segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Direito Penal do Inimigo

Almério Vieira de Carvalho Júnior



Resumo: O inimigo representa aquele que rompeu seus vínculos com a sociedade, retornando a um estado de natureza. Estando neste estado qualquer medida que venha a ser tomada contra ele, a fim de neutralizá-lo é aceitável. As leis que aplicam-se aos cidadãos e ao Estado, estão dispensadas em relação ao inimigo. Gunther Jakobs desenvolve este conceito, apresentado aqui e o confrontamos com a prevenção geral positiva da pena, apresentando então exposição do pensamento deste autor.
Palavras-Chave: Direito Penal; Inimigo; Cidadão; Prevenção Geral Positiva; Pena.
Resumen: El enemigo es el que rompió sus lazos con la sociedad, volviendo a un estado de naturaleza. Estando en este estado, cualquier acción que pueda tomarse en su contra con el fin de neutralizar es aceptable. Las leyes que se aplican a los ciudadanos y el Estado, están exentos en relación con el enemigo. Gunther Jakobs se desarrolla este concepto, y que aquí se presenta ante una prevención general positiva de la pena, ofreciendo así la exposición pensamiento de este autor.
Palabras: Derecho Penal; Ciudadano; Enemy; Prevención General Positiva, Pena.
Sumário: 1. O inimigo; 2. O Direito Penal do Inimigo Segundo Jakobs; 3. A Prevenção Geral Positiva da Pena e o Direito Penal do Inimigo; 4. Referências Bibliográficas.
1 O inimigo
O conceito de inimigo, fundamento do direito penal do inimigo defendido por Günther Jakobs, não é recente, há muito filósofos trataram de conceituá-los. Para Kant “o estado de natureza é estado de guerra”[1], sendo a paz possível apenas a partir do Estado civil. No estado natural os homens representam entre si ameaças mútuas. Em um Estado civil espera-se, a partir do controle social, que não haverá, por parte de outros homens, hostilidades. Espera-se que não haverá riscos à segurança nas relações entre os homens. Um homem entenderá o outro como seu inimigo por não assegurar-lhe segurança em razão da ausência de participação do estado legal comum.
“O estado de paz entre homens que vivem juntos não é um Estado Natural (status naturalis), que é mais um estado de guerra, ou seja, um estado no qual ainda que as hostilidades não estejam declaradas, nota-se uma constante ameaça. O estado de paz deve, portanto, ser instaurado, pois a omissão de hostilidade não é ainda garantia de paz e, se um vizinho não dá segurança ao outro (o que somente pode acontecer em um estado legal), cada um pode considerar como inimigo o que lhe exigiu esta segurança.”[2]
Nas palavras de Kant “eu posso obrigá-lo a entrar em um estado social-legal ou afastar-se do meu lado”[3]. Então, se um homem permanece em estado de natureza é considerada legítima qualquer ação que seja hostil em relação à ele, mesmo que não tenha cometido nenhum delito, pois ao estar fora do Estado civil, considera-se como constante ameaça à paz, a sua presença.
Hobbes entende que é inimigo aquele que quebra seus vínculos com a sociedade civil e retorna à vida em estado de natureza, entendendo estado de natureza como “a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida”.
Para Hobbes, portanto, o estado natural é um estado de guerra permanente onde os homens são inimigos entre si, podendo, como inimigos tudo contra todos, pois em estado de guerra não há leis, não há justo ou injusto e sequer bem ou mal.
Com intuito de abandonar este estado, os homens reuniram-se e fundaram o Estado (a partir do contrato social), desejosos de uma vida mais segura mesmo que implicando em uma redução de sua liberdade, tornando-se assim cidadãos.
Assim, as leis civis, feitas para os cidadãos, que pactuaram em favor da constituição do Estado, são dirigidas apenas aos cidadãos, enquanto que os inimigos, que negaram a autoridade do Estado, podem ser tratados como os representantes do Estado o desejarem.
O inimigo, que não esteve sujeito, ou se esteve, renunciou às leis da sociedade, pratica atos de agressividade que tornam legítimos qualquer reação por parte do Estado, pois se em estado natural permanecem, serão tratados segundo preceitos naturais e não sob as leis civis.
Um ato a um homem que não é cidadão, se em nome do bem dos que o são, é perfeitamente legítimo, tratando-se de um ato contra um inimigo, perfeitamente aceito quando representar um benefício ao Estado. Segundo Hobbes “é legítimo fazer guerra, em virtude do direito de natureza original no qual a espada não julga [...] nem tem outro respeito ou clemência senão o que contribui para o bem do seu povo”.
2 O Direito Penal do Inimigo segundo Jakobs
Para Jakobs deve haver dois tipos de direito. Um que é dirigido ao cidadão, que, mesmo violando uma norma recebe a oportunidade de “reestabelecer” a vigência desta norma através de uma pena - mas ainda assim, mesmo sendo punido, é punido como um cidadão – mantendo, pelo Estado, o seu status de pessoa e o papel de cidadão reconhecido pelo Direito[4].
Há porém um outro tipo de Direito, o Direito Penal do Inimigo, que é reservado àqueles indivíduos que pelo seu comportamento, ocupação ou práticas, segundo Jakobs, “se tem afastado, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa”[5], devendo serem tratados como inimigos.
Jakobs faz distinção entre o que é uma pessoa e o que é um indivíduo, para ele pessoa é aquele que está envolvido com a sociedade, sendo um sujeito de direitos e obrigações frente aos outros membros da sociedade da qual participa. Indivíduo, é um ser sensorial, pertencente à ordem natural, movendo-se inteligentemente, por suas satisfações e insatisfações de acordo com suas preferências e interesses, descuidando-se, ignorando o mundo em que os outros homens participam[6].
Em cometendo um delito, o cidadão participa de um processo legal que observa suas garantias fundamentais, recebendo uma pena como coação pelo ato ilícito cometido. O inimigo é um perigo que deve ser combatido, devendo o Direito antever ao efetivo cometimento de um crime, considerando desde início sua periculosidade. Nas palavras de Jakobs “o Direito penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo é só coação física, até chegar à guerra”[7].
Para Jakobs a periculosidade do agente serve à caracterização do inimigo, que contrapõe-se ao cidadão (cujo ato, apesar de contra o direito, tem uma personalidade voltada ao ordenamento jurídico devendo ser punido segundo sua culpabilidade), enquanto que o inimigo deve ser combatido segundo sua periculosidade. Não há vistas há uma conduta realizada, ou tentada, mas pressupõe-se o âmbito interno do indivíduo, o perigo de dano futuro à vigência da norma[8].
3 A Prevenção Geral Positiva da Pena e o Direito Penal do Inimigo
Para Jakobs a pena tem como função um reforço na confiança do Direito, infundindo na coletividade a necessidade de fidelidade ao direito, promovendo uma integração social. A norma penal serve para estabilizar as expectativas sociais frente às frustrações que ocorrem quando há uma violação das normas. Serve pois para assegurar a vigência de uma norma.
“A pena tem pois a missão preventiva de manter a norma como esquema de orientação, no sentido de que quem confia em uma norma deve ser confirmado como pessoa”.
Os indivíduos criam expectativas decorrentes das interações e do viver em sociedade, que muitas vezes redundam em frustrações e decepções que poderiam levar à desconfiança e quebra da fidelidade às interações sociais, sendo a pena, pois, um meio de se restabelecer a confiança, reparando ou prevenindo os efeitos negativos que a violação da norma produziu.
Para Jakobs “a pena é uma demonstração da vigência da norma à custa de um responsável”[9], tendo por função afirmar sua validade. “Missão da pena é a manutenção da norma como modelo de orientação para os contatos sociais. Conteúdo de uma pena é uma réplica, que tem lugar à custa do infrator, frente ao questionamento da norma”[10].
Ainda de acordo com Jakobs “os destinatários da norma não são primariamente algumas pessoas enquanto autoras potenciais, senão todos, vez que ninguém pode passar sem interações sociais e dado que por isso todos devem saber o que delas podem esperar”[11].
O que Jakobs propõe, resumidamente, com a teoria da prevenção geral positiva é que, é uma “prevenção geral para que produza efeito em todos os membros da sociedade, e positiva, para que o efeito gerado não seja o medo frente à pena, mas sim a certeza da vigência da norma, que foi agredida pela infração e tornou a ser fortalecida pela pena”[12].
O direito penal do inimigo é então, resumidamente entendido como aquele que a) determina ser o inimigo uma não-pessoa (se estabelecendo com ele uma relação de coação, de guerra); b) visa a combater perigos; c) atua por meio de medidas de segurança; d) trabalha com um direito penal do autor; pune a periculosidade do agente; e) é essencialmente preventivo; f) antecipa a tutela penal para punir atos preparatórios (perigo) e por fim é um direito anti-garantista, g) não promove a estabilização de normas (Prevenção Positiva) mas atribui a determinados grupos o status de infratores e age entendendo-os como tal sendo interceptados de pronto, em um estado inicial. É pois o Direito Penal do Inimigo um direito penal do autor e não do fato.
A prevenção geral positiva (Teoria da Pena) insere-se pois em um direito penal do cidadão, que, reconhece e tem expectativas em relação ao direito, enquanto que ao inimigo, resta um direito penal que busca apenas a neutralização, pois não há qualquer relação desse com o ordenamento e nem quaisquer expectativas.
Não se está mais, então, reafirmando a vigência da norma, mas, com relação ao direito penal do inimigo, se está garantindo que a sociedade perdure, mantenha-se, em face desses indivíduos.

Referências Bibliográficas

BONHO, Luciana Tramontin. Noções Introdutórias sobre o Direito Penal do Inimigo. http://jus.com.br/revista/texto/8439.
GUARAGNI, Fábio André. As Teoria da Conduta em Direito Penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
JAKOBS, Günther. MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do inimigo: noções e críticas. Org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2. Ed – Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2007.
MORAES, Alexandre Rocha Almeida. A Terceira Velocidade do Direito Penal: o “Direito Penal do Inimigo”. Dissertação de Mestrado PUC-SP, São Paulo: 2006
PIM, Joám Evans, Para a paz perpétua / Immanuel Kant. – Estudo introdutório. Tradução Bárbara Kristensen.– Rianxo:Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. – (Ensaios sobre Paz e Conflitos; Vol. V).
Notas:
[1] BONHO, Luciana Tramontin. Noções Introdutórias sobre o Direito Penal do Inimigo. http://jus.com.br/revista/texto/8439.
[2] PIM, Joám Evans, Para a paz perpétua / Immanuel Kant. – Estudo introdutório. Tradução Bárbara Kristensen.– Rianxo:Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. – (Ensaios sobre Paz e Conflitos; Vol. V).
[3] PIM, Joám Evans, Para a paz perpétua, p.65.
[4] CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo Noções Críticas, Org e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2 ed – Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed, 2007,p. 33.
[5] CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo Noções Críticas. p. 35.
[6] BONHO, Luciana Tramontin. Noções Introdutórias sobre o Direito Penal do Inimigo. http://jus.com.br/revista/texto/8439, p.5.
[7] CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo Noções Críticas. p. 30.
[8] CANCIO MELIÁ, Manuel, in JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo Noções Críticas. p. 33-34
[9] GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista – 2. Ed ver e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.293.
[10] GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista, p. 292.
[11] MORAES, Alexandre Rocha Almeida de, A Terceira Velocidade do Direito Penal: o ‘Direito Penal do Inimigo’. Dissertação de Mestrado: PUC-SP, 2006, p. 134.

[12] MORAES, Alexandre Rocha Almeida de, A Terceira Velocidade do Direito Penal: o ‘Direito Penal do Inimigo’, p. 146.

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