O futuro do Brasil, por Sérgio Sérvulo da Cunha
O futuro do Brasil
por Sérgio Sérvulo da Cunha
Não sei dizer o que acontecerá com o Brasil no mês que vem, ou em outubro deste ano, ou daqui a um ano.
Mas
a partir do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal, por sua
medíocre maioria, transformou Lula num mito nacional, posso dizer, com
toda certeza, parte do que acontecerá no futuro.
Mito,
por exemplo, é o advogado negro Esmeraldo Tarquínio, que eleito
prefeito de Santos, foi impedido de tomar posse pela ditadura militar.
Mito,
por exemplo, é o advogado negro Nelson Mandela, que obrigado, pelo
governo racista da África do Sul, a passar grande parte de sua vida na
prisão, dela saiu para liderar a luta contra a discriminação, e para ser
eleito presidente daquele país.
Mito,
por exemplo, é o pastor negro Martin Luther King, prêmio Nobel da Paz
em 1964, que liderando a luta não violenta pelos direitos civis dos
negros norte-americanos, foi assassinado em 1968.
Mito
é o nosso alferes, iluminista e patriota que, julgado e condenado pela
coroa lusitana, em processo regular, foi enforcado e esquartejado.
O
que se dirá de Lula no futuro? Que foi um menino pobre, que para
sobreviver vendia amendoim e engraxava sapatos; que, tendo feito um
curso de torneiro mecânico, virou operário; que perdeu um dedo em
acidente de trabalho; que se tornou líder sindical durante a ditadura
militar, sendo preso por ela; que, por insuficiência de instrução, tinha
a princípio um português claudicante; que era dono de inteligência e
personalidade invulgares; que foi fundador e o maior líder do Partido
dos Trabalhadores; que se elegeu deputado federal, e foi constituinte.
Que na sua quarta tentativa foi eleito presidente da República; que fez
um governo conciliador, segundo o seu temperamento. Que não guardava
ressentimentos, mágoas e rancores. Que levou água, energia, saúde e
alimento para o nordeste. Que lutou pela independência do Brasil no
plano internacional. Que, reeleito para um segundo mandato, ao seu
término recusou propostas para se reeleger por uma segunda vez. Que
deixou o governo com 87% de aprovação. Que fez sua sucessora, contra a
qual se sublevou a oligarquia. Que foi o único presidente do Brasil a
olhar pelos pobres. E, coisa difícil na política brasileira, que era
honesto. Que a plutocracia nacional, sua inimiga, vasculhou sua vida
pública e privada buscando incriminá-lo. E que, nada encontrando,
inventou acusações mentirosas. Que foi julgado por juiz que não era o
natural, mediante uma denúncia inepta, e foi condenado sem provas. Que
sua apelação, distribuída em segunda instância a julgadores que não eram
os naturais, foi rejeitada sem que se tivessem analisado devidamente as
suas razões. Que também foi ré nesse processo sua esposa, que veio a
morrer de desgosto antes do seu término. Que seus filhos foram vítimas
de calúnias e perseguições. Que o Supremo Tribunal Federal negou-lhe o
habeas corpus a que tinha direito nos termos da Constituição e da lei.
Que manteve sua dignidade, na prisão como fora dela. Que o local do seu
confinamento virou ponto de peregrinação. Que depois de seu
confinamento, tal como Mandela ele liderou a insurgência contra a
injustiça social. E que depois de extravasarem seu ódio, seus
linchadores nada mais tiveram a dizer senão algo que já tinha sido dito
antes: que seu sofrimento caia sobre nossas cabeças e a de nossos
filhos.
O
mito de Lula fará parte da saga do povo brasileiro; fará parte dela
como capítulo indispensável, que precisava ser escrito antes de soar,
para os milhões de oprimidos, a hora da libertação. Porque, como dizia o
alferes, libertas quae sera tamen.
Sérgio Sérvulo da Cunha é advogado, autor de várias
obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de
gabinete do Ministério da Justiça.
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