Brasil e Oriente Médio: desgraças paralelas
Nesta terça-feira, 8, dia do “
Mineiratzen” pelo que pouca gente deve te-lo lido,
O Estado de S. Paulo publicou um artigo de Mathieu Atkins, que cobriu para o
New York Times a luta entre as inumeras “
facções do islamismo” que compõem os grupos armados do “
Estado Islâmico no Iraque e no Levante” (o tal “
Isil“) e os que lutaram contra ele na cidade de Alepo que foi tomada por esses partidários da ressurreição de um “
califado islâmico”
modelo Século 7 e, em seguida, retomada por outros grupos armados não
necessariamente ligados ao governo desafiado pelos primeiros.
A matéria — “
A promessa dos radicais de Alepo”
neste link
— é uma confusão não porque seja defeituosa do ponto de vista
jornalístico mas porque descreve, com a fidelidade possível, uma
realidade que é uma tremenda confusão na qual, da Al Qaeda para cima –
ela também dividida em diferentes “
facções” e “
correntes” – o confronto inclui de tudo e mais alguma coisa daquilo que, do Século 7 em diante, quer ser chamado de “
variação do islamismo“.
Tentar entender as
nuances que separam esses grupos e essas supostas “
variações”
usando o racional e os padrões de definição política, ideológica ou
religiosa das democracias do Ocidente só pode conduzir – seja o
jornalista, seja o funcionário do Departamento de Estado, seja o
presidente dos Estados Unidos – de erro em erro, a catástrofes que
acabam sempre do mesmo jeito: à derrubada de cada tirania estabilizada
sucede uma tirania instável que passa a matar muito mais que a anterior
para se estabilizar, pois que é, sempre, de medição de forças entre “
chefões” e não de qualquer outra coisa mais substancial ou sutil que se trata.
A cada banho de sangue que se procura deter em nome de critérios
humanitários, portanto, segue-se em geral um banho de sangue ainda pior.
E a dificuldade está em que “
to disengage” e deixar isso
correr, como Obama anunciou que faria, joga tanta lenha nessa fogueira
de vaidades e ambições que, dado o poder das armas de hoje, põe a
continuação da humanidade em risco.
Se correr o bicho pega, se parar o bicho come…
Para um brasileiro acostumado a viver no meio de uma guerra que mata
mais que qualquer uma das declaradas do Oriente Médio sem sequer se dar
conta de que assim é porque aqui a mortandade não está assumidamente
relacionada à luta política (embora esteja de fato), não é difícil
entender porque as sucessões são como são no Oriente Médio.
Desde que a “
hegemonia cultural” socialista morena se
instalou nas nossas escolas, igrejas e meios de comunicação no nível
requerido para que passasse a se reproduzir sozinha “
educando”
as classes dominadas a tomar como natural e conveniente a sua submissão à
classe no poder, a nossa disputa política passou a ser semelhante às
das “
variantes do islamismo” em que se fragmenta o Oriente Médio: só ha diferenças de grau de radicalismo em torno da mesma única “
verdade” geral admitida, nas madraças lá, nas escolas aqui, “
verdade” esta cujo principal objetivo é tornar impossível àquele país e àquela população dominada fugir para a modernidade.
As verdades capazes de conduzir a ela são proibidas sob pena de
apedrejamento físico, lá, e de apedrejamento moral, aqui, e de forma tão
implacável e eficiente que, depois de algum tempo acabam sendo
esquecidas e nem chegam mais a existir no horizonte das possibilidades.
A representação política de toda a rica diversidade humana e mais a
da variedade das ambições em disputa — que continuam insistindo em ser
ricamente diversa, uma, e variada, a outra, seja como for que se as
cerque — fica, portanto, obrigada a se acomodar nesse estreitíssimo
espaço que sobra.
Assim torna-se tão difícil diferenciar uma “
corrente” do
islamismo da outra entre as que estão, por exemplo, em luta pelos
pedaços do Iraque neste momento, quanto é estabelecer as diferenças
existentes entre os 30 e tantos partidos políticos que disputam os
pedaços do Brasil agarrados a alguma “
corrente” ou variação do “
socialismo“.
Quem, tentando compreender tudo isso de fora, for suficientemente
realista para sair de dentro do seu próprio sapato e calçar o de quem
está dentro dessas realidades falsificadas haverá, entretanto, de
concordar com o que diz na matéria referida um chefe de um dos bandos em
luta, um certo Abu Bilal da “
Brigada Tawhid”.
“
Os comandantes dos supostos grupos seculares do Exército Sírio
Livre vinculados ao governo sírio no exílio que os governos ocidentais
vêm apoiando“, diz ele, “
são como as ONGs: sabem como dizer o
que o doador quer ouvir. Mas na realidade são só contrabandistas de
diesel que controlam uma parte da fronteira. Não empreendem nenhum
combate sério”.
Quem assiste os nossos “
Programas Eleitorais Gratuitos” sabe exatamente o que ele está querendo dizer.
La como cá, uma vez no poder, esses grupelhos que não representam
mais que as ambições pessoais do seu chefe tanto quanto qualquer “
cappo”
dono de quarteirão disputando um pedaço de uma cidade dos velhos filmes
da Máfia, mostram-se todos iguais: os sobreviventes compõem-se entre si
e instalam uma mistura de roubalheira com violência institucional na
dose que for necessária para não perder o pivilégio de ser ele a
comandar o saque da população do território conquistado de que, no fim
das contas, todos eles participarão em algum grau para permitir uns aos
outros que o saque prossiga, de forma organizada, pelo maior tempo
possível.
Não faz diferença nenhuma as alegadas
nuanças da fase de
disputa pelo poder, assim como não faz grande diferença que uns segurem o
território conquistado com kalashnikovs e os outros com dinheiro. O
certo é que tudo isso não tem nada a ver, nem com islamismo, nem com
socialismo, que é coisa que nunca existiu no universo da realidade, nem,
muito menos, com democracia, além de ser sempre muito difícil chegar a
uma conclusão sobre qual dessas duas formas de se sustentar no poder
mata mais.
Lá como cá, estancar a sangueira e fugir para a modernidade depende estritamente de se encontrar os meios de colocar as “
religiões”
e os dogmas nos seus devidos lugares e tratar de por as relações entre
os homens e as deles com o Estado dentro dos limites estritos das leis e
das instituições as mais impessoais, objetivas e invioláveis possíveis,
de modo a permitir que, respeitados esses limites, cada um estabeleça a
sua relação com deus e busque a própria felicidade da maneira que
melhor lhe der na telha.