Transtorno histriônico: quando ser o centro das atenções é uma necessidade
Resumo da notícia
- O histriônico precisa ser visto e valorizado o tempo todo para se sentir bem
- Uma de suas características mais marcantes é o jeito de falar teatral e a dramaticidade de suas emoções
- É extremamente sedutor, tem um comportamento sexual ousado e vive à procura de excitação
- As frustrações que o histriônico coleciona ao longo da vida podem levá-lo à depressão, ansiedade, bipolaridade e transtornos alimentares
- Não tem cura, mas o tratamento psicoterápico o ajuda a se sentir melhor e a conviver de maneira mais harmônica com os outros
Sabe aquelas pessoas que fazem tudo para ser o centro das atenções? Para elas, não há limites quando o que está em jogo é atrair todos os olhares para si, receber elogios e ser um destaque absoluto. Quem tem o transtorno de personalidade histriônica é assim o tempo todo. Age como se a vida fosse uma eterna noite de estreia de um espetáculo de sucesso, onde espera aplausos calorosos. Para consegui-los vale chorar, desmaiar, vestir-se de forma extravagante, abusar da sedução e derramar as emoções como nos grandes dramalhões
O transtorno, classificado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5) faz parte do grupo B, que também inclui o narcisista, o antissocial e o borderline. Bruno Netto Reys, psiquiatra, psicanalista e professor do departamento de psiquiatria da faculdade de medicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que os histriônicos representam aproximadamente 3% da população -ou seja, cerca de 3 a cada 100 pessoas. Sua causa ainda é desconhecida, mas especialistas acreditam que pode haver uma suscetibilidade genética e influência do meio externo.
À primeira vista, o exagero emocional do histriônico parece algo feito de propósito. Como uma estratégia que ele usa para ser mais visto e reconhecido do que os outros. Mas isso não verdade. Ser o centro das atenções não é um capricho dele, mas uma necessidade vital como respirar. Quando fica em segundo plano, seu mundo desaba e ele sente que falta um chão para pisar. Por isso, não mede esforços para manter-se sempre em evidência.
"Os histriônicos ficam seguros quando são o centro das atenções. Quando não são, ficam extremamente incomodados, sentem um desconforto muito grande, quase que um aniquilamento", resume Erlei Sassi, coordenador do Ambulatório de Transtornos de Personalidade do IPq da HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Isso acontece no trabalho, nos relacionamentos amorosos, entre familiares e amigos e até mesmo no meio de estranhos.
Pessoas com esse transtorno têm uma baixa tolerância à frustração. Ficam entediadas facilmente, não lidam bem com a rotina e vivem à procura de excitação. O sofrimento no qual elas mergulham quando não são notadas faz com que tenham um humor instável e reativo, de acordo com o especialista. Para evitar que alguém brilhe mais do que ele, o histriônico aposta suas fichas na aparência física. Não raro recorre a vários procedimentos estéticos, segue dietas rigorosas, fica obcecado por exercícios físicos e usa roupas provocantes.
Como reconhecer uma pessoa histriônica?
Além do exibicionismo visual, ele fala de forma vigorosa, gesticula muito e expõe suas emoções de um jeito dramático, teatral, beirando o caricato. Também é conquistador, desinibido e tem a sexualidade à flor da pele, demonstrada inclusive em lugares inadequados, como o ambiente de trabalho. Ainda que pareça muito intenso, costuma ser emocionalmente superficial e percebe a realidade de uma maneira particular. É comum, por exemplo, o histriônico acabar de conhecer uma pessoa, já considerá-la íntima e exigir que ela se comporte como tal.
Quando isso não acontece, é um balde de água fria e ele se decepciona, até porque é dependente de provas de amor. Como o histriônico tem baixa tolerância à frustração, seus relacionamentos acabam não sendo muito tranquilos. Apesar de toda essa cobrança, ele muda de emoção como quem troca de roupa. Geralmente coleciona vários parceiros amorosos e não permanece muito tempo com nenhum deles, porque é movido à excitação. A paixão profunda que sente no início acaba de repente, pois deixa de ser novidade.
Com esse perfil, pode parecer lógico deduzir que pessoas com esse transtorno não ligam para o que as outras pensam a seu respeito. Mas é exatamente ao contrário. Elas se importam com a opinião alheia. E muito. Apesar de parecerem seguras de si, no fundo são bastante sugestionáveis, vivem em busca de apoio e aprovação e têm medo de ser abandonadas. Por outro lado são impulsivas, têm aversão a críticas e seus discursos são vagos e difusos.
Não começa da noite para o dia
Antes de entrar no mundo do histriônico, é importante entender o que é um transtorno de personalidade. "É uma forma de perceber, sentir e se relacionar, que traz sofrimento para a pessoa quem tem o transtorno e para as que a cercam", define Sassi. Ele salienta que a personalidade é formada pelo temperamento e caráter, que vamos desenvolvendo ao longo da vida.
"Especificamente o caráter pode ter traços que trazem sofrimento para a pessoa por conta da adaptação, que é fora da média".
Ou
seja, essas pessoas têm um comportamento inflexível, que raramente
muda. "Uma pessoa que não tem um transtorno vai se moldando de acordo
com a experiência, se adaptando a uma realidade. A dificuldade no
transtorno de personalidade é justamente a moderação, aprender com a
experiência. A pessoa mantém esse padrão rígido", diferencia Reys.
Esse padrão se estende aos pensamentos, emoções e comportamentos. E afeta a maneira como a pessoa vê o mundo e se relaciona com quem está ao seu redor. Geralmente os primeiros sinais dos transtornos de personalidade começam cedo, ainda na infância, e vão se tornando mais nítidos no decorrer do tempo. Mas o diagnóstico só é feito entre o final da adolescência e o início da vida adulta.
No caso dos histriônicos, o transtorno foi baseado na histeria, um distúrbio comum entre as mulheres do século 19. Antigamente acreditava-se que a energia vital do útero se deslocava para outras partes do corpo provocando ataques histéricos. Mais tarde, Jean-Martin Charcot, o "pai" da neurologia, descobriu que a histeria tinha uma origem psíquica, e seu aluno Sigmund Freud demonstrou que ela era causada por traumas sexuais.
O termo histriônico é derivado da palavra histrião. Um de seus significados é "palhaço" e ela se refere aos comediantes que representavam fábulas e farsas na Roma Antiga. Pessoas com esse transtorno são assim. Capricham na "atuação" para ganhar a admiração das pessoas. Por sua alta carga de dramaticidade, muitas vezes não são levadas a sério. E em vez de atrair as atenções, acabam repelindo. Outras vezes o afastamento se dá porque elas são consideradas grudentas, chatas ou dão vexame. Isso lhes causa um sofrimento profundo.
Para evitar a indiferença, elas podem lançar mão de recursos como mentir, difamar, distorcer os fatos e fazer com que o outro sinta culpa e remorso. Esse mecanismo de manipulação emocional vem da necessidade de ser o centro das atenções, e nem sempre é consciente. Em casos mais graves, o histriônico pode ameaçar ou tentar o suicídio para alcançar seu objetivo.
"Tem a ver com as relações que a pessoa estabeleceu ao longo da vida, a partir da infância. Um comportamento que se estrutura até o final da adolescência, início da vida adulta. O relacionamento dela com os pais, com as pessoas que foram importantes na infância e na adolescência acabam gerando essa forma de se comportar", explica Reys. É bom ficar atento às crianças que se tornam muito dependentes de gratificação, pois elas podem se tornar adultos histriônicos.
Consequências sérias
- Depressão: as frustrações que o histriônico vai acumulando na vida podem levá-lo ao esgotamento e à depressão, que pode ser profunda, pois se agrava com o tempo.
- Ansiedade: quando não consegue a atenção que tanto deseja, ele vai ficando cada vez mais ansioso
- Bipolaridade: por viver uma gangorra de emoções, o histriônico pode desenvolver a bipolaridade. Ou seja, viver alternando os estados de euforia e depressão.
- Transtornos alimentares: A obsessão pela aparência perfeita pode levar o histriônico a ter distúrbios como anorexia e bulimia.
Diante do espelho
Ao mesmo tempo em que sentem orgulho de sua personalidade e imagem, pessoas com esse transtorno não têm uma autoestima sólida como parece. Precisam da valorização dos outros para mantê-la intacta, caso contrário, ela pode ruir como um castelo de cartas. "É algo muito oscilante porque o histriônico é influenciado pelo que ouve das pessoas. Ele não tem uma instabilidade tão grande da imagem quanto o borderline, mas também não tem uma estabilidade tão grande quanto o narcisista. Nesse sentido, fica no meio do caminho", compara Sassi.
A atenção que ele recebe dos outros funciona como um termômetro que determina se ele se acha o máximo ou a pior das criaturas. Diferente do que acontece com quem não tem o transtorno. "A pessoa que é consciente de suas qualidades, que tem uma autoestima preservada, não precisa ficar buscando a atenção do outro todo o tempo. Geralmente o histriônico tem uma autoimagem prejudicada e tenta, de alguma forma, estabelecer laços carregados com um afeto que não tem tanto a ver com a situação que ela está vivendo naquele momento, com aquela pessoa", distingue Reys.
O histriônico pode até ter explosões de raiva se não conseguir atrair o olhar do outro, embora essa não seja uma característica marcante do transtorno. "Quando ele não está no centro das atenções, pode ficar violento. Para chamar a atenção, pode fazer algo ilegal, perigoso, até machucar outras pessoas", afirma Sassi. Ou ele mesmo. "É possível ter automutilação, bem menor do que o borderline, para chamar a atenção", completa o especialista. Mas não costuma chegar a esses extremos.
Embora faça parte do grupo B dos transtornos de personalidade, caracterizado pela presença de problemas de regulação emocional e de controle de impulsos, o histriônico é considerado o "mais leve" de todos, o que representa menos perigo para si mesmo e para os outros. Ele é movido pela atenção alheia. Quando a conseguem, fica tudo bem. Alguns histriônicos, inclusive, são artistas de sucesso. É um caminho que encontram para usar sua habilidade natural e conseguir a visibilidade que tanto precisam.
O desafio do tratamento
Todos nós queremos ser o centro das atenções em alguns momentos e isso é normal. Afinal, qual noiva não quer os holofotes todos voltados para ela no dia do seu casamento? Ou que profissional não espera o reconhecimento de seu chefe e colegas quando faz um trabalho excepcional na empresa? Um pouco de dramaticidade, idem. Algumas situações da vida pedem que a gente imprima um pouco mais de emoção.
O problema do histriônico é querer ser prestigiado o tempo inteiro, em qualquer situação. Mas ele nunca vai admitir que se comporta assim, nem reconhece que precisa de ajuda. Isso só acontece quando o sofrimento aperta. "Ele costuma procurar ajuda mais pela comorbidade, porque está deprimido e tem a ideia de que o mundo não gosta dele. Um histriônico procura tratamento pela insatisfação, pela tristeza, pelos transtornos alimentares, pelo alcoolismo, uso de drogas e descontentamento com o corpo", resume Sassi. E aí que ele recebe o diagnóstico.
Quando chega a esse estado, precisa de remédios. "A parte psiquiátrica pode ajudar no controle da ansiedade, da depressão, até de forma resolutiva, com medicamentos. Mas para a pessoa perceber seus exageros, o caráter repetitivo e pouco modulável desse comportamento, é necessária uma terapia em longo prazo", ressalta Reys. O tratamento do transtorno em si é feito com psicoterapia.
Uma possibilidade é a psicoterapia dinâmica (que trabalha os problemas psíquicos a partir dos conflitos inconscientes originados na infância, ajudando a pessoa a diminuir sua reatividade emocional). E outra é a cognitivo-comportamental (que ajuda o histriônico a reduzir pensamentos disfuncionais, através da identificação e compreensão dos sentimentos, além de treinamentos). Ele passa a dosar melhor os exageros, aprender um pouco mais com as experiências, ser mais tolerante e menos escravo da aparência e da busca de atenção. Não há cura, mas o tratamento aumenta a qualidade de vida dele e de quem está ao redor.
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