quinta-feira, 9 de junho de 2016

O cônjuge e o direito sucessório face ao novo Código Civil

I-) HERDEIROS NECESSÁRIOS:
            O atual Código Civil estabelece em seu artigo 1603 a ordem de vocação hereditária e nela estabelece-se às pessoas aptas a herdar, estabelecendo classes onde é feita à hierarquização hereditária. Esse artigo estatui a seguinte ordem: descendentes; ascendentes; ao cônjuge sobrevivente (equipara-se aqui o companheiro sobrevivente); aos colaterais e aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União. Com cada uma das classes recebendo a herança e excluindo, de forma seqüenciada àquelas que a sucederiam, e, em relação aos graus, os mais próximos excluem os mais longínquos do "de cujus".
            Por força da lei, metade da herança deixada ficará com os herdeiros necessários, que atualmente são os descendentes e os ascendentes. Portanto, se houverem bens deixados de herança, metade dessa ficará obrigatoriamente com os herdeiros necessários, podendo livremente dispor da outra metade o morto, mas, desde que em vida, tenha realizado o ato de última vontade, separando metade de seu patrimônio a outros da ordem de vocação ou até mesmo a terceiros estranhos a essa ordem, por ser uma parte livre dos efeitos vinculativos da necessária.
            Na nova ordem civil que está as vias de ganhar vigência no mundo jurídico, algumas alterações insurgem tanto quanto a ordem, bem como os herdeiros necessários. Na ordem da vocação, o inciso quinto do atual 1603 será retirado do rol por força do artigo 1829 e seus incisos do NCC (1), que em momento algum mencionam o Poder público. Os herdeiros necessários passaram a ter mais um integrante, que é o cônjuge. Este passará a integrar o pólo dos herdeiros que adquiriram direito a parte necessária, ou seja, com direito a metade indisponível da herança.
            O tema gera controvérsias ao balizarmos esta área com a do direito de família, especificamente no que versar aos regimes de bens, pois, teremos algumas complicações que passaremos a expor.

II-) DA INSERÇÃO DO CÔNJUGE E SUAS PECULIARIEDADES EM COMPARAÇÃO COM O CÓDIGO CIVIL VIGENTE E O NOVO CÓDIGO CIVIL:
            A inserção do cônjuge, nos herdeiros necessários, é justificável, pois, são os objetivos do casamento, como lembra a professora Maria Helena Diniz ao citar Portalis, no que versa o papel dos cônjuges no casamento: "ajudar-se, socorrer-se mutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar sua espécie" (2). Dessa sorte, o cônjuge tem uma comunhão de vida com o outro, pleno conhecimento de suas atividades, de seus negócios, partilhando idéias e sentimentos comuns, bem como enfrentando momentos de alegria e dificuldade.
            Na área emocional, verifica a importância do cônjuge no cenário familiar, como companheiro, amigo e confidente. O plano jurídico apresenta-se o cônjuge com importância, pois, ajuda a consolidar uma das pedras angulares, fulcrais da instituição ordenada da sociedade e da família, aos quais o Estado quer manter. A Constituição da República, em seu artigo 226, caput erige a importância da família e por vários textos constitucionais releva a importância da instituição do matrimônio civil, seja por razões emocionais humanas ou para ressaltar a união dos mesmos em uma comunidade com vistas à consolidação do lar e das famílias, ofertando maior proteção a eles.
            Pelo ordenamento demonstrar sucessivamente sua feição pela família constituída em casamento, bem como pela pessoa do cônjuge no direito civil, no quer versa a família, mais do que justo e plausível é a inovação da lei civil ao fazer com que ele seja reconhecidamente um herdeiro necessário. Mas, a lei civil, como verifica o decréscimo dos casamentos, e a fragilidade das relações, buscou incentivar o casamento, e, para tal, estabeleceu normas mais benevolentes ao cônjuge na sucessão.
            O corpo normativo civil estabelece hodiernamente que o cônjuge é herdeiro, mas não elevado ao patamar de necessário. Para que o cônjuge receba pelo direito sucessório deverão inexistir ascendentes ou descendentes, e, em existindo, deverão estes renunciar a seus direitos. Poderá o marido ainda afastar o cônjuge da herança, pois, ao testador, neste caso, vige o princípio da ampla liberdade para testar. Pelo outro lado, o cônjuge receberá pelo direito de família, se ele ao realizar oprocesso de habilitação e o casamento com a manifestação de vontade válida, tenha escolhido o regime da comunhão de bens, parcial ou total.
            O Novo Código Civil, como bem ressaltamos estabelece condições favoráveis ao cônjuge. Uma dessas inovações, fora a de elevá-lo ao nível de necessário, como aponta o artigo 1838, recebendo por inteiro a herança na falta das classes anteriores, não podendo ser privado da herança como ocorre hoje, criando também o chamado direito de concorrência. Nesse direito se com ele concorrer com as duas classes anteriores a ele (ascendentes / descendentes), subindo e indo concorrer com elas, em partes iguais se forem descendentes e, sendo garantido 1/4 da herança no mínimo se for descendente seu. Em sendo ascendente o herdeiro, será em três partes e, será metade se for ascendente de 1º grau único ou outro grau.
            Segundo as lições de Maria Helena Diniz que eficientemente nos lembra: "por ser herdeiro necessário (CC, arts. 1845, 1789 e 1846), tem resguarda, de pleno iure, a metade dos bens da herança, que constitui a legítima, pois o testador, havendo herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivo), só poderá dispor da metade da herança. Trata-se de importante inovação a inclusão do cônjuge entre os herdeiros legitimários, amparando-o, dando-lhe uma condição hereditária mais benéfica, considerando-se que o vínculo conjugal, a afeição e a intimidade entre marido e mulher não são inferiores ao da consangüinidade. Como herdeiro necessário, é chamado à herança ao lado dos descendentes e ascendentes, ou isoladamente quando não concorrer com eles. Possui, de pleno direito, a metade dos bens da herança se não houver descendente ou ascendente, tendo-se por pressuposto que o falecimento de um dos consortes não poderia desamparar o outro com a transmissão de todos os bens hereditários a pessoa estranha por testamento" (3).
            O Código em vigor, oferece o amparo obrigatório de um dos cônjuges para com o outro, ex vi legis, artigo 231, III e futuramente artigo 1566, III. Se durante a mantença da sociedade matrimonial é conferido a segurança e a assistência recíproca, porque essa não deveria subsistir, quando o casamento veio a termo por fatores alienígenas à vontade dos cônjuges. A lógica do legislador no livro de sucessões repetindo a consistência protecionista do direito de família foi louvável, ao nosso ver, interligando os sistemas civis com a ótica do legislador penal no seu artigo 244.
            Tanto é assim, que o artigo 1829, I, erige o direito de concorrência, porém, no caso de descendência, devemos observar o regime do matrimônio fixado, pois, se for o da comunhão universal de bens a proteção se configuraria um abuso, pois, o direito de família já tutelaria metade dos bens a que ele teria direito. O Código apresenta outras exceções a essa regra, que podemos vislumbrar, que é a do regime da separação obrigatória de bens ser escolhido pelos cônjuges e a outra é a do regime da comunhão parcial de bens, sem que o cônjuge falecido tenha deixado bens particulares.
            Em síntese, se o cônjuge sobrevivo for casado no regime da separação convencional de bens ou na comunhão parcial, terá a sua meação garantida mesmo existindo classes superiores, consoante a regra do artigo 1829, podendo dizer que no atual sistema ele se equipararia a um descendente ou a um ascendente, recebendo quinhão igual e sucedendo por cabeça e com o privilégio de sua cota parte não ser inferior a 1/4 do total a ser percebido, consoante o artigo 1832 do NCC. Assim:
            A – B: Casados no regime da comunhão parcial de bens, não deixando ascendentes, somente descendentes, no caso cada um receberá seu quinhão, com o cônjuge recebendo 1/4 do total, retirando 1/4 da herança e depois dividindo por 4.
            Em sendo a concorrência com os ascendentes, a regra modifica, mas o espírito protecionista é mantido, pois, conforme o artigo 1829, II c.c os artigos 1836 e 1837 do NCC, que estabelecem em havendo ascendente de primeiro grau, o cônjuge concorrerá na proporção de 1/3 do total da herança, com a possibilidade de subir até 1/2, caso haja um ascendente somente ou maioridade gradativa. Assim, por exemplo, A morre e deixa B como cônjuge, sem descendentes, mas com ascendentes do lado do pai (C e D) e da mãe ( E e F). A herança de R$ 50.000,00 ficará disposta conforme o artigo 1836 e seus parágrafos da seguinte forma: B receberá (1/3) R$16.666,67, operando uma divisão em atendimento ao § 1º do artigo 1836 em linhas, R$ 33.333,33, repartindo entre os ascendentes com cada recebendo 1/4 do total, perfazendo R$ 8.333,25.
            Ao nosso ver, faltou somente o Código inserir elemento que verse sobre a prova de apesar do casamento persistir, se haveria o convívio pacífico e respeitoso entre ambos no trato diário, ao invés de, deixar exclusivamente para futura ação visando declaração de indignidade (art. 1814, NCC) ou de deserdação (art. 1962, NCC) que poderá aparecer naturalmente como efeito do maltrato.

III-) DA SEPARAÇÃO JUDICIAL E DE FATO E SEUS EFEITOS JURÍGENOS:
            A separação de fato nada influi no direito sucessório, se não for convertido esse prazo em divórcio direto, pois, nos termos legais, persistirá o liame matrimonial, portanto, tendo direitos hereditários. A separação fática não apresenta efeitos legais para o direito, apenas podendo apresentar no ramo penal, a possível tipificação do adultério, nos termos do artigo 235 do CP.
            O professor Silvio Rodrigues assim leciona: "A lei exige, para afastar o cônjuge da sucessão, esteja o casal desquitado ou divorciado. Assim, a despeito de separados de fato, cada qual vivendo em concubinato com terceiro, a mulher herda do marido e este dela se morrerem sem testamento e sem deixarem herdeiros necessários" (4) e agora como concorrente.
            Em havendo casamento nulo ou anulável e morrendo um dos cônjuges sem que seja declarada a sua nulidade no momento da sucessão, terá ele direito, cabendo lembrar que alguns dos impedimentos matrimoniais, são passíveis de convalidação, mas os que eivam de nulidade o casamento conforme o atual artigo 206, fazem com que o casamento não seja válido, portanto, não será considerado cônjuge, podendo receber somente por via testamentária. No caso da anulação, lembremos as lições de Washington de Barros Monteiro: "Se anulado o matrimônio, proclamando-se-lhe, no entanto, a putatividade, o sobrevivente de boa-fé tem direito sucessório, se posterior à morte do outro cônjuge a sentença de anulação"(5).
            A separação judicial influi no direito de sucessão, pois, verificamos que expressamente o artigo 1830 do NCC, menciona a separação judicial como excludente do rol dos herdeiros e a separação de fato por prazo superior a 2 anos. Ou seja, a separação inferior a 2 anos mantém o direito sucessório do cônjuge e essas separações poderão ser elididas com o cônjuge retornando ao rol se conseguir provar os atos que tornaram a convivência impossível, o que ao nosso ver reveste-se de justiça. Há ainda, a manutenção do direito de habitação, no artigo 1831 do NCC, mas esse imóvel deve ter sido o local da relação conjugal, sendo sede estável da relação, mas este direito surge com uma condição resolutiva, a de durar até persistir a viuvez, conforme vige na lei atual. A lei no que versava ao usufruto, foi suprimida, por ter sido elevado o cônjuge ao patamar de necessário.

IV-) REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS E SUA INSERÇÃO NA LEGÍTIMA:
            Caso o regime seja o da separação total de bens, não vislumbro correta a inserção do cônjuge nos herdeiros necessários, pois, de forma expressa e manifesta, os cônjuges demonstraram sua insatisfação em conjugar e unificar os patrimônios. Portanto, porque haveria a lei nessa hipótese de escolher pelo cônjuge, uma vez que, pelo novo Código Civil será facultadas a escolha e modificação do regime de bens durante a constância do casamento em qualquer momento.
            Uma hipótese interessante surge nos casamentos em que o regime foi escolhido sobre esse Código e não mudam o mesmo futuramente, assim, surgiria o direito para os demais herdeiros excluí-la do rol? Entendemos haver uma incompatibilidade entre a lei e a vontade dos cônjuges, que nesse caso deve prevalecer como exceção no direito de família e sucessório, pois ambos protegem a família e evitam possíveis fraudes ao sistema sucessório e a estrutura familiar.
            Portanto, não há empecilho legal na sua inserção, apesar da escolha de regime, mas vejo com incoerência a não feitura de uma proibição expressa do legislador, que ainda, facultou a mudança no regime de bens. Mas, deve-se atentar a Súmula 377 do STF que menciona: "No regime da separação lega de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento", assim, se resultarem de esforço comum de ambos e o cônjuge desconhecia da faculdade de alterar o regime, entendemos ser justa a sua inserção, mas de outra forma, não.
            Concluímos o trabalho, entendendo que o Novo Código Civil está sendo muito coeso, justo, ponderado no seu tratamento com o cônjuge por perceber seu importante papel na vida na sociedade conjugal e na estrutura familiar como fundamento da ordem social e respeito aos preceitos sacramentais da justiça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
            I-) DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5 – Direito de Família; 11ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996.
            II-) DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 6 – Direito das Sucessões; 16ª Ed; Saraiva; SP /SP; 2002.
            III-) MONTEIRO, Washington de Barros; Curso de Direito Civil, vol. 6; 30ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996.
            IV-) RODRIGUES, Silvio; Direito Civil, vol. 7 – Direito das Sucessões; 20ª Ed; Saraiva; SP /SP; 1995.

Notas
            1. A sigla NCC representa o Novo Código Civil durante o transcorrer do trabalho.
            2. DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5 – Direito de Família; 11ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996; p. 34.
            3. DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 6 – Direito das Sucessões; 16ª Ed; Saraiva; SP /SP; 2002; p. 105.
            4. RODRIGUES, Silvio; Direito Civil, vol. 7 – Direito das Sucessões; 20ª Ed; Saraiva; SP /SP; 1995; p. 77.

            5. MONTEIRO, Washington de Barros; Curso de Direito Civil, vol. 6; 30ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996; p. 83.

Tribunal de Justiça da Bahia confisca bens do prefeito Humberto por causa de fraudes

Notícias

Tribunal de Justiça da Bahia confisca bens do prefeito Humberto por causa de fraudes



Uma decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decretou a indisponibilidade de bens do prefeito do município de Santo Antônio de Jesus, no recôncavo baiano, Humberto Soares Leite (DEM), no valor de R$ 220 mil. A decisão foi publicada nesta quarta-feira (8).

O caso tem a ver com irregularidades apontadas pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), que acusa o gestor de improbidade administrativa em contratos com o escritório de advocacia Pedreira e Queiroz Advogados Associados.

Uma decisão de primeira instância já tinha sustado o contrato com o escritório e imputado multa diária de R$ 5 mil ao gestor em caso de desobediência. Segundo a decisão atual, os fatos são suficientes para “o cabimento da medida”, sendo que o “ato de improbidade causou lesão ao patrimônio público ou ensejou enriquecimento ilícito”. 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

DPU COBRA NA JUSTIÇA CONCLUSÃO DE REFORMA NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE SALVADOR

DPU COBRA NA JUSTIÇA CONCLUSÃO DE REFORMA NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE SALVADOR

A unidade da Defensoria Pública da União em Salvador ajuizou ação civil pública com o objetivo de garantir a continuidade das obras do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Hospital das Clínicas). Em 2011 foram iniciadas uma série de reformas para melhoria e ampliação do atendimento à população. Enquanto parte das reformas da instituição, vinculada à Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi concluída com êxito, beneficiando o atendimento e a estrutura do hospital, outras obras foram paralisadas em virtude de suposta extinção do contrato com as empresas de engenharia.
Paralisadas desde 2013, as obras permanecem sem qualquer previsão de reinício ou de conclusão, impossibilitando a expansão do número de procedimentos médico-hospitalares, como internação, cirurgias e consultas, e prejudicando diretamente a saúde e a vida da população que depende da assistência do Sistema Único de Saúde na Bahia. Além disso, a interrupção das obras ocasionou o fechamento de diversos setores do hospital e a redução considerável no número de atendimentos. A população usuária do SUS sofreu com a redução de 35% no número de cirurgias realizadas, de 28% no número de internamentos em leitos integrais e de quase 40% na taxa de ocupação.
A demora na execução dos serviços de requalificação dos prédios tem gerado a judicialização de demandas relacionadas à saúde que visam a garantir a realização de exames e de procedimentos cirúrgicos, além de ocasionar a degradação de diversos aparelhos médicos que se encontram encaixotados e sem uso. Como exemplo, o complexo hospitalar dispõe, desde dezembro de 2011, de aparelho de ressonância magnética no valor de R$ 1.406.75,00 (um milhão, quatrocentos e seis mil e sessenta e cinco reais) que apenas aguarda a conclusão da reforma da sala para ser instalado.
Para a Defensoria Pública da União, em face de todos os prejuízos causados pela paralisação da reforma, se mostrou indispensável a interferência do Poder Judiciário para garantir o reinício das obras, por isso a iniciativa de apresentar a ação civil pública, ajuizada na última segunda-feira (22), de forma a assegurar a retomada dos serviços prestados à população. Segundo o defensor federal Átila Dias, as instalações do Hospital das Clínicas precisam estar prontas e disponíveis para o uso imediato dos usuários. “As faltas ou interrupções de obras e o seu retardo têm causado situações graves para a eficácia operacional dos procedimentos assistenciais”, afirmou.

DPU RECOMENDA A MINISTÉRIO QUE PERMITA DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS

DPU RECOMENDA A MINISTÉRIO QUE PERMITA DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS

Digital LGBT
A Defensoria Pública da União, em atuação conjunta com a Defensoria Pública do Estado da Bahia, expediu ontem (19) recomendação ao Ministério da Saúde para que deixe de impor restrições à doação de sangue por homossexuais. Atualmente, os hemocentros impedem a doação de sangue por gays que tenham tido relação sexual nos 12 meses anteriores.
Para as instituições, a discriminação não se justifica, vez que os heterossexuais adultos já compõem a maior parcela de novas notificações de infecções pelo vírus HIV, conforme dados do próprio ministério. Além disso, a relação homossexual não indica necessariamente exposição a fatores de risco como atividade sexual sem proteção e com múltiplos parceiros.
O documento, assinado pelos defensores públicos federais Emanuel Marques, Erik Boson, Fabiana Severo, Marcos Teixeira e Pedro Rennó Marinho; e pelo defensor público estadual Felipe Noya, orienta que o órgão retifique a Portaria 2.712/13 com a supressão do Inciso IV do Art. 64, que traz a proibição de 12 meses para a doação de sangue de homens que tiveram relações sexuais com outros homens, além das parceiras sexuais destes.
Os responsáveis pelo documento orientaram ainda que o ministério expeça determinação para que todos os hemocentros do país retifiquem os formulários de cadastro de doadores de sangue com a supressão do item.
Segundo os defensores públicos, a restrição, mesmo que temporária, configura norma discriminatória desprovida de razoabilidade e de lastro constitucional, sendo, inclusive, contraditória com outros atos normativos expedidos pelo próprio Ministério da Saúde.
Os defensores sublinharam, ainda, a realidade dos hemocentros nacionais, que constantemente estão com baixo estoque ou, até mesmo, com ausência, de alguns tipos sanguíneos, o que demonstra a inexistência de interesse público na restrição focada na orientação sexual do indivíduo.
Ante o panorama constitucional e legal apresentado na recomendação, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado da Bahia deram prazo de 30 dias para cumprimento. De acordo com o defensor Erik Boson, existe grande expectativa de que o ministério resolva a questão, mas o grupo avalia a apresentação de ação civil pública se for necessário.
Os defensores públicos federais compõem o Grupo do Trabalho Identidade de Gênero e Cidadania LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexuais), recém-criado pela Defensoria Pública da União para promover os direitos da população LGBTI, bem como enfrentar o preconceito e a discriminação contra minorias de gênero e atender esse público em situação de prisão. A primeira composição foi nomeada em dezembro passado.

JUSTIÇA DETERMINA QUE VÍTIMA DE AVC RECEBA BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

JUSTIÇA DETERMINA QUE VÍTIMA DE AVC RECEBA BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

J.C.P.S., 61 anos, portador de Hipertensão, Diabetes e sequelas decorrentes de um infarto cerebral obteve na Justiça o direito a receber o benefício de prestação continuada (BPC/LOAS). O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) negou o pedido administrativo pelo benefício em fevereiro do ano passado por entender que o assistido não atende ao requisito de impedimento de longo prazo. A Defensoria Pública da União (DPU) na Bahia atuou no caso.De acordo com a defensora federal Graciela Rosa, a incapacidade do assistido foi devidamente comprovada e reconhecida por especialistas que o acompanhavam desde 2012. J.C.P.S. faz uso crônico de medicamentos indicados para o tratamento dessas doenças e, em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), sofrido naquele ano, tem formigamentos nos membros e dificuldade de locomoção.
Até o ano passado, o assistido residia com seus dois filhos, de 15 e 22 anos, no bairro de Itinga, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. A renda mensal da família era de apenas R$ 300, provenientes de atividades informais realizadas pelo filho maior de idade. Em busca de melhores condições, os filhos mudaram-se para a casa de parentes e J.C.P.S. passou a sobreviver exclusivamente de doações de vizinhos e instituições religiosas.
“Percebe-se a nítida insuficiência para a manutenção decente dessa família, restando preenchido, de forma inquestionável, o requisito econômico para o benefício pleiteado,” afirmou a defensora Graciela Rosa.
Perícia médica reconheceu a incapacidade total e temporária do assistido para a atividade laboral e a perícia socioeconômica, também designada pela Justiça, atestou a situação de miserabilidade e vulnerabilidade social.
Além de condenar o INSS a conceder o benefício no valor de um salário mínimo mensal, o juiz federal Cristiano Miranda de Santana determinou o pagamento das parcelas vencidas a partir da data da perícia socioeconômica, realizada em outubro de 2014.
“Negar o amparo assistencial à parte autora seria perpetuar sua situação de penúria e limitação, quadro que o mencionado benefício visa atenuar,” afirmou o magistrado.

Defensoria Pública da União (DPU) na Bahia

CONSELHO DE MEDICINA VETERINÁRIA É OBRIGADO A RETIRAR MULTA DE LOJA NA BAHIA

Acolhendo pedido feito pela Defensoria Pública da União (DPU) na Bahia, a Justiça Federal deferiu liminar em favor de R.L.M., 35 anos, após um dia do ajuizamento da ação. Ela é proprietária de pet shop que comercializa produtos para aquários, peixes ornamentais, objetos para cães e realiza, secundariamente, banho e tosa animais. A dona da loja ficou desobrigada de inscrever a empresa no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) na Bahia, de contratar um médico veterinário e de pagar multa estabelecida pelo conselho.
R.L.M. possui o estabelecimento desde 2013 sob o regime de microempreendedor individual e nunca comercializou remédios ou vacinas para animais no local. Em 2014, recebeu uma notificação do CRMV/BA no sentido de obter inscrição no órgão, sendo informada que a loja não poderia funcionar sem a contratação de um médico veterinário.
Diante do pequeno faturamento de seu empreendimento e sem condições de contratar um veterinário, R.L.M. se dirigiu ao Conselho para obter esclarecimentos sobre quais medidas tomar. Ela foi informada que só poderia operar sem um médico responsável se retirasse os produtos de uso veterinário do estabelecimento, ao que prontamente atendeu. Mesmo já estando enquadrada nas exigências do CRMV, recebeu multa no valor de R$ 3 mil. Não obstante a contestação da multa por meio de recursos administrativos, continuou a receber notificações para regularizar sua situação no CRMV.
Para o defensor público federal Carlos Maia Fonseca as exigências do Conselho, ainda que baseadas em portaria, são ilegais por imporem obrigações não previstas em lei. “As atividades desenvolvidas pela assistida não se enquadram como atividades peculiares à medicina veterinária, constantes nos artigos 27, cumulado com 5º e 6º da Lei 5517/68; o que conduz à ilegalidade da multa aplicada, bem como a inexigibilidade de submissão ao procedimento de inscrição no CRMV e/ou de contratação de Médico Veterinário”, afirmou.
A decisão liminar foi proferida pelo juiz Wilson Alves de Souza, da 7ª Vara Cível e Agrária no dia 29 de março. Na sentença, o magistrado argumentou que as consequências práticas das exigências do CRMV podem inviabilizar a atuação do estabelecimento de pequeno porte.

terça-feira, 24 de maio de 2016

ESQUIZOFRENIA

ENTREVISTA

ESQUIZOFRENIA

Wagner Gattaz é médico psiquiatra e professor de psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica endógena, que se caracteriza pela perda do contato com a realidade. A pessoa pode ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido, indiferente a tudo o que se passa ao redor ou, os exemplos mais clássicos, ter alucinações e delírios. Ela ouve vozes que ninguém mais escuta e imagina estar sendo vítima de um complô diabólico tramado com o firme propósito de destruí-la. Não há argumento nem bom senso que a convença do contrário.
Antigamente, esses indivíduos eram colocados em sanatórios para loucos, porque pouco se sabia a respeito da doença. No entanto, nas últimas décadas, houve grande avanço no estudo e tratamento da esquizofrenia que, quanto mais precocemente for tratada, menos danos trará aos doentes.
PRINCIPAIS SINTOMAS
Drauzio – A esquizofrenia é uma doença conhecida há quanto tempo?
Wagner Gattaz – Há alguns milênios eram descritos casos de psicose que, segundo os critérios atuais, poderiam ser classificados como esquizofrenia. Por isso, dizemos que a esquizofrenia é uma doença própria da natureza humana e que sempre existiu, pelo menos é o que provam descrições históricas muito antigas.
Drauzio – Quais são seus principais sintomas?
Wagner Gattaz – Grosso modo, há dois tipos de sintomas: os produtivos e os negativos. Os sintomas produtivos são, basicamente, os delírios e as alucinações. O delírio se caracteriza por uma visão distorcida da realidade. O mais comum, na esquizofrenia, é o delírio persecutório. O indivíduo acredita que está sendo perseguido e observado por pessoas que tramam alguma coisa contra ele. Imagina, por exemplo, que instalaram câmeras de vídeo em sua casa para descobrirem o que faz a fim de prejudicá-lo.
As alucinações caracterizam-se por uma percepção que ocorre independentemente de um estímulo externo. Por exemplo: o doente escuta vozes, em geral, as vozes dos perseguidores, que dão ordens e comentam o que ele faz. São vozes imperativas que podem levá-lo ao suicídio, mandando que pule de um prédio ou de uma ponte.
Delírio e alucinações são sintomas produtivos que respondem mais rapidamente ao tratamento. No outro extremo, estão os sintomas negativos da doença, mais resistentes ao tratamento, e que se caracterizam por diminuição dos impulsos e da vontade e por achatamento afetivo. Há a perda da capacidade de entrar em ressonância com o ambiente, de sentir alegria ou tristeza condizentes com a situação externa.
Drauzio – Cite exemplo de um caso que você encontrou na clínica.
Wagner Gattaz – Vou citar o exemplo de um caso de esquizofrenia do tipo paranoide que ocorreu ainda no tempo da Guerra Fria. O paciente tinha convicção absoluta de que a energia de seus pensamentos estava sendo roubada por um satélite russo e era transformada em energia bélica para destruir os satélites americanos.
Drauzio – O paciente considera o que sente absolutamente lógico e real?
Wagner Gattaz – Existe uma lógica perfeita dentro do delírio, só que ela não corresponde à realidade. Uma das características do delírio, aliás a que o diferencia do erro, é que não se consegue removê-lo com contra-argumentação lógica. A convicção é absoluta e tentar dissuadi-lo, é inútil. Ouvir – “Imagine, você não está sendo perseguido. Você está imaginando coisas” -, basta para acreditar que está diante de mais um de seus perseguidores, de alguém que faz parte do complô armado para destruí-lo.
SINTOMAS NEGATIVOS
Drauzio – Como transcorre o dia a dia de um paciente com sintomas negativos?
Wagner Gattaz – Na verdade, 80% das esquizofrenias começam com os sintomas negativos. Delírio e alucinação chamam mais a atenção. Já os sintomas negativos ocorrem mais no íntimo das pessoas e causam menos impacto nos outros. É o caso do indivíduo que, certo dia, não vai trabalhar, não avisa ninguém e passa o dia todo deitado, tomando café e fumando. A família percebe o olhar distante, como se estivesse em outro mundo. Ele não se importa com o que acontece ao redor, não cuida da higiene pessoal nem se alimenta direito. Geralmente, esses sintomas marcam o começo da doença, a fase chamada tremapsicótico, marcada por tensão e ansiedade muito grande. A pessoa sente que algo está acontecendo, mas não sabe dizer o que é.
Drauzio – A família percebe que ele está diferente e não se relaciona com os outros como fazia antes. O paciente nota essas mudanças?
Wagner Gattaz – Ele percebe que algo está acontecendo a seu redor, mas acha que são coisas que os outros estão armando contra ele. Isso é característico da esquizofrenia. O paciente se considera uma vítima das circunstâncias externas. Na verdade, nesse momento, não tem a consciência crítica de que está adoecendo.
EVOLUÇÃO DO PROCESSO ESQUIZOFRÊNICO
Drauzio – Você diz que, em geral, a doença começa por um certo alheamento em relação às circunstâncias que rodeiam o paciente e que o quadro de alucinações e delírios surge mais tarde. Como se processa a evolução da doença?
Wagner Gattaz – Varia de indivíduo para indivíduo. O processo esquizofrênico pode levar anos. Como já mencionei, na fase inicial, a sensação de que algo está acontecendo, mas o paciente não sabe o quê, é caracterizada por muita tensão e ansiedade. Em determinado momento, porém, ele fala – “Estou sem forças, porque estão tramando algo contra mim e colocaram veneno na minha comida”.  Essa explicação delirante é suficiente para diminuir o nível de tensão e ansiedade. É como se a pessoa tivesse uma dor de causa desconhecida e, de repente, chegasse a um diagnóstico que, de algum modo, a tranquilizasse.
Drauzio – Esses sintomas, tanto os produtivos quanto os negativos, comprometem outras áreas da cognição. Eles permitem que a pessoa continue estudando, aprendendo coisas novas, exercendo suas funções no trabalho?
Wagner Gattaz – Durante um certo tempo sim, enquanto a vontade e os impulsos estiverem preservados. A partir do momento em que são diminuídos e achatados, a atividade do dia a dia fica seriamente prejudicada. Num estágio mais avançado da doença, ocorre prejuízo cognitivo e de funções como concentração e memória.
REAÇÃO DOS FAMLIARES E CONSUMO DE DROGAS
Drauzio – Como costumam reagir os familiares quando percebem que a pessoa não vai trabalhar, está esquisita e menos afetuosa?
Wagner Gattaz – No início, a reação é de perplexidade. A família não encontra explicações para a mudança de comportamento e uma das primeiras perguntas que faz é se a pessoa não estaria consumindo drogas. Quando começam as alucinações, então, aumenta a suspeita de que isso possa realmente estar acontecendo.
Na verdade, o uso de drogas não é raro na esquizofrenia, não como causa, mas como consequência. Sabemos que, no início, algumas drogas exercem certo efeito sedativo, tranquilizante, o que nas fases de ansiedade e tensão pode melhorar o humor do paciente.
Drauzio – Qual a droga procurada com mais freqüência? Existe alguma que acelera o processo de instalação da esquizofrenia?
Wagner Gattaz – A mais procurada é o álcool. A maconha também é usada, porém com menos frequência. Consumo de drogas mais pesadas costuma ser raro.
Bom lembrar que as anfetaminas, popularmente conhecidas de bolinhas, quando tomadas em excesso, podem provocar psicoses clinicamente idênticas à esquizofrenia. Clinicamente, é impossível diferenciá-las. Aliás, o melhor modelo artificial de uma psicose esquizofrênica é o causado pelas anfetaminas. A cocaína também pode provocar quadros psicóticos semelhantes, mas não tão característicos quanto aos das anfetaminas.
Drauzio – Sabe-se que a cocaína provoca delírios persecutórios. O álcool pode disparar processos semelhantes? Tive um paciente que bebia muito e acordou no meio da noite ouvindo uma voz que o mandava matar a mulher. Ficou tão apavorado, que saiu a andar pelas ruas. Quando voltou para casa pediu à mulher que o levasse para o hospital, porque algo de errado estava acontecendo com ele. 
Wagner Gattaz – O álcool pode desencadear paranoias. A grande diferença entre a paranoia da esquizofrenia e a alcoólica reside no fato de que, neste último caso, os pacientes reconhecem a anormalidade da situação e pedem ajuda. Isso não ocorre pelo menos no primeiro surto esquizofrênico. Com o tempo, entretanto, alguns pacientes aprendem a detectar os chamados pródomos da doença, ou seja, as manifestações que antecedem o desencadear da psicose. Esses ligam para o médico, pedem ajuda, querem rever a medicação. Infelizmente, não mais do que 20% dos pacientes com esquizofrenia têm esse insight, isto é, a capacidade de perceber a crise psicótica está voltando.
MANIFESTAÇÃO NOS DOIS GÊNEROS
Drauzio – Em geral, a esquizofrenia se instala em que faixa de idade?
Wagner Gattaz – A esquizofrenia se instala em pessoas jovens. O pico da instalação se dá, no homem, por volta dos 25 anos de idade. A mulher parece estar um pouco mais protegida. Nela a doença ocorre mais tarde, por volta dos 29/30 anos. A incidência, porém, é igual nos dois sexos. A proporção é de um homem para cada mulher com a doença.
Drauzio – Nas mulheres, a evolução é mais lenta e menos grave do que nos homens?
Wagner Gattaz – É mais benigna na mulher. Mais benigna provavelmente por dois fatores: a instalação da doença ocorre mais tarde e elas se casam mais cedo. Assim, antes da manifestação da psicose, a mulher tem a possibilidade de construir uma rede social e familiar que vai ajudá-la no decorrer da doença. Coisas simples como tomar medicação de forma adequada e procurar o médico precocemente fazem muita diferença.
Por casar-se mais tarde e a doença instalar-se mais cedo, frequentemente o homem não construiu ainda uma estrutura familiar que lhe dê respaldo. Outro motivo, ainda objeto de pesquisa, que torna a doença mais amena na mulher, é que os hormônios sexuais femininos, os estrógenos principalmente, têm na célula nervosa um efeito semelhante ao dos medicamentos antipsicóticos. É como se a mulher possuísse um antipsicótico endógeno protegendo-a contra as manifestações da doença.
Drauzio – Isso justificaria a instalação mais tardia e a evolução mais benigna da doença na mulher?
Wagner Gattaz – Sem dúvida. É raro o homem adoecer pela primeira vez depois dos 40 anos de idade. No entanto, cerca de 10% das mulheres têm o primeiro surto psicótico esquizofrênico depois dos 45 anos, época em que ocorre a menopausa e cai a produção de estrógenos.
ÍNDICE DE PREVALÊNCIA
Drauzio – Qual o índice de prevalência da esquizofrenia na população de modo geral?
Wagner Gattaz – A esquizofrenia é uma doença frequente e universal que incide em 1% da população. Ocorre em todos os povos, etnias e culturas. Existem estudos comparativos indicando que ela se manifesta igualmente em todas as classes socioeconômicas e nos países ricos e pobres. Isso reforça a ideia de que a esquizofrenia é uma doença própria da condição humana e independe de fatores externos. Em cada 100 mil habitantes, surgem de 30 a 50 casos novos por ano.  Neste momento, 5% da população mundial têm esquizofrenia. Portanto, em termos de Brasil, isso significa que 800 mil habitantes são portadores dessa doença.
FATORES GENÉTICOS E AMBIENTAIS
Drauzio – O fato de a incidência da esquizofrenia ser mais ou menos igual em todas as sociedades faz supor que exista uma base neurobioquímica que justifique seu aparecimento.
Wagner Gattaz – Existe um componente genético importante. O risco sobe para 13%, se um parente de primeiro grau for portador da doença. Quanto mais próximo o grau de parentesco, maior o risco, chegando ao máximo em gêmeos monozigóticos. Se um deles tem esquizofrenia, a possibilidade de o outro desenvolver o quadro é de 50%.
Drauzio – Como não são todos da mesma família que desenvolvem o quadro, é possível pensar que fatores ambientais colaborem para o aparecimento da doença?
Wagner Gattaz – Estudos genéticos são o melhor argumento de que nem tudo é genético. Existe uma contribuição ambiental. Pena que até hoje não tenhamos conseguido isolar um único fator que aumente com certeza o risco.
Nesse sentido, a esquizofrenia pode ser comparada a muitas outras doenças em que não existem 100% de penetrância genética. É necessário haver uma interação de fatores gerais que vão desde o nascimento (há um número maior de esquizofrênicos nascidos nos meses mais frios) até fatores dietéticos, mas sem uma resposta conclusiva. Sabe-se que existe uma gama de fatores que causam ou impedem o desencadeamento da doença.
EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO
Drauzio – No passado, o tratamento da esquizofrenia era precário. Hoje, houve um grande avanço farmacológico nessa área. Qual a melhor estratégia para tratar uma pessoa com essa doença?
Wagner Gattaz – Realmente, o progresso foi muito grande. Na verdade, começou no início dos anos 1950 com a introdução do primeiro medicamento antipsicótico. Ele provocou um esvaziamento dos hospitais psiquiátricos que eram usados como asilos para esses pacientes no passado. De lá para cá, esses medicamentos evoluíram muito. Hoje existem medicamentos com poucos efeitos colaterais que atuam nos sintomas negativos da doença.
Essa é a questão-chave. Como foi dito, o paciente com psicose esquizofrênica nem sempre tem consciência crítica de seu estado mórbido. Por que iria, então, tomar remédios para o resto da vida, ainda mais se têm efeitos adversos? Por isso, a principal causa de recaída da doença era o abandono do tratamento. Com o advento de novos medicamentos que são mais bem tolerados, aumentou a aderência do paciente ao tratamento e sua continuidade mesmo depois que desaparecem os sintomas.
Além disso, como qualquer doença na medicina, quanto mais precocemente começar o tratamento, melhor. Não só porque o início precoce impede que a doença provoque danos mais sensíveis na personalidade do paciente, mas também evita que ele abandone sua rotina de vida, os estudos, sua atividade profissional, preservando a estrutura socioeconômica que melhora muito o prognóstico.
Existem estudos denominados “Intervenção Precoce” que defendem o início do tratamento antes da manifestação completa da doença. Um deles está em andamento no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Quando se detecta alto risco para a psicose, e existem critérios para determinar isso, prescreve-se o tratamento precoce a fim de evitar o desenvolvimento completo da doença.
Drauzio – Qual é a eficácia do tratamento?
Wagner Gattaz – O tratamento tem boa eficácia para fazer regredir os sintomas negativos. Em muitos casos de adultos jovens e adolescentes, é possível conseguir que eles não interrompam suas atividades e mantenham boa reintegração social, o que evita muitos danos causados pela esquizofrenia.
Drauzio – Esses medicamentos ainda produzem alguns efeitos colaterais. Quais são os mais frequentes?
Wagner Gattaz – A primeira geração de medicamentos, que continuam sendo usados inclusive porque são mais baratos, atua bloqueando o sistema cerebral da dopamina. Esse bloqueio simula os sintomas da doença de Parkinson, uma patologia causada exatamente pela falta de dopamina no cérebro, e ocorrem problemas motores, tremores, torcicolos violentos e rigidez muscular.
Esses efeitos colaterais mais graves da primeira geração foram amplamente abolidos com os medicamentos introduzidos na última década. São mais caros, embora não custem muito se comparados com outros métodos terapêuticos na medicina. Alguns deles provocam ganho de peso, que pode ser controlado com a troca do remédio.
Drauzio – A administração desses medicamentos é cômoda para os pacientes?
Wagner Gattaz – A administração é cômoda, uma dose tomada por dia. Atualmente, estão sendo introduzidos antipsicóticos injetáveis, isto é, uma injeção que o paciente toma a cada duas ou quatro semanas. Isso facilita muito o tratamento e sua manutenção.
ORIENTAÇÃO AOS FAMILIARES E PACIENTES
Drauzio – Como devem ser orientados os familiares para lidar com os doentes?
Wagner Gattaz – A primeira medida é esclarecer a família sobre as características da doença. Ela precisa entender que, se por acaso o paciente teve um surto de nervosismo ou agressividade (o que é raro em esquizofrenia), não se trata de mau caratismo ou maldade. Ele tem uma doença orgânica como qualquer outra, uma doença neuroquímica da qual é muito mais vítima do que agente malfeitor.
Essa informação ajuda a família a compreender melhor o problema e as necessidades do doente. Em um terço dos casos, mesmo a psicose desaparecendo, fica uma pequena sintomatologia residual. A pessoa não volta mais a ser a mesma. Permanece a diminuição dos impulsos e ela não consegue mais dar conta do que fazia antes. Por isso, muitas vezes, é preciso baixar as expectativas em relação ao portador de esquizofrenia. Esse é um fator que pode até ser medido em questionários conhecidos como “Emoções Expressas da Família”. Trabalhos mostram que, quando se reduz a pressão familiar, melhora o prognóstico e diminui o número de recaídas.
Drauzio – Além da medicação, o que você recomenda aos doentes quanto ao estilo de vida?
Wagner Gattaz – Passado o surto agudo, os pacientes podem beneficiar-se participando de diferentes programas que vão ajudá-lo a reintegrar-se na sociedade. São programas que incluem desde terapia cognitiva específica para transtornos esquizofrênicos a fim de ensiná-los a  lidar com os sintomas e a doença, até um treinamento de profissionalização para aqueles que não conseguem retomar as atividades que exerciam antes ou treinamento em oficina abrigada para ajudá-lo a reintegrar-se na sociedade. O tratamento ideal é sempre o que proporciona melhor reintegração social do paciente.