Interessante é o medo de sair do jogo e morrer. Porque morrer é exatamente o que vai acontecer ficando também. Já ouvi relatos de que a família é ameaçada. E, por isso, os meninos se veem sem saída. Continuam para preservar quem eles amam.
O curador, no dicionário, é uma pessoa responsável por cuidar de um menor ou de alguém que esteja ausente de suas obrigações. Explicando: o curador entra no lugar dos pais que estão omissos. Ausentes. Incapazes de cuidar. Que, mesmo perto, se distanciaram tanto que já não sabem o que se passa.
A incapacidade de ser pai passa também pela incapacidade de dar limites. Dizer não. Botar ordem na casa. Mostrar quem manda. Hoje em dia, em muitas casas, quem manda é a criança. Ela come o que quer, na hora que quer.
Pais têm medo de frustrar os filhos. Têm medo da raiva deles. De não serem mais amados, se contrariarem os pequenos ditadores que criam. E as crianças vão crescendo moles, sem formas. Numa angústia de quem tudo quer. E no orgulho de quem acha que tudo pode.
Todo mundo precisa ser olhado. Faz parte da necessidade humana mais básica. A mais primária de todas. Mas, infelizmente, nosso olhar se perde na tela do celular, do laptop. Na carga excessiva de trabalho. No desgaste do dia a dia. E os filhos acabam sendo colocados em segundo plano. Cada um isolado em seu quarto.
O que fazem no quarto? Você sabe? Tem ideia? Já tentou descobrir? Meninos abandonados de olhar costumam fazer muitas besteiras. Por exemplo, o que é um nudes? Senão a vontade de ser olhado? Mesmo da pior forma possível? Correndo o risco de viralizar na rede e ser ridicularizado. Importa ser olhado. Do jeito que for possível.
É horrível. Mas é um olhar. Muitas vezes, o único que o adolescente conseguiu obter. O olhar que lhe dá a sensação de estar vivo. Mesmo caminhando para a morte. De estar agradando a alguém. Mesmo que o resultado seja contra ele mesmo. Ele arranjou alguém que escute. Que se importe. Para o mal. Uma relação sadomasoquista. Mas é uma relação.
Crianças e adolescentes precisam de ordens, tarefas, limites. Mas acontece dos pais não darem. Pais que acham que precisam ser só muito legais. Acham que não precisam cobrar. Dizer não. Fazer com que se esforcem.
O limite, a tarefa, o olhar, eis o que dá estofo. Recheio. Raiz para dias de ventania. Tronco forte para os embates e a frustração. Eis o que dá gosto à vida.
Na falta de pais que imponham suas regras, e lhes deem forma, os adolescentes se entregam ao curador. Pessoa que vai fazer o que os pais não fizeram. Pais fariam para o bem. Porque amam.
As tarefas são ruins. Perigosas. Mas ali, atrás delas, está uma pessoa que cobra. Que exige. Que quer resultados. Quando os pais falham, o curador assume. Veja o estrago feito.
As tarefas são cinquenta. Incluem mutilação de partes do corpo. Filmes de terror. Atividades de madrugada. Entre outras coisas. Como pais que cobram resultados, os curadores exigem a postagem do resultado de cada tarefa executada.
A gente está abrindo mão de ser pais. De ditar regras. De ensinar a ser gente. E, sem perceber, jogando as crianças nas mãos dos monstros mais cruéis. Não pode tudo. Não pode viver na ilusão de uma vida sem dificuldades. É irreal e angustiante. Desprepara. Enfraquece.
O que leva nossos meninos a buscar a morte? Não é qualquer adolescente que entra numa furada dessas. Entram os que têm baixa autoestima. Os que se sentem fragilizados. Os que apresentam vínculos familiares frouxos. Enfim, resumindo, os que precisam de ajuda.
E, é preciso que se diga, quando um adolescente precisa de ajuda, a família precisa também. Vejo no consultório. É todo o grupo que precisa ser ouvido. E atendido. Acolhido. Sem críticas. Sem dedo apontado. Porque ser pai, mãe é difícil. E a gente faz o melhor que pode. Sempre.
Outro item que me chama a atenção é a solidão do adolescente que, só, se isola e se recusa a buscar ajuda. É comum adolescentes se fecharem em copas. Não contarem o que estão passando. Na ilusão de que vão resolver. Não resolvem.
O adolescente que está sofrendo muda. Qualquer pessoa muda. Ele pode apresentar mudanças na escola, no sono, no apetite. Pode se isolar. Evitar contato.
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