RACISMO ESTRUTURAL
Juíza de Curitiba associa homem negro a grupo criminoso 'em razão da sua raça'
Inês Marchalek Zarpelon disse o réu, um homem negro de 48 anos, "seguramente" integrava a organização, "em razão de sua raça"
A
 raça foi uma das características usadas para associar um homem a um 
grupo criminoso em Curitiba (PR). Nas palavras da juíza Inês Marchalek 
Zarpelon, o réu Natan Vieira da Paz, um homem negro de 48 anos, 
"seguramente" integrava a organização, "em razão de sua raça".
A frase foi repetida em três partes da sentença de 115 páginas, da 1ª
 Vara Criminal de Curitiba. A decisão é do dia 19 de junho, mas ganhou 
repercussão com a revolta da advogada do réu, Thayze Pozzobon, que 
compartilhou a sentença nas redes sociais.
"Associar a questão racial à participação em organização criminosa 
revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem
 por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na 
sociedade brasileira", escreveu a advogada.
Após o impacto do caso, a Corregedoria do TJ-PR (Tribunal de Justiça 
do Paraná) informou, em nota à Folha de S.Paulo, que instaurou 
procedimento administrativo para apurar os fatos.
Natan, cujo apelido é "Neguinho", como detalha a própria sentença, 
foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão, em regime fechado, além de 
multa, por roubos e furtos praticados em organização criminosa. Ele pode
 recorrer da condenação em liberdade.
Ao fixar a pena, seguindo as diversas etapas previstas em lei, que 
levam em conta as circunstâncias do crime e as características do 
acusado, a juíza apontou que Natan é réu primário e que "nada se sabe 
sobre sua conduta social", mas que a sua atuação merecia ser valorada 
negativamente.
"Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, 
agia de forma extremamente discreta, e os delitos e o seu comportamento,
 juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da 
população, pelo que deve ser valorada negativamente", detalhou a 
magistrada sobre a participação do homem nos crimes.
A característica usada para condenar Natan, no entanto, não foi usada
 pela juíza para qualificar nenhum dos outros seis réus julgados na 
mesma sentença - outros dois foram citados como participantes dos 
crimes, mas, como não foram encontrados para citação, foram separados do
 processo. Todos fariam parte de um mesmo grupo suspeito da prática de 
diversos furtos e roubos no centro de Curitiba.
Ao cobrar providências sobre o caso, a advogada do réu afirmou que a 
juíza ofendeu a Constituição ao não considerar todos os acusados iguais 
perante a lei.
"Organização criminosa nada tem a ver com raça, pressupor que 
pertencer a certa etnia te levaria à associação ao crime demonstra que a
 magistrada não considera todos iguais, ofendendo a Constituição 
Federal. Um julgamento que parte dessa ótica está maculado. Fere não 
apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira", escreveu na 
postagem.
Via Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), a juíza divulgou 
uma nota em que pede desculpas pelo ocorrido, mas afirma que a frase foi
 "retirada de um contexto maior" e que a cor da pele do réu não foi 
levada em consideração para condená-lo.
"Em nenhum momento a cor foi utilizada - e nem poderia - como fator 
para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado 
pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com 
base em provas", afirmou a juíza.
"Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá
 de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O 
racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com 
os valores que defendo", concluiu na nota.
Foto: © Shutterstock
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