2. Efeito interruptivo de prazos recursais
Os embargos têm ainda
efeito interruptivo do prazo para a interposição de outros recursos
eventualmente cabíveis contra a decisão. Uma vez interpostos,
interrompem-se os prazos para a interposição dos demais recursos, por
qualquer das partes (art. 1.026, caput, segunda parte). Note-se, aqui,
que se trata do fenômeno da interrupção: os prazos começam a contar de
novo, desde o início, a partir da intimação da decisão dos embargos
declaratórios.
Tal efeito interruptivo aplica-se:
(a) a qualquer das partes, e não apenas àquela que interpôs os embargos;
(b) a todos os capítulos da decisão, e não apenas àquele(s) objeto dos embargos;
(c) mesmo quando os
embargos não são conhecidos, por serem reputados inadmissíveis,
ressalvada apenas a hipótese de não conhecimento por intempestividade,
quando já houver inclusive decorrido o prazo para o(s) outro(s)
recurso(s) – hipótese em que não haverá mais nada para interromper. Nos
demais casos, quando ainda em curso o prazo para o(s) outro(s)
recurso(s), a interposição dos embargos, ainda que intempestiva, deve
ter a eficácia interruptiva. Afinal, como ela se aplica também à parte
contrária da que embargou, essa não poderia ser prejudicada, na hipótese
em que, se fiando na interposição dos embargos pelo adversário,
aguardasse para recorrer depois de decididos os embargos. Se houver
má-fé na interposição os embargos intempestivos, deve-se sancionar o
emabargante pela procrastinação (art. 1.026, § 2º), mas não negar-se a
força interruptiva dos embargos (v. a seguir);
(d) mesmo quando os
embargos são reputados procrastinatórios, exceto quando se tratar da
terceira interposição sucessiva de embargos procrastinatórios contra a
mesma decisão (art. 1.026, § 4.º).
3. Os embargos declaratórios nos Juizados Especiais
A Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95)
previa que os embargos de declaração teriam a eficácia de suspender o
prazo dos demais recursos. Isso não subsiste. O CPC/15 prevê que também
nos processos que tramitam perante nos juizados especiais, os embargos
passam a ter efeito interruptivo do prazo (nova redação dos arts. 50º e
83, § 2.º, da Lei 9.099/95, dada pelos arts. 1.065 e 1.066 do CPC/15,
respectivamente).
4. Ausência de automático efeito suspensivo
Mas a circunstância de
os embargos terem efeito interruptivo, nos termos acima explicados, não
significa que eles tenham automaticamente efeito suspensivo. Como já
visto, o efeito suspensivo de um recurso consiste na sustação dos
efeitos da decisão recorrida. Em regra, os embargos não produzem esse
resultado, pois a lei não lhes atribuiu tal eficácia.
Na vigência do CPC/73, o
tema gerou muita confusão. Muitos, tendo em vista a eficácia
interruptiva, acabavam por reputar que os embargos teriam também
automaticamente efeito suspensivo. Mas, mesmo no diploma anterior, já
não era assim – até porque, se fosse, nunca nenhuma decisão poderia
produzir efeitos imediatos, pois contra qualquer decisão cabem embargos
declaratórios e, assim, a decisão teria de aguardar para ser eficaz
apenas depois de não interpostos ou de julgados tais embargos – e como
contra essa nova decisão em tese também cabem embargos, novamente ela
não seria de imediato eficaz e assim sucessivamente (a esse respeito,
veja-se meu texto citado no n. 1, acima).
O CPC/15 sepultou
qualquer dúvida. O seu art. 1.026, caput, estabelece expressamente a não
incidência desse efeito automático nos embargos de declaração.
O
que pode acontecer, isso sim, é que outro recurso cabível contra a
decisão embargada tenha efeito suspensivo (p. ex., interpõem-se embargos
contra sentença, que é também passível de apelação, que, em regra, tem
efeito suspensivo). Nesse caso, a decisão embargada permanece suspensa
não por força da interposição dos embargos em si, mas porque ainda pende
a possibilidade de interposição daquele outro recurso (cujo prazo está
interrompido pela interposição dos embargos). Ou seja, a sustação da
eficácia da decisão, nessa hipótese, não advém dos embargos
declaratórios, mas do fato de caber ainda outro recurso, que tem efeito
suspensivo por força de lei – o que faz com que a decisão não produza
efeitos enquanto não precluso esse outro recurso.
Além disso, nos casos
em que tampouco os demais recursos cabíveis contra a decisão têm efeito
suspensivo, não fica obstada a atribuição ope judicis de eficácia
suspensiva aos embargos declaratórios – ou seja, mediante decisão
fundamentada do juiz, caso a caso, a pedido da parte e presentes
requisitos específicos. Assim, a eficácia da decisão embargada poderá
ser suspensa, por decisão judicial, quando a parte demonstrar a
probabilidade de ser provido o recurso ou quando, sendo relevante a
fundamentação, houver risco de que a produção imediata dos efeitos da
decisão cause dano grave ou de difícil reparação (art. 1.026, § 1.º). Em
suma, em situações excepcionais, mediante pedido expresso da parte,
pode o juiz imprimir esse efeito ao recurso, de forma que a parte fica
desobrigada do imediato cumprimento da decisão judicial de que recorrer
por meio dos embargos de declaração.
5. Embargos declaratórios e caráter infringente
O objetivo dos embargos
de declaração é o esclarecimento, complemento ou correção material da
decisão. Portanto, eles não se prestam a invalidar uma decisão
processualmente defeituosa nem a reformar uma decisão que contenha um
erro de julgamento. Por isso, é comum dizer-se que os embargos de
declaração não podem ter efeito modificativo da decisão impugnada (o
chamado efeito ou caráter “infringente”).
5.1 Efeito infringente como consequência do normal emprego dos embargos
No entanto,
“infringentes” quaisquer embargos declaratórios podem ser, no
cumprimento de sua função normal. Ao se suprir a omissão, eliminar a
contradição, esclarecer a obscuridade ou corrigir o erro material, é
sempre possível que a decisão de resposta aos embargos altere até mesmo
substancialmente o teor da decisão embargada. Por exemplo, o juiz havia
julgado procedente o pedido condenatório ao pagamento de quantia. No
entanto, omitiu-se de examinar a questão da prescrição da pretensão de
cobrança – que foi objeto de alegação pela parte e deveria até ser
conhecida de ofício. Uma vez apontada essa omissão em embargos de
declaração e constatada pelo juiz, seu suprimento poderá alterar
essencialmente o resultado do julgamento. Ao examinar a questão da
prescrição e tê-la por ocorrida, o juiz emitirá um julgamento de mérito
desfavorável ao autor, antes vencedor. Mas – reitere-se – quando isso
ocorrer, estar-se-á diante da função normal, típica, dos embargos.
5.2 O caráter puramente infringente
O que normalmente não
se admite é o emprego puro e simples dos embargos declaratórios com o
escopo de se rediscutir aquilo que o juiz decidiu. Nesse caso, afirma-se
que se trata de caráter puramente infringente. Em regra, quando isso
acontecer, os embargos deverão ser rejeitados.
Numa hipótese
específica, a lei determina o aproveitamento do ato, numa especial
aplicação do princípio da fungibilidade: se os embargos forem
interpostos contra decisão monocrática de relator com a mera pretensão
de efeitos infringentes cabe a sua conversão em agravo interno, devendo
ao recorrente ser oportunizada a complementação das razões recursais,
para adequá-la às exigências do art. 1.021 e eventualmente acrescentar
outros fundamentos e pedidos que não haviam sido incluídos (art. 1.024, §
3.º).
Mas se abre uma
verdadeira exceção à vedação de efeitos puramente infringentes nos casos
extremos em que uma decisão não é passível de nenhum outro recurso,
senão embargos declaratórios, e padece de defeito gravíssimo que não se
caracteriza como omissão, contradição, obscuridade ou erro material.
Embora havendo grande controvérsia, doutrina e jurisprudência (inclusive
do STF e STJ) tendem a admitir a utilização dos embargos declaratórios
em tais casos – com efeitos infringentes atípicos.
5.3 Caráter infringente e contraditório
Em qualquer caso em que
os embargos possam assumir caráter infringente – seja no cumprimento de
sua normal função, seja no seu emprego atípico –, antes de decidi-los o
julgador deve ouvir a parte contrária no prazo de cinco dias (art.
1.023, § 2.º).
5.4 Modificação da decisão e recurso subsequente
Como se vê adiante, a
interposição de embargos declaratórios interrompe o prazo para outros
recursos eventualmente também cabíveis contra a decisão (p. ex.,
interpostos embargos contra a sentença, interrompe-se o prazo para
apelar). Imagine-se que a parte, sem saber que o adversário interpôs
embargos de declaração, interpôs desde logo o recurso cabível contra a
decisão (p. ex., interpôs apelação contra a sentença). Se os embargos
são acolhidos e geram mudança no conteúdo da decisão, isso pode
interferir sobre os pressupostos e a extensão do recurso subsequente (p.
ex., ao suprir uma omissão, o juiz acrescenta um capítulo condenatório
antes inexistente – ampliando o objeto passível de impugnação no recurso
seguinte; ou então, o acolhimento dos embargos pode levar até a
inversão do resultado do processo – como no exemplo antes dado, em que o
juiz havia proferido sentença de procedência e, ao suprir a omissão,
reconhece a prescrição e resolve o mérito contrariamente ao autor).
Assim, se uma
modificação da decisão for provocada por embargos de declaração,
concede-se à parte que já havia interposto o recurso seguinte o prazo de
quinze dias, contado da intimação da decisão dos embargos de
declaração, para que proceda à complementação ou alteração de suas
razões recursais, nos exatos limites da modificação (art. 1.024, § 4.º).
Caso não ocorra tal emenda do recurso, o órgão julgador deverá
verificar se o recurso encontra-se prejudicado pela modificação da
decisão anteriormente prolatada ou se ele permanece sendo passível de
conhecimento.
Já quando o julgamento
dos embargos não gerar nenhuma mudança na decisão - seja porque eles não
foram conhecidos ou providos, seja porque, embora providos, isso não
implicou nenhuma alteração substancial no conteúdo decisório –, o
recurso ajuizado antes será processado e julgado independentemente de
ratificação (art. 1.024, § 5.º). Portanto, está definitivamente superado
o enunciado da súmula 418 do STJ, que pretendia exigir ratificação em
todo e qualquer caso em que o recurso houvesse sido interposto antes da
publicação da decisão dos embargos, mesmo quando essa não houvesse
minimamente alterado a decisão recorrido. Tal enunciado, editado na
vigência do CPC/73, jamais se mostrou razoável e era incompatível mesmo
com as diretrizes daquele diploma – recebendo muitas críticas (mais uma
vez, remete-se ao texto citado no n. 1, acima). As regras ora examinadas
foram uma clara reação a ele.
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*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.