Um campo insalubre no Sudão, ou Tigré em guerra: o dilema dos refugiados
Gedaref, Sudão, 30 Nov 2020 (AFP) - Os etíopes que fugiram do conflito em Tigré enfrentam um dilema cruel, tendo de escolher entre suportar condições difíceis em um campo de refugiados, ou correrem o risco de retornar à sua região em guerra.
Mais de 45.000 pessoas fugiram de Tigré para o Sudão desde o início da ofensiva do primeiro-ministro Abiy Ahmed, em 4 de novembro, contra o governo dissidente desta região do norte da Etiópia.
Ahmed prometeu proteger os civis e pediu repetidamente o retorno dos refugiados.
Na fuga, várias famílias se separaram. Os agricultores foram forçados a abandonar rapidamente seus campos, enquanto o gergelim e o sorgo ainda não foram colhidos.
Refugiaram-se em campos insalubres no Sudão, com difícil acesso a água e alimentos e com instalações sanitárias insuficientes. Muitos esperam um retorno à normalidade em Tigré para retomar suas vidas.
Drajo Germaya, hospedado por uma família sudanesa na cidade fronteiriça de Hamdayit, está determinado a retornar, independentemente do resultado do conflito.
"Tenho uma granja em Mai Kadra [em Tigré] e não quero viver em um campo de refugiados", diz ele.
"Quando eu voltar para a Etiópia, será questão de vida ou morte, mas estarei lá".
Outros, que afirmam ser marginalizados na Etiópia, explicam que não têm outra escolha a não ser uma vida em outro lugar.
- Esperança de retorno -O primeiro-ministro Abiy Ahmed, prêmio Nobel da Paz de 2019, declarou no sábado que as operações militares "terminaram", após assumir o controle da capital regional, Mekele.
Ele também insistiu na prioridade de um "retorno à normalidade" para os habitantes de Tigré e disse desejar "trazer de volta aqueles que fugiram".
É difícil saber o que está acontecendo no terreno, pois as comunicações com a região rebelde foram interrompidas desde o início da ofensiva.
De acordo com funcionários das Nações Unidas, muitas pessoas preferem ficar perto da fronteira na esperança de voltar para casa em breve.
"Cerca de 80% dos refugiados são agricultores que não terminaram suas colheitas. Eles querem voltar para fazer isso", explica Po Mayro do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), no centro de trânsito de Hamdayit.
O alto comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi, disse no sábado que "eles não apenas abandonaram seus campos antes da colheita", mas também "deixaram parte de suas famílias e propriedades".
Um dos países mais pobres do mundo, o Sudão já enfrenta dificuldades para lidar com esse fluxo repentino. Esta crise está "além da capacidade do estado fronteiriço" de Gedaref, disse seu governador, Soliman Ali, à AFP na semana passada.
Grandi usou sua visita a Um Raquba para fazer um apelo aos doadores, já que o Sudão precisa de US$ 150 milhões para lidar com o influxo de refugiados.
As condições de vida e sanitárias são difíceis. Muitos casos de disenteria, tuberculose, malária e HIV foram relatados, segundo médicos da ONG Mercy Corps, que temem que a superlotação piore a situação.
No momento, nenhum caso de coronavírus foi registrado entre os refugiados, mas o risco de uma rápida disseminação para as aldeias vizinhas preocupa a opinião pública.
Apesar dessas condições difíceis, alguns preferem a vida de refugiado à de cidadão sob o governo de Abiy Ahmed.
Em Um Raquba, Gabrahi Wadgeday também rejeita qualquer retorno. "Por que eu voltaria? Para morrer? Não quero morrer", explica ele.
Burhan Yusef condiciona sua volta a uma mudança de regime em Addis Abeba. "O governo de Abiy Ahmed deve mudar e, nesse caso, voltarei. Do contrário, ficarei aqui", diz o homem de 77 anos.
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