terça-feira, 8 de janeiro de 2019

"A Tortura do Gênio É A Origem de Obras Imortais."(Schopnheauer)

Quando Lêdo Ivo declarou ‘A Morte do Brasil’

Romance do poeta alagoano mistura lembranças da infância com um retrato do Brasil dos anos 1980

Caracterizar a atual situação do Brasil como caótica ou insolvente talvez tenha se tornado lugar comum. A crise e a instabilidade que se arrasta sem prazo para findar têm elevado o número de desempregados e as taxas de homicídios do país, que alcançaram a marca histórica de 62.517 mortes violentas em 2016. Destas, 71,5% das pessoas assassinadas era de pele preta ou parda, segundo levantamento feito pelo Atlas da Violência 2018, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O Rio de Janeiro parece um esboço simbólico do momento que atravessamos. Falido economicamente, o estado se encontra às voltas com uma intervenção militar que, incapaz de atenuar os índices de violência, agrava suas estatísticas. Passado mais de cem dias do assassinato da vereadora Marielle Franco, o Exército Brasileiro (responsável pela intervenção na segurança pública) ainda não prendeu os culpados pelo crime, que é também um atentado à democracia.
Esse contexto poderia ser o pano de fundo para A Morte do Brasil (Editora Leitura, 1984), romance do poeta e ensaísta alagoano Lêdo Ivo (1924 – 2012). Eleito em 1986 para ocupar o assento nº 10 da Academia Brasileira de Letras (ABL), Lêdo Ivo compôs uma narrativa com título de forte impacto (parecendo sugerir o espírito dos tempos atuais), cujas ações transcorrem durante a década de 80, com uma ditadura civil-militar ainda vigente, mas já perdendo força. O espaço das ações é intercalado entre o Rio de Janeiro e Maceió, cidade natal do delegado e narrador-protagonista. Em seus 20 capítulos, o romance alterna a narração em primeira e terceira pessoa (narrador-protagonista e narrador onisciente), criando um movimento de aproximação e distanciamento.
Após atuar como advogado de “porta de xadrez”, o protagonista é aprovado em primeiro lugar em um concurso para delegado de polícia, função que exerce com o objetivo de promover seus anseios de higienização social. É um homem solitário, que busca em suas andanças pela noite o sossego que não encontra em sua labuta diária. Para ele, mendigos, alcoólatras, prostitutas, batedores de carteira e marginais de toda espécie são entulhos que precisam ser varridos do convívio social. Esse perfil é notado em reflexões e digressões do próprio narrador ou no diálogo que este estabelece com outro personagem, o delegado Plutarco, que afirma: “Polícia quer dizer asseio, limpeza, pode olhar no dicionário”.
Com a ditadura perdendo autoridade, manifestações, agitações políticas e greves começam a surgir com maior intensidade, assim como as denúncias de desaparecidos políticos. Nesse contexto, o narrador é convidado a assumir a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas. Pensa na chance que surge para vingar a morte do tio, promotor público assassinado em Maceió, porém, é dissuadido pelo delegado Plutarco, que o convence a permanecer no Rio. “Eu haveria de dedicar a minha vida e meu destino a essa limpeza, à ampliação do território branco capaz de esclarecer as mentiras humanas”.
De ideias retrógradas e conservadoras, o protagonista de A Morte do Brasil lembra, em alguns aspectos, o personagem de Rogério Sganzerla em O Bandido da Luz Vermelha, o delegado Cabeção.
Um detalhe curioso nessa obra de Lêdo Ivo são os nomes dos personagens: Laudelino, Iranildo, Clodoaldo, Belarmina, Baltazar, Juvêncio, Wanderley, Plutarco. Em um diálogo entre o delegado-protagonista e o deputado Peixoto Cabral, é como se o personagem estivesse a falar sobre problemas do Brasil de hoje, daí a sensação de atualidade em algumas passagens (mesmo tendo sido lançado há mais de 30 anos).
“– Este país mudou muito, e para pior. Nunca vi tanta greve, tantos crimes e assaltos, tanta amargura, tanta insatisfação social! O povo, desempregado e faminto, invade supermercados. Da corrupção, nem é preciso falar. O Brasil foi convertido num grande balcão de negociatas e escândalos financeiros e está apodrecendo a olhos vistos. Também nunca vi tanto ódio reprimido. A cordialidade brasileira é um mito, uma invenção de historiadores palacianos. A coisa que mais me impressiona é esse clima de ódio e ressentimento que os envolve. É uma atmosfera carregada de eletricidade, como antes de um temporal. Quanta violência! Um dia isto estoura”. (p. 138 e 139).
No decorrer da leitura, contudo, não fica claro qual trama de fato orienta e conduz a narrativa. Ao longo dos capítulos, não avançamos além de digressões, diálogos e cenas urbanas. Esse talvez seja o ponto fraco do livro de Lêdo Ivo, pois a não definição de um conflito que instaura o desfecho ou uma possível reviravolta necessária para a conclusão da obra, dificulta o entendimento e a compreensão do leitor, de modo que A Morte do Brasil reflete ainda problemas atuais, mas comete um deslize ao não delinear com maior nitidez os traços de conflitos por trás de cada capítulo.

A MORTE DO BRASIL | Lêdo Ivo
Editora: Leitura;
Tamanho: 207 págs.;
Lançamento: Outubro, 2007 (atual edição).

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