sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Zygmunt Bauman - o pensamento do sociólogo da "modernidade líquida"


Zygmunt Bauman - o pensamento do sociólogo da "modernidade líquida"

Para Zygmunt Bauman, ?vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar? - Reprodção/Wikipedia
Para Zygmunt Bauman, ?vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar? Imagem: Reprodção/Wikipedia

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Pontos-chave

  • A modernidade imediata é “líquida” e “veloz”, mais dinâmica que a modernidade “sólida” que suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível".
     
  • Na sociedade contemporânea, emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações.

“Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”. Essa é uma das frases mais famosas do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em janeiro de 2017, aos 91 anos. Ele deixou uma obra volumosa, com mais de 50 livros, e é considerado um dos pensadores mais importantes e populares do fim do século 20.

Bauman é um dos expoentes da chamada “sociologia humanística” e dedicou a vida a estudar a condição humana. Ele é visto por muitos como um teórico perspicaz e por outros como um ingênuo pessimista. Suas ideias refletem sobre a era contemporânea em temas como a sociedade de consumo, ética e valores humanos, as relações afetivas, a globalização e o papel da política.

Nascido na Polônia em 1925, Bauman serviu como militar durante a Segunda Guerra Mundial, foi militante do Partido Comunista polonês e professor da Universidade de Varsóvia. Filho de judeus, ele foi expulso da Polônia em 1968 por causa do crescente antissemitismo do Leste Europeu. Emigrou para Israel e se instalou na Inglaterra, onde desenvolveu a maior parte de sua carreira. Desde 1971 atuava como professor emérito de sociologia da Universidade de Leeds.

A modernidade sólida e a modernidade líquida

O tempo em que vivemos é chamado por muitos pensadores como “pós-modernidade”. O termo foi popularizado em 1979 pelo pensador francês Jean-François Lyotard (1924-1998).  Para Lyotard, esse é o período em que todas as grandes narrativas (visões de mundo) entram em crise e os indivíduos estão livres para criar tudo novo.

Bauman não utiliza o termo pós-modernidade. Ele cunhou o conceito de “modernidade líquida” para definir o tempo presente. Escolheu a metáfora do “líquido” ou da fluidez como o principal aspecto do estado dessas mudanças. Um líquido sofre constante mudança e não conserva sua forma por muito tempo.

As formas de vida contemporânea, segundo o sociólogo polonês, se assemelham pela vulnerabilidade e fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos. Essas mudanças de perspectivas aconteceram em um ritmo intenso e vertiginoso a partir da segunda metade do século XX. Com as tecnologias, o tempo se sobrepõe ao espaço. Podemos nos movimentar sem sair do lugar. O tempo líquido permite o instantâneo e o temporário.

Em seu primeiro livro, “Mal-estar da pós-modernidade”, Bauman parodia Sigmund Freud (1856-1939), autor de “O mal-estar da civilização”. A tese freudiana é de que na idade moderna os seres humanos trocaram liberdade por segurança. O excesso de ordem, repressão e a regulação do prazer gerou um mal-estar, um sentimento de culpa.

Para Bauman, “a modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas". Pela estabilidade do Estado, da família, do emprego ou de outras instituições, aceitava-se um determinado grau de autoritarismo. Segundo o sociólogo, a marca da pós-modernidade é a própria vontade de liberdade individual, princípio que se opõe diretamente à segurança projetada em torno de uma vida estável.

Bauman entende que na modernidade sólida os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidos e inflexíveis. O mundo tinha mais certezas. A passagem de uma modernidade a outra acarretou mudanças em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível".

Bauman entende que a nossa sociedade teve uma maior emancipação em relação às gerações anteriores. A sensação de liberdade individual foi atingida e todos podem se considerar mais livres para agir conforme seus desejos. Mas essa liberdade não garante necessariamente um estado de satisfação. Ela também exige uma responsabilidade por esses atos e joga aos indivíduos a responsabilidade pelos seus problemas.

Na sociedade contemporânea emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações. Se a busca da felicidade se torna estritamente individual, criamos uma ansiedade para tê-la, pois acreditamos que ela só depende de nós mesmos. Para Bauman, somos impulsionados pelo desejo, um querer constante que busca novas formas de realizações, experiências e valores. O prazer é algo desejado e como ele é uma sensação passageira, requer um estímulo contínuo.

À medida em que o futuro se torna incerto, o sentimento coletivo dominante é que se deve viver o momento presente e exclusivamente para si. Dessa instabilidade e ausência de perspectiva também nasce uma angústia. A incerteza diante do futuro pode explicar o aumento do uso de antidepressivos e a intensa busca por entretenimento como formas de afastar essa sensação.

Em muitos casos, essa angústia resulta na paralisia da ação, na incapacidade de agir. Ao lidar com uma insegurança, muitas vezes o indivíduo se recusa a assumir responsabilidades ou assume o discurso do “eu não gosto de tomar decisões”. Somos livres, mas não conseguimos transformar o mundo – temos um sentimento de impotência. Em outros casos, essa frustração pode gerar um ódio intenso a tudo e a todos.

Em entrevista ao jornal argentino Clarín, Bauman declarou: “escolhi chamar de ‘modernidade líquida’ a crescente convicção de que a mudança é a única coisa permanente e a incerteza a única certeza”. Bauman entende a crise como sendo um tempo em que o velho já se foi, mas o novo não tem forma ainda. Em entrevista ao jornal italiano Il Messaggero, o sociólogo sinaliza que buscamos um estado de maior solidez. “Ainda estamos em uma sociedade líquida, mas em que nascem sonhos de uma sociedade menos líquida”, afirmou.

A sociedade do consumo

Bauman observa que o século 20 sofreu uma passagem da sociedade de produção para a sociedade de consumo.  Isso não significa que não exista uma produção, mas que o sentido do ato de consumir ganhou outro patamar.

Se as grandes ideologias, alicerces e instituições se tornaram instáveis, o consumo se tornou um elemento central na formação da identidade. Muito além da satisfação de necessidades, consumir passa a ter um peso primordial na construção das personalidades.  O ter se torna mais importante que o “ser”.

Temos inúmeras possibilidades de escolha e consumimos produtos que identifiquem um determinado estilo de vida e comportamento. Ao transformar tudo em mercadoria, nossa identidade também se constitui a partir da satisfação do prazer pelo consumo. Marcas e grifes se tornam um símbolo de quem somos. Sua compra também significa um status social, o desejo de um reconhecimento perante os outros.

Satisfazer por completo os consumidores, na realidade, significaria não ter mais nada para vender. Consumir também significa descartar. Temos acesso a tudo o que queremos e ao mesmo tempo as coisas se tornam rapidamente obsoletas. “O problema não é consumir; é o desejo insaciável de continuar consumindo”, diz Bauman. Tanto que o descarte do lixo é um grande problema na sociedade.

Bauman escreve: “Rockefeller pode ter desejado construir suas fábricas, estradas de ferro e torres de petróleo altas e volumosas e ser dono delas por um longo tempo [...], Bill Gates, no entanto, não sente remorsos quando abandona posses de que se orgulhava ontem; é a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envelhecimento, do entulho e da substituição que traz o lucro hoje – não a durabilidade e a confiabilidade do produto”.

As pessoas também precisam se reinventar para que não se tornem obsoletas. Elas precisam ter identidades fluidas.  Segundo Bauman, “na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável”.

As relações líquidas

Na modernidade líquida, os vínculos humanos têm a chance de serem rompidos a qualquer momento, causando uma disposição ao isolamento social, onde um grande número de pessoas escolhe vivenciar uma rotina solitária. Isso também enfraquece a solidariedade e estimula a insensibilidade em relação ao sofrimento do outro.

Esse tipo de isolamento parece ser uma contradição da globalização, que aproxima as pessoas com a tecnologia e novas formas de comunicação. Mas se tudo ocorre com intensa velocidade, isso também se reflete nas relações pessoais. As relações se tornam mais flexíveis, gerando níveis de insegurança maiores. Ao mesmo tempo em que buscam o afeto, as pessoas têm medo de desenvolver relacionamentos mais profundos que as imobilizem em um mundo em permanente movimento.

Bauman reflete sobre as relações humanas e acredita que os laços de uma sociedade agora se dão em rede, não mais em comunidade. Dessa forma, os relacionamentos passam a ser chamados de conexões, que podem ser feitas, desfeitas e refeitas – os indivíduos estão sempre aptos a se conectarem e desconectarem conforme vontade, o que faz com que tenhamos dificuldade de manter laços a longo prazo.

O sociólogo acredita que as redes sociais significam uma nova forma de estabelecer contatos e formar vínculos. Mas que elas não proporcionam um diálogo real, pois é muito fácil se fechar em círculos de pessoas pensam igual a você e evitar controvérsias.

Para Bauman, a rede é mantida viva por duas atividades: conectar e desconectar. o contato no meio virtual pode ser desfeito ao primeiro sinal de descontentamento, o que denota uma das características da sociedade líquida. “O atrativo da ‘amizade Facebook’ é que é fácil conectar, mas a grande atração é a facilidade de desconectar”, diz Bauman.

Política, segurança e economia

Na modernidade líquida, existe uma maior separação do poder e a política. O Estado perde força, os serviços públicos se deterioram e muitas funções que eram do Estado são deixadas para a iniciativa privada e se tornam responsabilidade dos indivíduos. É o caso do fim do modelo do Estado de Bem-Estar Social na Europa.

Bauman identifica uma crise da democracia e o colapso da confiança na política. “As pessoas já não acreditam no sistema democrático porque ele não cumpre suas promessas”, diz o sociólogo. Para ele, a vitória eleitoral de candidatos como Donald Trump nos EUA é um sintoma de que a retórica populista e autoritária ganha espaço como solução para preencher esses vazios.

No campo econômico, Bauman cita a fluidez dos mercados e o comportamento do consumo a crédito, que evita o retardamento da satisfação. “Vivemos a crédito: nenhuma geração passada foi tão endividada quanto a nossa - individual e coletivamente (a tarefa dos orçamentos públicos era o equilíbrio entre receita e despesa; hoje em dia, os "bons orçamentos" são os que mantêm o excesso de despesas em relação a receitas no nível do ano anterior)”.

Para ele, as desigualdades sociais aumentaram. Ao mesmo tempo em que se aumentam as incertezas, os indivíduos devem lutar para se inserir numa sociedade cada vez mais desigual econômica e socialmente. Os empregos estão mais instáveis e a maioria das pessoas não pode planejar seu futuro muito tempo adiante.

Para o sociólogo, não existe mais o conceito tradicional de proletariado. Emerge o “precariado”, termo que Bauman usou para se referir a pessoas cada vez mais escolarizadas, mas com empregos precários e instáveis. Agora a luta não é de classes, mas de cada pessoa com a sociedade.

No mundo líquido, a sensação de segurança também é fluida. "O medo é o demônio mais sinistro do nosso tempo", alerta Bauman. O medo do terrorismo e da violência que pode vir de qualquer parte do globo (inclusive virtualmente, como os hackers e haters das redes) cria uma vigilância constante, a qual aceitamos nos submeter para ter mais segurança.

"Essa obsessão deriva do desejo, consciente ou não, de recortar para nós mesmos um lugarzinho suficientemente confortável, acolhedor, seguro, num mundo que se mostra selvagem, imprevisível, ameaçador", escreve Bauman no livro “Confiança e Medo na Cidade”. No mundo off-line, a arquitetura das cidades está sendo cada vez mais projetada para promover o afastamento: muros, condomínios fechados e sistemas de vigilância estão em alta.

No livro “Estranhos à Nossa Porta”, Bauman escreve: “a ignorância quanto a como proceder, como enfrentar uma situação que não produzimos nem controlamos é uma importante causa de ansiedade e medo”. Ele relaciona a situação de desemprego dos europeus ao aumento do ódio contra os imigrantes. Ao mesmo tempo, manter esse medo aceso seria uma estratégia de poder para determinados grupos, como políticos de discursos nacionalistas e xenófobos.

PARA SABER MAIS

O mal-estar da pós-modernidade, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 1998.

Modernidade Líquida, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2001.

A condição pós-moderna, Jean-François  Lyotard. Ed. José Olympio, 2002.

Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2004.

Confiança e Medo na Cidade, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2009.
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Estranhos à Nossa Porta, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2017.

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Modernidade líquida


Modernidade líquida

O conceito de modernidade líquida foi desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e diz respeito a uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos. O conceito opõe-se, na obra de Bauman, ao conceito de modernidade sólida, quando as relações eram solidamente estabelecidas, tendendo a serem mais fortes e duradouras.

Leia também: Mito da caverna – diálogo platônico que sobrepõe o conhecimento racional ao vulgar

O que é modernidade líquida?

Bauman definiu como modernidade líquida um período que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial e ficou mais perceptível a partir da década de 1960. Esse sociólogo chamou de modernidade sólida o período anterior.

A modernidade sólida era caracterizada pela rigidez e solidificação das relações humanas, das relações sociais, da ciência e do pensamento. A busca pela verdade era um compromisso sério para os pensadores da modernidade sólida. As relações sociais e familiares eram rígidas e duradouras, e o que se queria era um cuidado com a tradição. Apesar dos aspectos negativos reconhecidos por Bauman da modernidade sólida, o aspecto positivo era a confiança na rigidez das instituições e na solidificação das relações humanas.

O contato pessoal e os relacionamentos foram banalizados, sendo intermediados por aparelhos eletrônicos e pela internet na modernidade líquida.
O contato pessoal e os relacionamentos foram banalizados, sendo intermediados por aparelhos eletrônicos e pela internet na modernidade líquida.

A modernidade líquida é totalmente oposta à modernidade sólida e ficou evidente na década de 1960, mas a sua semente estava no início do capitalismo industrial, durante a Revolução Industrial. As relações econômicas ficaram sobrepostas às relações sociais e humanas, e isso abriu espaço para que cada vez mais houvesse uma fragilidade de laço entre pessoas e de pessoas com instituições.

A lógica do consumo entrou no lugar da lógica da moral, assim, as pessoas passaram a ser fortemente analisadas não pelo que elas são, mas pelo que elas compram. A ideia de compra também adentrou nas relações sociais, e as pessoas passaram a comprar afeto e atenção.

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Nesse contexto, as instituições ficaram estremecidas. O emprego tornou-se um empreendimento completamente individual no momento em que o indivíduo tornou-se um “empreendedor” de si mesmo. Se alguém não obtém sucesso nessa lógica da modernidade líquida, a responsabilidade é completamente individual.

Assim sendo, a modernidade líquida tem instituições líquidas, pois cada pessoa é uma instituição. A exploração capitalista deixou de ser vista como exploração e passou a ser vista como uma relação natural em que o sujeito, empreendedor de si mesmo, vende a sua força de trabalho ao sujeito empreendedor que possui o capital.

A modernidade líquida é ágil, pois ela acompanha a moda e o pensamento de época. A ciência, a técnica, a educação, a saúde, as relações humanas e tudo mais que foi criado pelo ser humano para compor a sociedade são submetidos à lógica capitalista de consumo.

Veja também: Instituições sociais – corpos sociais que visam à integração dos membros da sociedade

Modernidade líquida e relações humanas

As relações humanas ficaram extremamente abaladas com o surgimento da modernidade líquida. Bauman usa o termo “conexão” para nomear as relações na modernidade líquida no lugar de relacionamento, pois o que se passa a desejar a partir de então é algo que possa ser acumulado em maior número, mas com superficialidade suficiente para se desligar a qualquer momento. A amizade e os relacionamentos amorosos são substituídos por conexões, que, a qualquer momento, podem ser desfeitas.

As redes sociais mudaram completamente as relações humanas.
As redes sociais mudaram completamente as relações humanas.

As redes sociais e a internet serviram de instrumento para a intensificação do que Bauman chamou de amor líquido: a relação pseudoamorosa da modernidade líquida. Não se procura, como na modernidade sólida, uma companhia afetiva e amorosa como era na modernidade sólida, mas se procura uma conexão (que pode ser sexual ou não, sendo que a não sexual substitui o que era a amizade) que resulte em prazer para o indivíduo. O imperativo da modernidade líquida é a busca por prazer a qualquer custo, mesmo que utilizando pessoas como objetos. Aliás, na modernidade líquida, o sujeito torna-se objeto.

As conexões estabelecidas entre pessoas são laços banais e eventuais. As pessoas buscam um número grande de conexões, pois isso se tornou motivo de ostentação. Mais parceiros e parceiras sexuais, mais “amigos” (que, na verdade, não passam, na maioria dos casos, de colegas ou conhecidos), pois quanto mais conexões, mais célebre a pessoa é considerada. Basta fazer uma breve análise das relações sociais em redes sociais como o Facebook: quanto mais “amigos” (que, na verdade, são apenas contatos virtuais) a pessoa tem, mais requisitada ela se torna.

O sexo também se reduziu a mero objeto de prazer. É verdade que, enquanto impulso fisiológico do corpo, o lado animal do ser humano busca o sexo pelo prazer, e não pela reprodução em si. O prazer é uma isca da natureza para atrair o animal para a relação sexual, pois, assim, a natureza consegue que os animais se reproduzam e as espécies sejam mantidas.

O sexo, para as sociedades humanas e na modernidade sólida, deixou de ser somente instrumento de prazer e foi considerado mais que somente meio de reprodução. O sexo passou a ser visto como compartilhamento de emoções, de amor, símbolo de confiança entre duas pessoas. Na modernidade líquida, o sexo é mero instrumento de prazer e não deve ser medido qualitativamente, mas quantitativamente: quanto mais frequente e com o maior número de pessoas possíveis, melhor. Quanto menor o vínculo entre parceiros sexuais, melhor.

Modernidade líquida e consumismo

O consumo tornou-se um imperativo na modernidade líquida. Criou-se todo um aparato para que o capitalismo consiga progredir desenfreadamente por meio do consumo irracional. Para além do que o filósofo e sociólogo alemão Karl Marx observou em sua época, um fetiche pelo consumo, criou-se um fetiche pelas marcas, deixando de importar o produto em si, mas a sua fabricante e o seu preço.

Consumo sempre foi sinônimo de status, mas, na modernidade líquida, o consumo e o status são expressivamente dotados de uma carga simbólica muito mais intensa do que era na modernidade sólida. O sujeito é objetificado pelo capitalismo, tornando-se apenas o que ele consome, e não mais o que ele é. Na lógica da modernidade líquida, o sujeito é aquilo que ele consome.

 
Na modernidade líquida, ter é mais importante do que ser. A banalização da amizade e do namoro são reflexos desse modo de vida que prioriza o consumo e objetifica as pessoas.

O modo pelo qual o capitalismo consegue efetuar essa mudança de perspectiva é pela promessa de felicidade: os sujeitos estão cada vez mais ansiosos, tristes e sobrecarregados. Associa-se então o prazer momentâneo oferecido pelo consumo à felicidade. Como esse prazer é rapidamente passageiro, o sujeito sente a necessidade de buscá-lo constantemente, na tentativa de alcançar a felicidade.

Leia também: Cultura de massa – uma vitrine que incentiva o consumismo

Zygmunt Bauman e a modernidade líquida

Bauman nasceu na Polônia, em 1925, em uma família judia. Em 1939, a sua família fugiu da Polônia para a União Soviética por causa da invasão e anexação do território polonês pelos nazistas. Durante todo o período da Segunda Guerra Mundial, Bauman viveu na Polônia e chegou a trabalhar para o serviço secreto polonês, controlado pelo exército soviético.

Continuou como membro do exército polonês até 1954, quando foi demitido em razão de uma aproximação de seu pai com a embaixada israelense com vistas a conseguir um visto para Israel. Como havia uma restrição dos comunistas com o sionismo judeu, o exército polonês demitiu Bauman. O governo polonês era de orientação socialista soviética após o fim da guerra.

Em 1954, Bauman resolveu cursar seu mestrado em Sociologia, dando continuidade à sua graduação. No mesmo ano, tornou-se professor assistente na Universidade de Varsóvia. Nessa instituição, o sociólogo iniciou uma carreira que seria, mais tarde, promissora no campo da produção intelectual contemporânea.

Em 1968, pressões políticas conduzidas por um ato chamado de “expurgo” levaram à saída de vários judeus comunistas da Polônia. Nessa época, Bauman foi demitido da Universidade de Varsóvia e foi exilado da Polônia. Durante um tempo, o sociólogo viveu em Israel e lecionou na Universidade de Tel Aviv.

Em 1971, a sua carreira acadêmica cresceu exponencialmente, pois Bauman recebeu um convite para lecionar na Universidade de Leeds, na Inglaterra. Sua pesquisa social e política começou a produzir grandes frutos, que resultaram em livros que passaram a ser difundidos no mundo todo.

Foi nesse período também que Bauman começou a analisar os efeitos da globalização e da modificação das relações sociais e políticas após o fim da Segunda Guerra Mundial. Estava aqui plantado o gérmen do que viria a ser o conceito de modernidade líquida, que surgiria com força e distinção na obra de Bauman em 1990.

Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês que desenvolveu o conceito de modernidade líquida.[1]
Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês que desenvolveu o conceito de modernidade líquida.[1]

Bauman era um estudioso da chamada pós-modernidade. A Filosofia e a Sociologia contemporâneas convencionaram chamar o período contemporâneo, que se iniciou na década de 1960, de pós-modernidade ou pós-modernismo.

Um grupo de pensadores e filósofos intelectualmente filiados a uma corrente intelectual chamada de pós-estruturalismo enxergavam o pensamento de uma maneira diferente das tradicionais filosofias de tradição moderna. Entre esses pensadores, estavam os filósofos franceses Michel Foucault, Gilles Deleuze, Guy Debord e Jean-François Lyiotard. O grande público e os círculos intelectuais europeus tradicionais começaram a ver o trabalho de Bauman como uma obra “pós-moderna”, sendo que o que Bauman fazia era apresentar uma perspectiva crítica à pós-modernidade.

Em primeiro lugar, Bauman percebeu que a nova época vivida não era uma cisão com a modernidade, portanto não era algo que vinha após a modernidade, mas uma continuação da modernidade traçada de maneira diferente. Por isso, o sociólogo deu a esse tempo o título de modernidade líquida. Em segundo lugar, o termo surgiu para que Bauman não fosse associado a algo que ele queria criticar, ou seja, para que ele não fosse mais chamado de pós-moderno, mas fosse reconhecido como um crítico da pós-modernidade.

Crédito da imagem

[1] Michał Nadolski/Commons

Publicado por: Francisco Porfírio

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

TSE: recursos para negros devem ser proporcionais às candidaturas a partir de 2022

 

Desigualdade

TSE: recursos para negros devem ser proporcionais às candidaturas a partir de 2022

A Corte eleitoral deve editar resolução para regulamentar e tornar efetiva a medida e garantir participação de negros


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, nesta terça-feira (25/8), que a distribuição de recursos do fundo eleitoral e do tempo gratuito de rádio e TV seja proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar. Aí estão incluídos os recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de rádio e TV para propaganda eleitoral gratuita. A alteração terá validade a partir das eleições gerais de 2022. 

A Corte concluiu julgamento, iniciado em em 30 de junho, de consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), com suporte da Associação Educafro — Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes. Benedita indaga sobre a possibilidade de reserva de vagas, bem como de distribuição proporcional do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres candidatas. 


Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Alexandre de Moraes formaram maioria no sentido de determinar a proporcionalidade entre os recursos financeiros e de tempo de campanha ao número de registros de candidaturas. A consulta tratava das cotas de gênero, mas o TSE deu uma resposta mais ampla, no sentido de que vale tanto para mulheres quanto para homens o requisito.

Moraes ainda propôs uma regra de transição, caso a regra valesse para as eleições deste ano. O ministro Tarcísio Vieira de Carvalho ficou vencido por entender que a pauta deve ter o protagonismo do Legislativo.

“Este é um momento muito importante na vida do tribunal e do país. Há momentos da vida em que cada um precisa escolher de que lado da história precisa estar. Hoje o Tribunal Superior Eleitoral afirmou que estamos do lado dos que combatem o racismo, dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores”, disse o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, na proclamação de resultado. Ele é também o relator do caso. 

Primeiro a votar nesta sessão, o ministro Og Fernandes afirmou que para mitigar os efeitos indesejados que a cota por gênero produziu na população negra, é necessário dar interpretação no sentido estabelecido pelo relator. Ele, no entanto, apresentou a proposta de que a aplicabilidade da norma se desse a partir de 2022, mediante a edição de resolução da Corte. Neste ponto, foi acompanhado nos votos seguintes, ficando vencidos os ministros Barroso, Fachin e Moraes. 

Dados desta própria Corte indicam que um terço dos partidos políticos já cumpriu o citado dispositivo e encontram-se aptos a receber recursos do FEFC e, de certo, não levaram em consideração na definição dos critérios a distribuição entre negros. Nesse contexto, alterar as regras relativas à distribuição de recursos do FEFC e Fundo Partidário, a uma semana do início das convenções partidárias, enseja um efeito surpresa e severa instabilidade. Em alusão a uma partida de futebol, mudar as ‘regras do jogo’ após o ‘apito inicial’, implica em ofensa à segurança jurídica”, disse o ministro. 

O ministro Luis Felipe Salomão apresentou compreensão semelhante à de Fernandes. Para ele, promover uma alteração tão próxima ao próximo pleito poderia ser problemático. O ministro também ponderou que o Judiciário deve agir com cautela nestes casos.

“Embora o campo seja vasto, deve-se ter igual atenção que a atuação buscando a mitigação das omissões estatais e sociais não descambe para o ilegítimo e indesejável ativismo judiciário. Como foi dito, o Judiciário pode e deve avançar, sobretudo em situação contramajoritária de modo a garantir direitos fundamentais. Mas entendo que deve se autoconter e não pode substituir a sociedade e seus representantes nos debates e implementação de políticas públicas”, ressaltou.

No mesmo sentido entendeu o ministro Sérgio Banhos. Ele reafirmou a importância da questão, apontando o racismo como “uma das mais graves mazelas da sociedade brasileira, decorrente, mas não só, de processo de abolição de escravatura sem inclusão social, culminando no abandono de gerações de concidadãos negros à própria sorte”.

Mas apontou que a atuação da Corte tem limites. Banhos disse que, na consulta, não há propriamente dúvidas, mas uma pretensão nos quatro quesitos formulados. “É curioso notar que os dispositivos legais citados não têm sequer correlação com o tema da igualdade racial por meio de candidaturas. O que se percebe é que a provocação feita a esta Corte superior não é a de interpretação de preceito jurídico existente, mas da criação de norma.” 

Para ele, no entanto, por mais justo que fosse a criação dessa norma, há risco que, se criada pelo Judiciário, os magistrados tivessem a imparcialidade afetada, visto que há questões que chegariam à Justiça Eleitoral, nos registros de candidaturas. “Somente se torna possível mediante certa atribuição livre do texto legal pelo magistrado, atividade que deve ser encarada com muita cautela, para que não se mude o paradigma dos Estados modernos, construído a partir de sofisticado sistema que contempla normas e princípios. Mesmo em face de problemas graves, como racismo e subrrepresentatividade, entendo que a posição jurídica deve preferencialmente decorrer de decisões políticas do Congresso Nacional, verdadeira Câmara de ressonância dos anseios sociais”, disse. 

Para o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho, a situação das cotas de gênero é diferente das de negros, já que quanto ao segundo grupo não há na legislação base normativa que garanta reserva de recursos financeiros para as candidaturas. “Cenário que forçosamente deságua na conclusão de que tal matéria é adstrita ao âmbito interno de cada partido político como genuína matéria interna corporis a partir da análise da viabilidade de cada candidatura para distribuição para fins de distribuição de recursos.”

De acordo com ele, uma leitura apressada do entendimento dele poderia ensejar interpretação de que seria indiferente à questão, o que ele defende não ser verdade. “O Brasil dispõe de instrumentos legais materializadores das ações afirmativas necessárias referentes ao tema”, disse, citando normas como a Lei 12.990, que reserva aos negros 20% das vagas em concursos públicos, e a Lei 12.712, que dispõe sobre ingresso nas universidades federais e IFs. 

“Compreendo inviável a criação de cotas ou reservas financeiras pela via jurisprudencial, sobretudo diante da ausência de demonstração omissiva do órgão constitucionalmente destinado à tarefa. É de se notar neste contexto, e como bem pontuado no parecer da área técnica deste tribunal, projetos de lei em tramitação no Parlamento”, disse. Para ele, então, o tema já está em debate na seara própria, de forma que eventual resposta da poderia provocar uma solução per saltum. Assim, ele foi o único a votar  de forma contrária à consulta.

No caso do pedido de reserva de 30% das candidaturas de cada partido para pessoas negras, nos mesmos termos da cota de gênero, da Lei nº 9.504/1997, a Corte considerou inadequado o estabelecimento pelo Judiciário da política. 

Votos anteriores

De relatoria do ministro Barroso, o presidente do TSE afirmou que o tema é complexo, mas que já há maturidade para que seja enfrentado. No voto, ele traçou um perfil da desigualdade no Brasil, em que, da educação à segurança pública, pessoas negras são negativamente afetadas, o que é evidenciado nas estatísticas de cada setor. 

O ministro citou um estudo  da  FGV Direito sobre a eleição  para  Câmara  dos  Deputados  que apontou  que mulheres  brancas  candidatas receberam percentual  de  recursos   dos  partidos (18,1%)  proporcional às candidaturas  (também de 18,1%).  No  entanto,  candidatos negros continuaram  a  ser  subfinanciados  pelos  partidos.  Embora mulheres  negras representassem 12,9% das candidaturas, receberam apenas 6,7% dos recursos.  Também os homens negros receberam dos partidos recursos (16,6%) desproporcionais em relação às  candidaturas  (26%).  Apenas  os  homens  brancos  foram  sobrefinanciados  (58,5%) comparativamente ao percentual de candidatos (43,1%)

No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente  em  três dimensões:  a  igualdade  formal,  que  funciona  como  proteção  contra  a  existência  de privilégios  e tratamentos  discriminatórios;  a  igualdade  material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem — estar social; e a igualdade como reconhecimento,  significando  o  respeito  devido  às  minorias, sua identidade e suas diferenças. A ordem constitucional não apenas rejeita todas as formas de preconceito e discriminação, mas também impõe ao Estado o dever de atuar positivamente no combate a esse tipo de desvio e na redução das desigualdades de fato”, disse o ministro.

O relator defendeu que a representação dos diferentes grupos sociais no Parlamento é   essencial para a democracia e para o aumento da legitimidade das decisões tomadas. “Quando a representação política é excludente, afeta-se a capacidade de as decisões e políticas públicas refletirem as vontades e necessidades das minorias subrepresentadas. Para além do aumento do impacto na agenda pública, o aumento da representatividade política negra tem o efeito positivo de desconstruir o papel de subalternidade atribuído ao negro no imaginário social e de naturalizar a negritude em espaços de poder.”

Para o ministro, a não consideração de mulheres negras enquanto categoria produziu efeito desproporcional contra elas. Diante do racismo estrutural, as cotas de gênero teve, como consequência, manter as candidaturas negras sub financiadas e, elas, sup-representadas.

Da mesma forma, o ministro Luiz Edson Fachin, ressaltou a relevância do tema e o entendimento de que é preciso reconhecer a necessidade de ampliar o acesso da população negra aos espaços de poder, reduzindo os obstáculos impostos. 

Desse modo, é necessário e oportuno problematizar a concepção de cidadania que é parâmetro para o exercício dos direitos políticos fundamentais, e todo regramento constitucional e infraconstitucional que lhe dá respaldo. Para tanto, a questão da racialidade como “ significante sociológico da diferença humana não pode ser ignorada”, disse o ministro. Assim, de acordo com ele, ações em prol da igualdade racial e de  gênero devem  ser  respeitadas e buscadas como um fim preconizado pela ordem constitucional vigente.

O ministro Alexandre de Moraes deu o terceiro voto neste sentido, mas sugeriu que a verba do fundo público eleitoral para candidatos negros deveria ser, neste ano, minimamente no mesmo percentual de candidaturas negras que cada partido teve nas eleições municipais de 2016. A proposta, explicou o ministro, seria para evitar que partidos diminuíssem a quantidade de candidatos negros para que a fatia de recursos para os candidatos brancos não seja diminuída. No entanto, o colegiado decidiu para a validade para as eleições de 2022.

TSE suspende julgamento que discute distribuição de recursos e tempo de TV a candidatos negros

 

TSE suspende julgamento que discute distribuição de recursos e tempo de TV a candidatos negros

Três ministros já votaram a favor da distribuição proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar

Sessão administrativa por videoconferência

Um pedido de vista do ministro Og Fernandes suspendeu, nesta quinta-feira (20), o julgamento que discute a distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para candidatas e candidatos negros.

Até o momento, três ministros - Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes - já responderam afirmativamente a uma das questões da consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Eles entenderam que a distribuição de recursos do FEFC e de tempo de TV deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar.

Benedita perguntou ao Tribunal se uma parcela dos incentivos às candidaturas femininas que estão previstos na legislação poderia ser reservada especificamente para candidatas negras. Também indagou se 50% das vagas e da parcela do FEFC – no mínimo 30% dos recursos – destinadas às candidaturas femininas poderiam ser direcionadas para candidatas negras.

A deputada questionou, ainda, sobre a possibilidade de reservar vagas - uma espécie de cotas - para candidatos negros, destinando 30% do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para atender a essa finalidade.

O julgamento teve início na sessão de 30 de junho, quando o relator, ministro Barroso, e o ministro Fachin foram a favor da distribuição proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar.

Alexandre de Moraes havia pedido vista e votou nesta quinta (20). Moraes também acompanhou o relator e apresentou diversos argumentos com base na discriminação racial existente em nosso país.

Ao fazer um panorama histórico sobre a luta por igualdade racial, Moraes destacou que permitir a paridade do voto entre brancos e negros não se mostrou suficiente, sendo necessário garantir que os candidatos negros também alcancem igualdade de oportunidades para serem eleitos.

Para o magistrado, se o TSE não se posicionar nesse sentido, corre o risco de manter uma “acomodação discriminatória” para novamente favorecer as candidaturas de brancos. “Esse histórico funcionamento do nosso tradicional sistema político eleitoral perpetua a desigualdade social estruturada numa sociedade lamentavelmente racista”, afirmou, ao destacar que a neutralidade do ordenamento jurídico produz resultados prejudiciais a determinados grupos e indivíduos, reduzindo as oportunidades de realização pessoal

Diante disso, Alexandre de Moares defendeu a necessidade de gerar igualdade de condições na disputa eleitoral. Segundo o ministro, a sub-representação e o racismo estrutural são os principais instrumentos de perpetuação de desigualdade racial.

Regra de transição

A novidade que o ministro Alexandre de Moraes acrescentou ao voto do relator é uma regra de transição a ser estabelecida pelo TSE para impedir que o partido reduza o número de candidatos negros com o objetivo de repassar menos dinheiro.

Segundo ele, cada legenda deve destinar em 2020 recursos e tempo de TV no percentual mínimo correspondente à quantidade de candidatos negros que apresentou nas Eleições Municipais de 2016. Ou seja, se o partido teve 20% de candidatos negros em 2016, obrigatoriamente deve repassar 20% do Fundo e do tempo de rádio e TV a candidatos negros, independentemente do número de candidaturas que apresente neste ano.

Moraes argumentou que não seria um percentual mínimo fixado subjetivamente pelo Tribunal, nem tampouco de forma genérica a todos os partidos políticos, mas sim corresponderia aos idênticos percentuais dessas candidaturas concretizadas pelas próprias agremiações nas últimas eleições municipais.

Para o ministro, essa regra de transição evitará o surgimento de qualquer mecanismo de “acomodação compensatória”.

Confira a íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes.

CM/MO, LC

sábado, 26 de setembro de 2020

Você já conhece o seu candidato a prefeito e a vereador? A propaganda eleitoral começa neste domingo (27)


Você já conhece o seu candidato a prefeito e a vereador? A propaganda eleitoral começa neste domingo (27)

Normas da propaganda definem o que pode e o que não pode ser feito na divulgação dos concorrentes. Abusos podem ser punidos com a cassação dos diplomas

Calendário destaque 27 de setembro

A partir deste domingo (27), os candidatos das Eleições Municipais 2020 estão autorizados a fazer propaganda eleitoral, inclusive na internet. A propaganda eleitoral é aquela que promove o candidato e a sua plataforma eleitoral no âmbito público. Por meio dela, os concorrentes do pleito podem pedir votos aos eleitores.

Veja a matéria da TV TSE sobre a propaganda eleitoral.

Este ano, o início da propaganda eleitoral foi transferido para o dia 27 de setembro em razão de a pandemia de Covid-19 ter adiado as Eleições Municipais de 2020. O pleito foi adiado para os dias 15 e 29 de novembro – respectivamente, 1º e 2º turnos de votação –, pela Emenda Constitucional nº 107/2020, promulgada pelo Congresso Nacional no dia 2 de julho.

Apesar do adiamento das eleições, a propaganda eleitoral continuará seguindo as normas estabelecidas na Resolução TSE nº 23.610/2019, que regulamenta a matéria. Esse é um tema sensível do Direito Eleitoral, uma vez que a violação das regras da propaganda figura como uma das principais causas de judicialização dos pleitos e causa de cassação de diplomas e mandatos.

Confira a seguir os principais tópicos das regras para a propaganda eleitoral nas Eleições Municipais de 2020.

Regras gerais

A propaganda eleitoral não pode se valer de abuso do poder econômico ou político, ou ainda utilizar indevidamente os meios de comunicação. Ela ainda deverá trazer de forma clara, nas candidaturas aos cargos majoritários – como é o caso dos prefeitos –, os nomes do titular da chapa e de seu vice. Também precisa informar os partidos políticos que endossam a candidatura e, se for o caso, que compõem a coligação.

A propaganda não poderá trazer nenhuma manifestação preconceituosa em relação a raça, sexo, cor ou idade, por exemplo, nem fazer apologia à guerra ou a quaisquer meios violentos para subverter a ordem política, social ou o regime democrático. Também não deverá provocar animosidade nas Forças Armadas ou contra elas, incitar atentados contra alguma pessoa ou a desobediência civil ou, ainda, desrespeitar os símbolos nacionais, como a bandeira.

Em razão dos cuidados para evitar que eventos públicos da campanha eleitoral coloquem em risco a saúde pública por causa da propagação do novo coronavírus, a Justiça Eleitoral tem aconselhado aos candidatos que se empenhem para evitar a aglomerações de pessoas e para que os eventos ocorram em lugares abertos e amplos.

Com esses cuidados, os comícios poderão ocorrer livremente, desde que comunicados com antecedência às autoridades a fim de que sejam tomadas as providências para garantir a ordem e a segurança. Eles deverão ocorrer das 8h às 0h, e a apresentação de artistas (os showmícios) não é permitida, exceto se o candidato for o artista a se apresentar.

Já o uso de alto-falantes é restrito ao período das 8h às 22h, até a véspera da eleição, sendo proibidos a menos de 200 metros das sedes dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, quartéis militares, hospitais, escolas, igrejas ou bibliotecas.

São proibidas a confecção e a distribuição de camisetas ou quaisquer outros brindes com as marcas ou dizeres da campanha. Da mesma forma, a distribuição de cestas básicas, material de construção ou qualquer outro benefício ao eleitor não são permitidos, sob pena de o candidato responder por compra de votos.

Também são vedadas quaisquer formas de propaganda eleitoral em vias, locais ou edifícios públicos, ou em locais abertos ao público, ainda que de propriedade privada, como cinemas, lojas, clubes, templos, centros comerciais, ginásios e estádios.

Não é permitida a publicidade dos candidatos em outdoors ou em muros, ainda que em pichações. Apenas as sedes dos partidos políticos ou os comitês de campanha poderão pintar as suas fachadas com as cores ou os dizeres da campanha.

Poderão ser usadas bandeiras e adesivos plásticos dentro do limite de 0,5 m² de área. Os carros poderão ostentar adesivos perfurados no vidro traseiro ou em outros lugares, desde que, nesse caso, também seja respeitado o mesmo limite. É permitida a distribuição de panfletos, mas o despejo do material nas ruas, especialmente no dia da votação, é proibido.

Combate à desinformação

A questão da disseminação de conteúdo falso, descontextualizado ou calunioso como expressão de propaganda eleitoral mereceu atenção especial da Resolução TSE nº 23.610/2019. A norma estendeu ao candidato a responsabilidade por todo o conteúdo que porventura seja veiculado a seu favor, até mesmo por terceiros, por presumir que ele, seu partido ou sua coligação tenham tomado conhecimento do seu teor e concordado com a sua divulgação.

Assim, a disseminação de conteúdos com o intuito promover uma candidatura, que sejam falsos ou descontextualizados, ou que atribuam a um adversário ou pessoa ligada a ele alguma conduta criminosa que não seja verdadeira, são considerados ilícitos eleitorais que poderão ser levados à Justiça Eleitoral, sem prejuízo de eventual punição também na esfera penal.

De modo geral e por princípio, a propaganda eleitoral não pode ser utilizada para manipular a disposição psicológica da população, criando na opinião pública, artificialmente, estados mentais, emocionais ou passionais. Todo o material veiculado deve se ater a propostas e ideias defendidas pelos candidatos, sendo vedada qualquer tentativa de manipulação dos eleitores.

Propaganda na internet

Os candidatos podem fazer propaganda eleitoral na internet em sites e páginas nas redes sociais que sejam próprios do partido político ou da coligação, ou por meio do envio de e-mails ou mensagens instantâneas. Mas há regras a serem observadas para que não se cometam abusos.

Uma delas, por exemplo, estabelece que apenas candidatos, partidos ou coligações podem impulsionar publicações em redes sociais, ou seja: pagar para que a sua disseminação naquela rede seja mais ampla. Outra determina que os anúncios pagos na internet, o uso de telemarketing e o envio em massa de mensagens instantâneas (como no aplicativo WhatsApp) são proibidos.

Os eleitores que desejarem receber informações da campanha em seus endereços de e-mail ou aplicativos de mensagens instantâneas deverão, voluntariamente, cadastrar seus números de telefone ou endereços eletrônicos. Já as mensagens enviadas sempre deverão conter mecanismos para que o eleitor possa se descadastrar a qualquer momento e, assim, parar de receber mais conteúdo.

Os demais eleitores, por sua vez, podem compartilhar em suas redes o seu posicionamento político e o seu apoio ao candidato de preferência, mas não podem pagar pela divulgação dessa publicação. Isso não abrange, no entanto, páginas de empresas ou instituições, que são proibidas de divulgar conteúdo de propaganda eleitoral. 

Jornais e revistas, rádio e televisão

A propaganda em veículos de mídia impressa é permitida até a antevéspera das eleições. Cada veículo poderá publicar até dez anúncios para cada candidato, dentro do espaço máximo de um oitavo de página de jornal padrão e um quarto de página de revista ou tabloide. Cada anúncio deverá exibir o valor pago pela publicação.

Os jornais e revistas, diferentemente dos veículos de comunicação por concessão pública – como emissoras de rádio e televisão –, são livres para manifestar o seu apoio a um candidato. Mas isso não os exime da responsabilidade por abusos que porventura vierem a cometer, que poderão ser levados tanto à Justiça Eleitoral quanto à Justiça comum.

Desde o dia 17 de setembro, as emissoras de rádio e TV não podem mais divulgar pesquisas ou consultas populares em que seja possível identificar o entrevistado. Também não é permitida propaganda política ou tratamento diferenciado a algum candidato, ainda que por meio da transmissão de programação artística ou de entretenimento que faça menção velada ao seu nome ou programa. A divulgação de propaganda eleitoral paga no rádio e na televisão é proibida.

Os candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto poderão ser convidados para entrevistas. E, desde o dia 11 de agosto, os candidatos que são apresentadores de programas de rádio ou televisão não podem mais apresentá-los.

Debates

As regras para a realização dos debates são definidas em acordo entre os partidos políticos e as emissoras de rádio e televisão, que então são comunicadas à Justiça Eleitoral.

Devem ser convidados a participar dos debates os candidatos de partidos que tenham representação no Congresso Nacional de, no mínimo, cinco parlamentares. Já a participação dos candidatos de partidos sem essa representação é facultada à emissora que organizará o debate.

A transmissão dos debates na TV deverá dispor dos meios inclusivos para a compreensão de deficientes auditivos e visuais, como tradução em Libras, audiodescrição e legenda oculta.

Propaganda gratuita no rádio e TV

Canais de rádio e televisão passarão a transmitir a propaganda eleitoral gratuita a partir do dia 9 de outubro até o dia 12 de novembro, de segunda-feira a sábado, em dois horários. No rádio, a propaganda irá ao ar das 7h às 7h10 e depois das 12h às 12h10; já na televisão, a transmissão ocorrerá das 13h às 13h10 e das 20h30 às 20h40.

As emissoras também deverão reservar em sua programação diária 70 minutos, no primeiro turno, e 25 minutos, no segundo, para a veiculação de inserções de 30 e 60 segundos de propaganda eleitoral. Esse conteúdo deverá ir ao ar das 5h às 0h, na proporção de 60% para candidatos a prefeito e 40% para candidatos a vereador, para os quais a distribuição do tempo de propaganda é feita a critério do respectivo partido.

Apenas 10% do tempo disponível para a propaganda gratuita no rádio e na televisão serão distribuídos igualitariamente entre os partidos políticos. Os 90% restantes serão distribuídos proporcionalmente, conforme a representação das legendas na Câmara dos Deputados.

Os programas de propaganda eleitoral na TV deverão ter transmissão inclusiva, com audiodescrição, legenda oculta e janela de Libras. Os filmes deverão exibir os candidatos, podendo também mostrar texto, fotos, jingles ou clipes de música ou vinhetas, de maneira a informar o nome do candidato, seu partido e coligação, se for o caso, e o seu número. A aparição de apoiadores é permitida, desde que sempre em companhia do candidato e limitada a 25% da duração do programa. São proibidas montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais.

Confira a íntegra da Resolução TSE nº 23.610/2019.
 

Acesse o calendário eleitoral das Eleições 2020.

http://www.tse.jus.br/eleicoes/calendario-eleitoral/calendario-eleitoral

 

Fonte: TSE

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Tiago Vinícius Evangelista - O Meu Filho Amado


 


 

Ingênuo e dócil era Tiago Vinícius Santos Evangelista da Silva, meu amado filho,  que desencarnara em 21 de março de 2014. Era uma tarde cinzenta de sexta feira. Meu Deus! Saí correndo desesperado ao seu encontro, consciente de que em matéria não mais se encontrava. Vivi instantes de loucura e febre, e nada mais. Há três dias eu houvera sentido o seu passamento para o convívio com a espiritualidade. Naquela manhã do mesmo dia você se despedira de mim. Telefonou-me dizendo que não houvera  dormido à noite inteira. E que por toda a noite sentira falta de ar. Caíra em casa de alma e corpo. E assim fora conduzido ao IML. E eu não tive coragem de ver sair de lá, do último andar, o seu corpo. Para mim, até então, é inexplicável a minha confusão, tortura e inferno em que se me encontrei. Inferno de agora. Mas certeza tenho de que você, Tiago, se encontra em uma sociedade devidamente organizada e altruísta. Uma sociedade crista. Aí você se encontra a sorrir aprendendo cada vez mais que a vida é bela. Sorria Tiago! Esta é a sua verdadeira vida. Uma sinfonia de amor e paz. Em nome do nosso Pai Celestial e nosso Senhor Jesus Cristo, cuide de mim. Vejo você muito bem acompanhado. Cercado de irmãos que cultivam os ensinamentos do Senhor Jesus.



A Minha Rosa de Sant'Ana Morreu!

 


A Minha Rosa de Sant'Ana Morreu!
 

(evangelhista da silva)
 

A vida tem-me sido sacana.

E a ti menina Ana, haja sacanagem na vida!
Mergulhar em tua mente é fácil e por demais.
O difícil é arrancar o soluçar dos teus versos

  E ouvir como ré confesso os desencantos meus.

Mas quem sabe um dia ou momento,
Quando tu não mais conseguires amargar
A dor e sofrimento, entre contorções de dores

Confessarás em pedido de perdão os teus pecados.
E eu, ao ouvir o teu amargo soluçar se me disporei
Com as mãos a parar as tuas lágrimas...


Perdoar Ana/Menina,

Jamais!

Paulo Diniz - "E agora, José" (texto de Carlos Drummond de Andrade)

Poesia Falada | Poema Falado | Momentos - Nadine Stair

INSTANTES. Nadine Stair/Don Herold.

Valgo. Poema de Nadine Stair.

LPB - Poema "Instantes/Moments " (Nadine Stair) - Dreamin' (Cortazar)

Que lições podemos tirar de Instantes

 

 
 
 

Que lições podemos tirar de Instantes

 

Esse foi um artigo que escrevi em novembro de 2003. Faz muito tempo. Reencontrei-o em alguns sites ainda. Vou reproduzi-lo aqui nessa época natalina. Vale a pena a reflexão.

 

QUE LIÇÕES PODEMOS TIRAR DE INSTANTES

 

Da primeira vez que li “Instantes” – mostrado ao fim deste artigo – senti um frio na barriga. No auge de meus 17 anos, rebelde e precoce, senti que a vida valia um pouco mais do que eu estava pagando por ela.

Como muitas outras pessoas, também o recortei e o guardei na carteira. Durante algumas crises e situações difíceis o tomei por uma oração e por um estímulo. Em outras, o li em mesas de bares em comemorações com amigos e até em noites de prazer com namoradas e amantes. Já o li em pura e simples solidão, só para me lembrar daquele friozinho que sentira anos antes.

Talvez o grande mérito de “Instantes” seja resumir toda a essência do “ser criança novamente”. Todos temos um moleque dentro de nossos corações, e, como diria Milton e Brant, “toda vez que o adulto balança, ele vem pra me dar a mão”.
É um poema triste que celebra a alegria. Tenho certeza de que muitos já se emocionaram ao lê-lo ou de que foram definitivamente marcados por suas palavras em uma época ou outra da vida.

Se o lermos com bastante atenção, ele nos revelará alguns segredos que não estamos acostumados a escutar por aí.

“Se eu tivesse outra vida pela frente trataria de cometer mais erros” é, sem dúvida, uma bela frase que se resume em um acertado conselho: Erre.
Nossos erros deveriam ser estudados cuidadosamente e considerados como presentes do acaso, estimulantes para a nossa criatividade, oportunidades que só nós tivemos o privilégio de receber. Encare o erro como parte ou início do processo em busca do acerto.

Empresas como a 3M incentivam seus funcionários a errar, ou melhor, a experimentar. Não é a toa que ela é considerada uma das empresas mais criativas do mundo.

O poema nos dá a entender, em diversas passagens, o nada convencional “quebre as regras!” Não existe melhor conselho para quem quer fazer florescer sua criatividade, um produto que é vendido caro hoje em dia. Empresas de todo os setores procuram hoje pelo empreendedor criativo, uma raridade no mercado, uma espécie em extinção.

O criador da expressão “pensamento lateral”, Doutor Edward de Bono, estudou a fundo a criatividade e acerca dela disse que não é simplesmente uma maneira de fazer melhor as coisas. Sem ela, somos incapazes de fazer pleno uso das informações e experiências que já estão disponíveis e estão presas a antigas estruturas, padrões, conceitos e percepções.
De Bono defende a teoria de que nosso cérebro forma padrões com muita facilidade, e uma vez formados, escapar deles é a chave para o processo criativo. Pense no seguinte exemlpo: Há poucos anos, se pensássemos na palavra computador, nosso cérebro nos remeteria a uma máquina branca e fria, que era, no mínimo, feia. Eram os que existiam na época. Como o poema nos disse: quebre as regras, e, Steve Jobs, criador da Apple Computadores, o fez criando um novo produto: um computador que tinha, além de pentes de memória e placas de rede, design. Ponto para a criatividade.

O poema vai ainda mais longe e suas lições parecem fazer cada vez mais sentido ao longo dos anos. Em um tempo em que países do mundo inteiro diminuem a jornada semanal de trabalho e que a grande vedete do momento é a “qualidade de vida” ele manda seu recado: “Divirta-se”. De que vale a vida se não houver diversão? O dinheiro é só um meio, o fim ainda é o prazer de estar vivo.

Talvez, falar em diversão dessa maneira lhe soe um tanto demagógico: muito bonito e simples de falar, mas, difícil cumprir. Quando você trabalha várias horas por dia aturando um ambiente hostil e competitivo, em que parte entra a diversão?
Seguindo mais um conselho das linhas de Instantes: relaxe. A diversão não vem de fora para dentro, mas parte em sentido contrário, tendo início dentro de cada um de nós. A maneira como vemos as coisas é peculiar, inerente à nossa experiência de vida, valores e estado de espírito. A realidade pode ser única, mas a maneira pela qual a percebemos é que faz toda a diferença entre quem só vê problemas e quem só vê oportunidades.

Confúcio disse certa vez: “escolha um trabalho que você ame e não terá que trabalhar um único dia na sua vida”. Tendo em vista a origem da palavra trabalho – tripauli, instrumento de tortura da antiguidade – ele estava dando um valioso conselho aos profissionais de hoje. Acrescentaria às suas palavras o seguinte comentário: aprenda a gostar do que faz e se divertirá mais.

Tomar mais sorvete e menos lentilha só depende de você.

Para mim, a estrofe que mais manifesta o sentimento de liberdade é “começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono”. Parece ser daquelas cenas que povoam nossos sonhos ou que remetem-nos ao idílio de trabalhar na praia gerindo uma pequena pousada, longe do estresse e da poluição das grandes cidades. Quem nunca teve vontade de largar tudo em busca de um sonho não está sendo criativo o suficiente ou não leu Instantes como ele merecia ter sido lido.

Mais uma lição legada pelo velho poema: “Sonhe”.
Sem sonhos não há motivação para continuar a ir em frente. Você deve caminhar para chegar a algum lugar. Infelizes aqueles que caminham só para não parar.
Se Walter Elias Disney não tivesse como lema “seguir pela vida sonhando” não teríamos a Disneylândia, nem o Epcot Center, nem o Mickey, nem a Minie, nem o Pateta. Personagens que povoaram nossa infância e fizeram com que pudéssemos exercer nosso direito de sermos crianças.

O que seria das empresas sem sonhos. Lembre-se de que elas não passam de um amontoado de tijolos, brita, papel e cimento alimentadas pelos sonhos de seus integrantes. No momento em que seus colaboradores perderem a vontade ou a motivação para sonhar, acredite, venda suas ações.

O poema ainda nos traz uma última lição.

Sempre acreditei, e você, pode ser que ainda acredite, que Instantes fora escrito por ninguém menos do que Jorge Luis Borges, brilhante escritor argentino. Há poucos meses, porém, descobri algo que me deixou estarrecido e de certa forma, órfão. Li em uma revista que o poema em questão não era de Borges e sim de uma ilustre desconhecida chamada Nadine Stair. A própria viúva do escritor admitiu na imprensa o embuste. Pasmem!

Será que tudo em que acreditei desde o momento em que pus os olhos naquelas palavras fora ilusão?

Instantes, a partir daquele momento, estranhamente, ficou ainda mais especial. Continuarei acreditando nas suas palavras e em que em todos nós há uma Nadine Stair adormecida. Alguém que, sem rosto, nos sorri, nos dá ânimo nas horas difíceis e nos deleita ainda mais nas agradáveis.

Não importa quem o escreveu, certas coisas já estão latentes dentro de nós esperando apenas que alguém as traduza. Instantes poderia ter sido escrito por qualquer um de nós: “Nadines Stairs” anônimas e comuns.

 

INSTANTES


Se eu pudesse viver a minha vida novamente, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo.

 

(Nadine Stair)


Conrado

Conrado Adolpho, empresário há 22 anos, é especialista em alavancagem rápida de micro e pequenas empresas. Formado em Marketing com especialização em Economia, autor, consultor, palestrante, estudioso de filosofia e ativista social. Idealizador do Método 8Ps - método de Marketing Digital e Vendas, que é utilizado hoje por diversas agências, faculdades e empresas por todo o Brasil, e instituições de alguns outros países. Tem como missão pessoal "Transformar o mundo através do empreendedorismo" e já ajudou mais de 8 mil pessoas através do treinamento Imersão 8Ps e impactou mais de 33 mil empresas através do Método 8Ps. Autor do best-seller brasileiro de marketing mais vendido do país e vendido também em Portugal: Os 8Ps do Marketing Digital.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

A alienação do trabalho


A alienação do trabalho

 

“Partiremos de um fato econômico contemporâneo. O trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais riqueza e sua produção cresce em força e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo das mercadorias. O trabalho não cria apenas objetos; ele também se produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens. ” Manuscrito econômico-filosófico, Karl Marx.

A alienação torna o trabalho estranhado, o trabalhador não se apropria do que é produzido. O indivíduo não se reconhece no trabalho, se desumaniza, o trabalho longe de ser sua realização enquanto indivíduo é sua escravidão. Alienação da nossa própria vontade, de nossos sentidos utilizados pelo capitalista.

No mundo das mercadorias, é o homem a principal mercadoria, é através da utilização da força de trabalho, do trabalho vivo no intercâmbio com as máquinas, trabalho morto, que se cria riqueza a mais-valia que é apropriada pelo burguês; a venda é quantificada pelo tempo, podendo o capitalista aumentar o ritmo da produção e extrair mais valia relativa, ou aumentar a jornada de trabalho e extrair mais valia absoluta.

A produção é coletiva e social, mas sua apropriação é individual; a riqueza produzida fica nas mãos dessa minoria de exploradores, o salário é apenas para manter-nos vivos, satisfazendo as necessidades mais básicas. Por isso que estamos submissos a vontade do capitalista porque ele controla os meios de produção, e sua vida é explorar para continuar existindo enquanto capitalista. Utiliza de discursos de que temos todos o mesmo interesse, busca a integração dentro da hierarquia servindo a vontade da empresa, utiliza a conciliação com a burocracia do sindicato para evitar conflitos e manter a passividade da escravidão assalariada, e assim pagar o mais baixo salário possível.

Essa relação não se restringe à fábrica, o capitalismo está presente em tudo, cria um mundo falso de ideologias, um modo de vida individualista, traz a ideia de como você precisa ser, de como você tem que se comportar, o que você precisa para ser feliz, muito preso à ideia de consumir; numa relação de posse, você vale o que você tem, um rico tem muito valor para sociedade, mesmo sendo o mais mesquinho explorador. Essa forma de enxergar o mundo é a ideologia dominante, com a qual é necessário romper e criar solidariedade entre os trabalhadores que se enfrentam diariamente com essa realidade.

O Estado no qual vivemos se constitui para servir a classe que detém o poder econômico, existe alienação política, pois quem governa defende os interesses dos que vivem da exploração, da dominação, a democracia é falsa, é ideologia basta olhar para quem consegue se eleger e a realidade na qual vivem. A educação, as leis, a segurança pública têm o caráter de classe, utilizado para continuar o ciclo de reprodução do capital.