sua efetiva
    proteção, restando o direito satisfeito, protegido, não há  
necessidade do Conselho 
    Tutelar atuar , pois haverá uma justa prática da defendida  Proteção
 Integral, onde não há omissão no cumprimento dos direitos. A Proteção  
Integral é incondicionada, 
    prescindindo, pois, da ação do Conselho Tutelar, que somente  age na
 hipótese de 
    descumprimento por parte de algum dos devedores.  
    O Conselho Tutelar não  tutela as pessoas, ele tutela os direitos 
das pessoas, 
    aos quais exige cumprimento. Defender direitos é fazer  cumprir a 
Lei, é não admitir 
    que as pessoas fiquem de costas enquanto o Conselho tenta  (em vão) 
atender tudo 
    aquilo que não está sendo cumprido e priorizado.
O papel do Conselho Tutelar pode ser considerado antipático,  se enxergado 
    num primeiro momento; afinal, quem quer ser cobrado a  cumprir seu dever? Qual é 
    o pai que quer ouvir que a educação, o respeito, a  obediência são funções suas e 
    que é isso que deve ser utilizado quando o filho sai e não  quer mais voltar para 
    casa?  Que  estabelecimento de educação quer reconhecer que, às vezes, o aluno 
    ‘rebelde’  pode  ser   resultado  de  comportamentos  autoritários  (ou, ao  contrário, 
    permissivos) por parte da Direção e dos professores? Que  dirigente de abrigo quer 
    ser cobrado a cumprir seus deveres de guardião? Por isso, o  mais fácil, sem dúvida, 
    é transferirem suas responsabilidades para o Conselho  Tutelar, solicitando que o
    Conselho  Tutelar  busque   os  “evadidos”,  amedronte   os  filhos,  xingue   os  alunos, 
    dizendo-lhes: “Se não se comportarem, vão (voltar) pra  FEBEM!”.
Pesquisa recente desenvolvida junto aos Conselhos Tutelares  do Município 
    de  Porto  Alegre/RS   demonstrou  que  87,5%   das  pessoas  que   lhes  encaminham 
    casos  relativos  à   prática  de  ato   infracional  por  criança   desejam  entregar-lhes  a 
    responsabilidade   total  pela  solução   da  questão  ou,   como  diríamos,  continuam 
    agindo como no passado, na época do Código de Menores, em  que o problema da 
    infância e da juventude era simplificado na exclusiva ação  estatal, agora não mais 
    na mão do antigo juiz de menores, mas na de outra  autoridade, não-jurisdicional, 
    que é o Conselho Tutelar .
O Conselho Tutelar proveniente do Estatuto é um órgão que  muda hábitos, 
    usos e costumes; que é capaz de fazer valer os direitos  contidos na Lei e de torná-
    los efetivos com absoluta prioridade.  
Porém, em nossa experiência, temos que alertar para inúmeros  Conselhos 
    Tutelares que vêm sendo criados com uma outra concepção: a  de atender direitos, 
    ou seja, com a função de atuar tecnicamente porque entendem  que esse é o seu 
      papel, ou para que possam substituir a carência ou a  ineficiência dos devedores dos 
      direitos, se vendo assim, conselheiros tutelares educando os  filhos pelos pais que 
    fracassaram, prestando assistência social pelos serviços  ainda inexistentes (dando 
    comida, passagem de ônibus, ...), investigando pela inércia  da polícia, retornando
    crianças e adolescentes à escola pelo descompromisso dos  pais e do Estado em 
    relação à obrigatoriedade à educação. Este é um Conselho Tutelar que não cumpre seu papel, que não  tenciona as 
    estruturas políticas e sociais para assumirem as suas  responsabilidades dentro do 
    novo  Sistema  de   Proteção  Integral,  permitindo   a  manutenção  do   status  quo  de 
    ausência de direitos garantidos.
Pela falta de clareza do papel do Conselho Tutelar,  atribuindo-lhe funções que 
    são dos pais, dos programas, dos serviços e de outros órgãos,  que têm o dever de 
    atender direitos, é que muitos municípios vêm criando  diversos Conselhos Tutelares 
    em suas localidades. Pensam que o Conselho Tutelar é um  serviço, uma espécie de 
    triagem, para  onde   todas  as  situações   irregulares  são  encaminhadas,   e  que 
    promove  os  encaminhamentos  aos recursos,  dentro da   necessidade  constatada. 
    Agem  como  no   passado  e,  cogitando/prevendo  que   todos  estão/continuam  de 
    costas, que vão negar o atendimento dos direitos – ou a  Proteção Integral -, nem os 
    procuram,  indo  direto   ao  pronto-socorro  do   Conselho  Tutelar,  burocratizando  o 
    acesso ao direito (que é, frisa-se, incondicional) e criando  a entropia do sistema de 
    promoção, garantia e de defesa de direitos.  
Por último, temos a manifestar que o interesse na concepção  do Conselho 
    Tutelar  com  a   finalidade  de  atender   direitos,  sendo  composto   por  pessoas  com 
    graduação universitária nas áreas de saúde, educação,  serviço social, psicologia e 
    direito, não é algo novo, tendo sido a forma pela qual o  Conselho Tutelar sempre
    esteve previsto nos projetos de lei que tramitaram no Senado  Federal  e na Câmara 
    de  Deputados .  O   Conselho  Tutelar  do   Estatuto,  não  atendendo   direitos,  mas 
    zelando por seu cumprimento, não necessariamente técnico,  mas essencialmente 
    político,  é  uma   contraposição  aos  Conselhos   dos  projetos,  defendendo   não  o 
    atendimento supletivo, mas a real garantia do atendimento do  direito por quem deve, 
    o que é consolidar a Doutrina de Proteção Integral.
MISODOR, 24 JUNHO 2008
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