Publicado por José Herval Sampaio Júnior
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Como contraponto ao nosso texto "O escândalo de desvio de dinheiro da Petrobras pode levar à perda do mandato ou impeachment da Presidente?", trago um artigo de meu tio Emanoel Braga, antropólogo do IPHAN que analisa o referido texto sobre o aspecto político, histórico e sociológico, tudo para que possamos discutir o máximo possível sob todos os aspectos, ressaltando mais uma vez que nossa análise foi eminentemente técnica na ótica jurídica e, se vão usar o arcabouço jurídico para alicerçar um golpe, desde já não concordo, e o nosso texto, por óbvio, não legitima tal atitude..
Por Emanoel Braga
Tenho visto especialistas e professores da área do Direito, representantes da cúpula da OAB e magistrados com posicionamentos veementes acerca de uma constatação assaz óbvia: o direito a ocupar os mandatos políticos obtidos em processos eleitorais não é absoluto. Sem dúvida! Ninguém em sã consciência e com mínimo conhecimento jurídico nega isso. Os especialistas lembram, entre outros mecanismos legais, o dispositivo com o nome estrangeiro “impeachment”. Citam artigos daConstituição Federal e passagens de uma lei de 1950 que define os chamados “crimes de responsabilidade”, todos em bom português, sem estrangeirismos.
Rememoram, então, o histórico e malfadado ocorrido com o ex-presidente Collor e afirmam com certa alegria infantil que a atual presidenta reeleita Dilma, por conta das investigações da rede de pessoas e instituições envolvidas com o desvio de dinheiro da Petrobrás, pode sim ser vítima/vilã em um processo de impeachment. Ora, é claro que pode, a lei prevê isso.
Mas a questão não é essa, nunca foi essa e nem vai ser. Antes do “chover no molhado” da pretensa racionalidade jurídica, torna-se imperativo constatar que nenhum texto legal, em qualquer contexto histórico contemporâneo de Estado Democrático de Direito, vai caracterizar um golpe de Estado socialmente concretizado como “fora da lei”.
Um golpe de Estado sempre está dentro da lei, sempre. O problema do golpe é político, não é jurídico. Jurídica é a solução do golpe, não o problema. O golpe deve ter seus argumentos racionais, ele depende disso para existir. Foi assim com Fernando Collor (Brasil) em 1992, com Hugo Chávez (Venezuela) em 2002 e com Fernando Lugo (Paraguai) em 2012, para citar apenas alguns exemplos mais recentes e mais próximos de nossa realidade.
Todos são reais golpes de Estado ou, no caso venezuelano, tentativa de golpe. Em “eras democráticas” o golpe deve parecer democrático e obrigatoriamente acontece na mais pacífica previsão legal. O fato de ocorrer em conformidade constitucional é o que caracteriza sua existência como fenômeno político.
Golpe de Estado não é um bicho-de-sete-cabeças, não é o evento cinematográfico promovido por um grupo de militares raivosos com metralhadora na mão obrigando um presidente, um governador ou um prefeito a abandonar a fórceps seu gabinete. Golpe é a articulação política e social, com forte atuação dos poderes hegemônicos midiáticos e das esferas oficiais governamentais de poder, para deposição de um representante de um determinado cargo político.
O caminho político (na verdade politiqueiro) mais eficaz para se chegar ao golpe é o denuncismo. A desestabilização da legitimidade do governo por meio da indústria de notícias, do martelar constante de fatos negativos, principalmente de desvios de verbas públicas, comprovados ou não, julgados ou não, constitui a coluna vertebral do golpe.
Não se apela para a incompetência do governo, apela-se para sua “falta de caráter”, apela-se para a procura desenfreada pelas ligações pessoais do líder eleito com o novo esquema de corrupção “descoberto”. A concretização ou não do golpe dependerá dos movimentos ou dos desmovimentos sociais. Assistiremos absortos como as instituições oficiais procedem racionalmente à derrubada do ocupante eleito para o cargo ou seguraremos de vez a onda do “Fora esse ou aquele”.
Dilma e sua equipe de cúpula não são o mesmo que Collor e sua patota traiçoeira no Brasil dos primeiros anos da década de 1990. Muito menos a nossa presidente tem a popularidade e o ativismo social do falecido Chávez. Ela não cativa muitos, nem é desprezada pela multidão.
O fantasma do golpe tem rondado o Brasil em todo o período de “redemocratização”. Cabe, como não poderia deixar de ser, ao que chamam “povo”, “nação”, ou “cada um de nós em conflito com os outros”, decidir os rumos políticos desse país dividido brutalmente em cor, terra, dinheiro e ideia. Divididos, ressabiados pelo último processo eleitoral, mas não reféns da interpretação de homens togados ou televisionados. Assim espero.
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