domingo, 2 de agosto de 2020

O que é o psicólogo?


O psicólogo é um sujeito social. Cresce em um contexto sócio-histórico específico, recebe variadas influências culturais e políticas entre as instituições que o forma.
Aqui, este sujeito social torna-se um profissional, algo que o coloca numa dinâmica societária específica inserindo-o numa divisão, numa clivagem que o absorve em suas estruturas através de uma instância comum a todas as profissões: o mercado de trabalho.
Constitui-se, então, sua subjetividade em uma relação mediada pela concretude histórica e que gera o movimento viabilizador de seu desenvolvimento profissional. Seus vínculos e círculos sociais vão agregar a sua imagem e atuações os vieses de legitimidade onde o título se funde a suas possibilidades de intervir e trabalhar. Seu contexto objetivo e concreto o coloca diante de relações sociais e econômicas que cooptam sua atenção, suas tendências ideológicas e políticas e, em consequência, seu trabalho.
Esse por menor do desenvolvimento profissional deve sempre levar em consideração o lugar específico de onde se fala. Se pudéssemos supor que todos os municípios do Brasil abrigam pelo menos um psicólogo, cada um destes seria diferente, assim como em vários momentos poderiam ser semelhantes.
O fato é que estou em Alagoas e por aqui existem vários outros fatos que constituem uma realidade histórico social com dificuldades seculares, onde foi criado um esquema de sociabilidade que se fundamenta na exclusão, na expropriação e na utilização das funções do Estado, a partir de uma lógica de classes, para legitimar uma opressão diária.
Sob as sombras dos latifundiários e donos das agroindústrias açucareiras as terras de Alagoas são divididas secularmente. As condições históricas favorecem a estes poucos o controle absoluto dos meios de trabalho e de reprodução da vida da maioria das pessoas no Estado. A cana não toma apenas a paisagem do litoral e dos municípios circunvizinhos da capital Maceió, mas à medida que envolve o sujeito humano em relações de trabalho ela cria o homem que aqui mora e se sustenta materialmente, pois é onde flui o trabalho popular, pouco qualificado e precário.
Se houve desenvolvimento industrial na capital foi de relevância insuficiente para garantir modernização, infraestrutura básica e atestado de “progresso”. O que temos, de fato, são pequenas felicidades quando as eleições obrigam prefeitos a construir viadutos e tapar buracos para a agraciar pobre com indulgência e “boas intenções”. A maioria de sua população vive em situações difíceis, mas aqui a ideia não é apenas ignorar a existência das pessoas simples, é, no entanto, torna-las dóceis e prontas para vender sua força de trabalho sob o preço que for viável ao máximo de lucratividade.
Nesta sociedade que comporta elementos arcaicos que remontam as colônias do XVII e a elegância dos donos das usinas e grandes fazendas do final do século XIX os elementos da “questão social” se colocam fortes e imponentes. Quem é o psicólogo nestas estruturas? Suas intenções renovadoras se colocam diante desta conjuntura recheada de uma lógica de um tipo de capitalismo das dores e das sangrias, o do tipo dependente.
Logo, o que temos como desafio não é apenas como trabalhar ou onde, mas de aferir o que temos feito e quais são nossas possibilidades dentro desta realidade concreta. Isto envolve reconhecer o tipo de contrato, relações de trabalho e o próprio tipo de trabalho que se desenvolve, pois ele está intimamente ligado à nossa capacidade de descortinar as estruturas ideológicas que sustentam o sistema como ele é ou agir a favor dele. Na ordem burguesa, que agora se coloca de maneira autocrática com um teor conservador e moralista, quem deveremos ser para respeitar nosso código de ética e nosso “compromisso social”?
Adentrando mais a fundo na compreensão do que é o psicólogo veremos que, enquanto profissão que carrega especificidades mas um campo de estudo e trabalho difusos, o que houve no processo de profissionalização da Psicologia foi a tentativa de estabelecer o seu lugar profissional formal, mas que, no entanto, ainda é cercado de controvérsias pois onde há pessoas em atividade há Psicologia e há também a intersecção com outras áreas e disciplinas. Isto traz questões que mexem tanto em questões técnicas como teóricas e reveste de um devir complexo e multifacetado o entendimento do que é e o que pode a ciência psicológica.
Apesar das controvérsias os psicólogos avançaram em muitas questões, como a expansão da participação na construção de políticas públicas e na composição do SUS e do SUAS, mas atualmente que ocorre é que as formas emergentes de fazer Psicologia encontram-se em crise, visto que as práticas alternativas que configuraram a luta por trabalhos desvinculados do tradicional se desenvolveram em uma época em que era possível produzir políticas públicas como medidas práticas que levaram o psicólogo para próximo da classe trabalhadora. Neste momento histórico havia a legitimidade, dentro da concepção democrática burguesa formal, de uma ampliação da participação de movimentos sociais e profissionais no que viria a ser a nova república.
Entre os trancos e barrancos da democracia de caráter restritivo à brasileira os tempos de ouro, onde a conciliação de classes foi possível e os rumos para a expansão de direitos cidadãos foram levemente abertos, acabou de maneira sumariamente trágica deixando um rastro de destruição das conquistas sociais que vinham ocorrendo ao longo de preciosas décadas.
Se a conjuntura muda para a classe trabalhadora ela muda para nós, pois ao contrário do que se pode imaginar alguns colegas estamos envoltos em uma engrenagem que envolve um sistema que é baseado na exploração e que muitas vezes envolve a sutileza de pintar de carreira empreendedora o que é alienação e degradação humana.
Se nada parece fácil para o psicólogo e se tudo isso foge dos seus pressupostos políticos e de organização profissional para manter ou melhorar suas atuações e possibilidades de trabalho, estamos diante de uma crise. Se esta crise não se configura como urgente ou como um alerta para as contradições entre realidade material e política e os gracejos liberais e empreendedores da categoria, nada a fazer a não ser esperar que aos nossos pés outros abismos se construam e nele caiam nosso ânimo e nossa vontade de exercer a profissão.
Em quem encontraremos fortalecimento se não for com os nossos? Em que luta nos engajaremos se não for a dos trabalhadores?

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