O
 psicólogo é um sujeito social. Cresce em um contexto sócio-histórico 
específico, recebe variadas influências culturais e políticas entre as 
instituições que o forma.
Aqui, este sujeito social torna-se um profissional, algo que o coloca
 numa dinâmica societária específica inserindo-o numa divisão, numa 
clivagem que o absorve em suas estruturas através de uma instância comum
 a todas as profissões: o mercado de trabalho.
Constitui-se, então, sua subjetividade em uma relação mediada pela 
concretude histórica e que gera o movimento viabilizador de seu 
desenvolvimento profissional. Seus vínculos e círculos sociais vão 
agregar a sua imagem e atuações os vieses de legitimidade onde o título 
se funde a suas possibilidades de intervir e trabalhar. Seu contexto 
objetivo e concreto o coloca diante de relações sociais e econômicas que
 cooptam sua atenção, suas tendências ideológicas e políticas e, em 
consequência, seu trabalho.
Esse por menor do desenvolvimento profissional deve sempre levar em 
consideração o lugar específico de onde se fala. Se pudéssemos supor que
 todos os municípios do Brasil abrigam pelo menos um psicólogo, cada um 
destes seria diferente, assim como em vários momentos poderiam ser 
semelhantes.
O fato é que estou em Alagoas e por aqui existem vários outros fatos 
que constituem uma realidade histórico social com dificuldades 
seculares, onde foi criado um esquema de sociabilidade que se fundamenta
 na exclusão, na expropriação e na utilização das funções do Estado, a 
partir de uma lógica de classes, para legitimar uma opressão diária.
Sob as sombras dos latifundiários e donos das agroindústrias 
açucareiras as terras de Alagoas são divididas secularmente. As 
condições históricas favorecem a estes poucos o controle absoluto dos 
meios de trabalho e de reprodução da vida da maioria das pessoas no 
Estado. A cana não toma apenas a paisagem do litoral e dos municípios 
circunvizinhos da capital Maceió, mas à medida que envolve o sujeito 
humano em relações de trabalho ela cria o homem que aqui mora e se 
sustenta materialmente, pois é onde flui o trabalho popular, pouco 
qualificado e precário.
Se houve desenvolvimento industrial na capital foi de relevância 
insuficiente para garantir modernização, infraestrutura básica e 
atestado de “progresso”. O que temos, de fato, são pequenas felicidades 
quando as eleições obrigam prefeitos a construir viadutos e tapar 
buracos para a agraciar pobre com indulgência e “boas intenções”. A 
maioria de sua população vive em situações difíceis, mas aqui a ideia 
não é apenas ignorar a existência das pessoas simples, é, no entanto, 
torna-las dóceis e prontas para vender sua força de trabalho sob o preço
 que for viável ao máximo de lucratividade.
Nesta sociedade que comporta elementos arcaicos que remontam as 
colônias do XVII e a elegância dos donos das usinas e grandes fazendas 
do final do século XIX os elementos da “questão social” se colocam 
fortes e imponentes. Quem é o psicólogo nestas estruturas? Suas 
intenções renovadoras se colocam diante desta conjuntura recheada de uma
 lógica de um tipo de capitalismo das dores e das sangrias, o do tipo 
dependente.
Logo, o que temos como desafio não é apenas como trabalhar ou onde, 
mas de aferir o que temos feito e quais são nossas possibilidades dentro
 desta realidade concreta. Isto envolve reconhecer o tipo de contrato, 
relações de trabalho e o próprio tipo de trabalho que se desenvolve, 
pois ele está intimamente ligado à nossa capacidade de descortinar as 
estruturas ideológicas que sustentam o sistema como ele é ou agir a 
favor dele. Na ordem burguesa, que agora se coloca de maneira 
autocrática com um teor conservador e moralista, quem deveremos ser para
 respeitar nosso código de ética e nosso “compromisso social”?
Adentrando mais a fundo na compreensão do que é o psicólogo veremos 
que, enquanto profissão que carrega especificidades mas um campo de 
estudo e trabalho difusos, o que houve no processo de profissionalização
 da Psicologia foi a tentativa de estabelecer o seu lugar profissional 
formal, mas que, no entanto, ainda é cercado de controvérsias pois onde 
há pessoas em atividade há Psicologia e há também a intersecção com 
outras áreas e disciplinas. Isto traz questões que mexem tanto em 
questões técnicas como teóricas e reveste de um devir complexo e 
multifacetado o entendimento do que é e o que pode a ciência 
psicológica.
Apesar das controvérsias os psicólogos avançaram em muitas questões, 
como a expansão da participação na construção de políticas públicas e na
 composição do SUS e do SUAS, mas atualmente que ocorre é que as formas 
emergentes de fazer Psicologia encontram-se em crise, visto que as 
práticas alternativas que configuraram a luta por trabalhos 
desvinculados do tradicional se desenvolveram em uma época em que era 
possível produzir políticas públicas como medidas práticas que levaram o
 psicólogo para próximo da classe trabalhadora. Neste momento histórico 
havia a legitimidade, dentro da concepção democrática burguesa formal, 
de uma ampliação da participação de movimentos sociais e profissionais 
no que viria a ser a nova república.
Entre os trancos e barrancos da democracia de caráter restritivo à 
brasileira os tempos de ouro, onde a conciliação de classes foi possível
 e os rumos para a expansão de direitos cidadãos foram levemente 
abertos, acabou de maneira sumariamente trágica deixando um rastro de 
destruição das conquistas sociais que vinham ocorrendo ao longo de 
preciosas décadas.
Se a conjuntura muda para a classe trabalhadora ela muda para nós, 
pois ao contrário do que se pode imaginar alguns colegas estamos 
envoltos em uma engrenagem que envolve um sistema que é baseado na 
exploração e que muitas vezes envolve a sutileza de pintar de carreira 
empreendedora o que é alienação e degradação humana.
Se nada parece fácil para o psicólogo e se tudo isso foge dos seus 
pressupostos políticos e de organização profissional para manter ou 
melhorar suas atuações e possibilidades de trabalho, estamos diante de 
uma crise. Se esta crise não se configura como urgente ou como um alerta
 para as contradições entre realidade material e política e os gracejos 
liberais e empreendedores da categoria, nada a fazer a não ser esperar 
que aos nossos pés outros abismos se construam e nele caiam nosso ânimo e
 nossa vontade de exercer a profissão.
Em quem encontraremos fortalecimento se não for com os nossos? Em que luta nos engajaremos se não for a dos trabalhadores?
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