João Bugalho
A
busca do saber e a forma como se pretende integrar os diferentes
conhecimentos, na procura de uma mais global compreensão das coisas, tem
muitos pontos surpreendentemente (?) comuns entre pensadores distantes
milhares de anos entre si.
Heráclito,
filósofo pré-socrático originário de Éfeso, viveu - aproximadamente –
entre 540 e 480 anos A.C.. É curioso notar que parte do que se encontra
hoje em diversas vertentes do pensamento científico já, na essência, se
espelhava no centro do pensamento de Heráclito.
O pensador grego considerou pela primeira vez que a mais típica característica da Natureza era a constante mudança, que tudo flui e nada dura infinitamente.
É dele a famosa frase “ninguém pode tomar banho duas vezes nas águas do mesmo rio”, porque o rio está em constante mudança, mas mais ainda, porque também o está quem nele mergulha.
O pensador grego considerou pela primeira vez que a mais típica característica da Natureza era a constante mudança, que tudo flui e nada dura infinitamente.
É dele a famosa frase “ninguém pode tomar banho duas vezes nas águas do mesmo rio”, porque o rio está em constante mudança, mas mais ainda, porque também o está quem nele mergulha.
Heráclito entrosou com esta uma outra ideia
então original: a de que a diversidade no mundo resulta do conflito dos
contrários e da permanente presença destes. Sem guerra não haveria paz,
sem saúde não existiria a doença, sem a fome não teríamos prazer em
comer.
Assim, a harmonia do Universo resultaria
das dissemelhanças, o nascimento e a conservação dos seres dever-se-ia a
um conflito de contrários.
Desse conflito, porém, resultaria a
unidade, uma razão universal para as coisas, como que uma divindade. O
filósofo porém recusou-se a chamar-lhe Deus, mas chamou-lhe antes:
“logos”- a razão. A razão universal, uma razão espiritual imanente a
tudo, dando aos seres a harmonia nas suas diferenças e regendo o mundo
segundo uma ordem. É porém bem evidente que é muito difícil para nós
compreender plenamente e justificar o que foram estes conceitos para
aqueles pensadores tão distantes, enquadrados num meio bem diferente do
nosso, se bem que, numa outra escala, dois milénios sejam um período de
tempo tão curto.
Para Heráclito a verdadeira sabedoria, a
qual conduzirá à ligação inteligível de todos os fenómenos, consiste em
fundir o pensamento individual num pensamento universal.
É interessante reconhecer que Hegel
(1770-1831), que defendeu que o desenvolvimento histórico derivava da
tensão entre os opostos, procurou a existência de um saber absoluto, de
uma realidade global em que natureza e espírito, pensar e ser, Deus e o
Homem, constituissem um sistema grandioso reconciliando para sempre a
Realidade com a Ideia, visão esta que veio a ser contestada e demolida
pelos seus discípulos ou seguidores.
Entre estes, Marx (1818-1883) veio substituir a teoria pela praxis afirmando
que: “Até agora a filosofia não fez mais do que interpretar o mundo; o
que importa é transformá-lo” e assim Marx colocou a matéria e o trabalho
onde Hegel colocara a idea e o espírito.
Em Engels (1820-1895) cuja raíz filosófica é
considerada por muitos como mais profunda que a de Marx, vamos
encontrar um sistema dialéctico para a natureza que contém as três leis
da dialéctica materialista. A segunda lei designou-a por lei da
compenetração dos contrários, segundo a qual a contradição é a origem do
movimento.
É precisamente baseado em Engels que Stalin (1879-1953) - segundo Klimke-Colomer em Historia da Filosofia – esboça as seguintes teses:
“O cosmos não pode ser considerado como uma
acumulação de casos e acontecimentos, independentes entre si, mas sim
como uma totalidade unitária em que as coisas e os acontecimentos estão
orgânicamente enlaçados, dependendo e condicionando-se uns aos outros; a
natureza não deve entender-se num estado de repouso ou imobilidade mas
sim num movimento incessante e numa mudança constante de renovação e
evolução; a dialéctica considera o processo evolutivo como um
desenvolvimento que passa de mudanças quantitativas insignificantes e
ocultas a mudanças visíveis, fundamentais, qualitativos e isto como que
em saltos repentinos e não graduais; este processo evolutivo é
determinado pela lei da unidade e da luta dos opostos segundo a qual a
luta entre o velho e o novo, o que perece e o que nasce, constitui o
núcleo interno da evolução e do seu salto de quantitativo a qualitativo;
a natureza do cosmos é material , os diversos fenómenos que nele se dão
representam somente diferentes formas de matéria e o desenvolvimento
inteiro do cosmos rege-se por leis do movimento da matéria sem que seja
necessário recorrer à hipótese de um Espírito Cósmico; a matéria, a
natureza e o ser constituem a realidade objectiva que existe fora da
consciência e independente dela; o pensamento é um produto da matéria,
mais em concreto, um produto do cérebro e não pode separar-se dela sem
que se caia num erro crasso; o universo e as suas leis são cognoscíveis,
no cosmos não se dão coisas incognoscíveis mas apenas coisas que ainda
não são conhecidas e que o serão pelo esforço da ciência e da praxis.”
Recentemente, num polo quase diametralmente
oposto, bem diferente destes na sua essência e nalguns aspectos
específicos, nomeadamente na compreensão das teorias evolucionistas,
deparamos com as teorias bem recentes de Edward O. Wilson – seguramente
um dos mais importantes pensadores e cientistas actuais e pioneiro dos
mais modernos e profundos estudos sobre a biodiversidade, bem no cerne
do pensamento científico contemporâneo.
Wilson intitulou o seu último livro de Conscilience.
Esta palavra, que construiu repescando da etimologia e buscando nos
significados mais antigos, pretende significar a fusão, a integração dos
conhecimentos parciais num todo, a fusão das ciências, a fusão mesmo
das artes e da ciências para o conhecimento integrado, sem a qual não
será possível a mais profunda e mais global compreensão de todas as
coisas!
Parece que dois mil e quinhentos anos
depois, a corrente do rio em que mergulhou Heráclito chegou assim,
fresca, torrencial, aos nosso tempo...
Talvez que, apesar de tudo, o que tenha
mudado menos, tenha sido a incessante sede de descoberta como uma das
mais profundas preocupações dos pensadores de todos os tempos.
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